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Produção de textos e ensino de línguas:

contribuições da Linguística Aplicada


Selma Silva Bezerra
Silvio Nunes da Silva Júnior
Geison Araujo Silva
(Orgs.)

Produção de textos e ensino de línguas:


contribuições da Linguística Aplicada

TUTÓIA-MA, 2021
EDITOR-CHEFE
Geison Araujo Silva

CONSELHO EDITORIAL
Bárbara Olímpia Ramos de Melo (UESPI)
Diógenes Cândido de Lima (UESB)
Jailson Almeida Conceição (UESPI)
José Roberto Alves Barbosa (UFERSA)
Joseane dos Santos do Espirito Santo (UFAL)
Julio Neves Pereira (UFBA)
Juscelino Nascimento (UFPI)
Lauro Gomes (UPF)
Letícia Carolina Pereira do Nascimento (UFPI)
Lucélia de Sousa Almeida (UFMA)
Maria Luisa Ortiz Alvarez (UnB)
Marcel Álvaro de Amorim (UFRJ)
Meire Oliveira Silva (UNIOESTE)
Rosangela Nunes de Lima (IFAL)
Rosivaldo Gomes (UNIFAP/UFMS)
Silvio Nunes da Silva Júnior (UFAL)
Socorro Cláudia Tavares de Sousa (UFPB)
2021 - Editora Diálogos
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Diagramação: Geison Araujo Silva.
Revisão: Editora Diálogos

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(eDOC BRASIL, Belo Horizonte/MG)

P964
Produção de textos e ensino de línguas: contribuições da linguística
aplicada [livro eletrônico] / Organizadores Selma Silva Bezerra, Silvio Nunes
da Silva Júnior, Geison Araujo Silva – Tutóia, MA: Diálogos, 2021.

Formato: PDF
Requisitos de sistema: Adobe Acrobat Reader
Modo de acesso: World Wide Web
ISBN 978-65-992824-9-2

1. Linguística aplicada. 2. Linguagem e línguas – Estudo e ensino. I.


Bezerra, Selma Silva. II. Silva Júnior, Silvio Nunes da. III.Silva, Geison Araujo.

CDD 418

Elaborado por Maurício Amormino Júnior – CRB6/2422

https://doi.org/10.52788/9786599282492

Editora Diálogos
contato@editoradialogos.com
www.editoradialogos.com
Sumário

Apresentação.................................................................................................................11

Capítulo 1 - Produção de textos e autonomia relativa de licenciandos em


Letras:a sala de aula como arena responsiva......................................................16
Silvio Nunes da Silva Júnior

Capítulo 2 - A formação de alunos críticos e reflexivos a partir da Pedagogia


do Sarau: espaços, leituras e construções............................................................37
Ricardo Ferreira de Sousa

Capítulo 3 - A prática da produção textual: contribuições e implicações


sob a perspectiva de uma pesquisa do tipo Estado da arte ��������������������������55
Wilzelaine Aparecida Hanke

Capítulo 4 - Produção textual, gênero e ensino: implicações sociais e


educacionais....................................................................................................................78
Kathia Maria Barros Leite

Capítulo 5 - Reflexos dialógicos do letramento escolar na produção textual


de estudantes universitários ......................................................................................97
Andre Cordeiro dos Santos, Lúcia de Fátima Santos,
Manuel Álvaro Soares dos Santos

Capítulo 6 - A argumentação em textos dissertativos, redação do


Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), a partir do uso de figuras de
linguagem................................................................................................................. 117
Emanuelly Nascimento Gomes, Francisco Renato Lima

Capítulo 7 - A entrevista de especialista e o desenvolvimento das


capacidades linguageiras: um relato de experiência ����������������������������������� 131
Juliana Fioroto, Joseane Brito Martins Nascimento, Kelli Mileni Voltero

Capítulo 8 - Percursos de produção escrita do gênero notícia no apostilado


do Estado de São Paulo............................................................................................ 152
Debora Mariana Ribeiro

Capítulo 9 - Educação do/no campo: estudos sobre as práticas de


produção textual dos alunos................................................................................... 160
André Luiz da Silva, Priscila Maila da Silva

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 6


Capítulo 10 - Reflexões sobre a concepção de escrita dos documentos
curriculares de ensino de português em Portugal (2014-2018) ������������������������� 182
Rosângela Oliveira Cruz Pimenta

Capítulo 11 - A construção dos sentidos nas produções de estudantes de


língua inglesa de comunidades de Maceió....................................................... 202
Selma Silva Bezerra

Capítulo 12 - A produção escrita em tempos de Covid-19: experiências


e desafios no contexto da formação inicial de professores de Letras/
Espanhol.................................................................................................................... 217
Flávia Colen Meniconi

Capítulo 13 - A tradução como produção escrita na aula de língua


estrangeira: uma experiência no curso de graduação de Letras com
Língua Francesa da UEFS...................................................................................... 233
Priscilla Barbosa de Oliveira Melo

Capítulo 14 - Analisando a produção textual de alunos para a prova de


escrita integrada do TOEFL-IBT............................................................................. 247
Anderson Alves De Souza, Suênia Valéria Oliveira Câmara

Capítulo 15 - Textos jornalísticos - uma prática pedagógica como


inovação no currículo no ensino da língua espanhola no IFRO – campus
Jaru.............................................................................................................................. 264
Andreia Correia de Souza, Osvaldo Homero Garcia Cordero

Capítulo 16 - Géneros discursivos y enseñanza de idiomas: entre


las creencias de los profesores y las prácticas de literacidad de los
estudiantes..................................................................................................................... 281
Lucineudo Machado Irineu, Tatiana Lourenço de Carvalho

Sobre os organizadores.......................................................................................... 294

Sobre as autoras e autores.................................................................................... 295

Índice remissivo......................................................................................................... 301

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 7


Apresentação

As discussões sobre a produção de textos na escola e na universidade


têm sido frequentes na área da Linguística Aplicada. Dentre os fatores que
contribuem para essa constante busca de novos significados sociais para o
ensino, a aprendizagem e a formação de professores para o trabalho com
a escrita na sala de aula está o papel político da Linguística Aplicada em
construir, numa perspectiva processual, encaminhamentos que possam
conduzir sujeitos à reflexão, visando ao aperfeiçoamento de suas diferentes
práticas em contextos diversos. Tal fator permite considerar a relevância
desta obra, que engloba olhares para os processos de produção de textos
a partir de perspectivas teóricas que compactuam com uma visão social
de língua, linguagem e ensino, para a ampliação de estudos e pesquisas
sobre as práticas de sala de aula nos mais variados níveis de ensino. Dessa
maneira, os 16 (dezesseis) capítulos que compõem a coletânea não se
limitam ao ensino e à aprendizagem de uma só língua nem de um só nível
de formação escolar ou acadêmica. A singularidade dos acontecimentos
sociais permite um diálogo rico e denso, como o que objetivamos propor
com esta organização.
No primeiro capítulo, intitulado Produção de textos e autonomia
relativa de licenciandos em Letras:a sala de aula como arena responsiva, Silvio
Nunes da Silva Júnior, com base em suas experiências como professor-
pesquisador e formador do curso de licenciatura em Letras/Português de uma
universidade pública, problematiza a constituição processual da autonomia
relativa do sujeito tendo como recurso o que o autor conceitua como
abordagem genérica, a qual está filiada à noção de sala de aula como arena
responsiva, cunhada também pelo autor. O capítulo é finalizado levando
em consideração que as ações pedagógicas com foco na autonomia relativa
do sujeito produtor de texto, dada a plasticidade dos gêneros discursivos e
as particularidades das situações sócio-históricas, são complexas e exigem
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PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 8


uma tarefa desafiadora dos professores de língua portuguesa em atuação
na educação básica e na universidade, o que abre espaço, naturalmente,
para outros estudos que venham a surgir sobre a produção de textos na
universidade tendo como viés a perspectiva dialógica.
Em A formação de alunos críticos e reflexivos a partir da Pedagogia
do Sarau: espaços, leituras e construções, Ricardo Ferreira de Sousa busca
apresentar considerações sobre uma experiência com um Sarau realizado
com alunos do ensino médio. A partir do caminho trilhado e dos resultados
obtidos com a pesquisa, o autor afirma que pensar num trabalho que
provoque o encontro entre as linguagens oral e a escrita pode propiciar
momentos em que o aluno se reconheça como alguém capaz de integrar
ativamente seus processos de construção de conhecimentos. Além disso,
o trabalho ressalta o potencial de ações como a que é apresentada para a
formação de professores de línguas que podem encontrar nessas iniciativas
subsídios para o desenvolvimento progressivo de suas práticas pedagógicas.
Mais à frente, Wilzelaine Aparecida Hanke, com o capítulo A prática
da produção textual:contribuições e implicações sob a perspectiva de uma
pesquisa do tipo Estado da arte, realiza uma pesquisa de mapeamento de
estudos sobre produção textual no ensino de línguas, dando ênfase aos
estudos realizados a nível de mestrado e doutorado. Por meio do estudo
desenvolvido, a autora evidencia que é necessário repensar o trabalho com
a norma padrão em sala de aula, a fim de se descobrir como torná-la mais
natural e menos artificial aos alunos, tomando como base, principalmente,
as práticas de produção textual escrita. É destacado que se torna relevante
reconhecer as vivências culturais dos alunos como matéria-prima para o
trabalho com o texto, de modo a construir projetos de trabalho que insiram
práticas autênticas que preparem para a participação social dos sujeitos nas
múltiplas esferas sociais.
O capítulo Produção textual, gênero e ensino:implicações sociais e
educacionais, da autora Kathia Maria Barros Leite, traz uma contribuição
para se pensar sobre as implicações do trabalho com os gêneros discursivos,
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PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 9


dentro de uma perspectiva dialógica, para as esferas social e educacional, as
quais estão interligadas. A pesquisa apresentada encaminha a afirmativa de
que para os alunos utilizarem a língua escrita deforma situada e significativa,
os professores devem participar ativamente do processo de construção dos
textos, com o fim de possibilitar que a escola os legitime e reforce seus usos
e utilidades para as práticas sociais de escrita dentro e fora da instituição
de ensino.
André Cordeiro dos Santos, Manuel Álvaro Soares dos Santos e
Lúcia de Fátima Santos, no texto Reflexos dialógicos do letramento escolar na
produção textual de estudantes universitários, discutem sobre o modo como
os alunos se posicionam sobre suas formações como produtores de texto
ao retomarem como reflexão as práticas de ensino de Língua Portuguesa
no Ensino Médio. Os autores e a autora percebem que os discentes
demonstram uma perspectiva de ensino de língua que não considera a
dimensão ideológica da escrita, o que impede que haja um real engajamento
de sujeitos responsivos ativos que consigam desvendar os segredos da escrita
nas interações discursivas das quais fazem parte. O capítulo é finalizado
com o pensamento de que é necessária uma postura pedagógica na qual
a escrita seja compreendida como uma prática social, histórica, tal como
prevê uma orientação pedagógica fundamentada na concepção dialógica
de linguagem e de escrita.
No capítulo A argumentação em textos dissertativos, redação do Exame
Nacional do Ensino Médio (ENEM), a partir do uso de figurasde linguagem,
Emanuelly Nascimento Gomes e Francisco Renato Lima objetivam
analisar o uso de figuras de linguagem em redações escolares produzidas
a partir da estrutura de dissertação do Exame Nacional do Ensino Médio
(ENEM) e identificar de que maneira é construída a argumentação em
textos dissertativo-argumentativos, a partir do uso dessas figuras. O autor
e a autora destacam que um ensino eficaz da escrita depende de variadas
questões, a exemplo da atuação dos professores, que são responsáveis por
direcionar os alunos à caminhada linguística, não somente para interpretar
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PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 10


textos, mas para saber dialogar com eles, expor opiniões, argumentar
contra ou a favor de determinada questão. No entanto, a pesquisa mostra
que ainda não há um ensino eficaz acerca da argumentação, o que traz ao
não domínio desta por partes dos alunos.
Em A entrevista de especialista e o desenvolvimento das capacidades
linguageiras: um relato de experiência, Juliana Fioroto, Joseane Brito
Martins Nascimento e Kelli Mileni Voltero, a partir das contribuições da
engenharia didática, sobretudo no que se diz respeito à oralidade no ensino e
o desenvolvimento das capacidades de linguagem dos estudantes, propõem
contribuir com reflexões a partir de análises sobre o desenvolvimento dessas
capacidades no gênero textual oral entrevista por meio de uma Sequência
Didática (SD). As autoras consideram que o desenvolvimento da capacidade
de ação pôde ser observado na análise realizada das entrevistas gravadas
e transcritas, pois há uma representação da situação de comunicação
em que a elaboração do conteúdo a eles direcionado faz com que o jogo
de perguntas e respostas simule uma entrevista de especialista, porém
há algumas lacunas quanto às capacidades discursivas no momento de
encerramento das produções e também quanto às capacidades linguístico-
discursivas que se refere ao poder de improvisações, retomada e síntese de
conteúdos temáticos.
O capítulo Percursos de produção escrita do gênero notícia no apostilado
do Estado de São Paulo, de Debora Mariana Ribeiro, é investigado de
que maneira ocorreu o processo de construção de textos pelos alunos e
os resultados obtidos a partir desses escritos, ou seja, quais os recursos
linguísticos-discursivos os jovens mais utilizaram para construírem seus
textos. A autora aponta que o êxito do processo de produção de texto
depende que haja a suplementação do material ofertado no apostilado, de
modo a romper com o modelo de escrita que pressupõe a utilização de um
tipo de paráfrase pouco criativa. Ficou destacado, ainda, que os aspectos e
etapas a serem seguidos na construção textual e as esferas de produção, de
circulação e de recepção do texto devem ser consideradas.
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PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 11


No capítulo Educação do/no campo: estudos sobre as práticas de
produção textual dos alunos, André Luiz da Silva e Priscila Maila da
Silva, ao se voltarem para as questões contextuais da aprendizagem da
língua portuguesa, objetivam discutir as práticas de produção textual
propostas para os estudantes situados em escolas do campo, com ênfase na
produção oral. Os autores se ancoram nas teorias da Variação Linguística,
Sóciolinguística, Educação do/no Campo, Produção Textual e Formação
Professores. Por meio deste estudo, os autores destacam a importância
da valorização do discurso do estudante, bem como da multiplicidade
linguística, vinculada aos gêneros textuais, e a adequação da linguagem
oral para a linguagem escrita no processo de produção.
O capítulo Reflexões sobre a concepção de escrita dos documentos
curriculares de ensino de português em Portugal (2014-2018), de Rosângela
Oliveira Cruz Pimenta, tem como objetivo analisar o concepção de
escrita presente em dois documentos oficiais de Portugal que orientam o
ensino e o currículo da Língua Portuguesa, por meio de um estudo quali-
quantitativo. A autora toma como base a visão dialógica de linguagem
de Bakhtin/Volóchinov (2006) e de práticas interacionais da Linguística
Aplicada. Com isso, observa que ambos os documentos compreendem
a escrita como complemento da fala, uma vez que se observou uma
defesa da integração dessas modalidades. A autora explica que, em um
dos documentos, a noção de escrita é voltada para o desenvolvimento de
capacidades pelo meio escolar. No outro documento, tal noção pode ser
considerada como interação.
Selma Silva Bezerra, no capítulo A construção de sentidos nas produções
de língua inglesa de comunidades de Maceió, interpreta como os estudantes
de comunidades de Maceió, participantes de um projeto de pesquisa,
constroem sentidos por meio de suas produções textuais. Para tanto, a
autora toma como base os conceitos de letramento crítico como expansão
de perspectivas de Monte Mór (2018) e de letramento crítico a partir da
noção de ler-se lendo de Menezes de Souza (2011). O estudo está situado na
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área da Linguística Aplicada e adotou a pesquisa-ação como metodologia.
Dessa forma, o trabalho evidencia que as produções dos estudantes se
voltaram para temas do cotidiano, questões ambientais, sociais e pessoais.
Por meio da interpretação dessas temáticas, observou-se que os sentidos
apresentados ora reproduzem binarismos ora problematizam questões
sociais consideradas importantes, que podem ser compreendidas como
possibilidades de letramento crítico.
Já Flávia Colen Meniconi, no capítulo A produção escrita em tempos de
Covid-19: experiências e desafios no contexto da formação inicial de professores
de Letras/Espanhol, tem como propósito discutir os fatores que interferem
no processo de produção escrita, durante o período de pandemia do Novo
Coronavirus, Covid-19. Os dados foram obtidos a partir de uma pesquisa
com professores em formação inicial do curso de Letras/Espanhol, da
Universidade Federal de Alagoas, por meio de uma metodologia de
natureza qualitativa e de cunho interpretativista. O capítulo ressalta que as
dificuldades acadêmicas, socioeconômicas e emocionais foram ampliadas
com a pandemia e que essas dificuldades comprometeram de forma direta
o processo de produção textual acadêmica dos estudantes. A autora finaliza
o capítulo destacando que é angustiante observar que, mesmo motivados
para a realização das tarefas, os estudantes são atropelados por questões
de ordem financeira, como acesso à internet, por exemplo. Além disso,
Flávia Colen Meniconi chama a atenção para que sejam criadas políticas
públicas voltadas para o acesso à internet e à computadores para todos que
necessitam.
O capítulo A tradução como produção escrita na aula de língua
estrangeira: uma experiência no curso de graduação de Letras com Língua
Francesa da UEFS, de Priscilla Barbosa de Oliveira Melo, discorre sobre o
processo de tradução como produção textual, por meio de uma experiência
ocorrida com estudantes do curso de Letras, durante a disciplina de Estudos
da Língua Francesa V, na Universidade Estadual de Feira de Santana. O
estudo surgiu do trabalho com a tradução de canções brasileiras para a
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PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 13


língua francesa, a partir de uma sequência didática. Diante de tal proposta,
ficou evidenciado que a motivação, a autonomia e o engajamento foram
despertados nos estudantes, bem como o processo de produção escrita foi
possibilitado de forma proveitosa. A autora observa que, além dos ganhos
motivacionais, houve também a aprendizagem de técnicas de tradução e o
aumento do repertório linguístico da turma em questão.
Anderson Alves De Souza e Suênia Valéria Oliveira Câmara, no capítulo
Analisando a produção textual de alunos para a prova de escrita integrada
do TOEFL-IBT, investigam as produções textuais de escrita integrada de
quatro estudantes, que se preparavam para a prova do TOEFL-IBT, à luz
das instruções preparatórias de Débora Phillips (2013). Diante disso, os
autores averiguaram que, mesmo com algumas dificuldades, os estudantes
foram capazes de produzir textos de acordos com as instruções requeridas.
O capítulo intitulado Textos jornalísticos - uma prática pedagógica como
inovação no currículo no ensino da língua espanhola no IFRO – campus Jaru,
de Andreia Correia de Souza e Osvaldo Homero Garcia Cordero, reflete
sobre currículo e apresenta uma experiência que ocorreu no curso Técnico
em Segurança do Trabalho Integrado ao Ensino Médio do Instituto Federal
de Rondonia – IFRO - campus Jaru, durante a disciplina Língua Espanhola.
Com isso, advogou-se a necessidade de ampliação da visão de currículo
para algo mais flexível que contemple as subjetividades e as diferenças,
segundo os autores, características inerentes ao ser humano. A experiência
em si proporcionou a motivação, o protagonismo e a aprendizagem da
língua, por meio dos elementos estruturantes de um texto.
Finalmente, o capítulo nomeado Géneros discursivos y enseñanza de
idiomas: entre las creencias de los profesores y las prácticas de literacidad de los
estudiantes, de autoria de Lucineudo Machado Irineu e Tatiana Lourenço
de Carvalho, toma como referência a teorias dos gêneros discursivos e os
estudos bakhtinianos para refletir sobre a relação entre comunidade e sala de
idiomas de espanhol e de inglês. O estudo ocorreu em um escola pública do
município de Pau dos Ferros, no Rio Grande do Norte. Os pesquisadores
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PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 14


utilizaram questionários e entrevistas como aporte metodológico para a
coleta dos dados. A partir disso, tecem duas reflexões: a primeira é que há
uma discrepância entre o trabalho com os gêneros textuais apresentados no
livro e a crença que a professora traz consigo sobre as condições da escola;
a segunda reflexão explica que há uma diferença entre o que os estudantes
leem e escrevem fora da escola, mas que os gêneros apresentados no livro
didático contribuem para uma formação cidadã. A partir disso, o capítulo
é finalizando argumentando que, de acordo com os dados, com o tempo,
livro didático, estudantes e professores se envolvam mais com as atividades
de escrita e leitura.
Com a diversidade de olhares para os processos de produção de textos
em diferentes línguas, esperamos que as/os leitoras/es deste livro possam,
a partir da leitura dos capítulos publicados, envolver-se e aprofundar mais
seus conhecimentos sobre a temática central, tão presente e necessária em
nossas trajetórias como estudantes, professores e pesquisadores.
Portanto, desejamos ótimas e dialógicas leituras!

Maceió, 11 de julho de 2021.

Selma Silva Bezerra


Silvio Nunes da Silva Júnior
Geison Araújo Silva
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https://doi.org/10.52788/9786599282492-1.1 CAPÍTULO 1

Produção de textos e autonomia relativa


de licenciandos em Letras:
a sala de aula como arena responsiva

Silvio Nunes da Silva Júnior

Considerações iniciais

A produção de textos na universidade tem sido alvo de discussões


frequentes no contexto acadêmico, em especial no que diz respeito
à qualidade dos textos produzidos por alunos no ensino superior, após
serem, na maioria das vezes, submetidos a exames de seleção que cobram
o desenvolvimento significativo da produção escrita, limitada ao gênero
discursivo redação. No caso específico do curso de licenciatura em Letras/
Português, o estudo de Santos (2007) evidenciou diversas brechas deixadas
pelo ensino superior nas produções escritas de alunos em diferentes
semestres do curso, as quais se justificam pela insuficiência de um trabalho
efetivo com a escrita na universidade. Isso deixa perceptível que no processo
de formação inicial de professores de língua portuguesa o trabalho com o
aprimoramento da produção escrita precisa ser constante, desconstruindo a
ideia de que os sujeitos que se submetem ao processo seletivo para o curso de
Letras/Português já possuem formação suficiente para ler e produzir textos
dos mais variados gêneros discursivos. A desconstrução dessa ideologia que
quase sempre assola os contextos acadêmicos de formação de professores
faz-me vincular o presente estudo à área da Linguística Aplicada, dado o seu
caráter transdisciplinar (ZOZZOLI, 2020), pelo qual se problematizam
situações em que a linguagem tem papel central (MOITA LOPES, 2009)
nas interações discursivas (VOLÓCHINOV, 2017) travadas pelos sujeitos.
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PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 16


Na compreensão de linguagem e, consequentemente, de escrita
como um processo ininterrupto de formação dentro e fora do ambiente
escolar ou acadêmico, recorro à noção de autonomia relativa (ZOZZOLI,
2002, 2006), pois, por intermédio dela, é possível pensar na prática de
produção textual, na escola ou na universidade, “fora de uma perspectiva
individualista” (ZOZZOLI, 2002, p. 84). Assim, a observação da
autonomia do aluno em seu processo de aprendizagem da escrita na língua
materna permite que se possa criar alternativas capazes de potencializar a
construção concreta e dinâmica de conhecimentos linguístico-discursivos,
isso quando o professor, em suas ações pedagógicas, adota uma concepção
de sala de aula como arena responsiva (SILVA JÚNIOR, 2021). Tal noção
defende o papel ativo do sujeito no seu próprio processo de aprendizagem,
tornando o conhecimento sobre uma língua, materna ou estrangeira,
imbuído numa multiplicidade que só é possível nas relações estabelecidas
entre os participantes da cadeia viva da enunciação.
Na concepção de sala de aula como arena responsiva (SILVA
JÚNIOR, 2021), saberes linguísticos e discursivos se intercruzam de
modo a possibilitar o trabalho com gêneros discursivos diversos, desde que
tais gêneros integrem efetivamente as práticas discursivas, orais e escritas,
dos sujeitos de alguma maneira. Nesse sentido, diferentes componentes
curriculares do ensino superior, dentro ou fora do campo das licenciaturas,
exigem o domínio dos chamados gêneros acadêmicos para que se possam
determinar práticas avaliativas que não se limitem única e objetivamente
à prova. Entretanto, o desenvolvimento de atividades de ensino visando
a constituição da autonomia relativa do sujeito (ZOZZOLI, 2002)
leitor e produtor de textos ainda é superficial, quando não ausente. Essa
ausência se torna incoerente ao se considerar que a educação básica não
focaliza a complexidade dos gêneros acadêmicos, como, por exemplo, a
resenha; por isso, antes de se solicitar a produção emergente de gêneros
diversos, o professor da universidade precisa sondar as abordagens genéricas
efetuadas dentro desse contexto, e, numa perspectiva de autonomia relativa
(ZOZZOLI, 2002, 2006), possibilitar que a sua solicitação de produção
escrita possa complementar conhecimentos linguístico-discursivos
anteriormente construídos.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 17


Diante disso, proponho, com este capítulo, problematizar a autonomia
relativa de discentes do curso de Letras/Português de uma instituição pública
de ensino de Alagoas numa abordagem genérica de produção escrita de
resenhas. Assim, pretendo verificar as alternativas pelas quais os produtores
de textos se utilizam para sintetizar os posicionamentos encontrados no
texto-base e identificar as relações entre a defesa do texto-base e as posições
encontradas nas resenhas produzidas. Metodologicamente, analiso dados
oriundos de uma experiência de sala de aula no ensino superior realizada
com 2 (duas) discentes de uma turma do curso de Letras/Português de uma
instituição pública de Alagoas apropriando-me do caráter interpretativista
da Linguística Aplicada (MOITA LOPES, 1996), e buscando base, ainda,
nos escritos do chamado Círculo de Bakhtin.
Para tanto, o capítulo possui, além das considerações iniciais e
finais, os seguintes tópicos: a concepção social de linguagem, a sala de
aula como arena responsiva e a autonomia relativa do sujeito; o gênero
discursivo resenha na perspectiva dialógica; questões metodológicas; a
abordagem genérica e os movimentos relativamente autônomos; movimento
relativamente autônomo 1: síntese de ideias; e movimento relativamente
autônomo 2: relações entre defesa do texto-base e os posicionamentos dos
sujeitos.

A concepção social de linguagem, a sala de aula como


arena responsiva e a autonomia relativa do sujeito

As discussões sobre as concepções de linguagem, que se iniciam no


empreendimento teórico de Volóchinov (2017), passam por Geraldi (1984)
e percorrem até os dias atuais (SILVA JÚNIOR, 2021), são sempre relevantes
para que as produções científicas evidenciem seus vínculos a perspectivas
que compreendem a linguagem de diferentes maneiras. Em Silva Júnior
(2021), desenvolvo um apanhado sobre as concepções de linguagem na
história que abriga o ensino de língua portuguesa, e proponho, filiado à
concepção dialógica de linguagem (VOLÓCHINOV, 2017; BAKHTIN,
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 18


2011), uma noção de sala de aula como arena responsiva. Essa compreensão,
dentro de uma perspectiva viva e dinâmica, se volta para o ensino na defesa
da formação de sujeitos responsivos ativos e aptos a refletirem sobre e nas
práticas sociais. Em se tratando da produção de textos no ensino, aliada,
sobretudo, à leitura, a concepção de sala de aula como arena responsiva
(SILVA JÚNIOR, 2021) assume a necessidade de levar em consideração a
constituição da autonomia relativa (ZOZZOLI, 2002, 2006) do aluno nos
processos que são estabelecidos visando práticas significativas de leitura e
produção de textos na escola e na universidade.
A perspectiva dialógica a que se vincula a concepção de sala de aula
como arena responsiva (SILVA JÚNIOR, 2021), propõe, a partir do
chamado Círculo de Bakhtin, uma articulação constante do discurso com
a vida, pois é no cotidiano da vida que o discurso é produzido e, levando
em consideração o papel responsivo ativo do sujeito, replicado em atitudes
responsivas ativas (BAKHTIN, 2011). Bakhtin (2011, p. 348) acredita na
existência de uma

Natureza dialógica da consciência, natureza dialógica da própria vida humana.


