Você está na página 1de 21

See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.

net/publication/325729020

O surgimento das terapias cognitivocomportamentais e suas consequências


para o desenvolvimento de uma abordagem clínica analítico-comportamental
dos eventos privados.

Article in Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva · June 2010


DOI: 10.31505/rbtcc.v12i1/2.416

CITATIONS READS

20 1,004

2 authors:

Joao Barbosa Aécio Borba


Universidade Federal do Ceará Federal University of Pará
13 PUBLICATIONS 75 CITATIONS 21 PUBLICATIONS 221 CITATIONS

SEE PROFILE SEE PROFILE

All content following this page was uploaded by Aécio Borba on 24 September 2018.

The user has requested enhancement of the downloaded file.


ISSN 1982-3541
Campinas-SP
2010 Vol. XII, nº 1/2, 60-79

O surgimento das terapias cognitivo-


comportamentais e suas consequências para
o desenvolvimento de uma abordagem
clínica analítico-comportamental dos eventos
privados

The rise of behavior-cognitive therapies and it’s


consequences for the development of a behavioral-
analytic clinical approach of private events

João Ilo Coelho Barbosa1


Universidade Federal do Ceará

Aécio Borba2
Universidade Federal do Pará

Resumo
O estudo discute, a partir da análise de aspectos históricos, o surgimento das terapias cognitivo-
comportamentais e o impacto que tal advento trouxe ao campo da terapia comportamental. Alguns
dos fatores que parecem se relacionar com tal surgimento são: a falta de um maior
desenvolvimento conceitual para uma abordagem clínica particular dos eventos privados, a
tradição da modificação do comportamento com a pesquisa básica com animais, que excluía a
investigação da subjetividade e o maior interesse pela manipulação direta de contingências
ambientais, em detrimento da intervenção junto a pensamentos e sentimentos do cliente.
Considera-se que a maior aceitação e difusão das terapias cognitivo-comportamentais, a partir da
década de 70, favoreceu o ressurgimento de conceitos tradicionais na psicologia para a explicação
do comportamento e, por outro lado, contribuiu para uma maior preocupação dos analistas do
comportamento em responder às frequentes criticas dos terapeutas cognitivo-comportamentais a
uma suposta insuficiência das terapias comportamentais para a abordagem do comportamento
humano complexo, resultando no surgimento de novas propostas terapêuticas, mais consistentes
com os pressupostos do behaviorismo radical.
Palavras-chave: Terapia analítico-comportamental; Terapia cognitivo-comportamental; Eventos
privados.

1 Doutor em Teoria e Pesquisa do Comportamento – UFPA. Rua Joaquim Nabuco, 820, ap 602, Aldeota , 60125-120 Fortaleza, Ceará.
E-mail: ilo@cemp.com.br
2 Mestre em Teoria e Pesquisa do Comportamento – UFPA.

Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 60-79
João Ilo Coelho Barbosa - Aécio Borba

Abstract
The paper discusses, from the viewpoint of the analysis of historical aspects, the birth of cognitive-
behavioral therapies and their impact to the field of behavior analysis. Some factors that seem to
relate to such birth may be: the lack of a greater conceptual development for a particular clinical
approach for the concept of private events; the tradition of behavior modification with basic
research with animals; and a greater interest on direct manipulation of environmental
contingencies instead of intervention on the clients' thoughts and feelings. It is considered that a
greater acception and spread of cognitive-behavioral therapies, since the 1970s, favored the rebirth
of tradition concepts in psychology used to explain behavior, and on the other side, contributed to a
greater concern of behavior analysts do respond to the frequent critics of cognitive-behavioral
therapists to a supposal lack of behavioral therapies to approach complex human behavior,
resulting on the rebirth of new therapeutical propositions, still consistent with the assumptions of
radical behaviorism but able to deal with feelings and emotions in their practice.
Keywords: Behavioral-analytic therapy; Cognitive-behavior therapy; Private events.

Embora o termo “terapia fundamentadas na tradição behaviorista


comportamental” possa dar a impressão (Franks, 1996; Krasner, 1969).
de estarmos tratando de um tipo
Ao analisar o desenvolvimento
específico de intervenção clínica, a
histórico da terapia comportamental,
literatura mostra-nos que existem
Kazdin (1978) classificou os diferentes
diferentes modelos terapêuticos
modelos de intervenção clínica, propondo
comportamentais: São exemplos, a
o termo “modificação cognitivo-
Psicoterapia Funcional-Analítica
comportamental” para se referir ao
(Kohlenberg & Tsai, 1991), a Terapia da
subgrupo de terapias que enfatiza os
Aceitação e Compromisso (Hayes,
aspectos cognitivos relacionados ao
Strosahl & Wilson, 1999), a Terapia
comportamento e que compartilham o
Racional-Emotiva-Comportamental (Ellis
pressuposto da alteração do
& Dryden, 1997; Ellis & Greiger, 1977) e a
comportamento não-verbal como função
Terapia Cognitiva (Beck, Rush, Shaw &
de uma mudança prévia do pensamento.
Emery, 1979/1982), a Terapia por
Posteriormente, tais terapias ficaram
Contingências de Reforçamento
mais conhecidas como “terapias
(Guilhardi, 2004), dentre outras. Parece-
cognitivo-comportamentais”.
nos mais adequado, portanto, tratar a
terapia comportamental como um campo A partir dos anos 70, as terapias
mais amplo, constituído de propostas cognitivo-comportamentais ganharam
terapêuticas mais ou menos cada vez mais espaço e aceitação entre os

Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 60-79 61
O surgimento das terapias cognitivo-comportamentais e suas consequências para o desenvolvimento .......

