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II Seminário Nacional de Teoria Marxista: O capitalismo e suas crises

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NOVOS FETICHISMOS EM TEMPOS DE TOYOTIZAÇÃO: DESIGN E


“EXPERIÊNCIA”.1

Iraldo Alberto Alves MATIAS2


Danilo Sakamoto SOARES 3

Resumo

Autores de diferentes matizes teóricos, que convergem para uma compreensão “pós-
moderna” da sociedade de classes contemporânea, preconizam que vivemos no suposto
“pós-capitalismo”. Como consequência deste processo, viveríamos uma obsolescência
do materialismo histórico, tida apenas como uma “metanarrativa” incapaz de explicar a
realidade da “nova economia” que deveria conter a centralidade da análise sobre a
esfera da circulação. Mas, principalmente, a teoria do valor-trabalho em Marx (1983)
teria perdido o sentido e, portanto, também o conceito de mais-valia como central nas
relações sociais de produção. No presente artigo, pretendemos mostrar os efeitos da
reestruturação produtiva sobre o design e seu campo teórico, que tem assumido as
ideologias “pós-industrialistas” voltadas para a subjetividade dos “consumidores”, para
o design de experiência. A produção material, num momento em que a discussão teórica
do design incorpora o uso do léxico gestorial, teria sido substituída pela produção da
imagem corporativa: o branding.

Palavras-chave

1. Reestruturação Produtiva; 2. Fetichismo da Mercadoria; 3. Gestão do Design; 4.


Experiência.

1
Pesquisa de Iniciação Científica desenvolvida no Programa de Educação Tutorial - PET Design, no Instituto Federal
de Santa Catarina, teve como projeto “guarda-chuva” a Tese de Doutorado em Sociologia, pela Unicamp, Projeto e
Revolução: do fetichismo à gestão, uma crítica à teoria do design, recém-publicada (MATIAS, 2014).
2
Doutor em Sociologia, UNICAMP (2014), Mestre em Sociologia Política, UFSC (2007), Bacharel em Design
Industrial, UDESC (2004). Prof. do CST Design de Produto e Tutor do Grupo PET Design IFSC. Email:
iraldom@gmail.com.
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Graduando em Curso Superior de Tecnologia em Design de Produto, IFSC e ex-Bolsista de Iniciação Científica do
Grupo PET Design IFSC. Email: danilo.sakamotosoares@gmail.com.

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Introdução

Autores de diferentes matizes teóricos, que convergem para uma compreensão


“pós-moderna” da sociedade de classes contemporânea, preconizam que vivemos em
um suposto “pós-capitalismo”. Isto significaria uma economia “pós-industrial”,
orientada para uma produção “imaterial” voltada majoritariamente aos “serviços”, que
teria como principais forças produtivas o “conhecimento”, a “informação” e a
“criatividade”, isto é, onde predominaria o trabalho intelectual em contraposição ao
trabalho de execução, base do “ultrapassado” processo produtivo industrial. A
produção (e, por conseguinte, o proletariado) já não seria mais o foco do problema, mas
o consumo e o demiurgo da “nova economia”: o consumidor. Portanto, a centralidade da
análise se encontraria na esfera da circulação: no mercado.
Como consequências deste processo que povoa o fértil imaginário pós-
moderno, teríamos uma superação dos antagonismos de classe do “antigo” modo de
produção capitalista e, com isso, viveríamos uma obsolescência teórica e política do
materialismo histórico, tida apenas como uma “metanarrativa” incapaz de explicar essa
“nova” realidade. Mas, principalmente, a teoria do valor-trabalho em Marx teria
perdido o sentido e, portanto, o conceito de mais-valia como central nas relações sociais
de produção.
Este é o contexto da pesquisa ora exposta, que versa sobre os impactos desse
amplo processo sobre uma área historicamente ligada à produção material: o design
industrial. O design é uma atividade projetual oriunda da divisão social do trabalho
engendrada durante a Revolução Industrial, momento em que o trabalho sofreu sua
subsunção real ao capital (MARX, S/D), separando, opondo e hierarquizando trabalho
manual e trabalho intelectual. Com a propriedade e o controle (gestão) da produção nas
mãos dos capitalistas, a indústria em rápida ascensão logo necessitou de um profissional
especializado na concepção das novas mercadorias. Ou, como afirma Forty (2007, p.50)
acerca das drásticas transformações nos processos produtivos daquele tempo, “(...) foi
necessário adicionar mais um estágio, o da preparação de instruções para os vários
operários: na verdade, um estágio de design”.
No presente artigo, pretendemos mostrar os impactos da reestruturação
produtiva sobre o design e seu campo teórico, que tem assumido as ideologias “pós-
industrialistas” (PAGOTTO, 2009) voltadas para a subjetividade dos “consumidores”,