A única forma adequada de expressão verbal da autêntica vida do homem é o
diálogo inconcluso. A vida é dialógica por natureza. Viver significa participar
do diálogo: interrogar, ouvir, responder, concordar, etc. Nesse diálogo o homem
participa inteiro e com toda a vida: com os olhos, os lábios, as mãos, a alma, o
espírito, todo o corpo, os atos. Aplica-se totalmente na palavra, e essa palavra
entra no tecido dialógico da vida humana, no simpósio universal.

Nesse contexto, a dialogicidade que circunda as atividades de


linguagem na vida social é responsável pelos diferentes fenômenos que são
encontrados nas variadas línguas, pelas quais os discursos são produzidos
a partir de uma orientação social. Divergindo de visões formalizadoras
e sistematizadoras, Volóchinov (2017) entende que a língua/linguagem
se estabelece por meio de enunciados concretos e vivos, o que remete a
uma articulação sempre direta e indissociável de linguagem e sociedade.
Nesse sentido, todos os campos de atividade humana estão relacionados
e permeados pelos usos da língua (BAKHTIN, 2011), visto que, para o
próprio Bakhtin (2011), toda compreensão do sujeito, na e pela linguagem,
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 19


é ativamente responsiva. Com base nessa premissa, não há compreensão
passiva por parte de um sujeito da linguagem, uma vez que o ativismo pode
oscilar em diferentes graus. No campo do ensino e da aprendizagem, deve-
se haver um esforço pedagógico e institucional na busca por compreensões
e atitudes responsivas ativas, uma vez que é por intermédio desses processos
discursivos que a aprendizagem pode ser estabelecida concretamente. Dessa
maneira, considero que a perspectiva dialógica “potencializa as reflexões
sobre a língua para além de mecanismos estruturais, debruçando-se sobre
os discursos produzidos em contextos situados” (SANTANA; SILVA
JÚNIOR, 2020).
Assim, os modos de se definir o texto e de se trabalhar com o texto nos
processos de aprendizagem de língua portuguesa pautados na concepção
de sala de aula como arena responsiva (SILVA JÚNIOR, 2021) são mais
complexos quando comparados ao que se efetua por orientação de visões
restritivas e formais de língua/linguagem, discurso e texto. Diante disso,
compactuo com Rodrigues (2000, p. 61) quando a autora, ao considerar
a distinção entre língua-discurso e língua-sistema, acredita na integridade
concreta e viva do texto, que o torna enunciado. Desse modo, Rodrigues
(2000) diferencia o texto-sistema do texto-enunciado. No texto-sistema,
os enunciados que compõem determinado texto são analisados/estudados
sob o viés único da estrutura linguística sem significação social; no texto-
enunciado, aspectos linguísticos e discursivos são tomados para observar
um texto como matéria viva da enunciação entre os sujeitos.
De acordo com Bakhtin (2011), todo texto tem um sujeito, um
autor, que fala e que escreve, em diferentes modalidades. O autor só
realiza determinada produção discursiva, neste caso – o texto, porque sua
constituição carrega discursos proferidos pelos outros em algum momento
de sua existência humana (BAKHTIN, 2011). Nesse processo de
interligação1 (SILVA JÚNIOR, 2020), os enunciados não são reproduções
de práticas discursivas passadas. Tais enunciados estão interligados no
bojo de relações dialógicas. Por essa razão, eles estimulam a constituição
1 Em Silva Júnior (2020), defino a interligação de enunciados como um fenômeno linguístico-discursivo que circunda
as produções discursivas, orais e escritas, de sujeitos que participam de determinado contexto de interação discursiva.
Os enunciados, assim, não são iguais nem repetíveis, porém carregam elementos ideológicos semelhantes, porém únicos,
estritamente vinculados à situação histórico-social vivenciada.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 20


de pontos de vista e, no processo de interlocução, implicam pontos de
vista alheios. Nessa perspectiva, a sala de aula se efetua como uma arena
responsiva, considerando as possibilidades de interconstituição de sujeitos
em diferentes contextos de interação discursiva. Portanto, pensar na sala
de aula como arena responsiva significa compreender

as interações entre os sujeitos como processo dialógicos, ideológicos e discursivos.


No que concerne ao ensino e à aprendizagem, essa concepção auxilia a prática
de professores para que esses possam desenvolver processualmente suas ações
pedagógicas mediante a observação dos processos de responsividade no diálogo
estabelecido entre ele e os alunos, os quais são possíveis por meio de movimentos
interlocutivos (SILVA JÚNIOR, 2021, p. 91).

Nesse sentido, a concepção de sala de aula como arena responsiva


(SILVA JÚNIOR, 2021) leva em conta o caráter processual que permeia
a linguagem humana, bem como os processos linguístico-discursivos de
aprendizagem de determinada língua. O aspecto inconcluso da linguagem e,
especialmente, das atividades de linguagem efetuadas no quadro das práticas
de sala de aula remetem à autonomia do sujeito igualmente inconclusa, ou,
como diz Zozzoli (2006), relativa. Para Zozzoli (2006), a constituição do
sujeito leitor e produtor de texto está intrinsecamente ligada à construção
contínua da sua autonomia. Diante disso, a autora critica o subjetivismo
individualista, que prega a atividade linguística por meio de atos individuais
(VOLÓCHINOV, 2017), e, para definir autonomia, compactua com
Renaut (1995), que supõe uma transcendência da individualidade do
sujeito, compreendendo a existência da intersubjetividade, a qual é
configurada pela relação entre a consciência psíquica e o mundo exterior
(VOLÓCHINOV, 2017).
Sob essa ótica, a adjetivação de relativa para essa autonomia “deve-se ao
fato de que a autonomia é concebida como dependente da intersubjetividade
que se dá no plano histórico-social. Além disso, é “relativa” também
porque se apresenta oscilante, nunca estável, mesmo no que concerne um
único sujeito” (ZOZZOLI, 2006, p. 120). Nessa linha de pensamento,
acredito que diferentes movimentos linguístico-discursivos circundam a
constituição do sujeito relativamente autônomo, como mostrei mais à
frente.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 21


Com isso, a aprendizagem concreta, viva e progressiva da leitura e da
produção de textos na sala de aula se dá num processo de constituição da
autonomia relativa (ZOZZOLI, 2002, 2006) do sujeito, o que, quando
prezado pelo professor de língua portuguesa dentro da concepção de sala de
aula como arena responsiva (SILVA JÚNIOR, 2021), reitera o compromisso
social e linguístico-discursivo da instituição de ensino. Em articulação com
as problematizações contidas nas considerações iniciais deste capítulo, volto
a afirmar que a autonomia relativa do sujeito (ZOZZOLI, 2002, 2006)
perpassa sua atuação como leitor e produtor de textos na universidade, o
que se dá, sobretudo, por intermédio dos diferentes e complexos gêneros
discursivos, os quais busco, no próximo espaço de discussão, conceituar no
seio da perspectiva dialógica de linguagem.

O gênero discursivo resenha na perspectiva dialógica

Como já enfatizado no espaço de discussão anterior, minha visão


de língua, linguagem, discurso e texto adensa num plano vivo, concreto
e responsivo ativo (VOLÓCHINOV, 2017; BAKHTIN, 2011; SILVA
JÚNIOR, 2021). Por essa razão, configuro, junto ao dialogismo, um olhar
para o gênero, que estou aqui denominando discursivo2, que implica o
reconhecimento de elementos estruturais/linguísticos e discursivos nos
processos de ensino e de aprendizagem de uma dada língua em situações
de uso social. Para não comprometer os limites de discussão teórica e
prática deste capítulo, trago, no presente espaço, a conceituação de gênero
conforme pondera a perspectiva dialógica de linguagem, com a qual se filia à
concepção de sala de aula como arena responsiva (SILVA JÚNIOR, 2021),
bem como algumas das principais características linguístico-discursivas do
gênero resenha.
Numa ampla conceituação de discurso concreto, Bakhtin (2010, p.
86) assinala que

2 Em Bakhtin (2011) há a denominação “gênero do discurso”, porém opto por “gênero discursivo”.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 22


todo discurso concreto (enunciação) encontra aquele objeto para o qual está
voltado sempre, por assim dizer, já desacreditado, contestado, avaliado, envolvido
por sua névoa escura ou, pelo contrário, iluminado pelos discursos de outrem
que já falaram sobre ele. O objeto está amarrado e penetrado por ideias gerais,
por pontos de vista, por apreciações de outros e por entonações. Orientado para
o seu objeto, o discurso penetra neste meio dialogicamente perturbado e tenso de
discursos de outrem, de julgamentos e de entonações. Ele se entrelaça com eles
em interações complexas, fundindo-se com uns, isolando-se de outros, cruzando
com terceiros; e tudo isso pode formar substancialmente o discurso, penetrar em
todos os seus estratos semânticos, tornar complexa a sua expressão, influenciar
todo o aspecto estilístico.

A complexidade que envolve uma dada produção discursiva é


responsável pelo não acabamento de tal produção no momento da sua
realização. Assim, os discursos são únicos, irrepetíveis e, mesmo que
carregue a mesma estrutura linguística, implica discursivamente sempre
de modos distintos e inesperados. Diante da diversidade de discursos que
são proferidos no cotidiano social, Bakhtin (2011) entende que toda e
qualquer prática discursiva pertence ao que o mesmo autor caracteriza
como gênero discursivo (do discurso). A identificação desses gêneros é
igualmente complexa porque não é limitada à reverberação discursiva,
nem tampouco à materialidade linguística. Nesse sentido, em termos de
ensino e de aprendizagem da língua, o trabalho com os gêneros discursivos
precisa ser planejado e efetuado sob uma ótica que possa contribuir com
a reflexão do sujeito para além das práticas escolares, ou seja, que seja um
pressuposto de constituição processual da autonomia relativa (ZOZZOLI,
2002, 2006) desse sujeito da linguagem.
Conforme Bakhtin (2011, p. 261-262),

Todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da


linguagem. Compreende-se perfeitamente que o caráter e as formas desse uso
sejam tão multiformes quanto os campos da atividade humana, o que, é claro,
não contradiz a unidade nacional de uma língua. O emprego da língua efetua-se
em forma de enunciados (orais e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos
integrantes desse ou daquele campo da atividade humana. Esses enunciados
refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só
por conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos
recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua mas, acima de tudo, por
sua construção composicional. Todos esses três elementos – conteúdo temático, o
estilo e a construção composicional – estão indissoluvelmente ligados no todo do
enunciado e são igualmente determinados pela especificidade de um determinado
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 23


campo da comunicação. Evidentemente, cada enunciado particular é individual,
mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis
de enunciados, os quais deominamos gêneros do discurso.

Diante das ponderações de Bakhtin (2011), a enunciação que se


estabelece por meio dos gêneros envolve três elementos, quais sejam: a
construção composicional, o estilo e o conteúdo temático. Mesmo que
possa parecer categórico ao pontuar os três elementos, Bakhtin (2011)
assume que os gêneros discursivos são relativamente estáveis, isto é, podem
passar por processos de reconfiguração a depender das situações sociais
que emergem das interações entre os sujeitos da linguagem. No contexto
universitário, de modo mais específico, os professores são levados ao trato
com diferentes gêneros por diversas razões, tendo como mais frequente a
necessidade de solicitação de produções escritas de gêneros (acadêmicos)
para diversificar as práticas avaliativas, antes limitadas a avaliações objetivas
que acabam desconsiderando a reflexão do aluno acerca dos temas tratados
em sala de aula. No entanto, ainda há inadequações em como as abordagens
com os chamados gêneros acadêmicos são efetuadas antes da solicitação da
produção escrita.
Sobre o gênero discursivo (e acadêmico) resenha, solicitado,
principalmente, nos primeiros semestres dos cursos superiores, há o
intuito de estimular de modo mais breve a reflexão dos alunos, envolvendo
a problematização temática, para a construção de posicionamentos. A
esse respeito, Niedzieluk (2007, p. 14) infere que a resenha “absorve no
seu funcionamento o gênero resumo, e este funciona como um gênero
intercalado no interior da resenha”. Por ser uma espécie de resumo crítico,
a resenha representa um avanço do desenvolvimento da produção e, por
consequência, da autonomia relativa do sujeito (ZOZZOLI, 2002, 2006)
que produz o resumo. Diante disso, discordo da denominação resenha
crítica devido à característica reflexiva que norteia a definição genérica da
resenha.
Dada a natureza dialógica do discurso na vida (BAKHTIN, 2011), a
construção composicional da resenha pode oscilar a depender da situação,
sempre diversa, da autonomia relativa do sujeito (ZOZZOLI, 2002, 2006).
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 24


Dentre as possíveis construções composicionais estão as que constam no
esquema a seguir:

Figura 1 – Alguns modos de construção composicional da resenha.

Fonte: elaborado pelo autor.

A existência obrigatória dos elementos A, B e C no gênero discursivo


resumo comprova a articulação direta entre os dois gêneros (resumo e resenha).
Dessa forma, é o posicionamento do sujeito produtor da resenha que vai
diferenciá-la do resumo. As diferentes maneiras de estruturar a resenha não
devem ser apresentadas aos alunos dentro da mesma abordagem genérica,
uma vez que as construções composicionais devem ser compreendidas e
seguidas em movimentos de autonomia relativa (ZOZZOLI, 2002, 2006)
distintos. Comumente, a construção composicional canônica (A – B – C
– D) é a primeira a ser reconhecida e produzida por alunos na iniciação de
seus processos de aprendizagem da produção do gênero discursivo resenha.
Ao serem promovidas outras atividades de leitura e reflexão em sala de aula,
as demais construções composicionais podem ser levadas em consideração
para produções escritas futuras.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 25


A possibilidade de diversificar a construção composicional do
gênero discursivo resenha, bem como o estilo, que diz respeito ao uso
adequado da língua (mais ou menos formal) direcionado a um ou outro
sujeito da linguagem, e o conteúdo temático, que emerge da situação de
produção discursiva, é dada pelo caráter plástico dos gêneros discursivos.
Essa plasticidade não se dá de qualquer forma, pois ela “perpassa todos
os gêneros, porém ela não se estabelece de maneira absoluta, há limites
impostos pelo próprio gênero, que devem ser considerados e respeitados”
(BATISTA, 2015, p. 66). Tomando a abordagem teórica explicitada até
aqui, reitero o compromisso social das práticas pedagógicas que abordam
os diferentes gêneros discursivos dentro da concepção de sala de aula como
arena responsiva (SILVA JÚNIOR, 2021), uma vez que tanto as oscilações
linguístico-discursivas possíveis nas produções escritas como suas limitações
precisam estar presentes no que conceituo mais à frente como abordagem
genérica.

Questões metodológicas

A análise apresentada neste estudo parte de dados oriundos de uma


pesquisa desenvolvida com licenciandos do curso de Letras/Português
de uma instituição de ensino superior pública do estado de Alagoas. Tal
experiência foi desenvolvida numa turma do segundo período do curso
de Letras/Português no modelo remoto emergencial, na qual atuei como
professor regente. A turma continha 4 (quatro) alunos, dois homens e duas
mulheres, todos regularmente matriculados na universidade supracitada e
presentes em todos os 10 (dez) encontros que ocorreram no componente
curricular já mencionado. As resenhas analisadas integraram a segunda ação
avaliativa do componente curricular Teoria Linguística II. As alunas autoras
das resenhas analisadas tiveram seus nomes resguardados e substituídos por
nomes fictícios, tais como Mirela e Priscila.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 26


A abordagem genérica e os movimentos
relativamente autônomos

De acordo com o que já anunciei anteriormente, denomino abordagem


genérica aquela que toma como base algum gênero discursivo no intuito
de propiciar a construção processual e dinâmica de conhecimentos
linguístico-discursivos, implicando o desenvolvimento da autonomia
relativa (ZOZZOLI, 2002, 2006), dentro da concepção de sala de aula
como arena responsiva (SILVA JÚNIOR, 2021). Assim, além de adensar
numa perspectiva linguístico-discursiva, a abordagem genérica toca no
viés pedagógico, mais especificamente no que se refere à uma educação
para inserção no mundo3 (FREIRE, 1997). A abordagem genérica agrega a
complexidade dos gêneros discursivos, neste caso – a resenha, aos sentidos
construídos num dado contexto de produção discursiva.
Para a produção e consequente análise das resenhas obtidas com a
pesquisa desenvolvida, parti da construção composicional canônica (A – B
– C – D) do gênero discursivo resenha, levando em conta que o estilo para
o qual os alunos estariam escrevendo estava vinculado a uma perspectiva
mais formal, pois se direcionava a mim, professor universitário, e o conteúdo
temático pautava-se na Teoria da Análise do Discurso Pecheutiana, a partir
do texto-base – capítulo de livro – Efeitos de sentido de pertencimento à
Análise do Discurso, de Roberto Leiser Baronas, que foi abordado na aula
da semana anterior à escrita das resenhas. Nesse contexto, uma abordagem
genérica envolve desde a exposição da construção composicional do gênero
até uma possível discussão acerca do estilo e do conteúdo temático.
Nas pré-análises das resenhas produzidas pelas 2 (duas) alunas, alguns
fenômenos linguístico-discursivos, vinculados aos elementos A, B, C e D de
produção escrita das resenhas, foram identificados. Dada a pretensão de se
analisar como se desenvolvem processos de autonomia relativa (ZOZZOLI,

3 Freire (1997) distingue a educação para adaptação no mundo de educação para inserção no mundo. Quando
na perspectiva da adaptação, o sujeito se adequa ao que a instituição de ensino tem determinado como regra
única; na inserção o papel ativo é estimulado para que mudanças simples e/ou complexas sejam efetuadas
visando uma participação coletiva dos sujeitos nas diferentes práticas sociais.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 27


2002, 2006) de sujeitos em situações de aprendizagem da língua portuguesa,
denominei esses fenômenos de movimentos relativamente autônomos.

Movimento relativamente autônomo 1: síntese de ideias

A constituição contínua da autonomia relativa do sujeito interdepende


de diferentes fatores intersubjetivos (ZOZZOLI, 2006), os quais estão
alinhavados a aspectos linguísticos, uma vez que a própria perspectiva
dialógica destaca a função da estrutura linguística, desde que acompanhada
do que costumo chamar de análise discursiva dialógica. Por estar situada
nesse plano inconcluso e processual, a autonomia relativa do sujeito
(ZOZZOLI, 2002, 2006), dentro da concepção de sala de aula como
arena responsiva (SILVA JÚNIOR, 2021), oscila a depender do gênero
discursivo com o qual se está trabalhando em determinada sala de aula. No
desenvolvimento da escrita do gênero discursivo resenha, considero como
um movimento relativamente autônomo a habilidade que o sujeito tem de,
linguístico e discursivamente, sintetizar as ideias principais de um texto-
base. Por mais que pareça simples, esse movimento é capaz de trazer clareza
para o texto e leveza para os possíveis processos de leitura que adensam
num plano mais amplo que a mera correção do professor.
A resenha produzida por Mirela apresenta uma estruturação curta,
de 1 (uma) lauda, e a síntese das ideias principais do texto de Baronas
(2007) constam em um só parágrafo:

Quadro 1 – Trecho da resenha de Mirela.

O texto de Baronas debate sobre por que razões tantos estudos linguísticos e literários atuais
buscam produzir um efeito de pertencimento à Análise de Discurso, principalmente à
orientação francesa. O autor discorre como é possível constatar a presença de conceitos que
pertencem desde a Retórica Aristotélica até conceitos advindos da Análise da Conversação
em trabalhos que se apresentam fundamentados em ideias de Bakhtin, Pêcheux e Foucault.

Fonte: dados de pesquisa.


SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 28


Na produção de Mirela é possível identificar o empenho da aluna em
sintetizar com poucas palavras as ideias centrais do texto-base. No entanto,
tal empenho prejudicou a qualidade do texto de modo a comprometer
o desenvolvimento da autonomia relativa (ZOZZOLI, 2002, 2006) de
Mirela, uma vez que, ao invés de focalizar a articulação entre os conceitos
e as temáticas abordadas no texto-base, há uma dedicação em descrever as
ações do autor ao estruturar e apresentar o seu texto. Não posso deixar de
considerar que houve um movimento relativamente autônomo por parte
de Mirela ao sintetizar as ideias do texto de Baronas (2007). Entretanto,
o grau de compreensão responsiva ativa (BAKHTIN, 2011) da aluna se
deu em menor escala, considerando a efetuação da abordagem genérica
anterior. Com isso, há de se considerar a possibilidade de, na abordagem
genérica, Mirela não ter estabelecido um grau significativo de compreensão
responsiva ativa por parte do que foi explicado a respeito das características
do gênero resenha, bem como do próprio texto-base de Baronas (2007).
A resenha de Priscila tem uma estrutura mais longa que a abordagem
de Mirela. Com isso, e considerando o aprofundamento discursivo de
Priscila, pode-se efetuar uma outra análise pelo modo com o qual Priscila
sintetiza as ideias do texto-base.

Quadro 2 – Trecho da resenha de Priscila.

o autor expõe que diversos estudos, em variantes formas, linguísticos e literários buscam
o enquadre na “Análise de Discurso” de orientação francesa. Contudo, à leitura acurada
dos trabalhos por parte de Baronas (2007) o faz enquadrá-los em conceitos relacionados
tanto à “Retórica Aristotélica” até aqueles relacionados à “Análise da Conversação”. Assim, na
avaliação do Professor esses conceitos derivam em bases epistêmicas divergentes daquelas da
“Análise de Discurso francesa”. Partir dessas premissas elencadas pelo autor, este descreve que
o objetivo é contribuir para que as bases da “verdadeira Análise de Discurso de orientação
francesa ou instituir uma espécie de alfândega teórica do discurso, são discutir com um
pouco mais de profundidade a presença reiterada deste pré-construído nos trabalhos que
buscam pertencimento a Análise de Discurso”.
Fonte: dados de pesquisa.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 29


No trecho apresentado no Quadro 2, Priscila consegue examinar,
com densidade, as ideias que circundam os posicionamentos de Baronas
(2007). Nesse movimento relativamente autônomo do sujeito, o grau de
compreensão responsiva ativa (BAKHTIN, 2011) se torna mais elevado,
pois não há, como no caso de Mirela, uma descrição das ações do autor
do texto-base. A escrita da resenha partiu da leitura do mesmo texto-base,
dentro de uma abordagem genérica antecedente. No entanto, não há como
equiparar a autonomia relativa (ZOZZOLI, 2002, 2006) de sujeitos da
linguagem, considerando a unicidade e o inacabamento da constituição de
cada um na natureza dialógica (BAKHTIN, 2011) que tem a vida social.
As diferenças encontradas nos movimentos relativamente autônomos
de Mirela e Priscila estão situadas na intersubjetividade que é responsável
pela inter-relação de conhecimentos linguístico-discursivos. Tal ocorrência
pode não ser tão comum em outros fenômenos, como nos movimentos
relativamente autônomos encontrados nas relações entre defesa do texto-
base e os posicionamentos dos sujeitos produtores das resenhas.

Movimento relativamente autônomo 2: relações entre


defesa do texto-base e os posicionamentos dos sujeitos

Considerando a explanação teórica acerca dos elementos que integram


a construção composicional do gênero discursivo resenha, viu-se que o
posicionamento do sujeito produtor de textos é o que diferencia a resenha
do resumo, uma vez que este tem um caráter apenas informativo, enquanto
a resenha possui sua característica crítica e problematizadora. Nessa linha
de pensamento, ao tocar a relação da construção do posicionamento do
sujeito produtor de texto com as ideias defendidas no texto que serve como
base para a resenha, identifico um outro fenômeno que permeia as práticas
de escrita acadêmica. Por essa razão, o segundo movimento relativamente
autônomo que focalizo diz respeito às relações possíveis entre a defesa do
texto-base e os posicionamentos dos sujeitos produtores das resenhas, neste
caso – os alunos Mirela e Priscila.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 30


A parte final da resenha de Priscila comporta o seu posicionamento a
respeito de sua leitura do texto de Baronas (2007) mediante todo o conjunto
de características do citado texto que a aluna abordou no transcorrer de
sua produção. Ao seguir o modelo canônico de estruturação da resenha,
Priscila apresenta uma autonomia relativa (ZOZZOLI, 2002, 2006) que
a permite ir além da sua posição a respeito do texto, chegando a trazer
elementos da sua própria formação, como mostra o Quadro 3.

Quadro 3 – Trecho da resenha de Priscila.

Mais do que buscar pertencimento ao “sintagma-grife” Análise do Discurso como forma de


legitimação do trabalho, o pré-construído em análise evidencia que a Análise do Discurso
passa por um processo semelhante ao que a Linguística vem passando desde o final dos alunos
sessenta. Processo esse que foi descrito por Franchi (1994) como o de “pluralismo teórico
na Linguística”. Segundo o autor, esse diálogo entre as “diversas linguísticas seria inevitável”.
Considerando-se que a resenhista tem conhecimentos rudimentares da língua francesa, as
citações diretas de alguns artigos em língua francesa dificultaram à análise dos fragmentos
textuais. Ademais, considerando-se que o artigo em resenha é produto de uma palestra
ministrada pelo Prof Baronas, seguir a linha teórica rápida e miscelar deste autor requereu à
leitura de outros artigos citados. Somando-se, o artigo é complexo e requer conhecimento
transdisciplinar, a exemplo da teoria marxista e sociolinguística. Neste sentido, frisa-se que as
discussões em aulas síncronas foram fundamentais para o entendimento do artigo resenhado.
Dessa forma, desta parte, não se recomenda leitura de Baronas (2007) sem essa base teórica
e/ou discussões prévias.
Fonte: dados de pesquisa.

Priscila considera complexa a leitura do texto de Baronas (2007)


quando expõe seu ponto de vista acerca de tudo o que explicitou na
sua resenha. A aluna mostra um grau elevado de sua autonomia relativa
(ZOZZOLI, 2002, 2006), considerando a exposição de justificativas
plausíveis para que o texto-base seja caracterizado como complexo. Nessa
linha de pensamento, a existência de citações diretas em língua francesa foi
um aspecto que dificultou seu processo de compreensão, dado seu domínio
rudimentar da citada língua estrangeira, mas que não gerou prejuízos no
desenvolvimento linguístico-discursivo de sua resenha. Em relação ao que
Priscila avalia do texto-base em tela, ao concordar que a área da Análise
do Discurso vem passando por reconfigurações constantes, assim como
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 31


a Linguística numa perspectiva mais ampla, fica constatado que, mesmo
diante das dificuldades elencadas pela aluna, houve um empenho para que
as conclusões fossem examinadas e respondidas ativamente (BAKHTIN,
2011) com concordância.
A resposta ativa (BAKHTIN, 2011) de Mirela para as conclusões de
Baronas (2007) foi semelhante à de Priscila, porém na produção de Mirela
não consta uma avaliação sobre o texto-base lido anteriormente.

Quadro 4 – Trecho da resenha de Mirela.