terapeutas comportamentais que, no enquanto mediadores de qualquer ação


início daquela década, poderiam ser do indivíduo, o que justificaria a
divididos em dois grupos distintos. Um necessidade de complementar sua
grupo mais tradicional que continuava atuação clínica com conhecimentos
atuando junto a crianças e adultos com provenientes de outros modelos teóricos
problemas de desenvolvimento, (Bandura, 1986; Beck, 1970; Goldfried &
empregando princípios de modificação do Davison, 1976/1994; Lazarus, 1972/1979).
comportamento em ambientes
A partir dessa argumentação, os
específicos, como instituições escolares,
terapeutas cognitivo-comportamentais
penitenciárias ou psiquiátricas; e os
privilegiaram o desenvolvimento de
terapeutas “cognitivo-comportamentais”,
estratégias de alteração de pensamentos,
assim denominados porque incorporaram
ao invés de intervir diretamente nas
à sua prática-clínica conceitos
contingências externas relacionadas ao
provenientes de outros sistemas teóricos,
comportamento focalizado, o que se
que valorizavam os aspectos cognitivos do
configurou numa característica marcante
comportamento. Além disso, o foco de
para a distinção entre Terapias Cognitivo-
atuação dos terapeutas cognitivo-
comportamentais e outras abordagens
comportamentais estava mais voltado
clínicas comportamentais (e.g., Banaco,
para o atendimento de pacientes adultos
1999).
em uma situação de terapia face-a-face de
consultório, que apresentavam uma O presente trabalho busca discutir
maior variabilidade de problemas o distanciamento dos terapeutas
(Craighead, 1990; Greenway & Wulfert, cognitivo-comportamentais das propostas
2002). terapêuticas baseadas no behaviorismo
Do ponto de vista teórico, o radical, que chamaremos neste trabalho
tratamento dado aos eventos privados foi coletivamente de terapias analítico-
fundamental para a diferenciação dos comportamentais. Levantamos a hipótese
terapeutas cognitivo-comportamentais, de que tal afastamento deveu-se, em
em relação a seus colegas de orientação parte, às dificuldades encontradas pelos
respondente ou operante. Para os terapeutas comportamentais em
primeiros, o suposto ambientalismo incorporar em sua prática clínica os
excessivo, presente na Análise do conceitos derivados das pesquisas com
Comportamento, resultava na comportamento verbal e da abordagem
desconsideração dos eventos privados skinneriana de eventos privados, o que

62 Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 60-79
João Ilo Coelho Barbosa - Aécio Borba

resultou em um desenvolvimento tardio Segundo Franks (1996), a primeira


de uma proposta consistente para a referência ao termo “terapia
abordagem clínica comportamental dos comportamental” foi feita por Lindsley,
eventos privados, (cf. Dougher, 1993; Skinner e Solomon3, em 1953, quando se
Kohlenberg, Tsai & Dougher, 1993; referiram a procedimentos que envolviam
Hayes, 2004). condicionamento operante junto a
pacientes psicóticos hospitalizados.
Entretanto, Franks afirmou que o mesmo
Origem e desenvolvimento das
terapias comportamentais termo foi utilizado, de forma

Até a década de 50, o termo mais independente, por dois outros psicólogos

empregado para se referir a que o conceituaram de forma diferente.

procedimentos de intervenção frente ao Em 1958, na África do Sul, por Lazarus4,

comportamento humano, baseados nos que chamou de terapia comportamental a

pressupostos teóricos do behaviorismo e inclusão de procedimentos objetivos

nos conhecimentos empíricos produzidos provenientes do laboratório na

pela análise experimental do psicoterapia tradicional. No ano seguinte,

comportamento, foi “modificação do na Inglaterra, Eysenck (1959) definiu

comportamento” (Kazdin, 1978). Sua terapia comportamental como um novo

origem está relacionada a três fatos enfoque terapêutico, baseado na

principais: as pesquisas fisiológicas aplicação das “modernas teorias de

realizadas na Rússia, desde o final do aprendizagem” ao tratamento de

século XIX, o surgimento do distúrbios psicológicos.

behaviorismo nos Estados Unidos em Kazdin (1978) discriminou quatro


1913, e os avanços obtidos com o enfoques diferentes que contribuíram
desenvolvimento da Psicologia da para a composição atual das terapias
aprendizagem. Mas foi a partir dos anos comportamentais contemporâneas: as
40 que a modificação do comportamento aplicações terapêuticas derivadas do
teve seu maior impulso, relacionado, em condicionamento respondente; do
parte, pela insatisfação de muitos condicionamento operante; da teoria da
psicólogos com a psicoterapia tradicional aprendizagem social; e o enfoque de
vigente, fortemente influenciada pela
3 Franks (1996) está aqui fazendo referência ao texto: Lindsley,
psicanálise e carente de estudos que O. R.; Skinner, B. F.; Solomon, H. D. (1953). Studies in
behavior therapy. Status Report 1, Watham, MA,
comprovassem sua eficácia (Kazdin, Metropolitan State Hospital.
4 O texto a que Franks (1996) está se referindo é: Lazarus, A. A.
1978). (1958). New methods in psychotherapy: A case study. South
African Medical Journal, 32, 660-664.

Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 60-79 63
O surgimento das terapias cognitivo-comportamentais e suas consequências para o desenvolvimento .......

nosso maior interesse no momento, o da testadas sete técnicas, anteriormente


modificação do comportamento sugeridas por Watson e Rayner, para
cognitivo. eliminar reações emocionais de medo em
crianças institucionalizadas. O destaque
dado por Kazdin (1978) ao estudo de
O enfoque respondente:
Jones teria justificativa na demonstração
O enfoque respondente na terapia da eficácia do tratamento do medo, a
comportamental foi resultante da partir de uma abordagem direta do
transição gradual dos achados e conceitos comportamento, colocando em xeque a
derivados da pesquisa experimental para crença de que a eliminação do medo
aplicações clínicas. Pavlov, Bechterev e dependeria do tratamento de estados
Watson, por exemplo, já relacionavam os psicodinâmicos subjacentes ao mesmo.
princípios de condicionamento reflexo a
No final dos anos 40 e na década
comportamentos mal adaptativos. Para
seguinte, na África do Sul, Wolpe utilizou
Kazdin (1978), o estudo mais famoso
os estudos de Pavlov e Hull para propor
desse período inicial de aplicação de
uma generalização da noção fisiológica de
técnicas de condicionamento em
inibição recíproca, a partir da qual
humanos foi o experimento feito com o
desenvolveu uma técnica para o
pequeno Albert, no qual Watson &
tratamento da ansiedade, a
Rainer5 demonstraram que estímulos
dessensibilização sistemática. A técnica
neutros podem passar a eliciar reações de
de dessensibilização sistemática (Wolpe,
medo. Este estudo contribuiu levantando
1973/1976) envolvia inicialmente a
evidências de como as fobias são criadas
exposição do indivíduo a um estímulo
ou podem ser eliminadas.
descrito pelo mesmo como eliciador de
Após a publicação do estudo com o ansiedade, em associação com um estado
pequeno Albert, Kazdin (1978) considera de relaxamento que deveria inibir essa
o estudo de Jones6 outro importante reação emocional na presença daquele
avanço para o desenvolvimento da terapia estímulo. É importante destacar que
comportamental. No referido estudo, que originalmente essa exposição era feita in
teve a supervisão de Watson, foram vivo, mas posteriormente Wolpe optou
por fazê-la através do uso da imaginação:
5 O estudo referido por Kazdin é: Watson, J.B. & Rayner, R.
(1920). Conditioned emotional reactions. Journal of Comecei a organizar programas de
Experimental Psychology, 3, 1, 1-14. exposição a estímulos fóbicos
6 Kazdin (1978) está fazendo menção ao texto: Jones, M. C. graduados ao vivo para pacientes que
(1924). The elimination of children’s fears. Journal of tinham adquirido alguma facilidade
Experimental Psychology, 7, 382-390.

