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Resumo
Respostas diferentes ou incompatíveis sobre objetivos terapêuticos são encontradas mesmo entre
profissionais da abordagem analítico-comportamental. Alguns fatores contribuem para essas
divergências: a multideterminação do comportamento; a múltipla formação da terapia
comportamental; o surgimento recente da literatura clínica behaviorista radical; a análise a partir
do sujeito único; o fato de que o estabelecimento de objetivos é pouco explorado ou discutido na
literatura. Estabelecer objetivos na clínica exige uma boa interpretação dos processos
comportamentais envolvidos, orienta o terapeuta no processo de intervenção, favorece a
motivação do cliente para mudanças, fornece maior segurança ao terapeuta e cliente, e oferece
melhores parâmetros de avaliação da terapia. Este texto se propõe a estimular reflexões sobre o
direcionamento clínico dentro do referencial analítico-comportamental e apresenta algumas
análises que podem contribuir para minimizar divergências ou incompatibilidades. Casos clínicos
tratados na abordagem comportamental são utilizados para exemplificar diferentes
direcionamentos a partir dos mesmos dados.
Abstract
Different or incompatible answers about therapeutic goals are found even among behavior
analysts professionals. Some factors may contribute to divergences: multidetermination of
behavior, multiple origins of behavior therapy, the recent rise of clinical behavior analytical
literature, the analysis of individual subject, the discussion of establishment of therapeutic
objectives is little explored in literature. Establishing objectives requires good interpretation of the
behavior process, gives the therapist directions for, helps client motivation for change, gives more
security to therapist and client and offers better parameters for therapeutic assessment. This work
intends to develop reflections about clinical directions in a behavior-analytic approach and
presents some analyses that can contribute to reduce divergences or incompatibilities. Clinical
cases treated in the behavioral approach are presented to exemplify different directions for the
same data.
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João Vicente de Sousa Marçal
Pessoas buscam terapia motivadas por sofri- não possam ser bem-vindas. A idéia principal
mentos, insatisfações, sentimentos de inade- é suscitar questionamentos sobre o direciona-
quação, somatizações ou para entenderem mento terapêutico.
mais sobre si mesmas. Essas condições são
apresentadas clinicamente através de queixas Análise comportamental clínica
ou pistas indiretamente fornecidas pelo clien-
te (Kohlenberg & Tsai, 1991/2001). Baseados A Análise Comportamental Clínica2, também
nessas queixas os profissionais buscam obter freqüentemente nomeada como Terapia Ana-
mais informações e, a partir de um referencial lítico-Comportamental3, é um termo usado
teórico, fazem interpretações e estabelecem para se referir às propostas de intervenção clí-
formas de intervenção que julguem ser apro- nica que são baseadas nos princípios prove-
priadas. Este processo, no entanto, dificilmen- nientes da Análise Experimental do Compor-
te deixa de ocorrer sem o surgimento de algu- tamento e do Behaviorismo Radical de B. F.
mas indagações relevantes, comuns no traba- Skinner. Suas estratégias de intervenção estão
lho clínico. Por exemplo, o que seria melhor voltadas para o setting terapêutico, em que há
para o meu cliente? O que deve ocorrer para ênfase na análise operante do comportamento
que a sua vida melhore? Quais estratégias de verbal, na relação terapeuta-cliente e na
intervenção seriam mais eficazes? O que pode análise dos eventos privados sem, no entanto,
servir de parâmetro? Enfim, quais rumos perder o cunho externalista de causalidade.
seguir a partir das queixas? Entre alguns modelos clínicos baseados na
Embora estas questões possam ser pronta- Análise do Comportamento, destacam-se a
mente respondidas por terapeutas com boa Psicoterapia Analítica Funcional - FAP4
experiência clínica (e.g. Beckert, 2001), não se (Kohlenberg & Tsai, 1991/2001), a Terapia por
poderia assegurar que as mesmas seriam Contingências de Reforçamento (Guilhardi,
convergentes ou compatíveis, mesmo consi- 2004), a Terapia de Casal Integrativa IBCT5
derando profissionais da mesma abordagem. (Berns, Jacobson e Christensen, 2000), a Tera-
As divergências podem ocorrer entre terapeu- pia da Aceitação e do Compromisso - ACT6
tas comportamentais e, mais especificamente (Hayes, Strosahl e Wilson, 1999), a Terapia
falando, entre aqueles que trabalham dentro Comportamental Construcional (Vanden-
da Análise do Comportamento. Objetivos berghe, 2003) e a Terapia Comportamental
diferentes muitas vezes implicam em resulta- Dialética (Vandenberghe, 2003).