Concordo com Baronas, em toda a discussão empreendida, e, principalmente, quando


destaca que mais que busca do pertencimento ao “sintagma-grife” Análise de Discurso,
esse “movimento” atual nos deixa claro que, assim como a Linguística vem passado por
um “pluralismo teórico”, com AD não seria diferente dado tanto por sua complexidade
quanto por pertencer à própria linguística.
Fonte: dados de pesquisa.

Em relação ao segundo movimento relativamente autônomo, é


perceptível uma semelhança entre as compreensões das alunas Mirela e
Priscila. Entretanto, a produção de Priscila se mostra mais detalhada e
ressalta um grau de responsividade ativa maior tanto no que se refere à
construção composicional da resenha quanto ao domínio significativo da
temática abordada no texto-base de Baronas (2007). Nessa perspectiva,
os três elementos de constituição dos gêneros discursivos, tais como:
a construção composicional, o estilo e o conteúdo temático, revelam
particularidades de cada sujeito da linguagem quando levada em conta
sua autonomia relativa (ZOZZOLI, 2002, 2006). Assim, é inegável a
necessidade de se ir além da perspectiva puramente linguística para analisar
e avaliar textos nos mais diversos níveis de escolaridade, visto que o “ensino
não pode ser configurado como um produto pronto e acabado que tenha
como alvo cumprir determinado objetivo (dentro de qualquer que seja a
sala de aula)” (SANTANA; SILVA JÚNIOR, 2020, p. 36). Assim como nas
demais práticas sociais, o ensino deve ser pautado em questões específicas,
reveladas por cada contexto.
Diante dos fenômenos identificados no processo analítico deste
trabalho, percebo a valia de práticas de ensino mais efetivas no que diz
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 32


respeito à abordagem genérica que antecede as atividades de produção escrita
em sala de aula e fora dela. O desenvolvimento significativo e progressivo
da aprendizagem da escrita favorece tanto a formação dos alunos quanto a
atuação do professor e o compromisso político e social da universidade.

Considerações finais

Considero que toda pesquisa realizada que resulta num texto como o
que estou apresentando vincula-se a um interesse pessoal de compreender
mais efetivamente processos que chamam a atenção do pesquisador em
algum momento da vida. Minha experiência como professor formador
do curso de licenciatura em Letras/Português é recente, mas, diante do
percurso trilhado como aluno do referido curso e a volta numa nova
posição, vi a necessidade de problematizar as práticas de produção escrita
na universidade para reiterar o compromisso social do professor da
universidade em trabalhar reflexivamente com a produção de textos em sala
de aula, visto que a autonomia relativa (ZOZZOLI, 2002, 2006) do sujeito
produtor de textos é processual, contínua e viva, segundo a concepção de
sala de aula como arena responsiva (SILVA JÚNIOR, 2021). Nessa busca
por articulações coerentes entre teoria e prática de ensino, pontuo que
não existe experiência totalmente eficaz num contexto de ensino, porém
as possibilidades reveladas e ressaltadas pelas pesquisas indicam elementos
relevantes para o planejamento e a efetuação de novas práticas pedagógicas.
Acredito, junto a Santos (2007, p. 200), que para um trabalho
significativo com a produção de textos na universidade é necessário que
exista constantemente o “envolvimento dos professores não como meros
transmissores de conhecimentos, mas como sujeitos que enfrentam os
perigos do caminho junto com os alunos, quase sempre de modo mais
atrevido que aqueles por causa de vivências anteriores”. Por isso, levar
em consideração o caráter inconcluso dos processos de construção de
conhecimentos linguístico-discursivos no campo do ensino de língua
portuguesa é essencial, principalmente em áreas como a Linguística
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 33


Aplicada, a qual defende a ação política e transdisciplinar justamente pela
importância de se ir além da ciência clássica (ZOZZOLI, 2020) na busca
por inteligibilidades (MOITA LOPES, 2009) para contextos de uso social
da linguagem, que, dentro da perspectiva dialógica (VOLÓCHINOV,
2017; BAKHTIN, 2011), é concreta e dinâmica.
Os movimentos relativamente autônomos trazidos para esta discussão
revelam alguns dos diferentes aspectos que precisam ser tomados para a
prática de professores que lidam com a produção de textos escritos em
sala de aula. Uma das problemáticas mais recorrentes tem sido a ausência
de verdadeiras abordagens genéricas que conduzam os alunos à observação
de questões linguísticas e discursivas quando produzem textos de gêneros
discursivos diversos. Nesse sentido, variadas questões indicam brechas que
devem ser preenchidas com práticas que ressaltem o papel ativo do sujeito em
contexto de produção textual, cabendo ao professor a mediação pedagógica,
pois, ao deter-se numa perspectiva de transmissão de conhecimentos, o
professor, inconscientemente, bane qualquer possibilidade de reflexão
efetiva e significativa sobre a língua.
As ações pedagógicas com foco na autonomia relativa do sujeito
(ZOZZOLI, 2002, 2006) produtor de texto são complexas e exigem uma
tarefa desafiadora dos professores de língua portuguesa em atuação na
educação básica e na universidade. Ao entender a sala de aula como uma
arena responsiva (SILVA JÚNIOR, 2021), o professor, com seus alunos,
pode empreender de modo situado novos modos de se propor atividades
de produção escrita, como também as consequentes práticas avaliativas
que podem ultrapassar os limites da construção composicional do gênero,
a qual é oscilante de acordo com o que evidenciou a discussão teórica.
O trabalho com o texto vai sempre necessitar de aprimoramentos. Por
isso, o debate circunscrito neste capítulo situa-se na inconclusão natural e
dialógica da vida, sempre à espera de interlocuções.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 34


Referências

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Miotello & Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010.
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conceitos, confrontando limites. São Carlos, SP: Editora Claraluz, 2007, p. 187-198.
BATISTA, A. D. A leitura da palavra e a palavra na leitura: plasticidade e sentido. Tese
(Doutorado em Letras), Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2015.
FREIRE, P. Paulo Freire Última entrevista 1ª parte. São Paulo, 17 abr. 1997. Entrevista a
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Faculdade de Letras, Universidade Federal de Alagoas, 2007.
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relativa do sujeito no ensino e na aprendizagem da escrita: uma análise interpretativista.
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SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 35


VOLÓCHINOV, V. Marxismo e filosofia da linguagem: Problemas fundamentais do método
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Paulo: Editora 34, 2017.
ZOZZOLI, R. M. D. Transdisciplinaridade e plurivocidade. In: SOUTO MAIOR, R.
C.; ZOZZOLI, R. M. D.; SILVA, G. A.; OLIVEIRA, E. V. M.; LUZ, L. S. F.; SILVA
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ZOZZOLI, R. M. D. Produção e autonomia relativa na aprendizagem de línguas. In:
LEFFA, V. (Org.). Pesquisa em linguística Aplicada Temas e métodos. Pelotas: EDUCAT,
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sujeito leitor/produtor. Maceió: EDUFAL, 2002, p. 17-31.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 36


https://doi.org/10.52788/9786599282492-1.2 CAPÍTULO 2

A formação de alunos críticos e


reflexivos a partir da Pedagogia do
Sarau: espaços, leituras e construções

Ricardo Ferreira de Sousa

Considerações iniciais

Entende-se o Sarau como um evento cultural em que as pessoas


realizam apresentações musicais, danças, recitações de poemas e encenações
teatrais. Momentos assim favorecem a imaginação e atuação do sujeito em
diferentes contextos culturais, sendo que tal processo valoriza os eixos da
oralidade, da escrita, da leitura e o pluralismo de ideias incumbidas às
diversas práticas socializadas.
Considerando esse contexto, é que surge o projeto intitulado “Sarau
literomusical: poesia, arte e música”, idealizado como objeto de estudo e
consolidado como espaço de produção cultural, para que os alunos do 1º
ano do Ensino Médio do Colégio Militar do Estado do Tocantins (CMTO),
localizado em Palmas, capital do estado, pudessem compartilhar e apreciar
expressões artísticas e culturais próprias e de outros artistas. A intenção
é que a ação proporcionasse momentos de socialização, convivência e
trocas de experiências, no sentido de tornar o ensino mais interativo e a
aprendizagem mais humanizada.
Em consonância com o Programa “Jovem em Ação”, da Secretaria
de Educação, Juventude e Esportes do Estado do Tocantins (SEDUC-
TO), no projeto Sarau, procuramos refletir e contribuir para a formação
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 37


dos alunos do colégio em questão, envolvendo-os com fatores interativos
e presumindo a propagação investigativa de valores que permeiam a
sociedade local e regional.
Nesse trilho, este texto busca apresentar algumas considerações sobre
a ação desenvolvida, cujo propósito maior será de trazer apontamentos
reflexivos sobre a ampliação das práticas pedagógicas fortalecidas na
participação, autonomia, postura investigativa e crítica do aluno. O gênero
discursivo poema, compreendido como instância maior da ação e como
ferramenta didática, permite que o professor desenvolva com seus alunos
habilidades e competências específicas da linguagem (oralidade, leitura,
escrita de textos e análise linguística), justificando o trabalho no ensejo de
situações reais como parte do contexto local, das experiências sociais e da
capacidade crítica e reflexiva do alunado diante de questões diversas. Nessa
prática, o contato com textos usuais permite ao aluno-leitor a construção
de diferentes sentidos e significados que favorecem a aprendizagem.
O ato de pensar, criar e atuar nos espaços formativos concede a
compreensão dos fatos, da história e da vida. Logo, as formas de ensinar
devem dialogar com estes aspectos de modo que os professores sejam
instigados a levarem os alunos à reflexão para que possam agir ativamente,
e a escola como lócus de ensino e aprendizagem é o lugar ideal para que
este encontro aconteça. Partindo desse ponto de vista, o Sarau desperta nos
alunos a diversidade literária e artística, além do gosto pela leitura e pela
produção cultural.
Nesse espaço de construção, o educando é tomado como um ser
socialmente histórico, capaz de construir seu mundo e transformar
sua volta, pois, considerando o contexto de produção, é por meio da
linguagem que o homem se expressa e a compreensão de mundo se faz
pelo uso da palavra. Bakhtin (2003) assevera que a linguagem é um
sistema de interação verbal, que se instaura no contexto social para mediar
as relações sociais com o sujeito constituído no seu lugar historicamente
construído. Destarte, é premente uma transformação no modo como
as aulas de  Língua  Portuguesa são conduzidas, de maneira a concentrar
atenções em concepções de aprendizados intersubjetivas e dialógicas com a
finalidade de estimular práticas de linguagens efetivamente críticas.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 38


Assim, após a introdução, este texto foi dividido em quatro partes:
na primeira parte discorremos sobre o gênero poema contextualizando-o
em sua prática; na segunda parte apresentamos os procedimentos
metodológicos adotados para a realização do projeto na escola; na terceira
parte tratamos dos resultados com a descrição e análise dos dados; por
fim, na última parte expomos as considerações finais e referências. Para o
cumprimento dos objetivos, a descrição e análise da prática sustentam-se a
partir da fundamentação teórica dos seguintes estudiosos: Bakhtin (2003),
Rojo e Moura (2012), Kleiman (2000), Moita Lopes (1994), Freire (1996),
Lajolo (2002), entre outros.

Contextualizando o gênero poema

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs (BRASIL,


1998), o trabalho com os gêneros literários em sala de aula constitui
sentido de forma peculiar de representação e estilo em que predominam a
força criativa da imaginação e a intenção estética. Além disso, o dito gênero
se destaca pela manifestação sociocultural do poético no mundo, nas artes
e nas palavras. 
O gênero poema, pois, se bem trabalhado, permite aos sujeitos
envolvidos uma melhor compreensão da realidade em um diálogo de vozes
marcantes, tendo espaço constante para a emoção, para a sensibilidade,
para a (re)construção dos saberes que ocorrem por meio da interação e
pelos diferentes signos linguísticos envolvidos no processo de ensino
e aprendizagem. Diante disso, é necessário que o professor tenha
conhecimentos acerca da importância de se trabalhar não apenas a função
verbal, mas, sobretudo, a função social do poema, já que um texto literário
é carregado de sentidos e o aluno deve recriá-los para si e para o outro.
Como destaca Moita-Lopes (1994, p. 361), isto implica ao fato de que
“os significados com que trabalhamos na sociedade são produtos de um
movimento histórico, localizados culturalmente e institucionalmente”.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 39


De acordo com Silva (2011), essa atividade corresponde à concepção
de mundo baseada em composições poéticas que buscam interpretar e
compreender a realidade na voz do sujeito.

Ensinar poesia (em todos os seus subgêneros) é trabalhar o texto como resposta a
uma necessidade, a alguém (o leitor), a um tempo definido. A poesia dentro dessa
concepção é um modo de viver o mundo (ver, sentir, experimentar e projetar)
e cada composição poética reflete quem somos, o que pensamos, sentimos
e buscamos. Ocupar-se com a poesia porque ela auxilia na construção de um
cidadão leitor, de um leitor capaz de interpretar o mundo ao seu redor, que
encontra na poesia a sua própria realidade social, essa é a perspectiva defendida
neste trabalho que se dispõe a fazer (SILVA, 2011, p. 24).

A partir do que foi exposto, ressaltamos que o poema é criado como se


fosse um jogo de palavras. Ele motiva o leitor a descobrir não apenas a leitura
corrente, mas também a buscar outras leituras possíveis. Compreendemos
isso a partir da perspectiva que o poeta busca mostrar o mundo de um jeito
novo, com a intenção de sensibilizar, convencer, fazer pensar ou divertir
os leitores. O poeta é o artista que usa as palavras para fazer uma obra de
arte – o poema.
Nas palavras da professora Marisa Lajolo

[...] um poema é um jogo com a linguagem. Compõe-se de palavras: palavras


soltas, palavras empilhadas, palavras em fila, palavras desenhadas, palavras em
ritmo diferente da fala do dia a dia. Além de diferentes pela sonoridade e pela
disposição na página, os poemas representam uma maneira original de ver o
mundo, de dizer coisas [...] poeta é, assim, quem descobre e faz poesia a respeito
de tudo: de gente, de bicho, de planta, de coisas do dia a dia da vida da gente,
de um brinquedo, de pessoas que parecem com pessoas que conhecemos de
episódios que nunca imaginamos que poderiam acontecer e até a própria poesia!
(LAJOLO, 2002, p. 21).

Nesse sentido, ao recitar um poema estamos falando do próprio


discurso poético. Por outro lado, o termo poesia remete-se ao fato de que
todo artista é capaz de tornar poética uma obra de arte. Um filme, um
balé, uma cena teatral, um trecho de romance, um quadro, uma gravura
ou uma obra musical pode ter poesia e produzir efeito poético. Em síntese,
o poema é uma manifestação do discurso poético em um texto,,\ e a poesia
é qualquer tipo de efeito produzido pela linguagem.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 40


Ao trabalhar o Sarau articulado ao gênero literário poema, estimula-
se o gosto pela leitura ao mesmo tempo em que mobiliza o aluno a
desenvolver suas habilidades poéticas e artísticas. Dessa forma, a atividade
docente passa a agir no sentido de promover práticas de letramento, isto é,
práticas sociais de leitura e escrita permeadas pela comunicação e interação
que oportunizam a conexão entre as realidades dos alunos e do contexto
escolar.
Na perspectiva de trabalhar com projetos que envolvem práticas de
letramentos, Kleiman (2000) apresenta a seguinte proposição:

Assim, um projeto de letramento se constitui como “um conjunto de atividades


que se origina de um interesse real na vida dos alunos e cuja realização envolve
o uso da escrita, isto é, a leitura de textos que, de fato, circulam na sociedade e a
produção de textos que serão realmente lidos, em um trabalho coletivo de alunos
e professor, cada um segundo sua capacidade” (KLEIMAN, 2000, p. 227, aspas
da autora).

O trabalho do professor é de estimular a expressão criativa do aluno,


para que ele desenvolva habilidades que lhes permitam ler e escrever com
mais segurança, de modo que o trabalho seja valorizado e harmonioso,
relacionando os aprendizados sociais e históricos da leitura e da escrita em
contextos utilitários (MARCUSCHI, 2003, p. 21).

Procedimentos metodológicos

Apresentamos, neste momento, o método que define o desenho do


projeto apresentado inicialmente. Quando se fala em método, busca-se
explicitar quais os motivos pelos quais o pesquisador escolheu determinados
caminhos e não outros (CARVALHO, 2000), e o conhecimento científico
é fonte essencial para questionar a realidade, buscando compreendê-la e
explicá-la. Sob esse viés, o estudo trata-se de um relato de prática docente
em que os dados foram apresentados e analisados a partir de um simples
gesto de interpretação.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 41


O aporte teórico-metodológico consiste na pesquisa de campo in
lócus, atrelada a dados bibliográficos que sustentam o relato de prática
disponibilizada no decorrer do texto. Sendo assim, esse procedimento
propicia um estudo mais aprofundado acerca do objeto de pesquisa,
chegando à compreensão e interpretação de novos resultados que
ultrapassam o senso comum (DESLANDES, 2009).
O projeto parte do planejamento e da organização baseada no contexto
de vida dos alunos. As atividades contemplam apresentações culturais, cuja
proposta foi adaptada do livro didático de Língua Portuguesa do 1° ano
do Ensino Médio para a realidade dos alunos e da escola. Dessa forma, o
professor idealizador parte das seguintes finalidades específicas:
• Estimular o desenvolvimento crítico do aluno despertando nele o
prazer pela leitura, escrita e oratória;
• Inserir o aluno no processo de criação poética;
• Despertar no aluno o senso crítico e estético para apreciação da
poesia como arte literária;
• Contribuir para que os alunos conheçam e utilizem elementos
constitutivos da linguagem de forma reflexiva e funcional.
A Sequência Didática (SD) desenvolvida no projeto aconteceu
conforme foram apresentadas no cronograma abaixo (Quadro 1),
respeitando o período de início e término das atividades (06/08/2019 a
24/09/2019), correspondendo a 22 aulas de 50 minutos cada. Também são
apresentadas as atribuições da práxis docente e do alunado para a realização
do evento (Quadro 2).

Quadro 1: Cronograma de atividades

Sequência Didática (SD)


Encontros Etapas
06/08/2019 Apresentação da proposta para os alunos, divisão dos grupos e seleção
dos temas para a investigação.
13/08/2019 Estudo acerca do gênero poema: definição, características, elementos
estruturais do texto, aspectos verbais e sociais do gênero.
19/08/2019 Estudo da apostila de nivelamento: Campo artístico-literário: gêneros
poéticos - poema visual, cordel e slam.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 42


21/08/2019 Leitura e análise de soneto do poeta português Luís Vaz de Camões e
poemas de Carlos Drummond de Andrade.
27/08/2019 Organização dos grupos e início da produção dos poemas.
28/08/2019 Escrita: término dos poemas e entrega para o professor.
02/09/2019 Reescrita: devolutiva do poema para ajustes e finalização do gênero.
10/09/2019 e Ensaios coletivos: caracterização, encenação e declamação para a
11/09/2019 apresentação cultural.
19/092019 Organização do material de caracterização do Sarau e de ornamentação
do local das apresentações (auditório do Colégio).
24/09/2019 Culminância cultural do Sarau Literomusical envolvendo alunos e
professores de 1ª séries.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2020.

Quadro 2: Atribuições do professor e do aluno

O papel do professor O papel do aluno


• Apresentar o gênero textual para os alunos, • Reconhecer o Sarau e o gênero
conceituando e abordando os níveis poema como uma espécie de
socioculturais do poema; evento cultural;
• Realizar a leitura e análise de poemas da • Participar ativamente das práticas
literatura nacional e local; de letramento;
• Abordar os aspectos verbais e sociais do • Praticar a escrita e reescrita dos
poema; textos autorais (produção de
• Auxiliar os alunos na elaboração dos poema);
poemas e organizá-los em grupos conforme • Valorizar a criação de poemas, bem
as temáticas e oficinas; como a sua relevância na formação
• Desenvolver a culminância do Sarau com interpessoal e social;
apresentações culturais; • Declamar, encenar e caracterizar-
• Avaliar o processo e o produto final. se adequadamente à proposta
apresentada;
• Participar das oficinas e da
atividade cultural de culminância.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2020.

Nessa perspectiva, o projeto de ensino envolve alunos de três turmas


das 1° séries, na qual buscou-se a valorização do aluno e sua voz, bem
como o agir docente ao considerar em uma dimensão discursiva o ensino
como trabalho integralizado e (trans)formador. Em suma, o Sarau literário
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 43


abordou o fazer poético do aluno e o processo aconteceu por meio de cinco
etapas essenciais: 1) estudo sobre o gênero textual poema; 2) elaboração de
poemas pelos alunos (escrita e reescrita); 3) encenação e exposição acerca
da temática em ritmo musical, na qual se valoriza a expressão corporal; 4)
caracterização de acordo com as temáticas desenvolvidas e; 5) apresentação
cultural para a comunidade escolar.
Para alinharmos o objeto do conhecimento, pautamos no Campo
artístico-literário: gêneros poéticos - poema visual, cordel e slam, centralizado
com o gênero apresentado no livro didático, processo este que possibilitou
estudar as particularidades do poema a nível estrutural e de conteúdo
valorizando os aspectos verbais e sociais do texto.

O Projeto Sarau: descrição e análise

O Sarau literário foi realizado no dia 24 de setembro do ano de 2019,


durante os horários da disciplina de Língua Portuguesa do/pelo professor
idealizador da ação. As atividades tiveram início no mês de agosto quando a
proposta foi apresentada e em seguida foi efetivado um trabalho contínuo e
formativo com duração de dois meses até a sua conclusão. Na culminância,
o projeto contou com mais de 150 pessoas que prestigiaram o evento,
que teve inicialmente como público alvo os alunos de 1ª série do Ensino
Médio. No entanto, outros alunos também participaram da ação, além de
professores e equipe da coordenação geral do Colégio Militar.
A programação contou com 16 apresentações, dentre declamações de
poemas, encenações teatrais e apresentações musicais dos alunos das turmas
13.01, 13.02 e 13.03, atores centrais do projeto. Os alunos produziram
28 poemas que foram dispostos para apreciação do público durante a
culminância.
A seguir apresentamos a frente de um folder que contém as informações
do evento (Figura 1).
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 44


Figura 1: Folder informativo da programação do evento

Fonte: Elaborado pelo autor, 2019.

Em cada turma formaram-se grupos de seis e sete alunos, estes ficaram


responsáveis pela produção coletiva de um poema temático em datas e
horários definidos pelo professor. Para uma melhor forma composicional,
estilo e conteúdo, a pedido do professor, o grupo deveria reescrevê-lo,
adaptando-o conforme direcionamentos.
Durante o período de construção do projeto, em aulas teóricas e
práticas sequenciais, os alunos tiveram contato com alguns poemas para
a compreensão dos mecanismos verbais e sociais, como: Amor é fogo que
arde sem ver, de Luís Vaz de Camões, Humildade, de Cora Coralina, Poema
Sete Faces e José, de Carlos Drummond de Andrade e Convite, de José
Paulo Paes. Importa dizer que os alunos tiveram autonomia para a escolha
de poemas que refletissem suas vivências. A propósito, as aulas sempre
estiveram voltadas para as situações cotidianas dos alunos e eles foram
instigados a pensar em formas reais e problemáticas na qual os autores
situam nos textos.
Atendendo a Sequência Didática proposta para trabalhar com o Sarau,
de início o professor realiza o levantamento de conhecimentos prévios
sobre o gênero, ou seja, procura saber se os alunos possuem conhecimentos
sobre o gênero textual poema, bem como se possuem prática com a
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 45


leitura desse tipo de texto. Para a socialização em sala de aula, levou-se em
consideração o processo de construção dos alunos, assim, compreender
a linguagem, os recursos expressivos e estilísticos, associar a temática ao
cotidiano, fazer comparações, intervenções, entre outras, significa levar
o aluno à posterior compreensão, interpretação e análise do gênero. Um
momento extremamente rico em que aprendemos e interagimos com
o  texto  a partir de uma perspectiva intersubjetiva, dialógica, responsiva,
ativa e multicultural (ROJO; MOURA, 2012, p. 12).
Diante da produção escrita, os alunos focaram em situações cotidianas
e produziram os poemas de forma colaborativa. Nesse sentido, para
aproximar a produção escrita das necessidades enfrentadas no dia a dia,
o caminho geralmente é focar no desenvolvimento dos comportamentos
leitores e escritores. O trabalho com um gênero em sala de aula é o
resultado de uma decisão didática que visa proporcionar ao aluno conhecê-
lo melhor, apreciá-lo e compreendê-lo, para que ele seja capaz de produzi-
lo na escola ou fora dela. Tomado por essa realidade, Sercundes (1997, p.
76) acrescenta que “o trabalho de escrever aparece como uma consequência
natural das informações disponíveis”. Posto isso, é possível compreender a
imagem de que os alunos são sujeitos que apresentam desenvoltura com a
escrita, entendidos como “detentores de um dom acometidos de momentos
de inspiração”, na qual o articulador das etapas individuais e grupais é
o professor, que acompanha, orienta e analisa o processo percorrido,
bem como avalia os resultados. Essa atenção diária é primordial para o
desenvolvimento de uma boa aula.
Nas figuras que seguem (Figuras 2 e 3), apresentamos dois poemas
autoral dos alunos e que representam parte dos trabalhos produzidos e
apresentados na culminância.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 46


Figuras 2 e 3: Amostra de poemas produzidos pelos alun

os

Fonte: Produção dos alunos, 2019.

Destarte, por meio da escrita de poemas os alunos expressaram seus


sentimentos e inquietações, trazendo para este momento de reflexão
sociocultural a discussão sobre temas da educação ambiental, políticas
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 47


públicas, cultura popular, arte e literatura de regiões do Brasil e da
comunidade local, oportunizando o diálogo para além da sala de aula.
Chegado o dia da culminância, cada apresentação teve duração de 15
a 20 minutos, sendo que no período de uma aula de 50 minutos tivemos
de duas a três apresentações, isto é, levando em consideração o tempo que
os alunos tiveram para se organizar. A concretização do projeto contou
com declamações, encenações e apresentações musicais, promovendo uma
produtiva interação entre alunos e professores que dialogam com expressões
artísticas variadas. No momento em que acontece a apresentação cultural
todos os alunos são considerados protagonistas, pois todos têm uma
função a desempenhar nesta prática socialmente significativa e relevante.
Nessa tendência, o evento fomenta as discussões escolares e a formação
de sujeitos críticos. Este processo é transformador na vida do aluno, pois
ao evidenciar o letramento local o aluno busca (re)produzir práticas de
vivências em grupo a partir de sua realidade social. Reconhece também que
essas práticas se estabelecem em contextos sociais e culturais diversificados
com a participação de sujeitos igualmente inseridos em realidades e
experiências diversas.
Após o evento, foi realizado um feedback com os alunos. Oralmente
eles expuseram as sensações e percepções das apresentações realizadas.
Segundo as falas, o Sarau possibilitou maior interação entre alunos e
alunos, alunos e professor, trazendo benefícios para o convívio coletivo e
para a aprendizagem. Os alunos avaliaram o projeto como uma importante
atividade que foge do tradicionalismo (ler, escrever, copiar tarefas, etc.) e
que aprenderam muito mais com as trocas de experiências. Nessa relação,
o imperativo dado pelo Aluno Y foi: “Professor, queremos outro Sarau com o
Senhor”. A proposta do Sarau é para que aconteça anualmente.
Os anseios foram muitos por ambas as partes. Para os alunos, a tensão
estava na apresentação cultural. Se para alguns essa prática já fazia parte
da vida, para outros era um desafio a ser vencido, pois muitos se sentiam
nervosos, ansiosos e até pensavam em desistir. No entanto, acreditaram na
qualidade do trabalho que estávamos realizando e diante do compromisso
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 48


assumido o resultado não poderia ser diferente, senão o produto excelente
de apresentações contextualizadas e direcionadas para o momento atual.
Para o professor, a expectativa era enorme, atuando no potencial de seus
alunos, preparou e lançou-os na prática discursiva.
A sensação final foi de dever cumprido e orgulho pela qualidade
e realização do trabalho. O Sarau foi um evento ímpar e cumpriu as
expectativas idealizadas, houve muita dedicação dos alunos, o que tornou
satisfatório o planejamento da disciplina e que nos faz refletir sobre as
competências e habilidades na classe de ensino e sobre a linguagem (oral
e escrita) enquanto função social e comunicativa das relações entre os
interlocutores. Nesse contexto, o professor buscou proporcionar prazer
pela atividade leitora e escrita e os alunos foram levados à produção de
sentidos e dialogá-los com a vida.
O processo avaliativo como parte da atividade, deu-se de forma
contínua de acordo com os fatores procedimentais e atitudinais de
participação, organização e interação dos grupos na realização do projeto.
Segue evidências do dia da culminância do Sarau (Figuras 4 e 5).