64 Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 60-79
João Ilo Coelho Barbosa - Aécio Borba

em relaxar, geralmente depois de 6 a costumavam ser empregadas. As


10 sessões. Mas esses programas eram
muitas vezes difíceis de executar e primeiras tentativas de aplicação clínica
comecei, portanto, a explorar a
possibilidade de fazer uso de situações dos princípios operantes ocorreram a
imaginárias, no lugar das reais.
(Wolpe, 1973/1976, p.115) partir de relatos ocasionais sobre a
observação de mudanças em
Essa “opção terapêutica” de adotar
comportamentos de interesse clínico,
procedimentos de aparente eficácia
como efeitos colaterais em investigações
prática, em detrimento de uma decisão de
laboratoriais sobre o comportamento
ordem teórica ou baseada em evidências
livre operante (Kazdin, 1978).
de laboratório, não foi uma decisão
isolada. A decisão de Wolpe trouxe Uma das principais técnicas

consequências importantes no que se comportamentais, derivadas do modelo

refere à postura científica do terapeuta operante, foi elaborada por Ayllon e

comportamental, que serão discutidas Azrin7 (Kazdin, 1978). Tratava-se de um

posteriormente. sistema de reforçamento para alterar


comportamentos de pacientes psicóticos
O enfoque respondente foi
em custódia, reduzindo a frequência de
predominante na terapia até a década de
vários comportamentos disruptivos. Tal
50, quando a análise de problemas
sistema passou a ser conhecido como
comportamentais era restrita a um
“Economia de Fichas”, configurando-se
modelo explicativo do tipo S-R. A partir
em uma estratégia viável para ser
daí, os resultados empíricos com o
aplicada em larga escala em ambientes
condicionamento operante expandiram o
planejados, como instituições de ensino,
número de técnicas baseadas no novo
saúde ou do trabalho (Vandenberghe,
paradigma.
2004).

Do ponto de vista clínico, Skinner


O enfoque operante:
(1953/1965) descreveu os efeitos da
As técnicas operantes foram mais terapia e chegou a discutir a etiologia e
difundidas nos EUA porque algumas tratamento de alguns transtornos
universidades americanas tornaram-se psiquiátricos, tendo como base os
centros para pesquisas laboratoriais e princípios operantes. Em conjunto com
aplicadas em condicionamento operante.
Além disso, muitos laboratórios e clínicas 7 O texto ao qual Kazdin (1978) está se referindo é: Ayllon, T.
& Azrin, N. H. (1968). The token economy: A motivacional
tinham atuação junto a instituições system for therapy and rehabilitation. New York:
Appleton-Crofts.
psiquiátricas, onde tais técnicas

Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 60-79 65
O surgimento das terapias cognitivo-comportamentais e suas consequências para o desenvolvimento .......

Lindsley8, também desenvolveu um O enfoque da Teoria da


programa de estudos cujos resultados Aprendizagem Social:
suscitaram o interesse de outros Apesar da importante contribuição

pesquisadores para a realização de das técnicas operantes, alguns problemas

pesquisas aplicadas, como a investigação em relação à sua aplicação foram

do comportamento psicótico, de apresentados por Ferster (1967; 1972).

processos comportamentais e Graças à sua experiência no Linwood

características do operante livre em Children’s Center, que tratava de crianças

crianças normais e com atraso do autistas e esquizofrênicas, Ferster (1967)

desenvolvimento intelectual, o teve a oportunidade de observar e relatar

comportamento de tiques motores e o aspectos parecidos com aqueles presentes

comportamento de crianças autistas numa relação terapeuta-cliente e

(Kazdin, 1978). manifestou sua preocupação com a


necessidade do desenvolvimento de
Apesar da evolução da terapia
habilidades pessoais do terapeuta para
comportamental com a aplicação clínica
que a aplicação de técnicas
dos princípios operantes, a ênfase numa
comportamentais tivesse êxito. Ao
intervenção direta nas contingências de
ressaltar a relação terapêutica como uma
reforçamento parece ter contribuído para
variável relevante para a eficácia na
um desinteresse dos terapeutas
aplicação de técnicas comportamentais,
comportamentais para o desenvolvimento
Ferster contribuiu para uma melhor
de uma abordagem clínica dos eventos
investigação dessa variável e de sua
privados. Além disso, algumas afirmações
relação com os resultados clínicos
de Skinner pareciam conferir um valor
obtidos.
secundário à investigação clínica dos
eventos privados: De acordo com Kazdin (1978), a
partir da década de 60, a maior
Felizmente, raramente o assunto
[controle do comportamento por experiência dos terapeutas
eventos privados] é de importância
crucial no controle do comportamento comportamentais com o contexto clínico
humano. O leitor cujos interesses
sejam essencialmente práticos e que levou-os a se preocupar com temas
prefiram seguir para capítulos comuns às psicoterapias tradicionais, tais
posteriores poderá fazê-lo sem
problemas sérios. (Skinner, como: a relação terapeuta-cliente, a
1953/1965, p. 258)
queixa relatada pelo cliente (ao invés da
8 Kazdin (1978) está fazendo referência ao estudo: Skinner,
B. F., Solomon, H. C., Lindsley, O. R. (1953). Studies in abordagem direta e restrita aos
behavior therapy. Metropolitan State Hospital. Waltham,
Massachusetts. Status Report I, November 30, 1953. problemas comportamentais identifi-