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como o experience design (design de experiência), entre outros fenômenos. A produção


material teria sido substituída pela produção “imaterial” 4 da imagem corporativa: o
branding. Essa discussão ocorre no âmbito daquilo que denominamos, em outro
momento, como virada gestorial no design (MATIAS, 2014), quando a discussão
teórica passa a ser hegemonizada por autores da área da administração de empresas, ou
pela incorporação do léxico gestorial em obras específicas de teoria do design
O enfoque teórico-metodológico combina autores da Sociologia do Trabalho
dentro do campo do materialismo histórico, estendendo sua crítica à esfera da gestão. A
bibliografia analisada é referente aos principais manuais de gestão do design e obras da
teoria do design que abordam a problemática, presentes nas bases curriculares da área.

A derrocada do modelo de acumulação fordista-taylorista

O esforço em entender criticamente a atividade do design na atualidade passa


necessariamente pela apreensão da reestruturação produtiva que teve início nos anos 70
como resposta do capital à sua crise estrutural, pois os avanços sobre a subjetividade do
consumidor e do trabalhador e sobre a área dos serviços, somados à hegemonização da
classe gestorial ocorridos durante a reorganização capitalista determinam a forma como
a área autodenominada “criativa” se insere no ciclo de valorização do capital hoje
(ANTUNES, 2001; BERNARDO, 2009; TRAGTENBERG, 2005). Mas sem a intenção
de esgotar todas as particularidades que constituem a reestruturação produtiva, é
suficiente trazer à discussão os elementos principais que contextualizam e caracterizam
este momento, lançando luz sobre o objeto estudado.
O contexto de crise estrutural do sistema capitalista, que se acirrou nas décadas
de 1960 e 1970, com as revoltas dos trabalhadores, demonstrou claros limites às formas
organizativas do fordismo-taylorismo. Isto forçou o surgimento de novas técnicas de
administração que oferecessem alternativas capazes de contornar a profunda crise de
produtividade e retomar o controle sobre os trabalhadores. Apoiada na nova realidade
material trazida pelos avanços nas tecnologias microeletrônicas e comunicacionais foi
difundida uma nova forma de organização da produção, a partir do princípio da
acumulação flexível, que acabaria por ser conhecida como toyotismo, por ter como

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A problemática acerca do chamado “imaterial” é complexa e extensa, não sendo comportada por este artigo. O
mapeamento teórico do debate, bem como sua influência sobre o campo do design foi desenvolvido em Matias
(2014).

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laboratório a empresa que primeiro aplicou e formalizou tal modelo: a montadora


japonesa Toyota (BERNARDO, 2005).
Mas, a reestruturação produtiva, ao mesmo tempo em que retoma o controle
societal e a intensificação da exploração do trabalho pelo capital, se estabelece
principalmente como um eufemismo para a precarização. Pois, se a fábrica fordista se
orientava para a internalização da cadeia produtiva recorrendo a empresas externas de
forma secundária, no toyotismo as terceirizações e subcontratações ocorrem de maneira
generalizada, enquanto a empresa flexibilizada se organiza em torno do que “(...) é
central em sua especialidade no processo produtivo” (ANTUNES, 2001, p.54-55).
Fragmentados em firmas terceirizadas ou em team works dentro da própria fábrica, os
laços de solidariedade construídos entre os trabalhadores durante a homogeneização do
período fordista-taylorista são progressivamente quebrados. Isto leva à diluição do
autorreconhecimento de classe dentre os próprios trabalhadores, contribuindo para sua
inexistência política e sociológica (BERNARDO, 2005).
Diante das lutas autogestionárias citadas, surge aquilo que, de forma relativa, o
capital havia ignorado até então: o aparato cognitivo do trabalhador. Através de
modalidades de “participação” como os Círculos de Controle de Qualidade, passou-se a
integrar a capacidade de gestão dos trabalhadores – agora “colaboradores” – nos
processos decisórios sobre o sistema produtivo. No entanto, ao permanecer limitada aos
interesses capitalistas, ou seja, subordinada ao imperativo da valorização de capital, a
instrumentalização do intelecto do trabalho no processo produtivo, ao contrário de
significar a emancipação do trabalhador, torna-se tecnologia capitalista de controle.
A adoção de um organograma mais flexibilizado requer o apaziguamento das
lutas oriundas das contradições de classe, para a constituição do operário-supervisor
possuidor de uma iniciativa voluntária, que “vista a camisa da empresa” e fiscalize a si
próprio e aos demais. A captura da subjetividade se torna uma necessidade da produção,
de onde as “relações humanas” aparecem negando os antagonismos do trabalho,
psicologizando aquilo que é político, estabelecendo a “empresa educadora” preocupada
em dominar conflitos através do disciplinamento dos trabalhadores (TRAGTENBERG,
2005).
Como afirmado em outro trabalho, com base em Boltanski e Chiapello (2009),
“estas necessidades produtivas próprias de tempos toyotistas encontrarão no design um
solo fértil para desenvolverem-se, principalmente nas novas formas de ‘organização por