dos diferentes e, por vezes, incompatíveis. No behaviorismo radical, o comportamento é
Este artigo apresenta alguns aspectos que determinado e definido como interação orga-
contribuem para haver divergências quanto nismo-ambiente, tem função biológica adap-
ao estabelecimento de objetivos na prática tativa, é entendido dentro de um contexto e a
clínica comportamental, especificamente den- partir de relações funcionais - as contingên-
tro de um referencial analítico-comportamen- cias7 - e descreve um modelo selecionista de
tal, e propõe alguns critérios de análise que causalidade, abrangendo a história da espécie,
poderiam minimizá-las. Não se pretende com do indivíduo e da cultura (Baum, 1999; Chie-
isso eliminar a tão necessária variabilidade no sa, 1994; Dougher & Hayes, 2000; Skinner,
raciocínio clínico e nem indicar que diferenças 1981; Todorov, 1981). Esta filosofia também
2Clinical Behavior Analysis. Esta expressão também tem sido traduzida como Análise Clínica do Comportamento (e.g. Vandenberghe,
2001).
3Para saber mais sobre o assunto, sugiro o texto de Tourinho e Cavalcante (2001) intitulado Por que a terapia Analítico-Comportamental?
4Functional Analytic Psychoterapy
.
5Integrative Behavioral Couple Therapy.
6Acceptance and Commitment Therapy. Embora com alguns pressupostos que difiram do modelo skinneriano, como no caso da definição
do que é comportamento verbal, a ACT desenvolveu-se a partir dos princípios da Análise Experimental do Comportamento,
compatíveis com o Behaviorismo Radical.
7Este termo, em psicologia, ressalta como a probabilidade de um evento pode ser afetada ou causada por outros eventos (Catania, 1998)
.
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Estabelecendo objetivos na prática clínica
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será peculiar, devido à sua história única. Isto palmente, o desenvolvimento de pesquisas no
abre inúmeras possibilidades interpretativas setor, permitirão a construção de parâmetros
e desfavorece pacotes generalizados de trata- mais fidedignos sobre a eficácia do método
mento. Duas pessoas, com o mesmo quadro empregado e facilitarão congruências no
clínico podem necessitar de intervenções con- raciocínio clínico. Os modelos já desenvol-
tingenciais bem diferenciadas. Como afirmou vidos são um grande passo neste sentido.
Dougher e Hayes (2000), o que é reforçador ou A seguir, serão analisadas algumas sugestões
punidor varia de pessoa para pessoa, e ao de aspectos básicos a serem considerados, a
longo do tempo para a mesma pessoa. partir do que é apresentado pelo cliente na
sessão. Estes tópicos buscam favorecer a
Estabelecimento de objetivos é pouco explo- definição de objetivos na terapia, são compa-
rado ou discutido na literatura - Estas múl- tíveis com o que já foi apresentado por outros
tiplas possibilidades interpretativas podem autores (e.g Berns, Jacobson e Cristensen,
ter contribuído para que o estabelecimento de 2000; Guilhardi, 2004; Hayes, Strosahl e
objetivos na análise comportamental clínica Wilson, 1999; Kohlenberg e Tsai, 1991/2001) e
fosse tratado de uma forma mais geral (mudar em conformidade com os princípios da análise
as contingências mantenedoras do quadro), experimental do comportamento e a filosofia
ou apenas dentro de um modelo de raciocínio, behaviorista radical. Buscam identificar: a)
como no caso da FAP (que busca criar condi- temas relacionados a condições aversivas com
ções dentro da sessão para que o terapeuta base nas queixas, sentimentos do cliente; b)
possa reforçar imediatamente, e de forma na- padrões comportamentais generalizados; c)
tural, os comportamentos apropriados do contextos históricos que favoreceram o
cliente que são pouco freqüentes - e também desenvolvimento desses padrões; d) efeitos
enfraquecer os chamados comportamentos- que os comportamentos do cliente trazem
problema, considerados não adaptativos) e da para a sua vida e; e) variáveis motivacionais
ACT (que busca quebrar o controle verbal que para a mudança.
impede o cliente de buscar novas experiências Todas estas questões são aqui consideradas
e assim produzir as mudanças comportamen- importantes para o estabelecimento de obje-
tais necessárias ao seu bem-estar e adaptabili- tivos. Não cabe à proposta deste trabalho, dis-
dade). Não é comum se encontrarem estudos cutir modelos ou formas de intervenção.
clínicos que explorem uma discussão genera-
lizada acerca dos possíveis objetivos terapêu- ! Identificação de temas gerais relacionados
ticos a serem tomados em cada caso e quais os às condições aversivas presentes na vida do
prováveis resultados. cliente.