66 Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 60-79
João Ilo Coelho Barbosa - Aécio Borba

cados pelo terapeuta), aceitação de indivíduo aprende uma resposta, a partir


evidências clínicas (não experimentais) e da observação de sua emissão por outra
a valorização dos eventos privados. pessoa. Tal aprendizagem dependeria da
intermediação de processos cognitivos,
Com essas mudanças, diminuíram
por meio dos quais seriam elaboradas
as diferenças entre uma terapia
concepções sobre como as respostas
comportamental e não-comportamental,
observadas ocorrem e, posteriormente,
o que levou muitos terapeutas a
essa “construção simbólica” serviria como
postularem o título de “comportamental”
base para ações futuras. O indivíduo
para técnicas que não estavam
também teria a capacidade de representar
subordinadas à teoria da aprendizagem,
futuras consequências, ampliando o papel
além de algumas tentativas de combinar
da cognição não só para a aquisição, mas
procedimentos comportamentais e não
também para a manutenção de certos
comportamentais em uma única
comportamentos (Bandura, 1977b).
abordagem clínica (cf. Meichenbaum,
1986). A valorização dos aspectos
cognitivos para a alteração
Foi nesse contexto de mudanças e
comportamental também se refletiu nas
indefinições que Bandura (1977a) passou
propostas de Bandura para um modelo de
a criticar a terapia comportamental por
intervenção terapêutica, favorecendo
um suposto determinismo ambiental
ainda mais a aproximação entre a terapia
excessivo, embora estivesse fazendo
comportamental e as psicoterapias que
referência principalmente ao modelo
partem do pressuposto de que a mudança
respondente de análise do
das cognições do cliente sobre ele próprio
comportamento. Para Bandura (1986), os
e sobre o mundo é condição sine qua non
processos de aprendizagem por
para a alteração do seu comportamento
condicionamento não eram suficientes
(cf. Bandura, 1977b).
para explicar a aquisição de
comportamentos complexos. Nesse
O enfoque da Modificação do
sentido, o autor tomou a teoria da
Comportamento Cognitivo e o
aprendizagem social como base teórica surgimento das terapias
para desenvolver o conceito de cognitivo-comportamentais:
aprendizagem vicariante ou por Kazdin (1978) atribui a Salter9
observação, que se caracteriza como um
9 Kazdin (1978) aqui está se referindo ao texto: Salter, A.
processo de aprendizagem, no qual o (1949). Conditioned reflex therapy: The direct approach to
the reconstruction of personality. New York: Creative Age
Press.

Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 60-79 67
O surgimento das terapias cognitivo-comportamentais e suas consequências para o desenvolvimento .......

a condição de primeiro behaviorista a eram insuficientes para o


utilizar terapeuticamente a imaginação, desenvolvimento de uma psicoterapia
manipulando-a com o intuito de alterar o efetiva (Kazdin, 1978). Na verdade,
humor e os sentimentos do cliente, tanto Lazarus não estava sozinho em suas
nas sessões de terapia como na sua críticas. Mesmo com o reconhecimento da
experiência diária, para que este pudesse terapia comportamental como uma forma
mais facilmente superar reações mal eficaz de intervenção terapêutica, o
adaptativas, como a ansiedade. Mas, modelo teórico-metodológico da qual se
segundo Kazdin, foi somente a partir do originou nunca deixou de ser visto, por
desenvolvimento da técnica de muitos terapeutas, como excessivamente
dessensibilização sistemática (Wolpe, rigoroso e inadequado para abordar
1973/1976) que a imaginação passou a ser problemas clínicos (Bandura, 1977a;
mais frequentemente utilizada como um Walsh, 1997). Além disso, certos
instrumento terapêutico na modificação resultados experimentais e clínicos, como
do comportamento. o êxito terapêutico no emprego da
imaginação em substituição ao real
Ainda de acordo com Kazdin
estímulo fóbico na dessensibilização
(1978), coube a Lazarus & Abramovitz10 a
sistemática, não pareciam ser
ampliação do uso terapêutico da
adequadamente esclarecidos, a partir de
imaginação na terapia comportamental,
um modelo estritamente comportamental
ao utilizá-la de forma inédita na
(Lee, 1992).
dessensibilização com crianças,
substituindo o relaxamento pela Dessa forma, no final dos anos 60,
imaginação de imagens positivas, predominava uma avaliação paradoxal da
supostamente funcionando como a terapia comportamental, coexistindo um
resposta de inibição da ansiedade. Sua interesse geral pelas suas técnicas, de
hipótese era de que tais imagens eficácia cada vez mais comprovada, e um
poderiam evocar sentimentos positivos desinteresse ou insatisfação dos novos
que, por sua vez, inibiriam a ansiedade. terapeutas comportamentais pela teoria
behaviorista. Tal situação tornou-se,
Lazarus estava convencido de que
então, propícia para a inserção de outras
as técnicas terapêuticas baseadas no
teorias e técnicas no campo da terapia
modelo de condicionamento respondente
comportamental, gerando distintos
10 O texto referido por Kazdin (1978) é: Lazarus, A. A. & modelos de análise, intervenção e
Abramovitz, A. (1962). The use of “emotive imagery” in the
treatment of children’s phobias. Journal of Mental Science, propostas para a adoção de um ecletismo
108, 191-195.

68 Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 60-79
João Ilo Coelho Barbosa - Aécio Borba