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projetos’” (MATIAS, 2014, p.251). Ao voltar-se para a dimensão cognitiva do trabalho,


o capital passa a prestar maior atenção nas profissões que têm na “criatividade” o cerne
de sua atividade, como o design. Isto levou a um processo de proletarização nas áreas
onde antes imperava o caráter gestorial do trabalho intelectual. Isto porque “a vertente
intelectual da atividade produtiva surge aos capitalistas como um campo ilimitado para
acrescer a complexidade do trabalho e, portanto, para expandir e acelerar os
mecanismos de mais-valia relativa” (BERNARDO, 2009, p. 401). Assim, termos aos
quais se denominou como novos fetichismos – “inovação”, “serviços”, “criatividade”,
“empreendedorismo”, “emoção” e o objeto deste artigo, a “experiência” –, tomaram
conta da teoria do design na última década (MATIAS, 2014).5

Uma “virada gestorial” no design

Para apreender o papel que a noção de “experiência” tem na acumulação


flexível, tanto na produção como na circulação de mercadorias, é necessário enveredar
pela discussão do que se definiu como “virada gestorial” no design (MATIAS, 2014),
porta de entrada das formas toyotistas de organização e do seu léxico específico no
campo projetual. Esse processo corresponde à emergência da visão global de controle
sobre a produção que, por sua vez, significa uma ampliação da hegemonia da classe
gestora sobre a burguesia clássica (BERNARDO, 2009).
O crescimento da “área de poder” do manager, como observado por Tragtenberg
(2005), se relaciona com o recíproco recuo da esfera de influência dos proprietários
empresariais, expressado na generalização do fracionamento das sociedades por ações.
Expressão sobre a qual Bernardo (2009) afirma a determinação do desenvolvimento
econômico em que o aumento de produtividade, baseada na mais-valia relativa como
fenômeno dinamizador, resulta no aumento da composição técnica necessária para
garantir a reprodução do capital. Ultrapassada a capacidade de pequenos grupos de
capitalistas isolados de realizarem a valorização do capital, foi com a concentração de
investimentos mediada por sistemas financeiros que se tornou possível garantir a
continuidade da reprodução capitalista, transformando-os em “um verdadeiro capital
geral e coletivo” (BERNARDO, 2009). 6

5
Para uma maior compreensão do conceito de fetichismo da mercadoria, ver Marx (1983).
6
Ao diferenciar burgueses e gestores, Bernardo (2009, p. 269) ainda afirma que estas classes distinguem-se: “a) pelas
funções que desempenham no modo de produção e, por conseguinte; b) pelas superestruturas jurídicas e ideológicas