Figuras 4 e 5: Evidências da ação realizada no âmbito do projeto


SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 49


Fonte: ASCOM CPM, 2019.

É importante percebermos da valorização cultural local, da introdução


de novas linguagens na sala de aula que não apenas a urbana de prestígio
e escrita, da incorporação de novas tecnologias e de diferentes gêneros, não
apenas aquelas indicadas pelas secretarias de educação, mas, sobretudo,
aquelas que partem de uma necessidade ou realidade local (ROJO;
MOURA, 2012, p. 15). O aluno deve ser estimulado e sua curiosidade
instigada à aula. É necessário dar sentido àquilo que estamos ensinando. É
preciso, também, mudar o conteúdo programático das escolas para temas
que de fato vão ser usados na vida: comunicação, finanças pessoais e a
Constituição Federal, são alguns exemplos. A leitura e a escrita precisam
fazer sentido para a pessoa, caso contrário se tornará um mero fazer por
fazer. Os objetivos dessas práticas sociais precisam ser socializados com
quem irão construir o conhecimento para que o mesmo entenda e permita
ser inserido em outras práticas sociais - PCN (BRASIL, 1998, p. 41). Essa
visão também é apontada pela Proposta Curricular do Ensino Médio -
PCEM (TOCANTINS, 2009), pois percebe a leitura e a escrita como um
processo que deve envolver o aluno em questões da realidade a partir de
contextos socializados.
Posto isso, a prática docente deve ser realizada com base na promoção
de saberes e o ensino deve ser mantido pelas relações estabelecidas entre o
professor e o aluno com decisões partilhadas da escola para a capacidade
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 50


reflexiva sobre aquilo que se quer alcançar. A Base Nacional Comum
Curricular (BNCC) visa contemplar a fluência na compreensão da leitura,
produção, criação, fruição e o “gradativo domínio de planejamento,
revisão e produção, tendo em vista os contextos de circulação dos sujeitos
na Educação Básica” (BRASIL, 2015, p. 33), perpassando a transposição
didática que organizam os objetos de ensino da disciplina de Língua
Portuguesa. 
Com base nas acepções apresentadas, podemos inferir que os
significados são construções sociais de leitura e escrita e a escola precisa
incorporar isso em função da ciência discursiva. Nesse sentido, “o acesso
à prática social da leitura deve dar ao aluno a possibilidade de recriar para
si mesmo, criticamente, os significados que a escola enfatiza” (MOITA
LOPES, 1994, p. 358), levando-o à construção da aprendizagem. O
professor precisa despertar a necessidade de atualização da prática docente
com base no reconhecimento do protagonismo dos estudantes, no estímulo
às múltiplas práticas sociais comunicativas, na aplicação de situações
comunicativas tangíveis e reais, nas experiências socioculturais ligadas ao
momento histórico, ao espaço social e aos sujeitos envolvidos no processo
participativo e construtivo do ensino e aprendizagem.
Freire (1996) contempla essa discussão com a seguinte afirmação:

[...] ao estudo crítico corresponde um ensino igualmente crítico que demanda


necessariamente uma forma crítica de compreender e de realizar a leitura da
palavra e a leitura do mundo, leitura do contexto (FREIRE, 1996, p. 264).

A partir disso, ressaltamos que a escola tem um papel político.


Portanto, ao falar de aprendizagens é necessário também apontar a escola
como um sistema enunciativo de ações e ideias do sistema de ensino. É
nela que o sujeito se torna questionador, inquieto e propositivo, e esse
sujeito é habilitado a atuar em contextos diversos em que se mobilizem
práticas de leitura e escrita.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 51


Considerações finais

O Sarau é um projeto que acontece de forma contínua, sempre no


segundo semestre letivo, envolvendo turmas da disciplina de Língua
Portuguesa. É de inteira e livre vontade dos alunos e da equipe escolar a
participaão no evento, cuja atividade permita que o público sinta a arte
presente na vida e reflita sobre as diferentes tramas apresentadas.
A continuidade da ação é necessária, a fim de provocar sentimentos
simbólicos que possam contribuir para a construção do imaginário social
vinculado à linguagem artística. Diante do trabalho desenvolvido ao longo
de dois meses em sala de aula com o gênero poema, ficou claro que os
alunos realmente se envolveram com a proposta, pois a grande maioria
deles liam os textos de forma atenciosa, procuravam entender a essência
do que ali estava escrito, faziam ligações com a realidade e discutiam com
os colegas, sempre estabelecendo preferências por uma leitura e escrita
mais elaborada. Observa-se que as atitudes dos alunos frente às atividades
expostas depois de prontas, uma ao lado da outra, de autoria e em local
visível, evidenciando a diversidade de tudo o que foi produzido, causou-
lhes um estado de felicidade e orgulho pelo trabalho realizado e reconhecido
também por outros colegas que elogiavam o produto final.
Pensar num trabalho que provoque o encontro entre as linguagens oral
e a escrita é antes de tudo propiciar momentos em que o aluno se reconheça
como alguém capaz, como sujeito do mundo, concreto e participativo da
promoção de conhecimentos do meio em que está inserido. O aluno é,
assim, entendido como um ser protagonista, uma vez que ele é considerado
o número central do projeto. Essa postura é carregada de sentidos:
autonomia, liberdade e utilidade. A visibilidade deste aluno ocorre uma vez
que ele é inserido em práticas linguageiras e que este permita vivenciar essa
prática, aprimorando e fundamentando suas ideias, sua voz, sua postura e
sua construção social, de modo que neste espaço sinta-se motivado e passe
a ter posicionamentos críticos.
Assim, compete ao componente de Língua Portuguesa proporcionar
aos estudantes experiências que contribuam para a ampliação das práticas
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 52


de letramentos que possibilita a participação significativa e crítica nas
diferentes instâncias sociais permeadas pela construção de saberes. Com
essa experiência, temos a percepção de que trabalhar com projetos
estimulantes como o Sarau, que foca no aluno e concebe sua realidade
como um fator de potencialidade a ser explorado é, entre outras coisas,
atribuir oportunidades mais próximas da realidade do aluno, prevendo que
ele se transforme a partir dessa realidade e inspire-se para uma mudança
individual e coletiva que seja significativa para o contexto em que atua.
O que fica para o professor é a percepção de que o docente não pode
ficar amarrado ao programa e aos conteúdos, mas que perceba a real
necessidade dos estudantes, de modo que sua prática seja direcionada para
a formação de sujeitos críticos e autônomos, fazendo do processo de ensino
e aprendizagem uma valoração expressiva.

Referências

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BRASIL, BNCC. Base Nacional Comum Curricular. Ministério da Educação MEC. 2017.
Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/. Acesso em: 27 fev. 2020.
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dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, DF, 1996.
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terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental: língua portuguesa. Secretaria de Educação
Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.
CARVALHO, Alex Moreira. Aprendendo Metodologia Científica. São Paulo: Nome da Rosa,
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intelectual. In: MINAYO, Maria Cecília de Souza; DESLANDES, Suely Ferreira. (Org.).
Pesquisa Social: Teoria, método e criatividade. Rio de Janeiro: Vozes, 2009, p. 31-60.
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FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa. São Paulo:
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KLEIMAN, Ângela. O processo de aculturação pela escrita: ensino da forma ou
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 53


aprendizagem da função. In: KLEIMAN, Angela; SIGNORINI, Inês. (Orgs.) O ensino e a
formação do professor. Alfabetização de jovens e adultos. Porto Alegre: Artmed, 2000, p. 223-
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LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. 6. ed. São Paulo: Ática,
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MARCUSCHI, Luiz Antônio. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. 4 ed. São
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MOITA LOPES, Luís Paulo. Linguagem, interação e formação do professor. Brasília:
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SERCUNDES, Maria Madalena Iwamoto. Ensinando a escrever. In: (Orgs.). GERALDI,
João Wanderley; CITELLI, Beatriz. Aprender e ensinar com textos de alunos. v. 1. São Paulo:
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ZANINI, Marilurdes. Uma visão panorâmica da teoria e da prática do ensino de língua
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SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 54


https://doi.org/10.52788/9786599282492-1.3 CAPÍTULO 3

A prática da produção textual:


contribuições e implicações sob a
perspectiva de uma pesquisa do tipo
Estado da arte

Wilzelaine Aparecida Hanke

Introdução

Comunicar-se é uma necessidade humana!


Desde os tempos mais remotos, o homem buscou maneiras de se
expressar, pois se sentia impulsionado a compartilhar com seus semelhantes.
É difícil dizer qual tentativa de comunicação surgiu primeiro, contudo,
estudos supõem que a primeira forma tenha sido a gestual - bastante
incipiente e pouco compreensiva. A fala por meio de ruídos e bramidos,
estabelece-se como outro recurso comunicativo na escala de evolução
humana. Tendo na escrita o terceiro processo potencializador da interação
homem a homem. A escrita surge, inicialmente, no rabiscar nas paredes
das grutas nas quais os primeiros indivíduos habitavam. Aos poucos, foram
conectando os desenhos e construíram um código de comunicação, mas
efetivo e que teve seu “boom” em 1456, quando Gutenberg inventou a
prensa de tipos móveis. A importância desse invento não se centra apenas
para a sociedade, como também para a abertura de um novo mercado e,
portanto, uma nova forma de relacionar-se com o texto escrito:

O fato divisor de água foi o aperfeiçoamento da prensa de tipos móveis de


Johann Gutenberg, por volta de 1440. O meio técnico conferiu um caráter de
reprodutibilidade massivo em todas as formas escritas de expressão, de maneira
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 55


que tal fato ensejou profundas transformações nas mais diversas instâncias da
sociedade. (...) Antes da imprensa a produção de um texto não visava lucro (...)
(Boff e Amaral, 2018, 171.).

De lá para cá, as produções escritas tomaram conta das sociedades


e romperam com a barreira do tempo ao preservar informações, devido
à durabilidade do sinal gráfico, possibilitaram mudanças significativas,
oriundas da difusão das informações por um número cada vez maior
de pessoas por intermédio do surgimento das instituições escolares e,
consequentemente, pela alfabetização das massas trabalhadoras.
A escrita, portanto, foi uma invenção decisiva para a história e não
foi por acaso que ela surgiu. Caminha lado a lado com as profundas
transformações nas sociedades que emergiram durante o período de
eclosão das primeiras cidades. Salienta-se que essa habilidade determinou
e determina a organização social e a divisão do trabalho na construção das
diversas sociedades ao longo da história; tanto que ler e escrever em alguns
períodos tornou-se sinônimo de imposição ideológica e governos, sendo
alvo, inclusive, de censura. Afinal, por sua qualificação, como descrita
acima, torna-se um instrumento letal aos que pretendem exercer seu poder
de dominação.
Tendo em vista o cenário atual da educação e as novas concepções que
implicam a produção de texto no processo de ensino e aprendizagem dos
estudantes do Ensino Fundamental - séries iniciais e finais - e considerado
o potencial da capacidade escritora como ferramenta capaz de alavancar o
conhecimento humano, além de forjar-se como prática libertadora, tem-
se como problema de pesquisa a seguinte indagação: O que revelam as
pesquisas acadêmicas, teses e dissertações acerca da contribuição e implicação
da prática de produção de texto no processo de ensino e aprendizagem no
ensino fundamental - séries iniciais e finais?
Enquanto pesquisa qualitativa descritiva e interpretativa, do tipo
Estado da Arte, tem por objetivo mapear e analisar os resultados das teses
e dissertações em relação a questão norteadora desse objeto de estudo, no
período de 2013 a 2018 para verificar as contribuições e implicações de
modo a ampliar a percepção do panorama no qual se desenvolve e sobre
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 56


o qual tem se edificado, com vistas a compreender o que têm revelado
sobre a prática da produção de texto no Ensino Fundamental e Médio.
Desse modo, adota-se postulações de Bakhtin e Marcuschi no que tange
aos estudos relativos aos gêneros textuais. Atribuindo à linguagem uma
significação na construção do conhecimento, Dolz terá voz. Bakhtin adensa
o repertório teórico com contribuições acerca da concepção interacionista
que compreende a língua como fenômeno de interação verbal. Em
Vygotsky, será discutido o processo de mediação da linguagem escrita. No
que se refere à pesquisa,

embora recentes, os estudos de ‘estado da arte’ que objetivam a sistematização da


produção numa determinada área do conhecimento já se tornaram imprescindíveis
para apreender a amplitude do que vem sendo produzido (Romanowski e Ens,
2006, p.39)

Isso possibilita posteriormente empreender caminhos, quizá,


inauditos. Segundo Romanowski e Ens (2006, p. 39), não se trata de
restringir a identificação de uma produção, mas de analisar, categorizar e
revelar os múltiplos enfoques e perspectivas. Destarte, acredita-se que os
resultados dessa pesquisa possam beneficiar estudantes da área de Letras
e Pedagogia, bem como profissionais atuantes nessas áreas, pesquisadores
ou não, na medida em que seja possível interpretar de forma a concatenar
as contribuições e implicações da produção de texto no processo de
ensino e aprendizagem, sem, no entanto, menosprezar as particularidades
entalhadas em cada uma delas, ampliando a percepção do panorama no
qual a capacidade escritora se desenvolve e frente ao formato no qual as
implicações têm se edificado, promovendo mudanças para aprimoramento
da escrita dos estudantes.
Este estudo pretende fazer a sistematização das produções realizadas
no âmbito Stricto Sensu, da mesma maneira que identifica progressões
conceituais e características específicas resultantes das produções científicas
elencadas no período de 2013 a 2018. Assim, foram analisadas 10 teses
e 70 dissertações, coletadas na plataforma digital do Instituto Brasileiro
de Informações de Ciência e Tecnologia (IBICT), na Biblioteca Digital
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 57


Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD). A análise de dados foi
instrumentalizada pela Análise de Conteúdo (AC), utilizando-se a técnica
proposta por Bardin (2011).
Na próxima seção, apresentar-se-á, conjecturas teóricas relativas ao
conceito de produção textual, bem como especificidades.

A prática de produção textual na escola

Duas décadas depois da elaboração e adoção dos Parâmetros


Curriculares Nacionais (PCNs), a BNCC (Base Nacional Comum
Curricular) e as mudanças substanciais vivenciadas pela sociedade,
sobretudo por conta do uso da tecnologia, trouxeram um repensar dos
princípios que regiam a disciplina de Língua Portuguesa. A BNCC
reflete esse avanço, que se manifesta, principalmente, em dois aspectos:
a presença dos textos multimodais - popularizados pela democratização
das tecnologias digitais - e as questões de multiculturalismo - mantendo,
dentre vários outros princípios do documento anterior, a centralidade do
texto e dos gêneros textuais.
Ambos os documentos assumem uma perspectiva enunciativo-
discursiva de linguagem, ou seja, a linguagem é entendida como uma ação
entre os indivíduos orientada para uma finalidade específica realizada nas
práticas sociais em distintos períodos históricos. Portanto, “ao componente
Língua Portuguesa cabe, então, proporcionar aos estudantes experiências
que contribuam para a ampliação dos letramentos, de forma a possibilitar
a participação significativa e crítica nas diversas práticas sociais permeadas/
constituídas pela oralidade, pela escrita e por outras linguagens” (BNCC,
2018, p.67 e 68). Dessa forma, organiza-se o componente em quatro
eixos de trabalho: oralidade, análise linguística/semiótica, leitura/escrita,
oralidade e produção de texto.
Para a BNCC (2018, p.76), o eixo da produção de textos “compreende
as práticas de linguagem relacionadas à interação e à autoria (individual
ou coletiva) do texto escrito, oral ou multissemióticos, com diferentes
finalidades e projetos enunciativos”. Sem sombra de dúvidas, a escrita
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 58


circula pelas mais diversas esferas sociais. Escrever, por conseguinte, é uma
ferramenta de interação social entre as pessoas e, portanto, envolta de
intencionalidades.

Em cada época, em cada círculo social, em cada micromundo familiar, de


amigos e conhecidos, de colegas, em que o homem cresce e vive, sempre existem
enunciados investidos de autoridade que dão o tom, como as obras de arte,
ciência, jornalismo, nas quais as pessoas se baseiam, as quais elas citam, imitam,
seguem. Em cada época, em todos os campos da vida e da atividade, existem
determinadas tradições, expressas e conservadas em roupagens verbalizadas:
em obras, enunciados, sentenças, etc. Sempre existem essas ou aquelas ideias
determinantes dos “senhores do pensamento” de uma época verbalmente
expressas, algumas tarefas fundamentais, lemas, etc. (Bakhtin, 2019, p. 54).

O ato de escrever implica, portanto, fazê-lo sabendo para quê e para


quem se está escrevendo. Sempre há um interlocutor, uma finalidade, uma
intencionalidade. Esses elementos nada mais são que pontos de partida
para a orientação quanto a escolha do gênero e os recursos linguísticos
mais adequados para a obtenção dos objetivos que se pretende alcançar.
Nos documentos oficiais o que se entende por produção textual e como se
deve direcionar a sua prática, distanciam-se da realidade. Vivencia-se, em
boa parte das salas de aula, a execução de um processo arcaico e ineficaz
em que o texto, seu produtor e a inexistência de um receptor coexistem em
um cenário combalido.

Um problema do ensino é o tratamento inadequado, para não dizer desastroso,


que o texto vem recebendo, não obstante a muitas alternativas e experimentações
que estão sendo hoje testadas. Com efeito, introduziu-se o texto como motivação
para o ensino sem mudar as formas de acesso, as categorias de trabalho e as
propostas analíticas. (Marcuschi, 2008, p.58)

O que vem se afirmando, talvez justifique os motivos que levam


as pessoas, independentemente da idade e da atividade que exerçam, a
amedrontar-se diante de uma folha de papel na qual seja necessário
expressar ideias por meio do exercício da escrita. E, nesse âmbito, inclui-se
o professor, no exercício de leitor desses textos e de mediador do processo
de desenvolvimento da competência leitora. Afinal, por que tudo isso
parece tão assustador?
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 59


No caso dos alunos, os pesadelos são alicerçados na escassez
de ferramentas para a elaboração daquilo que lhe é solicitado como
escritor de sua própria língua. Para os professores, centra-se no fato da
produção de texto encerrar uma elevada complexidade que vislumbra
dois caminhos erroneamente estruturados pelo profissional da área: não
trabalhar a produção de texto em sala ou trabalhá-la superficialmente de
modo a agravar a dificuldade de escrever já instalado no inconsciente dos
discente ou sofrer por querer mudar as estratégias ineficientes adotadas
pelas instituições escolares. São inúmeros os fatores que corroboram para
a segregação da prática da competência escritora nas diversas instituições e
nos mais variados níveis de ensino.
Um dos passos primordiais para viabilizar o ensino e a aprendizagem
mais eficaz na elaboração de textos é entender que a língua é reflexo da
sociedade, portanto, dialógica em sua natureza. “Se a língua é dialógica por
sua natureza social e se o monólogo absoluto é impossível, a diferenciação
entre formas dialógicas e formas monológicas de discurso não é só
admissível como necessária” (BAKHTIN, 2019, p.118). Ter essa clareza
permite direcionar as atividades escolares sobre situações mais complexas,
indo na contramão das práticas tradicionais.
Pensar por uma perspectiva interacionista da escrita, viabiliza uma
prática educativa pautada no desenvolvimento da capacidade escritora
mais propensa a assertividade do processo, tanto no que diz respeito ao
envolvimento discente com a realização das propostas de trabalho quanto
do professor que mediará as práticas defendidas atualmente, na produção
textual.

Metodologia

De abordagem qualitativa, descritiva e interpretativa do tipo estado da


arte, esta pesquisa configura-se como uma investigação adotada comumente,
por pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento, principalmente,
no campo educacional. Este tipo de pesquisa interpreta os eventos da
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 60


educação em sua multiplicidade e complexidade, possibilitando uma
interpretação das construções factuais de uma sociedade em determinada
conjuntura temporal acerca de sua fenomenologia assistindo a evidenciação
e a compreensão de possíveis perplexidades, ambiguidades, antagonismo e
dilemas éticos.
Tomando por base a pesquisa do tipo estado da arte, a partir das
postulações de Romanowski e Ens (2006, p. 39), “compreende-se que a
análise do campo investigativo é fundamental neste tempo de intensas
mudanças associadas aos avanços crescentes da ciência e da tecnologia”. Na
pesquisa do tipo Estado da Arte, “o volume de produção por ser grande,
é usual, além de se estabelecer o campo de pesquisa e o tema pesquisado,
definir o período, e estabelecer uma determinada fonte de dados” (Vosgerau;
Romanowski, 2014, p.171)
No que se refere à identificação de pesquisas científicas, dissertações
e teses, voltadas a produção textual, foram realizadas buscas on-line no
Instituto Brasileiro de Informação em Ciências e Tecnologia (IBICT)
na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD), que serviram de
instrumento de coleta de dados. Relativo ao mapeamento e à identificação
de teses e dissertações, esses procedimentos ocorreram via plataforma digital,
quando da utilização da opção de busca avançada, recurso de filtragem
disponibilizado pela própria plataforma, com a inserção das palavras-chave
“produção de texto” e “educação básica”, no entanto, deixando de fora
aquelas cuja abordagem centrava-se na educação infantil. Convém ressaltar
que essas duas palavras-chave estão indexadas no Thesaurus Brasileiro da
Educação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (INEP).
Deu-se continuidade, com a periodização do mapeamento da
produção de teses e dissertações limitado ao período de 2013 a 2018,
sobre a produção de texto no Ensino Fundamental e Médio. A opção pela
Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) deve-se à
possibilidade de realizar buscas a partir da delimitação do intervalo que se
pretende investigar. A escolha, por esse período, justifica-se pelo interesse
nas atuais tratativas sobre a produção de texto na esfera educacional em
contraposição às de outrora.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 61


Uma vez inseridas as palavras-chave e o período de produção, a
plataforma BDTD apresentou 1281 pesquisas realizadas em nível de
mestrado e doutorado (Acadêmico ou Profissional), que foram submetidas
a leitura crítica do resumo, da introdução e das considerações finais; com o
intento de identificar e selecionar aquelas que comporiam, ou não, o corpus
de pesquisa, caso efetivamente abordasse contribuições e/ou implicações
sobre a produção textual (PT) aos alunos do Ensino Fundamental e Médio.
Após esse processo, realizado pela pesquisadora, o corpus da pesquisa
restringiu-se a 10 teses e 70 dissertações que tratam, especificamente, da
produção textual - escrita ou reescrita, sem considerar o gênero evidenciado
no documento explorado. Foram desconsideradas do corpus de análises
1202 pesquisas, haja vista que não abordam a temática em questão ou não
pertinentes à educação.
Para a análise dos dados foi realizada a leitura inicial dos resumos e
introdução. Subsequentemente, das considerações finais, sendo relevante
mencionar que a opção de realizar a análise dos dados por meio das
considerações finais deve-se ao entendimento de que é nesta parte que a
autor-pesquisador responde seu problema de pesquisa, além de lograr seus
objetivos apresentando conclusões a partir dos resultados auferidos pela
investigação.
Nas palavras de Franco (2018, p. 56), “é preciso lembrar que nem
todo material a ser analisado é suscetível à obtenção de uma amostragem”,
não caracterizando como uma perda substancial. Na presente análise, uma
tese e algumas dissertações não trouxeram uma amostragem significativa,
mesmo tratando do assunto em questão (T10, D2, D43 e D60). Outras,
as contribuições e implicações foram encontradas em outras partes do
documento que não a mencionada anteriormente (D6, D8, D11, D40 e
D45).
Nas considerações finais das teses e dissertações que fazem parte
do corpus de análise, realizou-se a análise de conteúdo das mesmas
na perspectiva de Bardin (2016), aplicando a técnica de Análise de
Conteúdos (AC), que tem por finalidade esclarecer a especificidade e
o campo de análise de conteúdo aplicável a textos, imagens, gravações,
entrevistas, entre outros; adentrando como método em área da Ciências
Sociais, Psicologia e Educação; o campo de aplicação é bastante vasto.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 62


A AC objetiva “a manipulação de mensagens (conteúdo e expressão
desse conteúdo) para evidenciar os indicadores que permitam inferir
sobre uma realidade que não a da mensagem” (BARDIN, 2016, p. 52),
dessarte, metodologicamente, o presente estudo apoia-se nas postulações
de Bardin (2016), subdividindo em três fases, a saber: a) pré-análise, (b)
exploração do material e c) tratamento dos resultados.
A pré-análise é caracterizada como o primeiro contato do pesquisador
com o conjunto de documentos que potencialmente poderá constituir
seu corpus de análise, denominado por Bardin (2016) como “leitura
flutuante”. É o momento em que o pesquisador escolhe o documento,
formula hipóteses, os objetivos, a referenciação dos índices, a elaboração
de indicadores e a preparação do material.
A fase de exploração do material define-se como “a fase de análise
propriamente dita não é mais do que a aplicação sistemática das decisões
tomadas. Quer se trate de procedimentos aplicados manualmente ou de
operações efetuadas por computador” (BARDIN, 2016, p. 131). É a fase
do tratamento do material, ou seja, corresponde a uma transformação, que
processar-se-á sistematicamente com a codificação dos dados e, posterior
classificação e categorização. Será no processo de categorização que os
códigos serão agrupados, segregados ou reagrupados com o objetivo de
consolidar um significado. Na perspectiva de Bardin (2016), um conjunto
de categorias bom deve possuir qualidades como: exclusão mútua,
homogeneidade, pertinência, objetividade e a fidelidade e a produtividade
dos dados.
Por fim, o tratamento dos resultados é a fase em que “os resultados
tidos como brutos são tratados de maneira a tornarem-se significativos e
válidos” e o pesquisador “tendo à sua disposição resultados significativos e
fiéis, pode então propor inferências e adiantar interpretações a propósito
dos objetivos previstos - ou que digam respeito a outras descobertas
inesperadas” (BARDIN, 2016, p.131). Na próxima seção, apresenta-se a
análise de dados das 80 pesquisas inventariadas como objeto de estudo
dessa pesquisa.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 63


Análise de dados e resultados

Descreve-se, a seguir, a aplicação de cada fase: preparação dos dados


para análise, codificação e categorização (exploração do material) e análise
de conteúdo (tratamento dos resultados):
Fase 1 - Preparação e seleção dos dados para análise - todas as 1281
pesquisas foram salvas em formato PDF separadas em duas pastas: teses e
dissertações. Cada documento foi identificado, preservando o anonimato
de seus respectivos autores. As dissertações receberam o código (D) e as
teses (T), seguidas de um número correspondente ao pesquisador. Portanto,
D01 (dissertação 01) alude ao autor 01. Todos os códigos foram elencados
em um quadro no programa Word, contendo: título, tipo de documento,
ano de defesa de pesquisa e instituição a qual a pesquisa está coadunada1,
quando componentes do corpus. Quando não, recebiam a identificação T
(tese) ou D (dissertação), um número e um NS (não serve); sendo salvos
em outra pasta.
Fase 2 - Exploração do material: codificação - Os pesquisadores
realizaram uma leitura detalhada das considerações finais das pesquisas
acadêmicas e todos os resultados de pesquisa que envolviam contribuições
e implicações das aulas de produção de texto no processo de ensino-
aprendizagem no Ensino Fundamental e Médio foram selecionados. A
partir desta ação, códigos foram criados com o intuito de preparar o material
para o processo de categorização. Os códigos podem ser representados por
símbolos que permitem a identificação de uma informação. Nesta pesquisa,
os códigos expressam os resultados dos achados da investigação, sendo,
possível, portanto, a criação de 02 códigos para contribuição e 02 códigos
para implicação.
Fase 3 - Exploração do material: categorização - Ocorreu a união
dos códigos que se apresentam no mesmo campo semântico. Tal ação
permitiu agrupá-los para consolidar um grupo que apresenta o mesmo
código de sentidos das unidades linguísticas semelhantes, emergindo assim
as categorias e subcategorias. Após a codificação e categorização de todas as
considerações finais do corpus, foi possível identificar os grupos de maior

1 Para a acesso ao corpus da pesquisa: https://bit.ly/3vZP8WI


SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 64


número de códigos, incidências das pesquisas analisadas afluindo para cada
um dos códigos, duas categorias: I - contribuição: a) para docentes e b) para
discentes; II - implicação: a) para docentes e b) para discentes. Incorporado
a cada uma, emergiram subcategorias. Para uma hierarquização e visando
maior abrangência e análise dos dados coletados, as categorias serão elevadas
a código e as subcategorias a categorias emergentes de cada um deles.
Fase 4 - Análise do conteúdo - Os códigos que apresentam maior
incidência em relação aos demais foram submetidos a três procedimentos
adicionais por parte da pesquisadora: a) leitura detalhada e precisa dos
resultados encontrados; b) análise reflexiva por dos resultados das
considerações finais das pesquisas analisadas; c) identificação e criação de
categorias que partem de um grupo de códigos. As categorias que emergiram
desse processo, constituíram-se como indicativos que possibilitaram
compreender e visualizar o Estado da Arte da pesquisa científica voltada para
as contribuições e implicações da produção textual no processo de ensino-
aprendizagem nas aulas de produção de texto no Ensino Fundamental e
Médio, no período de 2013 a 2018.
Diante das análises dos dados, 02 códigos com maior incidência e
semelhança emergiram no que tange às contribuições ao eixo de produção
de texto, a saber: a) para os discentes e b) para os docentes. Como
mencionado, um dos códigos que apresentou incidência e semelhanças nas
considerações finais das teses e dissertações foi “contribuição da produção
textual para os discentes”. Conforme o Quadro 1, apresenta-se as categorias
que foram criadas a partir do código analisado.