teórico como a melhor alternativa para falhava porque nela os métodos eram
aqueles que desenvolviam uma prática previamente escolhidos pelo terapeuta e
clínica comportamental (Lee, 1992). os pacientes eram, então, coagidos a
abandonar suas respostas inadequadas.
Em “Behavior Therapy and
Em sua opinião, isso produzia uma menor
Beyond”, Lazarus (1977/1980) descreve
efetividade daquela terapia. A alternativa
as fontes de conhecimento para o que
por ele proposta era de que o terapeuta
viria a ser chamado de terapia cognitivo-
deveria estar mais voltado para encontrar
comportamental, ao diferenciar sua
uma “combinação de técnicas que
proposta terapêutica da terapia
parecem ser mais benéficas para as
comportamental:
pessoas que procuram ajuda” (p.12), sem
Pensei em intitular este livro
“Beyond Behavior Therapy”, mas uma maior preocupação com as teorias,
foi-me apontado que este título
implicaria num rompimento das quais aquelas eram provenientes. Tal
decisivo com a terapia
comportamental. De fato, eu me
posição foi nomeada por Lazarus como
apóio fortemente nesta disciplina, “ecletismo técnico” e estava baseada na
enquanto, por outro lado, emprego
também técnicas que não se premissa de que a efetividade de técnicas
ajustariam facilmente dentro deste
quadro de referências no presente empiricamente testadas deveria se
(p. 11).
sobrepor a hipóteses teoricamente
Um pouco mais adiante, Lazarus deduzidas sobre o comportamento do
(1977/1980) apresentou sua justificativa cliente.
para “ir além” da terapia
Nos início dos anos 70, apesar da
comportamental:
expansão do número de livros publicados,
A razão para empregar técnicas,
da fundação de novas sociedades
além daquelas descritas por,
digamos, Wolpe e Lazarus (1966) ou científicas e de periódicos importantes na
Wolpe11 (1969), é simplesmente que
esses métodos, em separado, são, no área, a terapia comportamental
meu entender, quase sempre
insuficientes para produzir encontrava-se mais fragmentada que
resultados duradouros (Lazarus12,
1969, p.11-2). nunca. Uma confirmação desta afirmação
Na percepção de Lazarus pôde ser observada no artigo de autoria
(1977/1980), a terapia comportamental dos editores da revista Behavior Therapy,
no seu primeiro número, em 197013. Os
11 Lazarus (1977/1980) está se referindo aos seguintes textos: 1-
Wolpe, J. & Lazarus, A. A. (1966). Behavior therapy autores definiam a terapia
techniques. New York: Pergamon Press; 2- Wolpe, J. (1969).
The practice of behavior therapy. New York: Pergamon comportamental como “multidimen-
Press.
12 Lazarus está fazendo menção a um texto próprio anterior:
Lazarus, A. A. (1969). Broad-spectrum behavior therapy. 13 O artigo em questão é: Franks, C. M. & Brady, J. P. (1970).
Newsletter of the Association for the Advancement of What is behavior therapy and why a new journal? Behavior
Behavior Therapy, 4, 5-6. Therapy, 1, 1-3.

Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 60-79 69
O surgimento das terapias cognitivo-comportamentais e suas consequências para o desenvolvimento .......

sional”, numa clara tentativa de unificar terapêuticas comportamentais (Dobson &


práticas heterogêneas sob uma mesma Block, 1988; Shinohara, 1997).
denominação (Hallam, 1987; Kazdin,
Por se tratar de um conjunto
1978). Em meio ao ambiente de
heterogêneo, Mahoney e Arnkoff (1978)
indefinições, alguns terapeutas
sugeriram a classificação das terapias
interessados na maior valorização dos
cognitivo-comportamentais em três
aspectos cognitivos no processo
grupos, de acordo com sutis diferenças
psicoterápico – dentre os quais se
quanto aos seus objetivos: a) As terapias
destacam os nomes de Albert Ellis, Aaron
de habilidades para o enfrentamento, cujo
Beck, Michael Mahoney e Donald
foco está nas formas pelas quais o cliente
Meichenbaum – desenvolveram, de
poderá minimizar os efeitos negativos de
forma independente, novas abordagens
eventos externos; b) As terapias de
terapêuticas (Hawkins, Kashden, Hansen
resolução de problemas, mais voltadas
& Sadd, 1992).
para o ensino de estilos de reação e
O termo terapia cognitivo- estratégias de produção de um maior
comportamental não foi inicialmente número de alternativas possíveis para a
empregado para identificar essas terapias solução de problemas; e c) As técnicas de
emergentes porque não tiveram uma reestruturação cognitiva, cujo alvo é a
origem única ou articulada. Ellis e Beck, mudança de pensamentos perturbadores.
por exemplo, não eram terapeutas
comportamentais, mas treinados Há também grande diversidade de
anteriormente sob o enfoque técnicas empregadas, indo desde técnicas
psicanalítico. De acordo com Wilson projetivas, até técnicas computadorizadas
(1978), esse termo foi usado pela primeira de avaliação de medidas relacionadas à
vez numa convenção em Nova York, em atividade cognitiva. Destacam-se ainda,
abril de 1976. Posteriormente, a os procedimentos de investigação
proposição de uma categoria de terapias imaginativa, de condicionamento
cognitivo-comportamentais teve como encoberto, de confrontação e
função identificar um grupo de terapias reestruturação de crenças disfuncionais,
que associavam uma perspectiva teórica correções verbais de visões e/ou
enfática quanto ao papel dos processos processos distorcidos e questionamento
cognitivos na mediação do socrático, dentre outras (Dobson, 1988;
comportamento ao uso de estratégias Sweet & Loizeaux, 1991).

70 Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 60-79
João Ilo Coelho Barbosa - Aécio Borba

Apesar das diferenças quanto aos importante em relação aos terapeutas


objetivos e às técnicas utilizadas, Dobson comportamentais.
e Block (1988) identificaram três Ao analisar possíveis fatores
premissas básicas partilhadas pelas relacionados ao surgimento das terapias
terapias cognitivo-comportamentais: cognitivo-comportamentais, Beidel &
1. A atividade cognitiva afeta o Turner (1986) levantaram a hipótese de
comportamento: essa ideia resgata a que tais terapias surgiram como uma
noção básica do modelo mediacional alternativa terapêutica enquanto uma
de Tolman, e suas implicações clínicas reação à pouca valorização das cognições
são evidentes, já que alterações nas terapias comportamentais clássicas.
cognitivas levariam a alterações Por sua vez, Dobson & Block (1988)
comportamentais; ressaltaram um conjunto de diferentes
questões relacionadas ao advento
2. A atividade cognitiva pode ser
daquelas terapias, dentre as quais: os
monitorada e alterada: os terapeutas
problemas teóricos remanescentes para
cognitivo-comportamentais
uma explicação estritamente behaviorista
concordam que a pessoa tem acesso
para os comportamentos humanos
direto às suas próprias cognições e,
complexos; a natureza dos problemas
portanto, são capazes de alterá-las;
relatados pelos clientes, quase sempre

3. A mudança de comportamento envolvendo a participação de eventos

almejada pode ser afetada pela privados; a publicação de pesquisas cujos

mudança cognitiva: em uma resultados pareciam demonstrar a

perspectiva mediacional, os terapeutas eficácia de técnicas cognitivo-

cognitivo-comportamentais comportamentais e a proposição de

argumentam que, além da mudança conceitos mediacionais, por parte dos

nas contingências de reforçamento, as psicólogos cognitivistas que, na opinião

alterações ao nível cognitivo de Dobson e Block, pareciam mais

funcionariam como métodos adequados para explicar como as

alternativos para se efetuar mudanças cognições ocorreriam.