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Dessa forma, as propriedades fracionadas consideradas na sua forma privada


passam a ser centralizadas pelos agentes que as controlam no intermédio entre os
proprietários privados daquelas e o efetivo destino que lhes é dado. Do que decorre uma
tripla constatação. Em primeiro lugar, a da apresentação de uma das definições mesma
da classe gestorial, isto é, o exercício do controle sobre o capital alheio. Em segundo
lugar, a do aumento da capacidade de controle da classe social que decide o
direcionamento do capital coletivizado, a classe dos gestores. E em terceiro lugar, a de
que propriedade não seja determinada puramente pelas relações jurídicas, mas pelo
exercício da gerência do capital.
Mas, propriedade coletiva não deve ser tomada por propriedade social
coletivizada, como tenta fazer parecer a “ficção jurídica” ao incorporar a parte da mais-
valia explorada que é assimilada pela classe gestorial na “forma jurídica do salário”
(BERNARDO, 2009). Sendo assalariada, a classe dos gestores dissimula a si mesma
como não proprietária, portanto, obscurecendo o seu caráter capitalista e explorador.
Basta observar sua relação de controle com o tempo de trabalho, para notar a sua
separação da classe trabalhadora. Para além dos rendimentos, que em muito extrapolam
o salário de qualquer trabalhador por conter a fatia da mais-valia que lhes é “de direito”,
é no controle do seu próprio tempo e do tempo alheio que os gestores exercem a sua
oposição de classe aos trabalhadores.
No cenário apresentado acima, a gestão começa a tomar espaço de forma
intensiva nas discussões do design na medida em que os seus apologistas desviam de
questões tradicionais da atividade projetual, como os problemas de funcionalidade, de
configuração estético-formal, semântica, etc., para se consolidarem no meio
empresarial. As “novas” ideologias gerencialistas ligadas ao toyotismo encontram-se em
completa afinidade com o surgimento de “manuais de gestão de projeto”, como o de
Neumeier (2008), Brunner e Emery (2010), Mozota (2011), entre outros, que tentam
convencer o empresariado da importância estratégica do design, sugerindo que este deve
ocupar, portanto, a alta administração das corporações. Eis que o ambiente altamente
competitivo, resultante da reestruturação produtiva, é o que impulsiona o avanço do
tratamento desse setor criativo como componente estratégico. Afinal, diante dos
paradigmas de flexibilização produtiva e “(...) um mercado consumidor em fase de
grande transformação de seus hábitos ou de estilo de vida, torna o ambiente

que lhes correspondem; c) pelas suas diferentes origens históricas; d) pelos seus diferentes desenvolvimentos
históricos”.

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extremamente favorável à utilização do design como resposta a estas mudanças”


(MAGALHÃES apud TEIXEIRA, 2005, p.01), inserindo-se “(...) no mercado
globalizado como ferramenta estratégica empresarial” (idem, p.22).

A “gestão estratégica” do design

De acordo com Bonsiepe (2011), o Relatório de Competitividade Global (Global


Competitiveness Report) sugere que os países mais competitivos são também “líderes
em design”. A ideia de que o design é elemento importante na organização do negócio
só se torna adequada, de acordo com os seus autores, na medida em que ela é tomada no
exercício empresarial. É, portanto, uma forma específica da área projetual que é
capturada, motivo que levou a literatura gestorial a tratá-la por design estratégico.
Ainda que as definições variem em pequena medida entre os autores, é seguro afirmar
que, para eles, “o Design Estratégico está relacionado ao futuro dos negócios da
empresa” (TEIXEIRA, 2005, p. 27).
O conhecimento das relações entre as técnicas de design e desempenho
corporativo não é exatamente novo. O movimento conhecido como styling, que teve o
auge no período pós-guerra, já defendia a manipulação estética do produto para criar
excitação e atração nos consumidores através dos aspectos formais de seus produtos
(BONSIEPE, 1983). Isto é, o projetista deveria ter a habilidade de instrumentalizar os
conhecimentos acerca da configuração formal para que os seus produtos atingissem a
irracionalidade, a subjetividade do consumidor, ativando “fatores de excitação”
(BAXTER, 1998) e provocando o desejo de possuí-los. Na máxima de Raymond
Lowey, expoente do styling, o belo é uma “linda curva de vendas em ascensão”
(DENIS, 2000, p. 135).
Porém, naquele momento a atuação do projetista ainda se encontrava meramente
como estágio operacional. O design ainda não participava, como busca hoje, dos
processos decisórios acerca de quando ou o quê produzir, apenas de como o fazer.
Logo, se extrapola o nível operacional das competências projetuais para se ocupar da
gestão estratégica do posicionamento de produtos e serviços no mercado, influenciando
os processos gerenciais e a aceleração da “inovação”. Ou seja, o design se estabelece
enquanto elemento estratégico empresarial (TEIXEIRA, 2005; MOZOTA, 2011).