Quadro 1 - Alguns dos resultados explicitados nas pesquisas para justificar o código contribuição para os
discentes

TESE E
CATEGORIAS
DISSERTAÇÕES
Quantidade de
Melhoria da estrutura textual dos estudantes incidência que o
código teve: 26
“Permitiram uma melhoria na qualidade de escrita dos alunos,
servindo de suporte para que os professores de língua portuguesa
D14
possam dar continuidade à sua tarefa de estimular o desenvolvimento
p. 98
de práticas linguísticas dos alunos de forma satisfatória.”
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 65


“Aspectos cognitivos e físicos relacionados aos atos de leitura e de
escrita são transformados, possibilitando que as crianças voltem
D34
sua atenção para estruturas da escrita ou para aspectos gráficos
p.196
não percebidos quando operavam com outros suportes de texto”.

“Também notamos uma boa evolução na estruturação textual,


D53
mais adequada ao gênero notícia, observada na progressão do
p. 98
conteúdo e na organização dos parágrafos.”

Quantidade de
Reflexão sobre o processo de composição textual:
incidência que o
autoanálise
código teve: 27
“Implica refletir sobre o texto escrito; por isso, o aluno-autor
estuda o texto exemplar, passa pela reflexão do processo de
T04
composição textual e depois analisa sua produção inicial,
p.204
apontando o que está adequado e o que precisa ser melhorado”.
“Os conteúdos foram ensinados e a produção escrita mediada,
levando os discentes a refletir sobre a própria produção escrita,
a comparar diferentes gêneros textuais, a interpretar textos
D24
pensando suas condições de produção, circulação e recepção e, do
p.85
mesmo modo, considerando a função social dos textos que leem
e produzem”.
“As propostas e estratégias de atividades com a produção textual
realizadas pelas professoras possibilitavam a sistematização
das etapas do processo de escrita proporcionando aos alunos
momentos de geração e seleção de ideias, revisão e reflexão sobre D32
o texto com o auxílio de suas intervenções e incentivos aos alunos p. 90/91
a refletirem sobre seus textos de forma autônoma antes,
durante e depois da atividade”.
Fonte: Elaborado pela pesquisadora

No quadro 1 foi possível identificar que a categoria “reflexão sobre o


processo de composição textual: auto análise” apresentou 27 incidências
como contribuição das aulas de produção textual para os estudantes,
intimamente ligada a categoria “melhoria da estrutura textual dos
estudantes” explicitada em 26 incidências.
A elaboração textual é uma prática alicerçada na relação autor-texto-
sociedade, portanto, elemento dinâmico e em permanente transformação.
Por conseguinte, suscetível a reflexões que encontram espaço nas questões
estruturais e de composição textuais. Quando expostos a atividades que
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 66


evidenciam a PT como prática social e se experiencia o contato com
diferentes gêneros textuais, o estudante é munido de ferramentas que o
possibilita transformar os saberes linguísticos constituído em eficientes
mecanismos de comunicação que lhe permite refletir sobre as condições de
produção, circulação e recepção de um texto. Dessa forma, aprimora seu
repertório e compreende satisfatoriamente a variação lexical que compõe
o corpo textual dos diferentes gêneros. Soma-se, o entendimento que
obtêm sobre a função desempenhada dentro de uma oração (sintática) e as
tipologias que abrigam variados gêneros. Temos em Marcuschi (2008, p.
154) que: “quando dominamos um gênero textual, não dominamos uma
forma linguística e sim uma forma de realizar linguisticamente objetivos
específicos em situações sociais particulares”.
Nessa perspectiva, ocorre a melhoria da estrutura textual. O estudante
passa a articular com maior propriedade a conexão entre as ideias (coesão),
o conjunto de mecanismos usados para que o texto faça sentido (coerência),
o propósito, ou seja, a intenção daquilo que se pretende expressar
(intencionalidade), a pensar na relação com o leitor (aceitabilidade), as
pertinências do texto em um contexto (situacionalidade), comunicação
estabelecida com outros textos (intertextualidade) e a imprevisibilidade de
algumas informações (informatividade); podendo analisar sua própria obra
em busca de melhorias.
É preciso, portanto, a volta do estudante ao texto. Será nessa volta
ao texto que se delimita os conhecimentos adquiridos e as dificuldades
dos aprendizes em suas produções. Escrever, caracteriza-se como um ato
constante de reescrever. Dolz (2001, p. 62) “o ensino da escrita exige que se
leve em conta as produções escritas intermediárias, sendo que a identificação
dos erros para melhorar o texto e a reescrita de trechos particulares são os dois
principais procedimentos de autoavaliação”. Há, assim, algumas estratégias
das quais o professor pode lançar mão: a) leitura coletiva da produção
escrita e discussão em grupos sobre o exposto; b) releitura e subgrupos
partindo de orientações do professor; c) revisão e releitura com auxílio de
um texto modelo de mesmo gênero; d) procedimentos de autocorreção; e)
revisão cruzada entre pares.
Para além do código anterior, outro código que revelou maior incidência
e semelhança nas considerações finais das teses e dissertações refere-se à
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 67


“contribuição da produção textual para os docentes”. No quadro 2 são
apresentadas as categorias que foram criadas a partir do código analisado.

Quadro 2 - Alguns dos resultados explicitados nas pesquisas para justificar o código contribuição para os
docentes

TESE E
CATEGORIAS
DISSERTAÇÕES
Quantidade de
Instrumento de formação cidadã incidência que o
código teve: 8
O aluno que consegue se posicionar por meio do seu discurso
escrito é alguém que terá mais condições de contribuir para sua D08
formação pessoal e da comunidade na qual convive. p. 15
“O único a existir: uma sociedade em que a escrita é possível
a todos, em que tenhamos cidadãos críticos, sujeitos e não
D17
assujeitados; uma sociedade progredindo e a caminho de
p. 72
proporcionar oportunidades iguais para todos”.
“Contribuiu para a formação crítica e cidadã desses jovens, uma
vez que puderam experimentar o uso da escrita em uma função social
real, legitimada pela mídia impressa, tornando-se protagonistas do D56
processo ensino-aprendizagem, já que a escrita desenvolvida por p. 114
eles teve utilização real no espaço escolar.”
Quantidade de
Possibilidade de percepção dos erros e dificuldades incidência que o
código teve: 5
“O trabalho com sequências didáticas, por conseguinte, contribui
inegavelmente para a melhoria da aprendizagem do aluno, já que,
por meio delas, o professor pode gradativamente verificar as
D37
dificuldades de sua turma e saná-las à medida que vão surgindo,
além de dinamizar todo o ensino”.
“O desenvolvimento de sequência didáticas no contexto escolar,
primeiro, porque elas facilitam a aprendizagem do aluno,
depois, porque propiciam-lhe uma série de mecanismos para
o aprimoramento do conhecimento, colocando em prática o
protagonismo e, por último, por permitirem ao professor um D37
acompanhamento sistemático do que o aluno aprendeu e do
que ainda precisa ser ensinado. O ensino da escrita, sobretudo,
precisa da sistematização promovida pelas sequências para que, de
fato, tenha uma perspectiva sociointeracionista”.
Fonte: Elaborado pela pesquisadora
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 68


No quadro 2 foi possível identificar que a categoria “instrumento de
formação cidadã” apresentou 08 incidências a partir dos conteúdos das
considerações finais que envolviam as contribuições das aulas de produção
textual. Já, em relação, a categoria “possibilidade de percepção dos erros
e dificuldades” 05 incidências emergiram. Esses dados revelam que, no
que toca aos profissionais atuantes com a língua materna, as contribuições
não são tão evidentes. Isso, em embargo, não descaracteriza a importância
de uma análise e nos norteia quanto ao maior aproveitamento que os
educadores podem lançar mão das aulas de produção de texto para
aperfeiçoar a capacidade escritora dos seus discentes e outras competências
inerentes a ser, de fato, cidadão e não indivíduo assujeitado.
Como mencionado, a elaboração textual é construção social. Sendo
assim, ao trabalhá-la de forma dialógica (autor-texto-sociedade) fica-se face
a face a “um sujeito que pensa e que tenta incorporar a seus próprios saberes
esse maravilhoso meio de representar e recriar a língua que é a escrita, todas
as escritas” (Ferreiro, 2012, p. 37). As produções textuais, sem exclusão de
nenhum gênero, incorporadas no cotidiano escolar e social do educando,
permite-lhe explorar, analisar, criar e recriar a própria realidade. No exercício
desse fazer social, amplia-se a capacidade analítica e crítica da realidade, o
que colabora para a formação de cidadãos atuantes, críticos e reflexivos.
É possível, portanto, pensar na autonomia de estudantes conscientes de,
pela escrita e não só por intermédio dela, interferirem na realidade social;
transformando-a.
Outra contribuição substancial, diz respeito à possibilidade de
percepção de erros e dificuldades, ou seja, o “caminho das pedras” para
a formação dos sujeitos autônomos e críticos. Quando o professor
acompanha o desenvolvimento da produção textual, vai agrupando pistas
que o levará às dificuldades que ancora o educando em seu processo de
ensino e aprendizagem e, por consequência, impele-o a criar estratégias
que revertam essa situação. A atenção que o docente dá para as pistas que
sobressaltam aos olhos no momento da produção e intervenção, torna-se
a chave para o sucesso do educando e, consequentemente, da escola e seus
processos educativos. Cabe, portanto, ao professor ser consciente de seu
papel de mediador no desenvolvimento da capacidade escritora para usar
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 69


estrategicamente essas pistas e fazer delas, oportunidade para a formação
de cidadãos críticos, autônomos e reflexivos. Por isso, o trabalho com a
língua deve ser planejado e desenvolvido por intermédio de estratégias de
intervenção organizadas, as chamadas sequências didáticas.

Esse dispositivo propõe um modelo de organização das atividades que reúne


diversos conteúdos referentes aos principais problemas de escrita observados
em produção inicial. Cada sequência propõe uma série de ateliers de trabalho
em função do obstáculo selecionado, sendo que esse caráter modular permite a
diferenciação entre os grupos de alunos dentro de um grupo. No conjunto de
de várias aulas, cada sequência didática alterna atividades referentes às situações
de comunicação (...) mas todas elas estando situadas no quadro de um projeto
comunicativo. (DOLZ, 2001, p. 66)

No quadro 3, o código “implicações referente aos docentes” constam


as categorias que foram criadas a partir do código analisado.

Quadro 3 - Alguns dos resultados explicitados nas pesquisas para justificar o código implicações para os
docentes
Quantidade de
Professor precisa repensar seu perfil e sua prática incidência que o
código teve: 27
“Não mais o professor como apenas corretor, avaliador,
detentor dos mistérios da escrita, mas o professor como
D01
mediador da relação aluno/escrita, aluno/conhecimento, um
p. 75
professor que ensina a escrever…”
“(...) papel centralizador que o professor assume em sala
T09
de aula, decorrente de um ensino tradicional baseado na
P. 238
hierarquia que persiste ainda hoje”.
“Precisam chegar aos professores que ainda não mudaram
suas práticas, pois alguns ainda apresentam dificuldades
48
de mediação adequada no que se refere às situações de
p. 114
produção”.
Quantidade de
Produção de texto não é vista como prática social incidência que o
código teve: 25
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 70


“Construir uma política de ensino de língua que afaste da sala de
aula a noção de língua como estrutura e que fomente a realização,
o estudo e a compreensão de práticas de leitura e produção
de textos pautadas no fundamento de que a enunciação
ocorre em contextos culturais específicos, mobilizando
T06
sujeitos e seus saberes numa relação interlocutiva cujo
p. 288
foco é a construção intersubjetiva, contextualmente situada e
motivada, de compreensões.”
“A prática de produção textual escrita nas escolas resume-
se à redação escolar, o que contraria a visão pedagógica dos
PCNLP (BRASIL, 1998) de como trabalhar a modalidade
D06
escrita da língua. Ou seja, escreve-se sem um propósito,
p. 7
consequentemente, a escrita não aponta para uma prática
social como poderia ser.”
“As propostas de produção explicitam circunstâncias de escrita
artificial, fora de um processo interlocutivo, não permitindo,
por meio da linguagem, a relação entre os sujeitos. O que D16
descaracteriza a escrita enquanto prática social, anulando p. 93
assim seu caráter discursivo”.
Fonte: Elaborado pela pesquisadora

No quadro 3 é possível identificar a categoria “professor precisa


repensar seu perfil e sua prática”, apresentou 25 incidências e “produção
de texto não vista como prática social” somam-se 25, como explicativos do
código implicação da PT para os docentes. O segundo, opõem-se a ideia
de produção textual como prática social, ou seja, que “a linguagem é, ao
mesmo tempo, o principal produto da cultura, e é o principal instrumento
para sua transmissão” (Soares, 1989, p.16). Ignorar a PT sob esta
perspectiva é negligenciar um direito de todos os educandos: cidadania. A
escola distancia-se do que inculca, a de ser uma instituição que promove a
igualdade e a superação do preconceito. Também contribui para aumentar
a hostilidade em relação ao exercício da escrita, afinal, os estudantes não
veem qualquer relação com suas realidades, reforçando a inatividade de sua
participação no cenário social e escolar.
A desconexão da língua, especialmente, da capacidade escritora,
encontra salvaguarda no posicionamento de alguns professores que não
exercem a postura mediadora; adotando uma postura de passividade
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 71


frente a produção de texto e sua natureza social. Aos alunos, nessa
circunstância, é dada a tarefa de escrever um texto pelo exercício da escrita,
visando a atribuição de nota ou a higienização do texto - as intervenções
gramatiqueiras. A análise permite-nos perceber que no quadro do magistério
há profissionais que, ainda, assumem um papel centralizador em sala de
aula, herança de um ensino tradicional e baseado na hierarquia. Seu papel,
portanto, é o de quem avalia, corrige e pune.
No desenvolvimento da competência escritora é a mediação
realizada pelo professor no processo de produção textual, incluindo os
direcionamentos que faz na reescrita, que o aluno poderá ter o domínio
sobre sua expressão escrita, refletindo-a e ajustando até o ponto adequado,
por meio de intervenções que o façam pensar e de orientações e diálogos
entre ele e o professor, entre ele e seu próprio texto, entre ele e a sociedade.
Será a intervenção mediadora do docente que alinhar-se-á ao aluno como
produtor de saber e disseminador do seu saber por interposto de seus textos.
Portanto, é indispensável que o profissional que atua com a produção de
texto repense seu perfil profissional e sua prática pedagógica deixando de
lado seu posicionamento centralizador e de detentor do conhecimento.

Quadro 4 - Alguns dos resultados explicitados nas pesquisas para justificar o código implicações para os
discentes
Quantidade
Produção de texto centrada na norma padrão de incidência que o
código teve: 23
“Assim, o ensino da escrita não deve (e não pode) se limitar à
prática de grafar palavras como um treinamento para se chegar D37
à norma culta da linguagem. O ensino da escrita vai muito além. p.98
“A metodologia de ensino fundamentada em classificações
e descrições gramaticais não é capaz de fazer com que os
D38
alunos acessem e dominem os recursos linguísticos de
maneira satisfatória. É preciso ir além” p. 154
“Para esses alunos, a produção escrita é representada como
um lugar de vigilância de normas gramaticais e não como
um enunciado produzido para atender a propósitos específicos D54
situados em um determinado contexto social e cultural em uma p.117
relação dialógica com diferentes enunciados
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 72


Quantidade de
Produção de texto unicamente como prática avaliativa incidência que o
código teve: 17
“Importante salientar que o ensino não deve ser planejado e
pensado para uma avaliação, e sim para a vida do aluno, para
torná-lo capaz de crescer enquanto cidadão, e ser verdadeiramente
proficiente em sua língua materna, usando-a para alcançar seus T01
objetivos comunicativos – pessoais, profissionais e sociais.” p. 206
“Escrever na escola nem sempre se apresenta aos alunos
como convite e sim como tarefa, como forma de avaliar, de
controlar os pormenores que o aluno sabe, ou melhor, sabe D01
da escrita. Sob o signo do não, os erros são destacados e os p. 55/56
acertos, esquecidos”.
“Vale ressaltar que não só a escrita como dom ficou em
evidência, mas também a escrita como consequência e, essa é
uma produção realizada pelo aluno que será feita para a escola e D12
lida somente pelo professor com um único fim que é a nota
dada por esse educador”.
Fonte: Elaborado pela pesquisadora

O quadro 4, sob o código implicações da produção de texto para os


discentes, traz a categoria “produção de texto centrado na norma padrão”
com 23 incidências e a “produção de texto unicamente como prática
avaliativa”, 17 incidências. As categorias que emergiram nesse quadro
concatenam com as do quadro anterior, dado que a produção escrita
como prática social permeia a relação entre os sujeitos desse processo:
professor e aluno. Sendo que as ações do primeiro direcionam e impactam
no do segundo. Anteriormente, citou-se que o docente assume um papel
centralizador de transmitir e avaliar o que foi por ele exposto; o ensino é
planejado e pensado para uma avaliação.
A produção, percebida por esse ângulo, é realizada pelo aluno que será
feita para a escola e lida somente pelo professor que utilizará esse critério
para que os estudantes escrevam. Recai-se sob a mesma problemática
delineada em outro momento dessa pesquisa, a de que não há delimitação
de um objetivo concreto para elaboração de textos. Não há reverberação,
portanto, da prática social nas produções dos discentes, já que não veem
sentido naquilo que escrevem. Fica, dessa forma, subentendido que o
objetivo principal, ou único, da produção textual é a avaliação do professor.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 73


Um elemento que ganha notoriedade na implicação mencionada, é
a norma padrão. Sob o prisma das implicações referidas, o aluno só vai
aprender com a indicação ou resolução do erro gramatical; assim, reverencia-
se a norma padrão. Caminhar nessa direção obstrui o alcance por parte dos
estudantes de embrenhar-se nas práticas escritoras como senhor daquilo
que se diz e para quem se diz, é resguardar o direito a autonomia daqueles
a quem a escola diz querer emancipar e instrumentalizar para o exercício
dos seus direitos e, consciência dos seus deveres.

Considerações finais

Este capítulo teve como objetivo mapear e analisar as contribuições


e implicações das pesquisas científicas, dissertações e teses, durante o
período de 2013 a 2018 com vistas a compreender o que as investigações
têm revelado sobre a prática da produção de texto no Ensino Fundamental
e Médio.
A partir das categorias que emergiram das considerações finais das teses
e dissertações foi possível identificar contribuições para o desenvolvimento
da capacidade escritora dos estudantes e para a prática do educador, sendo
que para o primeiro contribui: a) reflexão sobre o processo de composição
textual: auto análise e b) melhoria da estrutura textual. Já para o segundo,
as contribuições se dão como: a) instrumento de formação cidadã e
b) possibilidade de percepção dos erros e dificuldades. Em relação às
implicações, emergem as categorias diretamente ligadas aos docentes: a)
professor precisa repensar seu perfil e sua prática e b) produção de texto
não vista como prática social. Para os discentes, as implicações centram-se
em: a) produção de texto centrada na norma padrão e b) produção de texto
unicamente como prática avaliativa.
Ao assumir o texto como unidade de ensino relacionado à prática de
caráter social e como mecanismo de dominação, refletir sobre seu processo
de composição, não apenas no âmbito do conhecimento normativo, mas
também no campo da textualidade; torna-se vital. A exploração orientada
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 74


de um determinado gênero discursivo pode permitir o avanço dos alunos
na prática da escrita em diversas situações comunicativas, guarnecendo-o
de alternativas para melhorar a linguagem, aprimorando o que ele mesmo
produziu.
Identificou-se também, a partir da análise dos dados, que ao serem os
conteúdos ensinados e a produção escrita mediada, os discentes são levados
a refletir sobre a própria produção escrita, visto que, sabem comparar
diferentes gêneros textuais, interpretar textos pensando nas condições de
produção, circulação e recepção, ou seja, possibilita ao aluno uma atitude
responsiva, ocorrendo, assim, a comunicação discursiva.
Essa oportunidade de refletir sobre os textos de outrem e os seus
próprios, sistematiza etapas do processo de escrita, proporcionando aos
discentes momentos de geração e seleção de ideias, incentivo e busca pela
ampliação do conhecimento. O aluno passa a ver a escrita como processo de
produção textual composta por sucessivas versões a serem lidas e reescritas,
ou seja, o texto é entendido não como fruto de inspiração ou dom, mas
como ação pautada no planejamento. Além disso, possibilita o trabalho de
leitura e interação. Nesse processo, a estruturação dos textos dos discentes
tornam-se mais elaboradas, porque na mediação que o educador faz,
percebe os erros e as dificuldades conseguindo atuar de forma gradativa e
eficiente no preenchimento dessas lacunas educacionais.
As pesquisas mencionam que o aluno que consegue se posicionar por
meio do discurso escrito terá condições de contribuir para sua formação
pessoal e da comunidade na qual vive, pois, exercita, nessa perspectiva,
sua capacidade crítica e analítica da realidade. Para que essa autonomia do
educando seja garantida, há que o profissional da educação atuar de forma
mediadora.
Infelizmente, trouxeram como implicação ao processo de PT - a falta
de mediação por parte do professor no desenvolvimento da capacidade
escritora, arraigada nas práticas tradicionais que o concebiam como
detentor do saber e, portanto, aquele que avalia, corrige, vigia e pune.
Será no processo de intervenção que o docente subsidiará o aluno para
que consiga participar das atividades e consolide uma escrita autônoma.
Assim, o professor deve se comprometer em observar com atenção a
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 75


dificuldade de escrita dos alunos, analisando-as, a fim conseguir gerir a
busca por autonomia e autenticidade, no contínuo percurso de construção e
reconstrução de sentido do texto do aluno, tornando-o escritor proficiente.
Reforça-se, portanto, que a prática de produção textual não pode ser vista
como mera produção escolar, ou seja, sem propósito.
As pesquisas realizadas evidenciaram que é necessário repensar o
trabalho com a norma padrão em sala de aula, a fim de se descobrir como
torná-la mais natural e menos artificial aos alunos. Repensar esse aspecto
é repensar a avaliação que privilegia massivamente essa prática. Essas
mudanças, impõe diante do professor alguns desafios a serem superados
para que de fato possamos, por intermédio da linguagem escrita, viabilizar
o exercício da cidadania e o alicerçamento do conhecimento para além dos
muros da escola como ferramenta para se repensar as estruturas sociais da
realidade de cada instituição educacional: reconhecer vivências culturais
dos alunos como matéria-prima para o trabalho com o texto, de modo a
construir projetos de trabalho que insiram práticas autênticas que preparem
para a participação nas múltiplas esferas sociais. E, centra-se na mediação
apropriada da escrita com compreensão da função social e dos mecanismos
que a estruturam.

Referências

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SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 76


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SOARES, M. 1989. Linguagem e escola na perspectiva social. 7ª ed. São Paulo, Série
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dx.doi.org/10.7213/dialogo.educ.14.041.DS08 
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 77


https://doi.org/10.52788/9786599282492-1.4 CAPÍTULO 4

Produção textual, gênero e ensino:


implicações sociais e educacionais

Kathia Maria Barros Leite

Introdução

O ser humano sempre buscou compreender e desvendar os mistérios


da língua e da linguagem, bem como dos seus interlocutores. Desde
Saussure até os dias atuais, discutem-se formas de caracterizar a linguagem,
mas em vão, pois sua inconstância, sua vivacidade não dão a ela esse valor
de homogênea. A linguagem é uma atividade humana; é ela que permite
ao homem viver em sociedade; é a partir dela que o ser humano pensa e
age, estabelecendo-se psicologicamente e socialmente dentro da sociedade.
Por isso, não podemos considerar a linguagem como um simples tratado
de regras, dando a ela características individuais, restritas e estáticas como
pensam alguns professores, algumas escolas e o senso comum.
Bakhtin (2009) agregou aos estudos linguísticos o valor social da
língua sua discussão sobre linguagem partiu de um ideal marxista que
estuda a linguagem, levando em conta a historicidade, os sujeitos e o social.
Para Bakhtin, o sujeito só se mostra na alteridade, não é um só;
não falamos o que estamos necessariamente falando, falamos verdades e
mentiras, falamos o que está inserido num determinado contexto. Sendo
assim, enfatizamos que o centro organizador de toda expressão não é
interior, mas exterior: está situado no meio social que envolve o sujeito
(BAKHTIN, 2009 p. 125).
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 78


Na realidade, não são palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas verdades ou
mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis
etc. A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico
ou vivencial. É assim que compreendemos as palavras e só reagimos àquelas que
despertam em nós ressonâncias ideológicas ou concernentes à vida (BAKHTIN,
2009, p. 98).