comportamentais e enfatizam os Independentemente dos fatores


procedimentos que levam em conta tal responsáveis pelo seu advento, para
processo. Tal ênfase é, muitas vezes, alguns analistas do comportamento, as
citada como um diferencial novas terapias cognitivo-

Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 60-79 71
O surgimento das terapias cognitivo-comportamentais e suas consequências para o desenvolvimento .......

comportamentais, pouco consistentes estudo da subjetividade14; e 3) O tipo de


com os princípios da Análise do população tradicionalmente atendida
Comportamento, acabaram produzindo pelos primeiros terapeutas
condições para o ressurgimento da noção comportamentais: crianças com
de determinantes internos do problemas de desenvolvimento e
comportamento, anteriormente pacientes internos, que demandavam
descartados pelo behaviorismo, voltando uma intervenção mais diretamente
a serem caracterizados como variáveis voltada para a mudança das
passíveis de serem investigadas contingências ambientais (Wilson, Hayes
cientificamente e que poderiam ser alvo & Gifford, 1997). Dougher (1993) aponta,
de uma intervenção terapêutica ainda, que o fato de atuar em ambientes
(Schwartz, 1982). institucionais garantia ao terapeuta poder
quase que completo sobre as
contingências ambientais; parecia
As terapias cognitivo-compor-
desnecessário intervir de alguma forma
tamentais e o desenvolvimento
de uma abordagem analítico- sobre eventos privados, haja vista que era
comportamental dos eventos possível intervir diretamente sobre os
privados:
determinantes de fenômenos que, embora
Até a década de 70, não era inacessíveis à observação pública, são
prioritária na terapia de base analítico- determinados por eventos ambientais,
comportamental a elaboração de um como todos os outros comportamentos
modelo terapêutico para a intervenção (Kerbauy, 1983). Como consequência, os
frente a relatos autodescritivos de eventos terapeutas comportamentais demoraram
privados. A explicação para tal fato estava a se deparar com contingências que
na tradição behaviorista, especialmente favorecessem o desenvolvimento de um
no que se refere a três aspectos: 1) A modelo de intervenção comportamental
abordagem skinneriana não previa frente aos eventos privados.
nenhum tratamento distinto para uma O surgimento das terapias
abordagem do comportamento privado, cognitivo-comportamentais contribuiu
uma vez que seus determinantes seriam para intensificar as discussões sobre a
os mesmos do comportamento público; 2) necessidade de elaboração de tal modelo,
A ampla tradição dos analistas do
14 Estamos nesse trabalho utilizando o conceito de
comportamento com a pesquisa básica da subjetividade como sinônimo para sentimentos, emoções,
cognições e outros eventos de difícil observação pública
aprendizagem animal, que não requeria o direta.

72 Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 60-79
João Ilo Coelho Barbosa - Aécio Borba

ao suscitar uma questão fundamental pelos cognitivistas (Hayes, 2004). Foi


como ponto de partida para essa tarefa: nesse contexto que surgiram as propostas
os princípios da análise do terapêuticas voltadas para a atuação em
comportamento são suficientes para um contexto de terapia verbal que levasse
embasar uma prática clínica eficaz e em consideração a subjetividade e,
coerente com o behaviorismo radical principalmente, mantivesse uma
frente a verbalizações do cliente que coerência com o modelo teórico
parecem descrever algum estado ou defendido na Análise do Comportamento,
processo privado? caracterizado pelo selecionismo, o
monismo ontológico e a perspectiva
As novas formas de terapia de base
relacional.
analítico-comportamental surgem, então,
a partir da pressão simultânea de dois Evitando o risco de basear sua
lados: a necessidade de responder às prática em concepções internalistas, os
crescentes críticas de terapeutas terapeutas analítico-comportamentais
cognitivo-comportamentais referentes a compartilham a posição skinneriana,
uma carência da própria terapia em dar essencialmente relacional, e admitem que
conta do comportamento humano os eventos privados podem fazer parte de
complexo e da própria pressão de relações de controle do comportamento,
mercado, uma vez que a maior parte dos mas deixam claro que o caráter causal de
empregos para analistas do tais eventos está restrito a um certo
comportamento estava restrita à atuação controle discriminativo destes sobre
em instituições para tratamento de respostas subsequentes (Tourinho, 1997).
autistas, por exemplo. A possibilidade de
expandir sua área de atuação também A partir dessa concepção, podemos
fortaleceu a necessidade de realização de afirmar que o relato de pensamentos e
pesquisas cujo objeto de interesse fosse a sentimentos, por parte do cliente, é de
intervenção do terapeuta comporta- extrema importância para que o terapeuta
mental no ambiente de clínica face-a-face. tenha condições de avaliar o efeito das
contingências que controlaram e/ou
Em especial na década de 80,
controlam esses relatos, estabelecendo
analistas do comportamento voltaram-se
uma análise funcional mais rica do
para os conceitos de eventos privados e de
comportamento em foco (Skinner,
comportamento controlado por regras de
1974/1982).
forma a preencher a lacuna apontada

Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 60-79 73
O surgimento das terapias cognitivo-comportamentais e suas consequências para o desenvolvimento .......

Banaco (1999) resume uma que busca unir as abordagens de base


perspectiva comum a várias propostas analítico-comportamentais e cognitivo-
terapêuticas coerentes com a Análise do comportamentais e uma via que
Comportamento. Para o autor, quando o determina a impossibilidade de uma
terapeuta pergunta ao cliente acerca de integração, para a qual as diferenças
seus pensamentos, sentimentos e epistemológicas, conceituais e de atuação
emoções, ele não o faz para intervir sobre são grandes demais, sendo possíveis
esses eventos. Ele os usa como apenas aproximações superficiais entre as
comportamentos capazes de sugerir sob duas abordagens.
quais contingências o sujeito está
Não é propósito deste trabalho, no
submetido (Por exemplo, quando a
entanto, aprofundar essa discussão ou
pessoa relata “ficar feliz” com a ação do
tomar partido de analistas do
cônjuge, provavelmente estamos diante
comportamento, cognitivistas ou de um
de uma operação de reforçamento).
movimento integracionista. No que se
Eventos privados, nesse sentido, são
refere às diferenças entre os princípios da
meios através dos quais o analista do
Análise do Comportamento e as bases
comportamento pode descobrir e
teóricas nas quais estão fundamentadas
investigar seu verdadeiro material de
as terapias cognitivo-comportamentais,
trabalho – as contingências ambientais
por ora, concordamos com Hawkins &
externas ao indivíduo, que podem ser
Forsyth (1997): Apesar das divergências,
efetivamente modificadas15. Em várias
o desenvolvimento de uma boa relação
propostas analítico-comportamentais de
entre os analistas do comportamento e os
terapia, encontramos afirmações
cognitivistas poderá contribuir para o
semelhantes (e.g., Guilhardi, 2004;
desenvolvimento da análise do
Kohlenberg & Tsai, 1991).
comportamento como ciência, a análise
aplicada do comportamento enquanto
Considerações Finais parte relevante desta ciência e para o