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Desta forma, ao assumir o aspecto estratégico o design se entranha cada vez


mais alto nos níveis hierárquicos de tomada de decisão. Significa então que ele
reivindica participação do controle do fluxo de capital, decidindo a direção dos
processos de valorização e extração de mais-valia. Totalmente despido de capacidade
crítica sobre a sua atividade, o design se coloca como atividade eminentemente
capitalista. Mas, os papéis da gestão do design acabam conflitando com os gestores
especializados em outras áreas, o que significa entrar em disputa pelo reduzido espaço
de controle do trabalho alheio. De onde se explica o tom quase panfletário encontrado
nos “cases de sucesso”, estudos de caso em que a literatura de design tenta promover a
contribuição da área para a valorização flexível do capital num ambiente hostil. Brunner
e Emery (2010, p.21), em um desses momentos de catequização, afirmam:

O design completo deve incorporar o que eles [os clientes] vêem, interagir e
entrar em contato com eles - todas as coisas que eles experimentam sobre
sua empresa e usam para formar opiniões e desenvolver o desejo pelos seus
produtos. Não devemos permitir que esses pontos de referência apenas
aconteçam. Eles devem ser projetados e coordenados de maneira a levá-lo
aonde você quer chegar com seus consumidores - onde você é importante
para eles. (E acredite, você quer ser importante.).

De acordo com Mozota (2011), os dois campos de atuação gerencial, a


tradicional e a de projeto, lidam com a coordenação de processos sistemáticos e lógicos
para a tomada de decisões, fator que os tornam atividades similares, portanto,
intercambiáveis. No entanto, também há especificidades, surgindo a necessidade de
planejamento, execução e coordenação próprios dos métodos de gerenciamento de
projetos. Ao definir-se como a “organização do uso estratégico do design na sua vasta
complexidade” (TEIXEIRA, 2005, p.28), a gestão do design aparece para ocupar essa
lacuna.
Com o emprego da gestão estratégica do design se pretende influenciar os rumos
da empresa em diversos níveis, podendo-se delimitar três mais abrangentes. O design
pode participar dos processos decisórios em questões estratégicas de posicionamento de
mercado, de determinação de objetivos gerais e da descrição da competência central,
determinando os direcionamentos do fluxo de valorização do capital. Com isso, integra-
se aos outros departamentos da empresa, promovendo a coesão dos processos de
produção, de comunicação e de desenvolvimento com o objetivo de possibilitar o
cumprimento dos objetivos estratégicos definidos. E, por fim, na atuação mais imediata

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se dá a própria atividade tradicional do design, executando projetos de produtos, de


comunicação e de ambiente determinado pelo viés de eficácia do seu processo.

Branding e “experiência” como manifestações do fetichismo da mercadoria

Ainda que se reconheça a influência do projeto sobre os custos de fabricação, ou


seja, sobre a racionalização da produção, os autores da gestão do design estratégico aqui
levam em consideração as características “comunicacionais” do produto, leia-se
branding. Para Emery e Brunner (2010, p.27, grifamos) o design deve ser “o catalizador
de todas as emoções que você [consumidor] experimenta quando interage com a
empresa de alguma maneira”. Isso significa que qualquer contato entre a corporação e o
cliente deve ser premeditado para que se promova o “afeto emocional” deste por aquela,
demarcando território na subjetividade do consumidor.
Dessa relação entre o contato do consumidor com a empresa, surge o chamado
“marketing de experiência” (FONTENELLE, 2005), que percorrerá toda a teoria da
gestão estratégica do design, se colocando como fundamento próprio do projeto. A
antecipação da “experiência do consumidor” gerada a partir do contato com a empresa
em sua totalidade subjuga os outros elementos do design operacional, que se dão em
função dela, elevando o domínio do valor de troca sobre o valor de uso ao seu nível
mais abstrato. Tal antecipação é um mecanismo próprio do toyotismo, em sua
incessante busca pela eliminação de tempo e, portanto custos, na circulação, momentos
em que o capital deixa de se valorizar.
Paradoxalmente, o conjunto de “experiências” proporcionadas formaria o
construto de uma identidade empresarial “mais humanizada”, como defendem seus
apologistas. A marca, o design corporativo, é o espaço a partir do qual a gestão do
design reivindicará o acesso à alta administração.
A centralidade atribuída à experiência do consumidor na literatura da gestão do
design está diretamente relacionada ao movimento de hipertrofia da importância da
marca, no discurso empresarial. Da mesma forma que o toyotismo procura controlar a
subjetividade operária, apresenta sua obsessão em produzir “ligações emocionais” entre
o consumidor e a empresa através do branding. Num ambiente em que os manuais
panfletários de gestão entendem que a “sociedade passou de uma economia de produção
em massa para uma economia de customização de massa, e nossas opções de compra se