Bakhtin possui um olhar heterogêneo, dialógico e social. Para


ele, a importância da linguagem está no diálogo, direto ou indireto,
na incompletude do espaço discursivo criado entre os interlocutores,
dependente, nesse caso, das relações sociais e das condições de interação de
forma ininterrupta. Afirma esse autor: a língua vive e evolui historicamente
na comunicação verbal concreta (BAKHTIN, 2009 p. 128).
A linguagem, desta forma, ocorre a partir das relações sociais e
compreendê-la só poderá ser feito de acordo com os contextos empregados,
a partir da significação e das ressignificações existentes. Essas ressignificações
representam, assim, o painel das mudanças sociais. É a palavra dita em
determinado enunciado que sai montando o painel das coisas mais efêmeras
da vida de um modo único, a depender do processo de emprego e da
compreensão que está sendo utilizada e para quem foi endereçada. Nesse
sentido, como linguistas aplicados enfatizamos a linguagem só se realiza
no processo de compreensão e sem ela, infelizmente, a reponsabilidade
ativa do discurso não irá se manifestar, não na forma como ela de fato deve
vir: clara, objetiva e com sentido. Em Bakhtin, podemos ver claramente
essa responsabilidade que o sujeito possui com a enunciação, quando ele
afirma:

Compreender é pôr à palavra do locutor uma contra palavra. É por isso que não
faz sentido dizer que a significação pertence a uma palavra enquanto tal. Na
verdade, a significação pertence a uma palavra enquanto traço de união entre
os interlocutores, isto é, ela só se realiza no processo de compreensão ativa e
responsiva (BAKHTIN, 2009, p. 152).

Essa compreensão estende-se ao campo do texto escrito quando Bakhtin


eleva o conceito de enunciação, dissociando-o apenas da fala. Nesse sentido,
ele defende que “toda enunciação, mesmo na forma imobilizada da escrita,
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PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 79


é uma resposta a alguma coisa” (BAKHTIN, 2009, p. 101). Por isso, que
a língua escrita não deve ser dissociada dessa responsividade ativa; muito
pelo contrário, a manifestação escrita é também objeto de estudo, uma vez
que Bakhtin (2009, p. 101) afirma: “toda inscrição prolonga aquelas que
precederam, trava uma polêmica com elas, conta com as reações ativas de
compreensão, antecipa-as”. Embora as várias pesquisas sobre os estudos
linguísticos tivessem deixado de lado os estudos da forma escrita, Bakhtin
os retoma, ao defender a ideia de que

Toda transmissão, particularmente sob forma escrita, tem seu fim específico:
narrativas, processos legais, polêmica científica etc. e que a transmissão leva
em conta uma terceira pessoa – a pessoa a quem estão sendo transmitidas as
enunciações citadas (BAKHTIN, 2009, p. 152).

O que desejo fazer neste breve artigo, é mostrar como o estudo sobre
a linguagem na perspectiva dialógica, insere também um estudo sobre
as concepções de gêneros, ou seja, “uma inscrição, é produzida para ser
compreendida, é orientada para uma leitura no contexto da vida científica
ou da realidade literária do momento, isto é, no contexto do processo
ideológico do qual ela é parte integrante” (BAKHTIN, 2009, p. 101).
Defendendo a produção de texto em uma perspectiva dialógica, é
preciso entender que ninguém escreve para nada e para ninguém. Isso o
autor já deixa claro, quando afirma:

O ato de fala impresso constitui igualmente um elemento da comunicação


verbal. Ele é objeto de discussões ativas em forma de diálogo e, além disso, é feito
para ser apreendido de maneira ativa, para ser estudado a fundo, comentado e
criticado no quadro do discurso interior (BAKHTIN, 2009, p. 152).

Considerando que a necessidade de estudar os gêneros escritos, a


produção de texto, é justamente pelo fato de esta estar numa esfera escolar
de escape, na medida em que o professor diz: “faça uma redação”, para
encerrar a aula; “faça um comentário sobre o filme”, entre tantas outras
solicitações. Considerando que ao docente de língua portuguesa é exigido
a produção de textos, este por vezes, precisa atentar-se de que tudo que é
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PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 80


escrito deve ser lido, compreendido e, se possível, divulgado, pois só a partir
dessa compreensão é que os enunciados podem gerar refrações capazes de
interferir no gênero, na escolha de palavras etc. Bakhtin (2009, p. 152) diz
que o discurso escrito é de certa maneira parte integrante de uma discussão
ideológica em grande escala: ele responde a alguma coisa, refuta, confirma,
antecipa as respostas e objeções potenciais, procura apoio etc.
Nesse sentido, é preciso ver o ensino de produção de texto como
um sistema em evolução, concreto e vivo que se estabelece a partir da
interação social e que se revela a partir da palavra (discurso). Dessa forma,
mesmo que este outro não esteja no momento da interação e revele-se no
texto escrito ou nos gêneros individuais, sempre haverá um “outro” que
responsivamente (BAKHTIN, 2003, p. 289) deixará envolver-se por este
ou aquele discurso repetido em seus desejos. Isso culminará na adesão de
um ou outro discurso, ou na defesa de um ou outro ethos.

Gêneros e perspectiva social em sala de aula

O estudo de produção de texto, gênero e ensino sempre foi uma


preocupação para professores de língua portuguesa e para estudiosos da
língua materna; no entanto, durante décadas, esses estudos tomaram o
texto como algo secundário à vida do aluno e do professor, de forma que
ele foi isolado das relações sociais e do contexto histórico e político em que
os sujeitos estavam envolvidos. Somente a partir dos estudos dos gêneros,
sob à luz da teoria bakhtiniana, é que foi possível construir um caminho
para o estudo de gêneros em sala de aula que fosse pautado no contexto
imediato.
Bakhtin reflete sobre o fato ao afirmar que todos os campos da
atividade humana estão ligados ao uso da linguagem (BAKHTIN, 2006,
p. 261); ele também afirma que, embora os enunciados sejam particulares
e individuais, eles são relativamente estáveis; a essa estabilidade o autor
denomina de gêneros discursivos. É importante dizer que Bakhtin não
retira da língua a sua manifestação individual; pelo contrário, ele a reforça
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PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 81


e mostra que essa individualidade é o que determina o uso de determinados
gêneros a partir das condições de comunicação discursiva.
Para Bakhtin, a constituição dos gêneros é infinita, porque são
inesgotáveis as atividades humanas. Devido a esse fato, os repertórios dos
gêneros do discursos tendem a desenvolver-se de forma contínua; eles se
complexificam na medida em que se desenvolvem em um determinado
campo. Os gêneros discursivos foram divididos por Bakhtin (2006, p.
263) como gêneros primários e secundários; a diferença entre esses tipos
de gêneros – primários (simples) e secundários (complexos) – é extrema
para Bakhtin; não é, segundo o autor, apenas uma diferença funcional. De
acordo com Bakhtin (2006, p. 263), é necessário que se faça uma análise
do enunciado para que se possa definir sua natureza, pois é a partir do
estudo do enunciado que se dará o estudo dessa natureza e da diversidade
dos gêneros, de forma a se levar em conta a formação histórica; esta será
determinante para que exista reciprocidade entre a linguagem e a ideologia.
Bakhtin (2006, p. 264) considera que os gêneros secundários são
formados a partir de reelaborações dos primários os quais se formam a
partir de um contexto imediato. Para fins de classificação de um gênero
discursivo, faz-se necessário que sejam considerados alguns aspectos
definidos por Bakhtin: conteúdo temático (assunto), plano composicional
(estrutura formal) e estilo (leva em conta a forma individual de escrever;
vocabulário, composição frasal e gramatical). Essas características estão
totalmente relacionadas entre si e são determinadas em função das
especificidades de cada esfera de comunicação, principalmente, devido a
sua construção composicional
A relevância dessa classificação sobre gêneros discursivos para este
estudo, é que somente a partir da compreensão discursiva dos gêneros, pela
perspectiva bakhtiniana, foi que o ensino de texto obteve sua materialidade
discursiva. Compreendemos que estudar as concepções de produção de
texto a partir da teoria de Bakhtin não só amplia o estudo de textos, como
também aprimora a capacidade de recepção. É imprescindível deixar claro
que os textos são materialidade da linguagem em uso e, dessa forma, possuem
determinadas funções sociais estabelecidas por contextos histórico-sociais,
de maneira a exercerem influência direta sobre os indivíduos que convivem
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PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 82


dentro desses grupos, ao lhes incutir valores, significados, proibições e
permissões.
Numa tentativa de modificar uma ideia ultrapassada de produção de
texto, surge, na década de 1980 e 1990, um novo “modelo” – a produção
textual. Este, por sua vez, surge, como afirma Bunzen (2006, p. 148),
bombardeando os professores ora já habituados com os exercícios de
redação; no entanto, esse não seria, ainda, um avanço, uma vez que, para
Geraldi (1998 apud Bunzen, 2006, p. 148), a troca remeteria não apenas à
terminologia, mas à busca de estudos sobre as situações de produção.
A partir dos estudos de Dolz (1996), Bronckart (1996), Costa Val
(1998), esses estudos começaram a desenvolver-se, e, pela frustração,
surgiram novos caminhos: “os gêneros textuais” na perspectiva da linguística
de texto. Estes surgiram como proposta dos PCNs (Parâmetros Curriculares
Nacionais), em 1998, e, a partir daí, vieram as recomendações para que as
aulas de língua portuguesa fossem elaboradas de acordo com os gêneros e
suas características.
Com a expansão dos estudos sobre gêneros textuais, as escolas, por
intermédio de seus professores, começaram a embarcar em uma fase
de conceitualização nas aulas de produção textual. Com o pensamento
de envolver os alunos em um novo modelo de aulas, alguns professores
têm investido em aperfeiçoamentos; no entanto, Lopes-Rossi (2002, p.
64) afirma que esses tipos de trabalho pedagógico com gêneros textuais,
embora divulgados, ainda são bem restritos, e que, apesar do interesse dos
professores, diz essa autora, faltam a fundamentação teórica e exemplos
práticos para os professores que veem o uso de gêneros como um fator
determinante, a fim de que as aulas de produçao de texto sejam de fato
efetivas.
Mesmo com esse escasso número de professores que tentam manifestar
algumas mudanças em seus métodos de ensino-aprendizagem, um ponto
positivo se apresenta, segundo Lopes-Rossi: houve uma satisfação com
os resultados tanto para os professores que passaram a contar com a
participação dos alunos em sala, quanto para os alunos que se sentiram
mais motivados e interessados nos projetos propostos pela escola e pelos
professores.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 83


Nesse sentido, o que nos motiva falar sobre os gêneros textuais para a
produção de texto é a forma como eles agem sobre os alunos, dando-lhes
autonomia e segurança para lidar com as diversas situações do dia a dia,
conforme é visto no resultado da pesquisa feita em Genebra que afirma:

Os méritos de trabalhar com os Gêneros discursivos é o fato de proporcionar


o desenvolvimento da autonomia do aluno no processo de leitura e produção
textual como consequência do domínio do funcionamento da linguagem em
situações de comunicação, uma vez que é por meio dos gêneros discursivos que as
práticas da linguagem incorporam-se nas atividades dos alunos (LOPES-ROSSI,
2002, p. 64).

Com isso, alunos que, às vezes, não tinham participação ativa em


sala de aula e, agora, começam a se interessar, a ver com outros olhos as
concepções de escrita, já que, muitos, principalmente, do ensino médio,
não se acham capazes de produzir textos e acabam atropelando as próprias
ideias, e, consequentemente, não se sentem à vontade, em aulas de produção
textual.
Mas, essas dificuldades enfrentadas pelos alunos também são
enfrentadas pelos professores que se deparam, logo, com uma mudança
radical na sua forma de dar aulas (o trabalho com os gêneros textuais/
discursivos), e, depois, porque os livros didáticos oferecidos pelo governo
ou solicitados pelas escolas particulares não abordam esse tipo de trabalho.
Para Lopes-Rossi (2002, p. 64), há vários empecilhos que o livro didático
apresenta para a não execução e utilização dos gêneros textuais na escola,
de forma adequada; destacamos duas que são as mais influenciadoras: 1)
as atividades do livro didático são descontextualizadas, sem finalidade,
baseadas na invenção dos alunos ou inadequadas para a faixa etária; 2) o
contato que os alunos mantêm com os gêneros em estudo é mínimo; são
apresentados apenas fragmentos de textos ou nenhum exemplo do gênero
discursivo que o aluno deverá produzir em seguida.
Sendo assim, conclui-se que as atividades de produção textual,
na forma exposta acima, em vez de aproximar o aluno socialmente dos
diversos textos, sejam eles verbais ou não, afastam-nos, devido a um
modelo retrógrado e sem embasamento, dos quais o trabalho com gêneros
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 84


necessita. Antunes (2009, p. 102) alerta: sob o rótulo da redação, qualquer
um dos gêneros em circulação perde a sua especificidade e se conforma a
uma espécie de fórmula, de modelo, bitolado e artificial.
Essa dificuldade é retratada por Lopes-rossi (2002, p. 74), quando ela
diz: existe uma diversidade de gêneros textuais, mas nem todos são usados
na escola com valor pedagógico; esse fato é esclarecido quando Lopes-Rossi
(2002, p. 74) afirma não saber se esse fenômeno ocorre porque alguns
gêneros exigiriam situações de produção e de circulação social fora da sala
de aula ou se porque o professor julga conveniente priorizar, em certos
momentos, atividades de leitura.
O uso de gêneros textuais em sala de aula é limitado; ele fica resumido
em rótulos de produtos, bulas de remédio, propagandas de produtos,
propagandas políticas, etiquetas de roupas, manuais de instrução de
equipamentos, contrato, notas fiscais, e, se quisermos adentrar em atividade
de leitura e entretenimento, usamos poesia, romance, verbete de dicionário,
lendas, fábulas, cordel, adivinha, piada, letra de música, mapas e histórias
em quadrinhos. Salientamos que não devemos nos limitar a esses gêneros.
Mesmo sabendo que esses são os mais usados, devemos ir em busca de
textos verbais ou não verbais que sejam ricos em argumentos e, com eles,
construir projetos pedagógicos, com o fim de se abrirem horizontes até
então não enxergados ou ignorados.
Geraldi (1985, p. 24) contrapõe o ensino da produção de texto a
partir do binômio “escrever para a escola e escrever na escola”; isso porque,
em sala de aula, parece que se exclui da escrita o valor interacional sob qual
a língua é condicionada. Muitos textos esbarram no caminho do obsoleto
e isso implica dizer que as produções são vazias, inclusive de leitor. Sobre
isso, Geraldi (1985, p. 24) afirma:

Ora de um lado nega-se à escrita seu caráter interacional; de outro, nega-se o


real em diferentes níveis: o tempo da escola deixa de ser o tempo de vida para
se tornar preparação para a vida e nesta, os alunos convivem com adultos que
raramente escrevem.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 85


A escrita na escola passou a ser equivalente a fazer redação e produzir
textos e, assim, o uso de gêneros foi banalizado; é assim que propõe o
ensino de gêneros, apenas um molde que deve ser seguido, seja ele carta,
relatório, escrever comentários, fazer exposição entre outros. Desse
modo, são produtos iniciados e acabados, mas que faltam a ousadia, a
transgressão, a busca por uma necessidade de produção que não está
distante do produtor, ou seja, são a essência para os que usam no dia a dia
a língua como compartimento de interação; em muitos casos, é definido
até o engajamento político, social, religioso e profissional de cada um.
No entanto, nem tudo está perdido. Geraldi (1997, p. XXVII) afirma
que, se houve uma desestabilidade, houve também um “progresso”; assim,
ainda há a busca desse progresso que é um caminho inacabado, sendo
construído e reconstruído com busca de manifestações de autorias ora
veladas pelo pobre discurso escolar.
Nesse sentido, o autor diz “que se a crítica quer construção, é preciso
apontar caminhos. Isto leva a repensar o interior da crise da escola, a crise
do professor, expropriado não só do seu salário, mas também de suas
crenças e identidades” (GERALDI, 1997. p. XXVI).
É triste, porém verdadeiro, o que Geraldi (1997, p. XXVI) diz,
pois, aos professores, foi dado o “não discurso”. Eles ainda não têm essa
habilidade de falar todas as falas; elas já vêm de algumas instâncias como
jornais, estudiosos, estrangeiros. O não discurso revela essa expropriação,
esses vazios e a infeliz sensação de desvalia.
Por fim, é importante ressaltar que o ensino da produção de texto,
ou da escrita em sala de aula, vai além da composição, da redação e dos
gêneros. É um ensino que engloba uma prática escolar situada, aprendida na
interação e na dialogicidade da linguagem. Devem ser aulas que busquem
estratégias significativas que não fragmentem o ensino em leitura, produção
de texto e análise linguística. Esta tríade deve se unir para mostrar que a
língua é nada mais que a vida. Bunzen (2006) que diz as práticas de leitura
e produção de texto que fazem parte do cotidiano do aluno devem ser
legitimadas pela escola.
É importante ressaltar que os professores das redes públicas e
particulares estão se formando e se utilizando da teoria de Bakhtin sobre
língua e gêneros de texto, como foi dito. Esse auge do ensino de produção
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PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 86


de texto a partir de gêneros adveio do uso dos Parâmetros Curriculares
Nacionais ( PCNs) no ano de 1998 e início dos anos 2000. Os PCNs
ofereciam aos profissionais da educação inúmeras contribuições, pois
ressaltavam a importância de gêneros escritos, orais, e categorizavam esses
gêneros a partir de um contexto maior; no entanto, essa formalização
pouco atingiu os diversos níveis de ensino, uma vez que as formações
não mostram como fazê-lo na prática, ou seja, não oferecem sequências
didáticas concretas de como trabalhar, efetivamente, com os gêneros.

Produção de texto e o discurso do professor. Nessa perspectiva,


necessária se faz uma formação mais aprofundada sobre os gêneros e sua
ideologia do que apenas para a composição da forma. Exemplo de que isso
já faz parte dos discursos de alguns professores de língua é a resposta de
Luzia, ao ser interrogada sobre como resolver as dificuldades no ensino de
língua portuguesa. Ela afirma:

Trecho 1 – Entrevista feita durante o projeto de extensão

Pegar as coisas da comunidade, elencar e entregar como forma de sugestão


de conteúdos a serem discutidos e vinculados às disciplinas – em particular,
língua portuguesa – que fornece meios para a “escritura e fala” do que se
quer apontar, reclamar, mostrar, elogiar, exigir, criticar e reivindicar. Afinal,
domínio da língua implica emancipação pessoal/social.

A resposta de Luzia reforça que a professora detém um conhecimento


de língua como social; entretanto, ela vê o fenômeno como algo isolado e
distante do seu ambiente escolar. Assim, é possível observar que o processo
de produção de texto com vistas ao estudo de gêneros textuais e a concepção
de língua também proposta por Bakhtin não estão obsoletos no contexto
escolar; pelo contrário, estão vivos e determinam o processo de ensino-
aprendizagem de língua materna. Importa ressaltarmos, no entanto, que
esses conceitos ainda não estão consolidados como prática efetiva de sala de
aula; eles encontram-se misturados com diversas perspectivas da linguística
de texto.
Essa mistura de conceitos reflete-se em aulas apenas de estrutura de
gêneros, ou seja, textos repetidos que desconsideram os reflexos de autoria
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PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 87


do aluno. Para consolidar práticas de produção de texto efetivas em sala
de aula, é preciso que o professor compreenda que o texto, como objeto
de ensino, possui relevância histórica e social, pois é a partir da leitura
por diversas pessoas das produções textuais dos alunos que se realizam os
objetos de discussão de cada momento da história e da sociedade. Devido a
isso é que os estudos de gêneros como práticas sociais vêm ganhando espaço
no ambiente escolar, uma vez que os gêneros são ferramentas com as quais
é possível exercer uma ação linguística sobre a realidade, de modo que esta
interfira na ação dos usuários da língua como uma forma de participação
social, e possibilite aos sujeitos uma visão da realidade a partir das lutas de
classes.
Outro problema do ensino de língua portuguesa no Brasil foi a
fragmentação da disciplina ao longo dos anos; nesse sentido, ainda é possível
afirmar: não existe um ponto de equilíbrio; quer dizer, cada escola, cada
professor, cada estado, cada secretaria de educação define o que é ensinar
língua portuguesa e, consequentemente, a produção de texto. Isso resulta
em uma falta de consenso sobre o ensino de língua materna no Brasil, uma
vez que o cerne maior da questão ainda se encontra de forma solta, sem
amarrar o que é preciso fazer para que a prática de produção de texto venha
a ser eficaz, para que o aluno aprenda, escreva e seja autor da sua produção;
e para que ele se reconheça como capaz para escrever determinados gêneros
textuais, dentro e fora da sala de aula. Essa indeterminação do como fazer
reflete situações de aulas “ideais” como discute Luzia.

Trecho 2 – Entrevista feita durante o projeto de extensão


As aulas de língua portuguesa onde houvesse espaço de tempo para leitura por
DILETANTISMO (alunos largados ao chão com almofadas, esteiras, jardim etc.),
confecção de cartazes, criação artística e registro teórico do que se fez para que
se tenha consciência do trabalho, enquanto projeto, processo, e finalização como
consequência. Acho que é quase “ideal”!

A parte do texto em negrito revela o desejo de Luzia em produzir aulas


com coisas diferentes, úteis aos alunos e professores, que se realizará a partir
de um processo com início, meio e fim; no entanto, esse registro grifado
pode mostrar que a professora ainda se prende a modelos tradicionais para
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 88


afirmar que o sucesso e a consciência do trabalho só ocorrerão mediante o
registro da teoria. Tal confusão entre a efetiva relação do poder ideológico,
histórico e social da escrita com apenas o ato de escrever se reflete também
nos alunos de Luzia. Esta pergunta aos seus alunos: quais são as suas
dificuldades na escrita? As respostas dadas confirmam a confusão entre
escrever como processo de autoria e escrever como reconhecimento de
alfabetização.

Trecho 3 – Relato de sala de aula – 25 de abril de 2014

Para a questão (3) que trata das dificuldades de escrita, as respostas foram em sua maioria:
“eu erro muito na hora de escrever a letra certa, nenhuma, é só copiar do quadro pro
caderno, nenhuma, minha letra é bonitinha, na hora de escrever as palavras com algumas
letras eu troco, é que eu escrevo se tremendo, eu escrevo muito ligeiro, eu gosto de
escrever, nem sempre consigo escrever as palavras que eu quero”.

Como é possível observar, os alunos de Luzia também não têm


uma definição clara do que é escrever, eles apenas valorizam a escritura
mecânica de erros e acertos, não são autorizados autores, sentem-se
alheios ao seu próprio texto. Luzia também relata sua falência frente a esse
desconhecimento.

Trecho 4– Relato de sala de aula – 25 de abril de 2014


O alunado não tem consciência do instrumento de poder que é a
LEITURA e a ESCRITA: pior, eu não tinha consciência de que eles
não tinham noção disso.
Após recolher os papelotes e lê-los em casa; me senti motivada, mas
me senti um tanto desapontada com o fato de eu não me dar conta da
“ignorância” minha e do alunado sobre o fato de ELES (não) saberem
que dominar a própria língua é se munir, entre outras coisas, de uma
arma contra a exploração, desinformação, vilipendiação. Além de poder
se encontrar na mesma língua o espaço de apreciação do sublime, pelo
diletantismo da arte (escrita), como é aqui o caso.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 89


Essa reflexão de Luzia confirma a falta de conhecimento do professor
sobre seu próprio aluno, algo que ele mesmo poderia descobrir se fizesse
da sua sala de aula lócus de pesquisa. Mediante o que foi observado,
confirmamos que os gêneros entram em sala de aula, mas, como afirma
Antunes (2009, p. 52), não representam a mudança, uma vez que são
mantidos os mesmos pressupostos teóricos (gramaticais); só que agora as
palavras e as frases para análise já não eram escolhidas ao acaso, mas eram
fragmentos de um determinado texto. Desse modo, na expressão de Lajolo
(apud Antunes 2009, p. 52), tais fragmentos serviam apenas de pretexto
para o reconhecimento e a classificação das unidades e de suas definições
morfossintáticas.
Enfim, podemos dizer que nada mudou e que é frustrante para os
professores lidarem com essa realidade de formação de professores que
exige “o novo”, mas que sempre se prende aos clássicos modelos estruturais
de produção de texto.
Como é esperado, as ideias sobre produção de texto parecem não
mudar e cristalizam-se nos manuais escolares e livros didáticos, de tal forma
a passarem ao aluno uma visão mecânica da língua. Compreendemos,
assim, que o ensino da produção de texto passa para o aluno uma ideia
de que ele “não sabe escrever” e, para o professor, uma ideia de que tem
que encontrar fórmulas mágicas para o ensino e correção dos textos, o que
apenas reforça os modelos redacionais tradicionais e despreza as práticas de
escritas não escolares dos alunos.
Nesse sentido, é triste afirmar que os professores, muitas vezes,
também não compreendem direito o porquê de tanto estudo e porque
nenhuma atitude é tomada; é como se o ensino continuasse aprisionado às
suas próprias leis e justificativas. Justificativas até de não se produzir texto.
Enfatizamos que muitos dos temas que se estudam na academia ainda são
novidades na escola, muitos professores ainda desconhecem essa relação de
linguagem e valores sociais que a academia quer dar ao ensino de língua
como uma prática social de interação dialógica.
Lopes-Rossi (2012, p. 220) reforça a ideia da falência das redações
escolares ao afirmar que as redações escolares são inadequadas por:
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 90


• Artificialidade das situações de produção, pois a redação na escola
não se configurava um texto autêntico, de efetiva circulação social;
• Descaracterização do aluno como sujeito no uso da linguagem;
• O aluno escrevia para cumprir uma tarefa, consequentemente,
• faltavam-lhe objetivos de escrita e um real leitor (exceto o professor);
• artificialidade dos temas propostos ou pouca possibilidade de
interesse dos alunos nesses temas;
• falta de etapas de planejamento, organização das ideias, revisão e
refacção do texto;
• atitude bastante comum do professor de comportar-se como
corretor do texto do aluno apenas no nível microestrutural (gramatical).
Assim, surgiram os desafios entre ensinar redação e produção escrita
focada em tipos de textos e em gêneros discursivos, pois como expõe
Lopes-Rossi (2012, p. 226) ninguém precisa escrever narração no dia a
dia, pode precisar relatar, narrar algo que ocorreu a depender do propósito
comunicativo da situação de interação. Por isso, esse tipo de ensino está
fadado ao fracasso: as atividades são limitadas e tornam-se repetitivas. Para
um ensino relevante de produção de texto, é preciso associar a pratica de
texto ao seu funcionamento e às circunstancias de produção e circulação.
Assim, o exercício redacional perde sua finalidade, primeiro porque
exclui a interação e o outro do contexto de produção, sendo utilizado apenas
para que o aluno mostre ao professor que sabe algo sobre determinado
tema ou assunto. Não tendo leitores reais, os alunos vivem a simulação
da escrita e, nesse caso, alguns nunca saem do estereótipo “eles não sabem
escrever”. Esse desafio, portanto, só poderá ser vencido quando os alunos
começarem a desenvolver-se escrevendo para leitores e situações reais, de
modo a abolirem, assim, as bandeiras da simulação e passarem a escrever
textos para contextos reais de interação.
É possível, dessa forma, observar a produção de texto por um novo
posicionamento? Bunzen (2006, p. 158) responde: “sugerimos que o
professor trabalhe com uma política de ensino de língua fortalecedora das
práticas sociais dos alunos em contextos culturais específicos, pois não
podemos negar o conflito intercultural que tem lugar na escola”.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 91


Assim, é preciso abrir espaços de produção os quais colaborem com as
necessidades de dizer o quê e a quem, onde e quando. Importa entendermos
que, por mais ingênuo que possa parecer produzir um texto (em qualquer
modalidade), é preciso que, como relaciona Geraldi (1986, p. 224):

a) se tenha o que dizer;


b) se tenha uma razão para dizer o que se tem a dizer;
c) se tenha para quem dizer o que se tem a dizer;
d) o locutor se constitua como tal enquanto sujeito que diz para
quem diz;
e) se escolham as estratégias para redizer (a) (b) (c) e (d).