Temas gerais relacionados aos sentimentos
Desenvolvendo objetivos na Análise Com- do cliente podem ser identificados pelo tera-
portamental Clínica peuta, tais como: insatisfação no relaciona-
mento familiar, sentimentos de rejeição em
Existe a possibilidade de, no futuro, tera- contatos interpessoais, sentimentos de an-
peutas analítico-comportamentais apresenta- gústia e incapacidade diante da vida, sofri-
rem objetivos clínicos convergentes ou mes- mento por perda, ansiedade diante de
mo semelhantes a partir dos dados de um desafios, insatisfação com o modo de agir,
mesmo caso? Esta é uma questão difícil de desânimo generalizado, medo de críticas,
responder, em função das razões já descritas. elevada tensão emocional, frustrações amo-
A área está em pleno desenvolvimento. De rosas, etc. Berns, Jacobson e Christensen
qualquer forma, a estruturação de modelos (2000) utilizam um recurso semelhante
em análise comportamental clínica e, princi- aplicado à terapia de casal e enfatizam as
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vantagens da definição de classes de respos- com outras pessoas? Isto acontece apenas
tas em termos funcionais, favorecendo a que em relações mais próximas?
uma mudança num comportamento resulte Neste caso, alguns padrões comportamen-
na mudança em outros. A similaridade fun- tais mais amplos poderão estar relacionados
cional também é enfatizada por Kohlenberg e a essa queixa e deverão ser investigados, tais
Tsai (1991/2001). Portanto, trabalhar com como saber o nível de exigência dos outros e
temas permite uma visão molar dos compor- de si, a resistência geral à frustração, se há
tamentos do cliente, evita a necessidade de características de impulsividade, se apre-
descrição e análise de cada e de todas as senta baixo autocontrole em outras situa-
situações e também permite trabalhar com ções, se há “egocentrismo”, se há o hábito de
vários comportamentos simultaneamente. culpar os outros pelas coisas que não dão
Follette, Naugle e Linnerooth (2000) também certo e assim por diante. A identificação
consideram importante colocar os temas em desses padrões deverá ser feita junto à clien-
ordem hierárquica de importância clínica. te, num ambiente de não-julgamento14. Esta
Junto à identificação dos temas devem ocorrer é uma etapa inicial de autoconhecimento:
a análise das contingências aversivas rela- saber que, onde e como se comporta. As outras
cionadas a estes, as situações gerais em que etapas incluem o saber por que se comporta
ocorrem, o início e as características dos pro- e quais os efeitos do seu comportamento no
cessos comportamentais relacionados ao mundo. Outros padrões não relacionados
tema, etc. diretamente às queixas iniciais podem ser
identificados no decorrer das sessões. O
!I d e n t i f i c a ç ã o d e p a d r õ e s terapeuta também pode formular hipóteses
comportamentais sobre prováveis comportamentos carac-
Os comportamentos do cliente relacionados terísticos do cliente e averiguar junto a este a
à queixa indicam um padrão (e.g. ocorre sua pertinência. Por exemplo, ao ouvir os
comumente em outros contextos) ou são relatos de um cliente dizendo que é
exclusivos de uma dada situação? Identi- acomodado em várias situações, o terapeuta
ficar padrões comportamentais amplia o pode questionar se este também tem dificul-
conhecimento sobre o cliente, favorece a dades em tomar decisões importantes, de ter
investigação histórica e possibilita maior iniciativa, de sempre esperar as coisas acon-
segurança quanto ao que pode e o que tecerem, de não ter persistência, ser depen-
precisa ser mudado. Pode-se exemplificar dente dos outros, ter baixa autoconfiança,
com o caso de uma mulher que reclama da etc. Isto pode indicar um “tronco” comum
sua relação com o marido, relatando agir de experiências, tais como ter sido acostu-
agressivamente com ele, quando este se mado a receber muitas coisas na vida sem
comporta diferentemente do que ela que tivesse que se esforçar para isso, como
gostaria. O clínico necessitaria saber mais ocorre nos esquemas em tempo15.