Segundo Costa (2002), estabelecimento de práticas clínicas

encontramos hoje em dia pelo menos dois eficazes e cientificamente embasadas.

tipos de movimento: um integracionista, Acrescentaríamos, ainda, que isso é


verdadeiro também para os terapeutas
15 Além de oferecer pistas sobre as contingências às quais o
cognitivo-comportamentais, que têm a
sujeito está submetido, Banaco (1999) sugere, ainda, que
perguntar sobre estados afetivos e pensamentos torna a ganhar com a interlocução com
relação terapêutica mais próxima, contribuindo assim para
o fortalecimento de um vínculo entre cliente e o terapeuta.

74 Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 60-79
João Ilo Coelho Barbosa - Aécio Borba

terapeutas que têm como base o comportamento que atuam na área


behaviorismo radical skinneriano. Nessa clínica é possível encontrar um consenso
direção, Wilson e cols. (1997) sugerem sobre a instrumentalidade e coerência do
que essa aproximação não se dê no plano conceito de eventos privados, o que não
teórico, e sim no interesse mútuo pela ocorre entre autores de pesquisa básica e
investigação empírica das cognições teórica da área.
enquanto variáveis intervenientes para o Esses estudos são apontados aqui
comportamento. apenas para ilustrar que o conceito de
Além disso, podemos ressaltar a eventos privados ainda não é um
importância, dentro da Análise do consenso na Análise do Comportamento.
Comportamento, de maiores Maiores discussões ainda são necessárias,
investigações a respeito de questões não apenas relacionadas ao conceito, mas
relacionadas a eventos privados. também ainda é preciso propor e testar
Tourinho (2007, 2009) aponta que, se formas de ação do terapeuta frente a
considerarmos o conceito de eventos autodescrições de eventos privados, com
privados como uma resposta verbal o objetivo de desenvolver modelos
emitida por analistas do comportamento, clínicos comportamentais de eficácia
veremos que ainda é colocado sob o empiricamente comprovada. Esses
rótulo de eventos privados fenômenos programas de pesquisa devem contribuir
diversos e de complexidade para um avanço da terapia analítico-
extremamente variável. Em uma mesma comportamental e, de acordo com nossa
linha, Borba e Tourinho (no prelo) visão, também contribuirá para o avanço
apontam que apenas entre analistas do da terapia cognitivo-comportamental.

Referências

Banaco, R. A. (1999). O acesso a eventos privados na prática clínica: Um fim ou um meio?


Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 1, 135-142.

Bandura, A. (1977a). Social learning theory. Englewood Cliffs. New Jersey: Prentice-Hall.

Bandura, A. (1977b). Self-efficacy: Toward a unifying theory of behavioral change.


Psychological review, 84 (2), 191-215.

Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 60-79 75
O surgimento das terapias cognitivo-comportamentais e suas consequências para o desenvolvimento .......

Bandura, A. (1986). Social foundations of thought and action. New Jersey: Prentice-Hall.

Beck, A. T. (1970). Cognitive therapy: Nature and relation to behavior therapy. Behavior
therapy, 1, 184-200.

Beck, A. T.; Rush, A. J., Shaw, B. F. & Emery (1982). Terapia cognitiva da depressão. Rio
de janeiro: Zahar Editores. Publicado originalmente em 1979.

Beidel, D. C. & Turner, S. M. (1986). A critique of the theoretical bases of cognitive-


behavioral theories and therapy. Clinical psychology review, 6, 177-197.

Borba, A. & Tourinho, E. Z. (no prelo). Instrumentalidade e coerência do conceito de


eventos privados. Acta Comportamentalia.

Costa, M. N. P. da (2002). Terapia analítico-comportamental: Dos fundamentos


filosóficos à relação com o modelo cognitivista, 1. ed., Santo André: ESETec Editores
Associados.

Craighead, E. W. (1990). The changing nature of behavior therapy. Behavior Therapy, 21,
1-2.

Dobson, K. S. (1988). The present and future of the cognitive-behavioral therapies. In K. S.


Dobson (Ed.) Handbook of cognitive-behavioral therapies (pp. 387-414). New York:
The Guilford Press.

Dobson, K. S. & Block, L. (1988). Historical and philosophical bases of the cognitive-
behavioral therapies. In K. S. Dobson (Ed.) Handbook of cognitive-behavioral
therapies (pp. 1-38). New York: The Guilford Press.

Dougher, M. J. (1993). On the advantages and implications of a radical behavioral


perspective on private events for the behavior therapist. The Behavior Therapist, 204-
206.

Ellis, A. & Dryden, W. (1997). The practice of rational-emotive behavior therapy. New
York: Springer Publishing Company.

Ellis, A. & Greiger, R. (1977). Handbook of rational-emotive therapy. New York: Springer.

Eysenck, H. J. (1959). Learning theory and behaviour therapy. Journal of Mental Science,
105, 61-75.

Ferster, C. B. (1967). Transition from animal laboratory to clinic. The Psychological


Record, 17, 145-150.

Ferster, C. B. (1972). Psychotherapy from the standpoint of a behaviorist. In J. D. Keehn


(Org.), Psychopathology in animals (pp. 279-303). New York: Academic Press.

Franks, C. M. (1996). Origens, história recente, questões atuais e estados futuros da terapia
comportamental: Uma revisão conceitual. In: V. E. Caballo (Org.), Manual de técnicas
de terapia e modificação do comportamento (pp. 3-22). Campinas: Editorial Psy.

Goldfried, M. R. & Davison, G. C. (1994). Clinical behavior therapy: Expanded edition.