O aluno deve assumir-se como locutor, sujeito que diz, e que o que é
dito é relevante. Nesse sentido, é que se configura uma escola preocupada
com a formação de um cidadão autônomo que busca uma interação pessoal
do texto com o seu produtor, e, assim, explorar a originalidade e a autoria
de um texto que não é obsoleto, mas que, pelo contrário, vive e pulsa.
A produção de texto escolar não deve ser vista como um não texto;
pelo contrário, ela deve ser parte do próprio processo de escrita, deve ser
primordial na instituição do lugar de interação. Nesse sentido, a produção
deve ir além da estrutura composicional e passar a possuir sentido.
Ressaltamos que o ensino de gêneros, segundo Bunzen (2006, p. 154 –
155), a partir dos PCNs é pautado pelos aspectos temáticos, composicionais
e estilísticos. Porém o autor ressalta:

Quando falamos em tomar os gêneros como objeto de ensino, estamos apostando


em um processo de ensino-aprendizagem de língua materna que permita ao
sujeito-aluno utilizar atividades de linguagem que “envolvam tanto capacidades
linguísticas ou linguístico-discursivas, como capacidades propriamente
discursivas, relacionadas à apreciação valorativa da situação comunicativa e
como, também, capacidades de ação em contexto.

Nessa perspectiva, é importante afirmar que os contextos devem


pautar-se de espontaneidades, isso porque é preciso compreender que a
escrita se pauta pelo desejo. Em um relato de Luzia, esta professora afirma:
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 92


Trecho 6 – Último relato de luzia após a observação
Com o passar do tempo, eu fui percebendo que o interesse dos alunos em relação à
leitura e à escrita tinha mudado um pouco, no sentido de se interessarem por isso, mas
o interesse sempre permanece atrelado aquilo que estava imbuído de sentido. Tinham as
escolhas próprias e queriam escrever.

A continuidade do projeto revela as vozes dos alunos a partir do


discurso de Luzia, a professora-participante. Ela observa que o uso de
produção de texto só obtém progresso se estiver imbuído de sentido, já que
os alunos tinham escolhas próprias (sobre os gêneros) e queriam escrever.
Isso confirma o que Bakhtin (2006, p. 53) reflete a respeito dos gêneros:

A vontade discursiva do falante se realiza antes de tudo na escolha de um certo


gênero do discurso. Essa escolha é determinada pela especificidade de um
dado campo da comunicação discursiva, por considerações semântico-objetais
(temáticas), pela situação concreta da comunicação discursiva, pela composição
pessoal de seus participantes.

Isso implica dizer que alunos e professores reconhecem a modalidade


escrita da língua como concreta e com finalidades específicas. Assim, o
aluno precisa tornar-se responsivo-ativo em relação ao seu texto e aos dos
colegas, só assim a produção de texto, antes estagnada e artificial, começa
a garantir uma interação e uma integração social entre língua e vida. O
aluno precisa saber que seu texto tem “valor”. Sobre isso, Luzia expõe:

Trecho 10 – Último relato de luzia após a observação


Acho que para os demais isso não é uma novidade, mas para mim, sim; porque a vivenciei.
Começaram a haver cobranças para que os textos fossem lidos e vigilâncias de alguns em
relação à escrita dos outros colegas, feita de forma mais colaborativa.

Trecho 11 – Último relato de luzia após a observação


Deve-se atrelar o ensino de língua escrita às diversas esferas da atividade social, sendo as
práticas discursivas que fazem uso do texto escrito, na esfera social, o ponto de partida e
de chegada. Pedagogicamente num movimento que vai da prática social para o conteúdo,
ressignificando temas e conteúdos no contexto, consequentemente valorado pela turma.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 93


Observando esses dois trechos, podemos responder à pergunta: qual
o conceito de produção de texto da professora-participante? A resposta
de Luzia durante o projeto é que ela, comparada aos outros professores,
sentia-se alheia a esses conceitos, categorizando-os como novidade, ou seja,
Luzia ainda não via em suas aulas o momento da reflexão do retorno.
Observemos que ela diz: “começando a haver cobranças para que o texto
fosse lido, vigilâncias em relação à escrita de outros colegas”, coisa que para
ela era incomum. Terminado o período de observação das aulas, Luzia
parece ter um conceito mais fundamentado sobre produção de texto, ao
sugerir uma prática de língua escrita que não fragmenta a língua e a vida
(BUNZEN, 2006, p. 150), de forma a legitimar os gêneros que fazem
parte da vida do aluno.
É importante afirmar que as práticas de escritas, as utilizações dos
gêneros discursivos e a prática de leitura são responsáveis por constituir
a responsividade ativa do aluno, a qual é baseada em práticas escolares
contextualizadas. Isso é defendido por Bakhtin (2006, p. 292) que reitera:

Repetimos, só o contato do significado linguístico com a realidade concreta, só


o contato da língua com a realidade o qual se dá o enunciado, gera a centelha da
expressão: esta não existe nem no sistema da língua nem na realidade objetiva
existente fora de nós.

Isso acontece porque todo enunciado gera atitudes responsivas de um


em relação ao outro; por isso que os alunos sentem a necessidade de leitura
do seu texto, pois o texto só se constitui texto em relação ao leitor e em
relação ao seu ethos. Para Bakhtin (2006, p. 303), existe uma diferença dos
gêneros do discurso e do estilo em função do título, da categoria, do peso
da fortuna, do peso social da idade do destinatário e da respectiva posição
do próprio falante (ou de quem escreve).
Bakhtin (2006, p. 294), implicitamente, afirma que a palavra (dita
ou escrita) pressupõe um ethos: “a palavra atua como expressão de certa
posição valorativa do homem individual (de alguém dotado de autoridade,
do escritor, cientista, pai, mãe, amigo mestre etc.)”. Isso implica dizer que
existem pessoas autorizadas a proferirem certos discursos e outras não; esses
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 94


discursos tornam-se valorados de acordo com a posição de quem profere e
de quem os recebe, pois todo enunciado é pleno de tonalidades dialógicas.

Conclusão

Com isso, conclui-se que, para os alunos utilizarem a língua escrita de


forma dialógica e situada, os professores devem participar ativamente do
processo de construção textual, ao determinarem gêneros específicos para
cada situação, com o fim de possibilitar que a escola os legitime e reforce
seu uso e sua utilidade para o universo de escrita. Para isso, é preciso que os
professores, de acordo com Bunzen (2006, p. 158), direcionem atividades
de escrita fortalecedoras das relações e das práticas sociais, com base no
respeito ao outro, ao meio ambiente e à sociedade em geral, e, assim,
tornem-se professores que buscam uma prática de ensino que promova a
autonomia, a crítica e autoria dos seus alunos.

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PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 95


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SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 96


https://doi.org/10.52788/9786599282492-1.5 CAPÍTULO 5

Reflexos dialógicos do letramento


escolar na produção textual de
estudantes universitários

Andre Cordeiro dos Santos


Lúcia de Fátima Santos
Manuel Álvaro Soares dos Santos

Considerações iniciais

No amplo conjunto de contribuições dos autores russos para os


estudos da linguagem, restringimos nosso diálogo teórico neste texto a
discussões de Bakhtin e seu Círculo em relação ao modo como concebem
a linguagem. Elegemos a concepção de linguagem como foco de análise
porque a compreendemos como um fator determinante no processo de
ensino de línguas pelo fato de promover implicações na constituição
dos alunos como leitores e produtores de textos. Assim, nosso objetivo
é analisar como um grupo de alunos reflete sobre sua formação como
produtores de textos no Ensino Médio, em momentos iniciais do curso de
graduação em Comunicação Social (Jornalismo e Relações Públicas) de uma
Universidade Pública, durante um evento de escrita realizado na disciplina
Leitura e Produção de Texto, buscando compreender as concepções que são
mobilizadas em suas práticas de letramento. Para uma maior compreensão
das posições apresentadas pelos alunos, conjugamos a concepção dialógica
de linguagem defendida por Volóchinov (2013; 2017) e Bakhtin, (2015;
2016), com a abordagem sobre escrita proposta pela perspectiva ideológica
dos Estudos do Letramento, conforme Street (2014), Lillis (1999), Fiad
(2016), entre outros.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 97


Compreendemos que essa conjugação teórica entre os postulados
bakhtinianos e os Estudos do Letramento reverberam e caracterizam-
se como produtivas nos estudos contemporâneos, bem como embasam
documentos que desencadeiam reflexos nas práticas docentes, como é o
caso dos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN (1996), Orientações
Curriculares para o Ensino Médio – OCEM (2006) e da Base Nacional
Comum Curricular – BNCC (2017). Essas contribuições das ideias do
Círculo de Bakhtin podem ser relacionadas com o que se denomina de
período de redemocratização do Brasil, que possibilitou mudanças em
diferentes áreas como, por exemplo, progressos nas pesquisas da área da
Linguística e da Linguística Aplicada. Nesses avanços, a concepção dialógica
de linguagem ganha destaque e, a partir de então, tem fundamentado
o desenvolvimento de práticas de ensino de línguas – a concepção de
linguagem dos PCN (1996), segundo Brait (2016), tem sua sustentação
maior nas ideias do chamado Círculo. Porém vale salientar que, em alguns
pontos, os PCN divergem dessa concepção de linguagem, exemplo disso
está no constante uso dos termos competências e habilidades que remetem
a uma concepção autônoma de letramento (STREET, 2014), pressupondo
um aprendizado mecânico e uniforme.
Na discussão que propomos sobre o modo como os alunos se
posicionam sobre sua formação como produtores de texto, ao retomarem
como reflexão as práticas de ensino de Língua Portuguesa no Ensino
Médio, partimos do entendimento social de linguagem do Círculo de
Bakhtin. A partir disso, recorremos à discussão sobre o contexto escolar
como uma esfera sociocultural de produção e circulação de textos-discursos
(BUNZEN, 2010) e aos Estudos do Letramento para evidenciar que as
diferentes formas de interação se concretizam como práticas situadas de
linguagem (STREET, 2014) e, em alguns contextos, são permeadas de
mistério, conforme as abordagens de Lillis (1999).

O espaço escolar como esfera dialógica de produção e


circulação de discursos

Nos escritos do Círculo de Bakhtin, esboça-se uma concepção de


linguagem que extrapola a materialidade linguística, trazendo ao cerne da
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 98


questão, também, os contextos sociais nos quais a linguagem caracteriza-se
como interação discursiva, como relações dialógicas. Sob essa perspectiva,
acreditamos que a concepção de linguagem subjacente às práticas
pedagógicas traz implicações em relação ao modo como os alunos refletem
sobre sua constituição como produtores de textos no processo de escrita
orientado pelos professores nas práticas escolares de escrita, conforme
demonstra Santos (2015).
A concepção de linguagem do Círculo contrapõe-se às duas correntes
linguístico-filosóficas de estudo da linguagem do início do século XX, o
subjetivismo individualista e o objetivismo abstrato (VOLÓCHINOV,
2017). O subjetivismo individualista é a denominação dada à perspectiva
que tinha o foco nas relações psíquico-individuais do falante, caracterizando
um estudo da linguagem como expressão do pensamento, sem interferências
exteriores, tendo seu principal expoente em Vossler. Já o objetivismo abstrato
é a denominação dada aos estudos que têm seu foco no sistema linguístico,
também sem interferência do social, pois há o entendimento de que os
fenômenos linguísticos podem ser explicados nos limites desse sistema,
tendo como principal expoente Saussure (VOLÓCHINOV, 2017).
Ao defender uma perspectiva social de linguagem, Volóchinov (2017)
entende que o sistema de signos linguísticos, por si só, não abrange
a realidade dos fenômenos linguísticos; a língua é um fenômeno em
processo que se efetiva pela interação; as leis da evolução da linguística são
sociológicas; a criatividade de uma língua está ligada aos valores ideológicos
e essa criatividade é originada de uma necessidade social; e a enunciação é
puramente socioideológica. Nesse mesmo sentido, Bakhtin (2016) afirma
que os gêneros do discurso são característicos dos domínios discursivos
e surgem da necessidade dos grupos de realizarem determinadas práticas
sociodiscursivas. Por conseguinte, essas formas de linguagem originam-se
de um diálogo com as suas instâncias de discurso e carregam especificidades
que dizem respeito direto à sua esfera discursiva de origem.
Esse entendimento perpassa toda a obra do Círculo. Volóchinov
(2013), por exemplo, ao tratar do enunciado, concebe-o como sendo
constituído de duas partes: uma verbal e uma extra verbal. À parte verbal
corresponde a entonação, a seleção de palavras e a sua disposição no interior
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 99


do enunciado; à parte extra verbal corresponde a situação (que engloba o
espaço e tempo, o objeto ou tema e a atitude dos falantes face ao que
ocorre) e o auditório (VOLOCHINOV, 2013).
Adotando as noções supramencionadas, compreendemos o contexto
escolar como uma esfera discursiva de produção e circulação de gêneros
discursivos. Essa menção ao contexto escolar, mais especificamente ao
letramento escolar, justifica-se porque o enfoque deste texto, como já
mencionamos, é analisar os reflexos das práticas de escrita na formação
dos alunos no Ensino Médio, evidenciadas nos momentos iniciais da
graduação.
Para Bunzen (2010), o letramento escolar é compreendido como um
conjunto de práticas pertencentes a uma esfera sociocultural da interação
humana e, para fundamentar sua proposta, propõe uma discussão mais
sociológica e antropológica, resultando, de certa maneira, numa reflexão
sobre os modos de circulação de textos no cotidiano escolar. Esse autor
defende ser necessário problematizar algumas dicotomias que geralmente
apontam para um contraponto entre práticas da vida e práticas da escola,
pois, para ele, o rompimento dessas dicotomias possibilitaria compreender
o letramento escolar como um conjunto de práticas discursivas da esfera
escolar que envolve os usos da modalidade escrita da língua em contínua
inter-relação com outras linguagens.
Nesse sentido, Santos (2019, p. 48) em consonância com as posições de
Bunzen (2010), compreende o letramento escolar como lugar de conflito,
o autor defende que “essas dicotomias, se rompidas, podem contribuir de
modo mais coerente para o estudo das práticas de letramento escolar, visto
que, quando polarizadas, não representam a complexidade na constituição
das práticas desse letramento”. Assim, Santos (2019) compreende que as
práticas de letramento escolar se constituem:

[...] numa movente tensão entre os modelos autônomo e ideológico, ou seja, ora
explicita, ora mascara as relações de poder; ora opera na dimensão técnica, ora
opera na dimensão sociocultural; visto que as concepções de eventos e práticas
sociais ora se aproximam, ora se distanciam de ambos os modelos, construindo
um novo arranjo que se situa neste entremeio (SANTOS, 2019, p. 52).
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 100


Frente aos posicionamentos supracitados de Bunzen (2010) e Santos
(2019), compreendemos que os processos interativos do espaço escolar se
dariam visivelmente em decorrência de uma tensão existente entre duas
dimensões: as práticas institucionais e o cotidiano escolar, sendo que, em
ambas as direções, a escrita encontra-se como um elemento constitutivo
da cultura escolar. Logo, para esses autores, os processos interativos trazem
marcas de ambas as dimensões, revelando-se na organização dos espaços,
das rotinas, das práticas e dos discursos circunscritos a um determinado
grupo de pessoas em contexto e através do próprio corpo, possibilitando e
delimitando os campos interativos, favorecendo certas organizações sociais,
certos significados e sentidos.
Ao traçar a relação entre letramento escolar e esfera de criação ideológica,
Bunzen (2010) defende ainda que não se deve pensar o letramento escolar
como modelo fixo, imutável e universal, sem refletir sobre o contexto
social mais amplo e os microcontextos. Assim, frente à defesa do autor, a
sala de aula pode ser vista como um espaço de circulação e negociação de
significações entre alunos em interlocução com professores, uma vez que
o conhecimento escolar é uma construção coletiva. Nesse sentido, o autor
afirma ainda ser preciso um olhar linguístico para os jogos de linguagem e
movimentos discursivos; apontando para uma linguística de circulação dos
discursos que ajude a compreender as múltiplas cenas de letramento.
No que se refere à valorização da escrita, Bunzen
(2010) afirma que, frente à descorporificação do saber
, a escrita passou a ocupar lugar de privilégio e tornou-se a língua correta,
sendo a escola o local ideal para sua transmissão e controle dos modos de
ler, escrever, falar e ouvir. Assim, para esse autor (2010), envolver-se em
uma determinada esfera da atividade humana implica a apropriação de
gêneros que lhe são peculiares e, para isso, é necessário considerar a situação
extraverbal que inclui levar em consideração a produção de enunciados em
esferas da atividade humana. Desse modo, esse autor corrobora a ideia de
Volóchinov (2017), que defende que a compreensão das interações de uma
esfera de criação ideológica envolve tanto o contexto imediato quanto o
contexto social mais amplo.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 101


Além disso, segundo as discussões de Bunzen (2010), a escola produz
gêneros que lhes são próprios, mas também reacentua axiologicamente
gêneros de outras esferas e realiza outros que não visam à aprendizagem.
Isso porque, compreendemos, com base nos estudos do Círculo, que os
sujeitos ocupam diferentes papéis sociais e, por isso, o uso dos gêneros não
é determinado só pela esfera discursiva, mas, sim, pela função comunicativa
e o papel social que o sujeito ocupa em determinado evento discursivo.
Assim, na apropriação da escrita dos gêneros discursivos é importante
não perder de vista o que se concebe como letramento, como também o
que Lillis (1999) denomina de práticas institucionais de mistério, como
discutimos no tópico seguinte.

Os letramentos e a prática institucionalizada do mistério

Street (2014) apresenta duas perspectivas a partir das quais se pode


abordar o letramento: letramento autônomo e letramento ideológico.
Segundo o autor, essas duas abordagens divergem em seus fundamentos
basilares, pois ambas apontam para perspectivas diferentes de linguagem e
sujeito. Ou seja, enquanto a perspectiva autônoma de letramento é voltada
às habilidades e, assim, desviando a atenção de variáveis sociais mais
complexas; o letramento ideológico pressupõe que “As práticas de leitura
e escrita estão sempre inseridas não só em significados culturais, mas em
alegações ideológicas sobre o que conta como “letramento” e nas relações
de poder a ele associadas” (p. 13). Desse modo, Street (2014) diferencia
o modelo de letramento autônomo do modelo ideológico. Essa última
perspectiva pode ser associada à concepção de linguagem bakhtiniana.
Sob o ponto de vista pedagógico, Street (2014) argumenta que as
implicações da perspectiva ideológica de letramento para a pedagogia
correspondem à necessidade de ir além de se ensinar os aspectos técnicos
das “funções” da linguagem para ajudar a adquirir consciência da natureza
social e ideologicamente construída das formas específicas que usamos em
determinados momentos. Essa perspectiva ideológica da escrita pode ser
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 102


associada à preocupação de Lillis (1999) sobre o modo como as práticas de
letramento são realizadas. Essa autora problematiza aspectos do acesso de
grupo não-tradicionais ao ensino superior, focando nas suas tentativas de
produção de texto frente às demandas dos professores. A esse respeito, ela
argumenta que existe um senso comum que acredita ser desnecessário ensinar
como se escrevem os gêneros acadêmicos, pois os alunos já dominariam os
gêneros específicos desse contexto. Disso resulta o que Lillis (1999) aborda
como prática institucionalizada do mistério: professores solicitam a escrita
de textos sem apresentar quaisquer orientações aos alunos. Segundo essa
autora (1999), é comum os professores apresentarem a transmissão de
um conjunto de regras e de características estruturais de um determinado
gênero, porém se esquecem de que essas regras e características nem sempre
são claras e podem ser entendidas de diversas formas pelos estudantes.
Consideramos a noção de prática institucionalizada do mistério para
analisarmos as posições apresentadas pelos alunos, assim que ingressaram
na universidade, sobre os processos de escrita vivenciados no Ensino
Médio. Conforme vemos na seção de análise, os discentes relatam que
as práticas de ensino de Língua Portuguesa do Ensino Médio, muitas
vezes, configuraram-se como barreira na participação efetiva em práticas
de letramento. Uma das questões que contribuem para essa realidade é o
modo como as práticas de ensino de língua têm sido realizadas no Ensino
Médio, que, de um modo geral, distanciam-se da perspectiva dialógica,
desconsiderando, assim, a responsividade dos estudantes, bem como a
multiplicidade de funções e usos das práticas de escrita.

A escrita como um processo dialógico

Tomando como base os pressupostos bakhtinianos, é preciso


considerar que a escrita, assim como a aprendizagem da língua, se efetiva
no processo de interação, e não por meio de dicionários, gramáticas e
enciclopédias (BAKHTIN, 2016). Assim, o Círculo bakhtiniano distancia-
se das orientações do objetivismo abstrato e do subjetivismo individualista.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 103


Em contrapartida, propõe-se uma visão complexa e multifacetada da
linguagem em diferentes domínios, instaurando uma perspectiva dialógico-
enunciativa que inexistia nas abordagens da linguística contemporânea.
Essa visão enunciativa de linguagem implica considerar que:

Qualquer enunciado real, em grau maior ou menor e de um modo ou de outro,


concorda com algo ou nega algo. Os contextos não se encontram lado a lado,
como se não percebessem um ao outro, mas estão em estado de interação e
embate tenso e ininterrupto (VOLÓCHINOV, 2017, P. 197).

Com afirmações incisivas como essa, o Círculo alicerça as diretrizes


de sua abordagem teórica calcada no histórico-social. Sob essa perspectiva,
a linguagem é concebida com um caráter dialógico, dialético, processual,
criativo, intersubjetivo e ideológico. Mediante essa visão, depreende-
se também um deslocamento significativo da concepção de sujeito, pois
Volóchinov (2017) recusa a concepção de sujeito centrado na individualidade,
fonte de criação, um “Adão bíblico”, desvinculado do horizonte axiológico,
como propunham os subjetivistas individualistas; também nega a
concepção de um sujeito submetido às coerções e arbitrariedades de um
sistema linguístico que o enreda no cerco da normatividade, conforme se
configura no objetivismo abstrato.
Os postulados bakhtinianos acerca dos conceitos de multivocalidade
e interação indicam uma concepção de sujeito que se constitui nas relações
intersubjetivas, submetido aos estratos sócio-históricos, porém tendo
espaço para instaurar a dialogicidade do lugar de um interlocutor ativo, que
apresenta um embrião de resposta para expressar a compreensão sobre cada
tema. À palavra do locutor é apresentada uma contrapalavra no processo de
compreensão, por isso a significação não acontece em uma palavra isolada,
mas ela “é um efeito da interação entre falante e ouvinte no material de uma
dado conjunto sonoro” e somente se realiza no processo de compreensão
responsiva-ativa, uma vez que “na realidade, nunca pronunciamos ou
ouvimos palavras, mas ouvimos uma verdade ou mentira, algo bom ou
mal, relevante ou irrelevante, agradável ou desagradável e assim por diante”
(VOLÓCHINOV, 2017, p. 232 e 181, respectivamente).
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 104


Calcados nessas posições, compreendemos a escrita como práticas
situadas, tal como concebem os estudos do letramento. Assim, ao
analisarmos as posições assumidas pelos alunos acerca das experiências de
escrita vivenciadas no letramento escolar, consideramos que as orientações
adotadas pelos professores no trabalho da escrita vinculam-se a uma
concepção de linguagem, pois, conforme Antunes (2003, p. 39), “nada do
que se realiza na sala de aula deixa de estar dependente de um conjunto
de princípios teóricos, a partir dos quais os fenômenos linguísticos são
percebidos”. Nesse sentido, as ações docentes em sala com o trabalho da
escrita são pautadas em sua concepção de linguagem, constituindo-se o
eixo norteador de sua prática pedagógica. Dessa opção teórica, depende
o modo como se concebem outras questões relacionadas ao ensino de
línguas, como texto, escrita, leitura, gramática, entre outras.
No percurso da disciplina de Língua Portuguesa, é interessante notar
que a forma de ver o texto foi, historicamente, sua condição estruturante.
No momento sócio-histórico, compreendido entre as décadas de 60 e 80,
os estudos em Língua Portuguesa eram conhecidos como Comunicação e
Expressão. Embutida na nomenclatura supramencionada estava subjacente
uma noção de língua como sendo transparente, pautada na Teoria da
Comunicação e, ao sujeito, era atribuído o papel de mero receptor que
decodificava os signos linguísticos. Estes breves apontamentos nos fazem
entender de onde advêm os traços ainda hoje arraigados do ensino de Língua
Portuguesa. No entanto, essa concepção da disciplina sofreu alteração com
a publicação dos PCN em 1996, que introduziram o ensino por meio
dos gêneros discursivos, tomando com isso a materialidade do texto não
mais como neutra, mas como um evento da atividade humana circunscrita
no tempo e no espaço com tonalidades ideológicas. Por este ângulo, o
sujeito da linguagem é caracterizado como ativo e responsivo, e não mais
mero receptor como se concebia quando a disciplina se denominava
Comunicação e Expressão. Nesse novo contexto, temos, nos termos de
Bakhtin (2015, p. 24-25):

Um esquema de processos ativos de discurso no falante e de respectivos processos


passivos de recepção e compreensão do discurso no ouvinte. Não se pode dizer que
esses esquemas sejam falsos e que não correspondam a determinados momentos
da realidade; contudo, quando passam ao objetivo real da comunicação discursiva,
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 105


eles se transformam em ficção científica. De fato, o ouvinte, ao perceber e
compreender o significado (linguístico) do discurso, ocupa simultaneamente em
relação a ele uma ativa posição responsiva: concorda ou discorda dele (total ou
parcialmente), completa-o [...] toda compreensão da fala viva, do enunciado vivo
é de natureza ativamente responsiva.

Bakhtin (2015), ao pensar a língua(gem) sob este prisma do enunciado


concreto, sempre vivo e ativo, contrapõe-se à compreensão de que o falante
seria mero receptor de conteúdo sem quaisquer reflexos e refrações autorais.
Com isso, concebe os trabalhos com a linguagem pelo viés do diálogo que
se estabelece entre os sujeitos na prática discursiva, ou seja, o trabalho da
escrita nesse quadro teórico não compreende o texto como um produto
estático, pronto e acabado, mas como um ato dialógico, que demanda
tanto reflexão quanto tempo para chegar à produção final.
Conforme defende Antunes (2003, p. 44), “a escrita é tão interativa,
tão dialógica, dinâmica e negociável” que requer um planejamento para
sua efetivação. Desse modo, somente uma abordagem metodológica ampla
que considera a inteireza do enunciado concreto possibilitará a construção
de uma produção escrita com essa caracterização. Essa perspectiva é
antagônica ao modo de se conceber a língua(gem) como transparente
e seu uso como mera decodificação e reprodução de signos linguísticos
desprovidos de acentos ideológicos, de estratos da língua, de sujeitos que
influenciam o projeto discursivo e de campos de atividade que ditam os
modos de funcionamento discursivo. Desse modo, é preciso considerar,
conforme Bakhtin (2015, p.135), que:

A aprendizagem de disciplinas verbais conhece dois modos colegiais de transmissão


assimilativa do discurso do outro (do texto, de regras, de modelo): ‘de cor’ e ‘pelas
próprias palavras’ do aluno [...] a narração do texto pelas próprias palavras do
aluno é, até certo ponto, uma narração bivocal da palavra do outro, pois ‘minhas
palavras’ não devem dissolver inteiramente a originalidade das palavras do outro,
a narração por minhas próprias palavras deve ser de natureza mista.