sobre a questão antes de propor formas de Além da forma de agir, poderão ser identi-
resolução do conflito. Por exemplo, isto ficados padrões relacionados a sentimentos,
ocorre em qualquer frustração ou somente processos emocionais, regras e reforçadores
em situações específicas? Ela age agressi- característicos. Esta visão mais ampla de pa-
vamente apenas com ele ou também o faz drões comportamentais exige uma análise
14
O não julgamento por parte do terapeuta favorece a correspondência verbal-não verbal (Beckert, 2001). Costumo dizer aos clientes que
não existem comportamentos certos ou errados, bons ou maus, feios ou bonitos; o que existem são comportamentos, seus determinantes
(ambiente histórico e atual) e os efeitos que estes trazem para a pessoa. Como será abordado a seguir, a análise dos efeitos pode deixar o
cliente em melhores condições de avaliar funcionalmente seus comportamentos e atribuir valores mais adequados aos mesmos. No
Behaviorismo Radical, a avaliação do certo e errado se baseia numa análise ampla das conseqüências do comportamento. Para se
aprofundar um pouco mais no assunto, sugiro Baum (1999, cap. 12) e Kohlenberg e Tsai (1991/2001, cap. 8).
15
Nos esquemas em tempo, a conseqüência ocorre independentemente da resposta.
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Este raciocínio não precisa (e geralmente não deve) ocorrer na terminologia específica da análise do comportamento. A linguagem
precisa ser acessível ao cliente.
18
São operações que alteram momentaneamente a efetividade reforçadora ou punidora de um evento e têm efeito evocativo ou
supressivo de respostas que foram conseqüenciadas com reforçadores ou punidores (Michael, 1993).
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Poder errar não significa provocar o erro.
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e que, como resultado, a mantêm nessas frustrados, relação ambígua com a mãe
condições. Estar na “bolha” não deixa de ser adotiva (tia) não consegue dizer não a esta,
bastante reforçador às vezes; no entanto, passado com vivências traumáticas, sensa-
produz efeitos colaterais adversos: não tem ção de abandono, dificuldade nas relações
autonomia para escolher onde quer estar, muito próximas, vontade de morrer.
sensações desagradáveis de pânico e ansie- - Objetivos terapêuticos anteriores: desenvolver
dade, sentimento de incapacidade diante da assertividade com a mãe adotiva, refazer
vida, poucas opções de escolha, dúvidas e regras sobre si (autovalorização), ser asser-
incertezas constantes, etc. tiva com namorados e amigos, técnicas para
!Aspectos motivacionais: há uma condição controle da impulsividade nas relações afe-
con-flitante. Existem condições reforçadoras tivas.
e aversivas para a sua estrutura de vida. Isto
pode implicar em algumas mudanças de um Terapia Atual
lado e permanência do quadro em outro
(e.g. é difícil abrir mão de privilégios apenas !Temas gerais/condições aversivas: sentimento
por seguimento de regras “idealizadas”). de desvalorização e incompetência nas
Ainda assim, as fortes condições aversivas relações afetivas (baixa auto-estima),
presentes valorizam processos de mudança. vontade de morrer, passado traumático.
!Padrões comportamentais: produtiva e auto-
Objetivos clínicos estabelecidos confiante profissionalmente e em relações
sociais superficiais, muito prestativa com os
1. Levar a cliente a identificar os processos his- outros, competitiva (relações de inveja e
tóricos e atuais que foram/são responsá- disputa), acostumada a conquistar a apre-
veis pelas condições atuais. ciação das pessoas (menos em namoros),
2. Entender que estas condições são inevitá- apresenta atitudes obsessivas genera-
veis como decorrência dos contextos os lizadas, é impulsiva nas relações amorosas,
quais viveu, e que AJK não é doente. tende a “sufocar” os namorados com exces-
3. Entender as variáveis motivacionais em so de dedicação, conquista-os como loba e
questão (ficar na bolha é bom algumas ve- depois “quer colo”, agressiva quando frus-
zes). trada, sente-se em débito com a mãe ado-
4. Avaliar os motivos pelos quais sua mãe age tiva, é muito carente de afeto, acostumada a
assim (não envolvendo julgamento) e as cobrar dos outros. Inassertiva com a mãe
dificuldades em quebrar essa relação prote- adotiva.