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multiplicaram” (NEUMEIER, 2008, p.08), o apelo às emoções se torna crucial para


garantir a “escolha do consumidor”.
Entretanto, se a marca já era explorada através de outros campos especializados,
como o marketing, há o que se reconhece como um entrave para o sucesso da criação da
identidade corporativa, que é a discrepância entre a marca como projetada pela empresa
e a imagem reconhecida pelas pessoas. Tal “abismo da marca” (NEUMEIER, 2008),
seria causada pela carência de competências, como criatividade, estética, semiótica, na
administração tradicional e racional, leia-se fordista. O design se coloca como a
promessa de constituir a ponte sobre esse “abismo”.
Porém, é necessário cautela para não autonomizar a esfera do consumo, como o
fazem os apologistas do capital. Afinal, o “consumidor” pode ser tanto o capitalista que
se reproduz enquanto capitalista, ou ao trabalhador, ao recuperar a sua força de trabalho,
o que serve pouco para a análise (BERNARDO, 2009). Mesmo os ideólogos da marca
não se deixam cegar totalmente para a existência do trabalhador, ao lançar mão de
ferramentas de captura da subjetividade do trabalho, como o “branding do empregador”
(employer branding) (BACKHAUS; TIKOO, 2004), para “mobilizar” toda a
corporação, do chão fabril, passando por toda a cadeia produtiva, até a alta
administração, em função da identidade da empresa. Tal fenômeno cria uma atmosfera
descrita por Klein (2008, p.23) como sendo “um cruzamento entre uma fraternidade
universitária, um culto religioso e um sanatório”.
Se a descrição parece exagerada, Rose (apud Brunner e Emery, 2010, p.81)
exalta o nível de irracionalidade que a gestão do design e da marca busca, num famoso
“case de sucesso” de uma fábrica coreana da Samsung:

Sob o comando de Lee, os 2000 funcionários da fábrica, usando na cabeça


faixas escrito ‘Qualidade Em Primeiro Lugar’, se reuniram em um pátio. Lá,
eles encontraram todo o estoque da empresa empilhado - telefones celulares,
máquinas de fax, aproximadamente R$ 50 milhões em equipamentos. Uma
faixa na frente deles dizia ‘Qualidade é Meu Orgulho’. Lee e seus diretores
levavam os produtos, um por um, e os destruíam com martelos, em seguida
jogando-os no fogo. Antes que tudo acabasse, os funcionários estavam
chorando.

O papel da “experiência” no toyotismo é levar ao limite o “sentimento


visceral” (NEUMEIER, 2008) de trabalhadores e consumidores em relação às empresas.
Portanto, é o que prescreve a ideologia gestorial contemporânea como a forma excelente
de condução de toda corporação, incluindo as cadeias de subcontratações. Isto significa,
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enfim, hetero-organizar e controlar o trabalho em toda a sua amplitude. Assim,