New York: John Wiley & Sons. Publicado originalmente em 1976.

76 Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 60-79
João Ilo Coelho Barbosa - Aécio Borba

Greenway, D. E. & Wulfert, E. (2002). The current status and future direction of Clinical
Behavior Analysis: Introduction to the special section. The Behavior Analyst Today, 3
(3), 246-247.

Guilhardi, H. J. (2004). Terapia por contingências de reforçamento. Em: C. N. de Abreu, e


H. J. Guilhardi (Eds.). Terapia comportamental e cognitivo comportamental: Práticas
clínicas. São Paulo: Roca.

Hallam, R. S. (1987). Prospects for theoretical progress in behavior therapy. In: H. J.


Eysenck & I. Martin (Org.), Theoretical foundations of behavior therapy (pp. 315-329).
New York/London: Plenum Press.

Hawkins, R. P. & Forsyth, J. P. (1997). Bridging barriers between paradigms: Making


cognitive concepts relevant for behavior analysis. Journal of Behavior Therapy and
Experimental Psychiatry, 28 (1), 3-6.

Hawkins, R. P., Kashden, J., Hansen, D. J. & Sadd, D. L. (1992). The increasing reference
to “cognitive” variables in Behavior Therapy: A 20-year empirical analysis. The
Behavior Therapist, 23, 115-118.

Hayes, S. C. (2004). Acceptance and Commitment Therapy and the new behavior
therapies: Mindfulness, acceptance and relationship. In S. C. Hayes, V. M. Follette, & M.
Linehan (Eds.), Mindfulness and acceptance: Expanding the cognitive behavioral
tradition (pp. 1-29). New York: Guilford.

Hayes, S. C., Strosahl, K. D. & Wilson, K. G. (1999). Acceptance and commitment therapy:
An experiential approach to behavior change. New York: The Guilford Press.

Kazdin, C. M. (1978). History of behavior modification: Experimental foundations of


contemporary research. Baltimore: University Park Press.

Kerbauy, R. R. (1983). Terapia comportamental cognitiva: mudanças em algumas técnicas.


Cadernos de Análise do Comportamento, 4, 30-45.

Kohlenberg, R. J. & Tsai, M. (1991). Functional analytic psychotherapy. New York:


Plenum Press.

Kohlenberg, R. J., Tsai, M., Dougher, M. J. (1993). The dimensions of clinical behavior
analysis. The Behavior Analyst, 16, 271-282.

Krasner, L. (1969). Behavior modification – values and training: The perspective of a


psychologist. In C. M. Franks (Ed.) Behavior therapy: appraisal and status (pp. 537-
566). New York: McGraw-Hill.

Lazarus, A. A. (1979). Prefácio. In: A. A. Lazarus (Ed.), Terapia comportamental na clínica


(pp. 13-15). Belo Horizonte: Interlivros. Publicado originalmente em 1972.

Lazarus, A. A. (1980). Psicoterapia personalista: uma visão além dos princípios de


condicionamento. Belo Horizonte: Interlivros. Publicado originalmente em 1977.

Lee, C. (1992). On cognitive theories and causation in human behavior. Journal of


Behavior Therapy and Experimental Psychiatry, 23 (4), 257-268.

Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 60-79 77
O surgimento das terapias cognitivo-comportamentais e suas consequências para o desenvolvimento .......

Mahoney, M. J. & Arnkoff, D. B. (1978). Cognitive and self-control therapies. In: S. L.


Garfield & A. E. Bergin (Eds.), Handbook of psychotherapy and behavior change: An
empirical analysis (pp. 689-722). New York: Wiley.

Meichenbaum, D. (1986). Cognitive-Behavior Modification. In F. H. Kanfer & A. P.


Goldstein (Org.), Helping people change: a textbook of methods (pp. 346-380). New
York: Pergamon Press.

Schwartz, R. M. (1982). Cognitive-behavior modification: A conceptual review. Clinical


Psychology Review, 2, 267-293.

Shinohara, H. O. (1997). Conceituação da terapia cognitivo-comportamental. In: R. A.


Banaco (Org.), Sobre comportamento e cognição: aspectos teóricos, metodológicos e de
formação em análise do comportamento e terapia cognitivista (pp. 1-5). São Paulo:
ARBytes.

Skinner, B. F. (1965). Science and human behavior. New York: The Free Press. Publicado
originalmente em 1953.

Skinner, B. F. (1982). Sobre o Behaviorismo (M. P. Villalobos, Trad.). São Paulo, SP:
Cultrix. Publicado originalmente em 1974.

Sweet, A. A. & Loizeaux, A. L. (1991). Behavioral and cognitive treatment methods: A


critical comparative review. Journal of Behavior Therapy and Experimental
Psychiatry, 22 (3), 159-185.

Tourinho, E. Z. (1997). Evento privado: Função e limites do conceito. Psicologia: Teoria e


Pesquisa, 13, 203-209.

Tourinho, E. Z. (2007). Conceitos científicos e “eventos privados” como resposta verbal.


Interação em Psicologia, 11, 1-9.

Tourinho, E. Z. (2009). Subjetividade e relações comportamentais. São Paulo: Paradigma.

Vandenberghe, L. (2004). Relatar emoções transforma emoções relatadas? Um


questionamento do paradigma de Pennebaker com implicações para a prevenção de
transtorno de estresse pós-traumático. Revista Brasileira de Terapia Comportamental
e Cognitiva, 6, 39-48.

Walsh, P. (1997). Bye-bye behaviour modification. In: K. Dillenburger, M. F. O'Reilly, & M.


Keenan,M. (Eds.). Advances in Behaviour Analysis (pp. 91-102). Dublin: University
College Dublin Press.

Wilson, G. T. (1978). On the much discussed nature of the term “Behavior Therapy”.
Behavior Therapy, 9, 89-98.

Wilson, K. G.; Hayes, S. H. & Gifford, E. (1997). Cognition in behavior therapy: agreements
and differences. Journal of behavior therapy and experimental psychiatry, 28 (1), 53-
63.

Wolpe, J. (1976). Prática da terapia comportamental. São Paulo: Brasiliense. Publicado


originalmente em 1973.

78 Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 60-79
João Ilo Coelho Barbosa - Aécio Borba

Recebido em: 14/07/2008


Aceito para publicação em: 16/06/2010

Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 60-79 79

View publication stats

Você também pode gostar