tora. !Análise histórica: abusos sexuais na infância,
5. Fazer uma análise motivacional para a pouca atenção da mãe biológica, criada pela
mudança. tia desde os 12 anos de idade (ajudou a cui-
6. Objetivo principal: promover a autonomia dar dos primos menores), ótima história
em diversos contextos! acadêmica e profissional, acostumada a
7. Recursos: inserção gradativa em contextos conquistar as coisas (sucesso, reconheci-
que favorecem uma autonomia. mento), suas relações amorosas são desfei-
tas pelo outro, perdeu o pai adotivo com
Caso clínico 4 quem tinha bom relacionamento (provável
suicídio), perdeu a filha um ano após (aci-
“Sou importante?” dente) quando esta tinha um ano, atritos em
- Dados: B.M.N, sexo feminino, solteira, 35 relações profissionais. Forte história de a-
anos, gerente de marketing. preço condicional e pouquíssimo amor in-
- Queixas iniciais: relacionamentos amorosos condicional.
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!Efeitos dos seus comportamentos: sua produ- únicas formas de abordar estes casos.
tividade, determinação, presteza e obsessi- Conforme foi discutido neste texto, as pos-
vidade sempre lhe trouxeram muitos ga- sibilidades são variadas. Também não seria
nhos acadêmicos e sociais, tornando-a auto- pertinente afirmar que as formas diferen-
confiante nesses contextos. Esses êxitos ciadas de atuação nos casos citados estejam
constantes deixaram-na com baixa resis- especificamente relacionadas a orientações
tência à frustração em condições semelhan- teóricofilosóficas distintas. O uso de deter-
tes. Nos namoros, a dedicação intensa favo- minada metodologia clínica por parte de um
receu o desgaste e afastamento da pessoa terapeuta comportamental não implica que
amada. A não-correspondência produzia este o faça sempre a partir de uma orientação
atitudes de cobrança, que aumentavam a filosófica compatível, ou até mesmo que o faça
rejeição por parte do outro e contribuía para dentro de algum aprofundamento teórico.
sentir-se menos valiosa. B.M.N. apenas vi- Conforme citado na introdução, a divulgação
venciou afetos conquistados, sentia-se inse- de técnicas comportamentais ocorreu inde-
gura se não fizesse muito pelos outros. Isto pendentemente de estas terem sido acom-
mantinha sua baixa auto-estima. panhadas ou não de análises filosóficas ou
!Análise motivacional: baixo nível de reforça- epistemológicas. Por razões históricas, sabe-
dores afetivos na intimidade, muitas condi- se que a múltipla formação da terapia
ções aversivas em relações profissionais, comportamental também contribuiu para
levando-a a muito sofrimento. uma múltipla forma de atuação, tal como
foram apresentadas em livros que englo-
Objetivos clínicos estabelecidos: bavam as mais variadas das chamadas técni-
cas comportamentais. Assim, não é difícil
- Identificar características atuais e processos encontrar terapeutas que utilizem estratégias
históricos formadores. comportamentais variadas, englobando
- Entender dificuldades e comportamentos referenciais teóricos por vezes incompatíveis.
de esquiva das relações de intimidade (na- No entanto, observa-se que a influência de
moro ou amizade) em que não faz muito diferentes referenciais teóricos é apenas um
pelos outros. dos fatores que contribuem para divergências
- Vivenciar relações de afeto que não fossem no estabelecimento de objetivos na clínica.
“compradas” pela disponibilidade exces- Muitos são os fatores que contribuem para
siva, produzindo efeitos reais sobre sua au- que isto ocorra. De qualquer modo, o que se
to-estima, possibilitando-lhe o não depen- observa é que o direcionamento clínico ainda
der afetivamente da mãe adotiva e tornando é um aspecto muito dependente da análise
as relações menos ansiosas e dependentes. que cada clínico faz de um caso em particular,
o que leva a infinitas variações. Avaliar os
Conclusão prós e os contras deste aspecto, pode muito
contribuir para o aprimoramento da eficácia
Todos os quatro casos citados foram apresen- clínica. Outro fator a ser considerado é que
tados com dois conjuntos de objetivos tera- não se sabe, na prática, até que ponto os
pêuticos: o conjunto de objetivos anteriores e o terapeutas têm o hábito de se questionar
conjunto de objetivos atual, nesta ordem, e acerca de onde querem chegar na terapia ou
obtiveram êxito terapêutico a partir dos por que escolheram determinados caminhos.
objetivos traçados no segundo modelo Talvez esses tópicos mereçam uma
apresentado. Isto não significa que estas abordagem direta mais freqüente na litera-
interpretações e direcionamentos sejam os tura.
melhores ou, muito menos, que sejam as O objetivo básico deste trabalho foi questionar
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Referências
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