começam a aparecer pistas para desvendar as afirmações de que a gestão do design
geraria valor.
A base material necessária para a produção da “experiência”, quer dizer, as
relações sociais de produção capitalistas tornam-se assim naturalizadas na gestão do
design. Sintonizada às teses pós-modernas que afirmam o fim do trabalho diante dos
avanços tecnológicos e da proliferação dos serviços trazidos pela reestruturação
produtiva, a literatura do design atribui à atividade dos gestores, a responsabilidade
sobre a valorização do capital. Naquelas teses, o aumento do chamado “trabalho
imaterial” na indústria e no crescente setor de serviços, onde o intelecto emprega
avançada participação, aliado aos processos de automatização, indicaria o início de um
mundo “pós-industrial”. O suposto fim do trabalho objetificado em uma mercadoria
tangível, aliado ao crescimento dos processos de automação, teria como consequência a
impossibilidade de quantificar o valor, portanto, levando ao fim da vigência da teoria do
valor-trabalho na análise desta sociedade.
Mas, como se viu acima, ao contrário do que afirmam as teses pós-
industrialistas, os efeitos da flexibilização produtiva significam a intensificação das
contradições do sistema capitalista, não o seu oposto. A ampliação da composição
orgânica do capital se desenvolve com o incremento da produtividade, principalmente
com a predominância da mais-valia relativa, sendo ela própria o que dinamiza o
capitalismo. A partir de Bernardo (2009), entende-se que a tangibilidade ou não dos
processos econômicos, em nada modifica a análise sobre a materialidade das relações
sociais da produção capitalista. Se a lei do valor continua em vigência, a atividade
gestorial, portanto, também continua exploradora. E, justamente por ser improdutiva,
não produz valor.
Como mostra Bernardo (2009), o sobrelucro proveniente de estratégias
concorrenciais, na realidade, é “oriundo da repartição desigual da mais-valia própria da
concorrência intercapitalista na produção, onde a inovação tem um papel crucial”
(MATIAS, 2014, p.297). Portanto, não se trata de um acréscimo de valor incorporado às
mercadorias e serviços, mas de uma guerra pela apropriação da mais-valia já
materializada na produção.
Dessa forma, a “experiência” obscurece formas de exploração tipicamente
toyotistas. Como afirma Klein (2008, p.20), as “(...) viagens dos tênis Nike têm sido

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rastreadas até o trabalho semiescravo no Vietnã, as pequenas roupas da Barbie até a


mão-de-obra infantil de Sumatra, os cafés da Starbucks aos cafeicultores castigados pelo
sol da Guatemala, e o petróleo da Shell às aldeias poluídas e empobrecidas do delta do
Níger”. A própria marca não existe senão como produto do trabalho. Afinal, a
“experiência” não se concretiza na sala de reuniões dos gestores, mas da atividade dos
designers proletarizados, dos trabalhadores das gráficas que produzem os anúncios do
Mc Donalds, dos que fabricam os outdoors da Nike, dos que organizam as frutas por
cores nas prateleiras do Walmart, ou que servem o café na Starbucks. Ou seja, o valor
continua sendo proveniente da absorção do trabalho vivo e de sua transformação em
trabalho abstrato.

Considerações Finais

A atividade do design na atualidade, portanto, se dá estreitamente conectada ao


desenvolvimento do toyotismo. A flexibilização das novas formas organizativas da
produção forneceu as bases sobre as quais o papel do projeto de mercadorias “evoluiu”
para a gestão estratégica do design. Portanto, com sua total subordinação aos interesses
do capital, através do branding e da “experiência”, o design consolida o seu interesse de
pertencimento à classe gestorial. Ao menos para uma minoria de profissionais que
conseguem ocupar tais cargos, contra uma ampla maioria de jovens designers em
processo de proletarização, garantido pela exploração da componente cognitiva do
trabalho.
A constituição da identidade corporativa levada ao extremo em seu apelo à
irracionalidade, por um lado captura mentes, manipulando necessidades e articulando
consumo e produção. Por outro, organiza o trabalho no novo contexto flexível e, ao
dissimular as contradições de classe inerentes à produção capitalista, atualiza a
pertinência do conceito marxiano de fetichismo da mercadoria. Isto significa dizer que o
design, enquanto mera atividade gestorial, torna-se limitado, na teoria e prática, à lógica
da valorização ampliada do capital.

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REFERÊNCIAS

ANTUNES, R. Os Sentidos do Trabalho: Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho.


São Paulo: Boitempo, 2001.

BACKHAUS, K.; TIKOO, S. Conceptualizing and researching employer branding. Carrer


Development International, Vlo.9, Iss 5, 2004, p.501-507.

BAXTER, M. Projeto de Produto: Guia prático para o desenvolvimento de novos produtos.


São Paulo: Edgard Blücher, 1998.

BERNARDO, J. “Trabalhadores: classe ou fragmentos?”. In: O Comuneiro, nº 1, Setembro


de 2005, 11pg. Disponível em: http://www.ocomuneiro.com/nr01_09_trabalhadores.htm.
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