De acordo com essas ideias, compreendemos que o ensino de escrita


que se distancia da perspectiva dialógica não permite a apropriação ativa
e crítica do aluno, visto que a pedagogia que impera é a do silenciamento,
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 106


pondo o aprendiz na condição de mero receptor das normas textuais para a
“boa” escrita; porém a escrita em qualquer gênero discursivo deve levar em
conta o fundo aperceptível a que se destina. O interlocutor, assim, exercerá,
sob diferentes formas e intensidades, influência naquilo que será dito.
Assim, a escolha do gênero, do estilo, do suporte e do modo como tratar
o conteúdo temático está condicionada ao interlocutor, por conseguinte,
leva em consideração quais suas convicções e suas crenças, sua posição
social, seus conhecimentos sobre o tema, enfim, leva em conta o diálogo
social estabelecido através das relações sociais que se mantêm dentro da
comunicação discursiva. Por isso, não há uma única forma de escrever, não
há um padrão linear e dogmático, pois todos esses aspectos terão relação
com a esfera de atividade na qual a interação se dará, ecoando, com isso, na
produção responsiva ativa os modos de organização discursiva.
É importante salientar que, ao adotar essa abordagem dialógica da
escrita, devemos, ao mesmo tempo, dialogar com o campo de atividade
humana no qual a interação se efetivará, pois o trabalho com a escrita na
perspectiva dialógica de linguagem requer planejamento, tempo, ambiente
organizacional que disponha de recursos para pesquisa, políticas que deem
ao professor mais tempo para planejamento de suas aulas, investimentos
em formação continuada, melhores condições salariais, menor número de
alunos por sala etc.
Uma sala de aula com superlotação de alunos, como acontece em
diferentes realidades na Educação Básica, como também uma ampla carga-
horária de trabalho dificulta a atuação do professor sob essa perspectiva
dialógica de escrita, visto que sair da posição de “corretor textual” e passar
a ocupar uma posição de agente de letramento exige uma formação com
tempo para planejamento, estudo, reflexão que não é considerada nas
condições adversas do trabalho docente. Assim, ratificamos as indagações
de Rojo (2009, p. 8), ao refletirmos sobre as práticas de escrita em alguns
contextos escolares:

Diante das propostas de ensino e letramento oferecidas pelas práticas escolares,


resultados concretos e mensuráveis configuram um quadro de ineficácia das
práticas didáticas que nos levam a perguntar: como alunos de relativamente longa
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 107


duração de escolaridade puderam desenvolver capacidades leitoras tão limitadas?
A que práticas de leitura e propostas de letramento estiveram submetidos por
cerca de dez anos? A que textos e gêneros tiveram acesso? Trata-se da ineficácia
das propostas? De desinteresse e enfado dos alunos? De ambos? O que fazer para
construir letramentos mais compatíveis com a cidadania protagonista?

Esses questionamentos nos orientam na análise que se segue sobre


o que afirmam os estudantes acerca de suas experiências com a escrita no
Ensino Médio, nos momentos iniciais da graduação.

O que dizem os alunos sobre suas experiências com a


escrita no ensino médio

Como já dissemos, os dados que serão analisados nesta seção foram


produzidos a partir de relatos apresentados por alunos durante uma atividade
de escrita desenvolvida no contexto da disciplina “Análise e Produção
Textual em Relações Públicas I”, ministrada no segundo período do curso
de Comunicação Social – Relações Públicas, de uma Universidade Pública.
A atividade foi realizada no primeiro dia de aula da referida disciplina, com
treze alunos, e visou conhecer, por meio de relato escrito, a experiências dos
discentes com as práticas de letramento durante o Ensino Médio. Desse total de
textos, tomamos trechos de cinco deles (Paula, Pedro, Antônio, Carlos, Clara
) para este estudo, dada a limitação de espaço deste texto.
Considerando a concepção social de linguagem defendida por
Volóchinov (2017), um primeiro ponto a se observar é o fato de, em um
dos textos dos discentes, haver indícios de uma dicotomia entre linguagem
escolar e outras formas de linguagem. Como veremos em E1 a seguir, para
Paula, as experiências de escrita limitaram-se às redações da escola, exceto
uma vez em que resolveu criar e escrever um blog. É interessante notar
que a discente menciona satisfação apenas com as práticas de escrita num
contexto que transcende os muros da escola, muito provavelmente porque
extrapolavam o caráter obrigatório, “forçado” das redações escolares. No
relato, Paula indica a necessidade de se considerar práticas de linguagem de
circulação social como meio para o ensino de língua, privilegiando, assim,
a dimensão ideológica da linguagem. Vejamos:
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 108


E1
[...] com a escrita não cheguei a ir muito além das redações forçadas da escola e do ENEM, exceto,
a vez que, em meados de 2012, iniciei um “blog”, onde escrevi sobre temas como: tribos urbanas e
a origem da sexta-feira 13 (o mito), mas que durou por pouco mais de 3 meses pois, embora tivesse
me sentido satisfeita com os textos que produzi, eu não possuía muitos leitores e fiquei desestimulada
a continuar.

Com base nesse relato, percebemos indícios de que as práticas de


escrita desenvolvidas no contexto da disciplina de Língua Portuguesa se
configuraram, para Paula, como uma prática “forçada”, que não despertava
a vontade de ir além do que lhe era imposto, focadas apenas no texto
dissertativo-argumentativo, que é característico do letramento autônomo
(STREET, 2014). Esse pode ser um indício de que as práticas de ensino
realizadas sem a consideração das opiniões dos discentes tendem a ser
menos significativas do que as que consideram essas opiniões, pois, se os
alunos não são motivados a tomar posições ativas, suas escritas tenderão a
ser reprodução.
Outro ponto importante que observamos refere-se ao modo como
as práticas de ensino de língua do Ensino Médio passam a ser vistas como
algo cansativo e desestimulante, como declara o discente Pedro:

E2
Até o final do ensino fundamental, escrever era algo prazeroso. Fazia textos para amigos e para blogs
pessoais. Com a chegada do Ensino Médio, isso foi começando a mudar. O método de ensino focado
somente em aprovações em vestibulares era extremamente cansativo e desestimulante.
Escrever e rescrever várias redações em busca de uma nota melhor, só fez com que todo o prazer que
sentia em escrever qualquer verso sumisse, e, no lugar, surgisse um grande bloqueio.
Desde então, escrever é algo muito difícil de ser feito, além do desprazer, a sensação de incompetência
e a falta de ideias apenas dificulta o processo.

Nesse enunciado, vale enfatizar a afirmação do discente que, enquanto


estava no Ensino Fundamental, escrever era, para ele, “algo prazeroso”, porém
essa posição mudou com a “chegada do Ensino Médio”. Considerando
as mudanças que o Enem tem desencadeado na delimitação das práticas
pedagógicas no ensino de Língua Portuguesa, pensamos que essa mudança
no modo de compreender as práticas de escrita no Ensino Médio se deva
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 109


ao foco no desenvolvimento das habilidades avaliadas no Enem, pois
o próprio discente afirma que a escrita e a reescrita realizadas na escola
tinham como único objetivo obter “uma nota melhor”. Essa finalidade
da escrita acabou sendo responsável pela sensação de incompetência e
pelo bloqueio para escrita, como ele declara: “escrever é algo muito difícil
de ser feito, além do desprazer, a sensação de incompetência e a falta de
ideias apenas dificulta o processo.” Assim, compreendemos que a escrita
para esse discente passou a ser uma prática institucionalizada de mistério
(LILLIS,1999). Nessa declaração, percebemos o foco exclusivo no texto
do tipo dissertativo argumentativo, tal como determina o Enem, com
restrições que resultaram em um bloqueio no discente em relação ao
desenvolvimento do seu processo de escrita.
Compreendemos que essa referência que o aluno faz aos vestibulares
inclui o Enem, como também inferimos que as orientações de escrita
adotadas pelos professores na avaliação das redações levam em consideração
os critérios adotados nesse Exame. Nesse sentido, a relação dialógica que
se estabelece entre os alunos e professores através das redações pauta-se nas
competências exigidas no Enem. Para o discente em foco, essa proposta
metodológica não propiciava uma aprendizagem significativa, pois,
segundo ele: “O método de ensino focado somente em aprovações em
vestibulares era extremamente cansativo e desestimulante”.
No caso a seguir do E3, a competência que o discente Antônio
demonstra considerar para avaliar seu próprio desempenho é a competência
três do Enem que visa à avaliação da capacidade de selecionar, relacionar,
organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa
de um ponto de vista (BRASIL, 2017, p.8).

E3
Em contrapartida, o gosto pela escrita nunca foi algo forte em mim. Apesar de ter algumas
ideias, sempre tive muita dificuldade em começar e depois ordenar os pensamentos.
Outro fator que acredito que contribuiu para esse distanciamento foi o foco na redação para
a prova do Enem, onde os alunos acabam sendo ensinados apenas sobre o gênero textual
em questão.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 110


Nesse enunciado, mais uma vez, há menção à redação do Enem como
fator que contribuiu para o distanciamento do discente do “gosto pela
escrita”. Temos, assim, mais uma vez, indícios de uma perspectiva autônoma
de letramento (STREET, 2014) e de uma concepção de linguagem que se
alinha ao objetivismo abstrato, silenciando e inviabilizando a construção
de uma responsividade ativa (VOLÓCHINOV, 2017).
No que se refere ainda a esses indícios de avaliação do desempenho
com base nos critérios de avaliação da redação do Enem, a declaração
do discente Carlos em E4 indica que ele avalia seu desempenho a partir
da competência quatro da matriz de referência de avaliação do Enem, ou
seja, do conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a
construção da argumentação (BRASIL, 2017, p.8). Vejamos:

E4
Meu maior problema em escrever, e pode até ser esse o motivo pelo qual eu prefiro a
leitura, é não conseguir passar para o papel com clareza aquilo que tenho na mente, pois
pelo fato de ser uma pessoa criativa, muitas ideias surgem e a coesão e coerência do texto
muitas vezes, por conta disso, surgem como os problemas mais frequentes.

É interessante observar que, de acordo com a concepção desse


discente, a criatividade parece figurar como um problema que interfere na
construção das relações entre elementos do texto. Pensamos que avaliar-se
como sujeito-autor de texto a partir de questões referentes ao encadeamento
de elementos de base do texto pode, mais uma vez, ser indicativo de uma
concepção autônoma de letramento (STREET, 2014), bem como de uma
concepção objetivista abstrata de língua (VOLÓCHINOV, 2017).
No relato da discente Clara, em E5, mais uma vez se confirma que
as orientações adotadas no processo de escrita são aquelas adotadas pelo
Enem, ou seja, a escrita na escola é restrita ao gênero redação, para que os
discentes treinem bastante e consigam obter uma pontuação alta na prova.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 111


E5
Minhas dificuldades começaram a surgir no ensino fundamental, quando meus professores
começaram a cobrar demais de cada aluno e a exigir uma melhor produção escrita.
Mas os problemas era que, eles cobravam demais e não transmitiam um conhecimento
necessário para a nossa formação. Foi então que cheguei no Ensino Médio e percebi que
aquela minha dificuldade com a escrita ainda era muito presente na minha vida.
Mas diferentemente do que eu pensei esse bloqueio com a escrita só piorou, pois meus
professores só estavam focados em nos preparar para o ENEM e nada mais, além disso.
Durante meu Ensino Médio tudo o que eu aprendia e decorava, todas aquelas regras
tinham um só objetivo, um só propósito, que era o ENEM.

Nesse relato de Clara, mais uma vez se confirma que as orientações


adotadas no processo de escrita visavam especificamente à preparação
para a prova do Enem, ou seja, a escrita no Ensino Médio era restrita ao
gênero redação para que os discentes treinassem bastante e conseguissem
obter uma pontuação alta na prova. Reconhecemos que esse é um gênero
sobre o qual os alunos precisam ter domínio para que possam responder
adequadamente às exigências do Enem e consigam aprovação. Porém
criticamos essa proposta de escrita automatizada que não corresponde a
relações efetivamente dialógicas, a práticas sócio-historicamente situadas
em uma esfera da atividade humana (BUNZEN, 2010).
No posicionamento da discente em E5, percebemos que há indícios
de que a redação escolar é usada como parâmetro para o ingresso no mundo
da escrita, revelando uma superioridade dessa prática de letramento em
relação as demais, como fica explícito em outra declaração também de
Clara em E6.

E6
Minha relação com a escrita, entretanto, não tem sido das melhores. Não tive contato com
a escrita durante minha educação básica, escrevendo minha primeira redação quando iniciei
o curso pré-vestibular. A partir desse momento, escrevi regularmente e fui ensinada todas
as normas para escrever um texto digno de nota máxima, sendo tudo repassado para os
alunos de forma extremamente técnica, o que não contribuiu para incitar a paixão pela
escrita.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 112


Observamos no relato dessa discente que o foco, mais uma vez, recai
sobre os caracteres técnicos da escrita, como se esses, por si sós, fossem
suficientes para que um discente possa desenvolver uma compreensão
ativa, reflexiva, sobre sua escrita. Outrossim, é possível perceber que essa
orientação de escrita expressa nos relatos, certamente não é a mais adequada,
quando se pretende uma apropriação da escrita situada, dialógica, calcada
numa concepção dialógica, na qual os discentes se reconheçam nas ideias
que escrevem, construindo espaços de interação, pois, como evidenciam
as declarações, caracteriza-se como um impasse para o desenvolvimento
de modo reflexivo, crítico, situado, ou para o desenvolvimento da escrita
responsiva dos discentes. Isso talvez seja a materialização de indícios
que suscitam a necessidade de adoção de uma perspectiva ideológica de
letramento (STREET, 2014), que considere a dimensão socialmente
situada da linguagem (VOLÓCHINOV, 2017), possibilitando que a
escrita escolar deixe de figurar como uma prática envolta nos mistérios da
técnica com todos os seus caracteres (LILLIS, 1999).

Considerações finais

Na análise que empreendemos acerca das reflexões que os alunos


apresentam, nos momentos iniciais de cursos de Relações Públicas, sobre
o processo de escrita no Ensino Médio, na disciplina Língua Portuguesa,
evidencia-se uma série de dificuldades que compreendemos serem reflexos
principalmente da concepção de escrita e de linguagem adotadas, assim
como dos objetivos que orientam as práticas de ensino e aprendizagem,
centradas na perspectiva das orientações exigidas pelo Enem.
Nas declarações, os discentes expressaram impotência, despreparo,
desânimo no cumprimento de escritas de redações para atender às
exigências e obterem uma avaliação que lhes garantisse a aprovação no
Exame. Compreendemos que a insatisfação sobre o trabalho realizado
pelos professores decorre não de objetivos construídos deliberadamente,
como parece ser a compreensão dos alunos, mas de determinações que
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 113


extrapolam o âmbito da sala de aula e até das escolas. É provável que alguns
docentes também não expressem satisfação com o trabalho de repetição e
memorização que orientam, com essa visão grafocêntrica de letramento
escolar, porém as lacunas na formação sobre letramento docente e as
determinações da escola e das famílias não lhe possibilitam desenvolver
um trabalho sob uma perspectiva dialógica, uma perspectiva de escrita
concebida como prática social.
Nos relatos, percebemos que a concepção de linguagem subjacente
às práticas de ensino de língua desenvolvidas nas atividades de escrita
nas aulas de Língua Portuguesa do Ensino Médio se aproxima mais do
que Volóchinov (2017) denomina de objetivismo abstrato, pois o foco
recai sobre a dimensão técnica, formal da linguagem, deixando-se para
segundo plano a sua dimensão extraverbal (VOLÓCHINOV, 2013).
Como consequência, podemos perceber que há uma dicotomização entre
práticas sociais de escrita e práticas estritamente escolares, sendo esta
última considerada pelos discentes como cansativa, enquanto a primeira,
prazerosa e flexível, o que ressalta o posicionamento de Bunzen (2010),
quando o autor defende a existência de uma polarização entre ambas as
práticas.
Nas declarações dos discentes, evidencia-se que a escola enfatiza a
dimensão técnica e repetível da escrita. Nesse sentido, observamos também
que as práticas de letramento efetivadas nesses contextos se aproximam
mais do que Street (2014) chama de letramento autônomo. A adoção
dessa perspectiva de letramento, consciente ou não, acaba por impedir
a compreensão da natureza social e ideologicamente construída das
formas específicas de linguagem nas quais nos pautamos e que usamos
em determinados momentos de interação linguístico-social (STREET,
2014). Ao mesmo tempo, esse foco no repetível, promove desestímulos
no processo de aprendizagem, pois há aspectos que os discentes afirmam
não compreender. É interessante notar que, muitas vezes, eles repetem
os discursos avaliativos dos seus professores sem saber exatamente o que
significam. Assim, repete-se no Ensino Médio o que Lillis (1999) observou
no letramento acadêmico: nas práticas de escrita, os discentes deparam-se
com práticas institucionais de mistério.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 114


Em suas reflexões sobre as experiências com as práticas de escrita,
os discentes demonstram uma perspectiva de ensino de língua que não
considere a dimensão ideológica da escrita. Assim não há espaço para
a produção de textos responsivos ativos por parte dos estudantes e,
consequentemente, para que esses consigam desvendar os segredos da escrita
de textos de forma adequada aos diferentes espaços sociais de interação
discursiva dos quais os discentes fazem parte. Essa postura deve ser adotada
para que, desvinculando-se da caracterização de prática institucional de
mistério (LILLIS, 1999), a escrita seja compreendida como uma prática
social, histórica, tal como prevê uma orientação pedagógica fundamentada
na concepção dialógica de linguagem e de escrita.

Referências

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2003.
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ROJO, Roxane. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo: Parábola Editorial,
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PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 115


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VOLÓCHINOV, V. A construção da enunciação. In: VOLOCHINOV, V. A construção da
enunciação e outros ensaios. São Carlos: Pedro & João editores, 2013.
VOLÓCHINOV, V. Marxismo e Filosofia da Linguagem: problemas fundamentais do
método sociológico na ciência da linguagem. São Paulo: Editora 34, 2017.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 116


https://doi.org/10.52788/9786599282492-1.6 CAPÍTULO 6

A argumentação em textos dissertativos,


redação do Exame Nacional do Ensino
Médio (ENEM), a partir do uso de figuras
de linguagem

Emanuelly Nascimento Gomes


Francisco Renato Lima

Considerações iniciais

As palavras não são etiquetas que colocamos sobre os objetos, as pessoas, as ideias,
os sentimentos, mas maneiras de representar tudo isso. As línguas humanas são
sistemas de representação. Quando usamos uma palavra, estamos fazendo uma
escolha de como representar alguma coisa. [...] As palavras que escolhemos têm
enorme influência em nossa argumentação.
(ABREU, 2004, p. 99-100)

Apresenta-se, neste capítulo, um olhar sobre a gramática, trazendo


discussões acerca dos equívocos que se encontram imersos no ensino de
língua, a fim de que se possa desmitificar o que pode, ou não, ser válido
e significativo, para a eficácia dessa aprendizagem. Além disso, também
se discute acerca da insuficiência da abordagem argumentativa dentro de
instituições escolares, posto que pouco se expõe aos alunos uma maior
variedade exploratória dos mecanismos da linguagem, por exemplo, as
figuras de linguagem.
O ensino de gramática continua mecanizado, reduzido, falseado e
propício à criação de preconceitos e de simplismos, as figuras de linguagem
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 117


devem ser recursos linguísticos dominados pelos discentes no âmbito
da escrita, já que na oralidade são sempre presentes. Contudo, passam
desapercebidas, sendo reduzidas a meros conceitos e nomenclaturas, por
vezes, arbitrárias.
À vista disso, ao notar que há uma escassez na exploração acadêmica
das figuras de linguagem pelo viés de serem fortes instrumentos para
compor a argumentação de textos, resumindo a importância dessas
figuras à enfatização, realce estilístico, harmonização, houve a necessidade
de ampliar esse arcabouço teórico. Em virtude disso, investe-se, neste
estudo, na viabilidade de desenvolver uma pesquisa que desse maior
ênfase a essas figuras, trazendo à tona seus potenciais na construção de
uma argumentação. Além disso, busca-se o tratamento desse tema, em
uma perspectiva funcional, aspecto ainda pouco recorrente nas gramáticas
normativas.
Objetiva-se analisar o uso de figuras de linguagem em redações
escolares produzidas a partir da estrutura de dissertação do Exame Nacional
do Ensino Médio (ENEM) e identificar de que maneira é construída a
argumentação em textos dissertativo-argumentativos, a partir do uso dessas
figuras.
A proposta foi desenvolvida a partir das seguintes questões-problema:
Como as figuras de linguagem podem contribuir para a construção da
argumentação em textos dissertativo-argumentativos, modelo Redação do
ENEM? De que forma o aluno consegue empregar esses recursos linguísticos
e expressivos, conforme as temáticas de cada abordagem proposta?
O tipo de abordagem empregada constituiu-se da abordagem
qualitativa (FLICK, 2009), realizada por meio de pesquisa bibliográfica
e pesquisa de campo1. Os sujeitos da pesquisa foram alunos da 1ª e 3ª
série do Ensino Médio. Os primeiros advindos de escolas diversas, tanto
públicas quanto privadas, periféricas, além daqueles que vêm de cidades
pequenas vizinhas de Teresina (PI). Já o segundo grupo, constituem alunos
que estudam no Colégio Técnico de Teresina (CTT) desde a 1ª série,
acostumados com o ritmo escolar, os mesmos docentes e com o mesmo
1 Este texto, vale ressaltar, constitui um recorte do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), apresentado pela primeira
autora, sob orientação do segundo autor, realizado no segundo semestre de 2019.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 118


coordenador pedagógico. Essa questão implica em diferenças singulares para
o estudo, uma vez que se traçou um paralelo entre os alunos ingressantes e
os que já estão há um tempo na escola.
O processo de coleta de dados, ocorreu por meio da realização de três
oficinas de leitura e produção textual com alunos da 1ª e 3ª série do Ensino
Médio. A escolha pelas duas séries, deu-se, pelo fato de, muitos alunos,
desde o início dessa etapa de ensino da Educação Básica, já começarem
a se preparar para tal exame, alguns chegando a realizarem as provas, na
condição de ‘treineiros’, com a finalidade apenas de verificar o nível de
conhecimento nas diversas áreas de currículo da Educação Básica, e, em
especial, na Redação, que tem valor quantitativo, a metade da pontuação
no ENEM.
Após a realização, para o movimento de análise, foram selecionados
excertos de 10 redações, nas quais se percebeu a maior ocorrência das
figuras de linguagem e na maneira em que elas auxiliam a responder o
problema de pesquisa. Mas, por uma questão de recorte, neste texto, após
a discussão teórica, a seguir, sobre argumentação e produção textual na
Educação Básica, traz-se apenas 5 excertos das redações, a fim de verificar
o fenômeno analisado.

Argumentação e produção textual na educação básica: o


foco no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem)

A voz comumente chamada de retórica, a arte de convencer e


persuadir diante de quaisquer públicos, surgiu na cidade de Atenas, na
Grécia Antiga, em meados dos anos 427 a. C. Nesse contexto, os atenienses
estavam vivenciando suas primeiras experiências com a tão esperada
democracia, sendo consolidada por Sólon e seus princípios de gestão, na
qual abandonava o autoritarismo e passava, de fato, ouvir a população.
Assim, o saber convencer e persuadir, através de argumentos sólidos,
com outros cidadãos nos tribunais, bem como, nas assembleias legislativas,
tornou-se questão de honra. Visando ao aprimoramento de tal arte, surgiu
um grupo de estudiosos itinerantes, que se autodenominavam sofistas,
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 119


capazes de transpassar ensinamentos de como bem falar e escrever, uma
vez que esses itinerantes eram sábios e importantes pensadores acerca da
sabedoria.
Em virtude de os estudos priorizarem a retórica de cunho científico,
ela era delimitada a esse âmbito, através de conhecimentos empíricos sobre
determinadas questões, não se valia de verdades absolutas, já que impunha
diferentes maneiras de se ver um objeto. Com base nisso, assim como
nos dias de hoje, em que a retórica se vincula à linguística e sua gama de
estudos sobre a linguagem, passou-se a discutir mais sobre diversas opiniões,
técnicas de aprimoramento da argumentação e uma maior abertura para a
presença de ideias oriundas de qualquer área.
À guisa disso, vale salientar que as pesquisas sobre argumentação têm
se difundido hodiernamente em virtude de ela ser considerada a Nova
Retórica, uma concepção moderna mais revitalizada. Nisto, Plantin (2008,
p. 64), define a “situação argumentativa típica como o desenvolvimento e
o confronto de pontos de vista em contradição, em resposta a uma mesma
questão”.
Conforme mencionado, o ato de argumentar está interligado ao
paralelo de pontos de vistas diferentes, porém, de uma mesma situação.
Baseada na importância da argumentação em âmbitos diversos, ela se insere
no contexto escolar da Educação Básica, desde os últimos anos do Ensino
Fundamental até adentrar na vida acadêmica, pelo menos em teoria.
Essa argumentação, oral ou escrita, ocorre por meio de textos, que
segundos os principais documentos oficiais, orientadores do ensino na
Educação Básica: os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (BRASIL;
1997; 1998) e, mais recentemente, a Base Nacional Comum Curricular
(BRASIL, 2018), trazem, respectivamente, as seguintes compreensões
sobre texto:

O discurso, quando produzido, manifesta-se linguisticamente por meio de


textos. O produto da atividade discursiva oral ou escrita que forma um todo
significativo, qualquer que seja sua extensão, é o texto, uma sequência verbal
constituída por um conjunto de relações que se estabelecem a partir da coesão
e da coerência. Em outras palavras, um texto só é um texto quando pode ser
compreendido como unidade significativa global. Caso contrário, não passa de
um amontoado aleatório de enunciados. (BRASIL, 1998, p. 21)
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 120


Já o documento oficial de 2018, a BNCC, demonstra uma sintonia
e “um movimento de continuidade e avanço nas concepções sobre texto”
(LIMA, 2020, p. 01), a partir da ideia expressa no documento de 1998.
Veja-se:

Tal proposta assume a centralidade do texto como unidade de trabalho e as


perspectivas enunciativo-discursivas na abordagem, de forma a sempre relacionar
os textos a seus contextos de produção e o desenvolvimento de habilidades ao uso
significativo da linguagem em atividades de leitura, escuta e produção de textos
em várias mídias e semioses.
Na esteira do que foi proposto nos Parâmetros Curriculares Nacionais,
o texto ganha centralidade na definição dos conteúdos, habilidades e
objetivos, considerado a partir de seu pertencimento a um gênero discursivo
que circula em diferentes esferas/campos sociais de atividade/comunicação/
uso da linguagem. Os conhecimentos sobre os gêneros, sobre os textos, sobre a
língua, sobre a norma-padrão, sobre as diferentes linguagens (semioses) devem ser
mobilizados em favor do desenvolvimento das capacidades de leitura, produção e
tratamento das linguagens, que, por sua vez, devem estar a serviço da ampliação
das possibilidades de participação em práticas de diferentes esferas/campos de
atividades humanas. (BRASIL, 2018, p. 67) (Grifos nossos)

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio


(PCNEM), “o aluno deve ser considerado como produtor de textos, aquele
que pode ser entendido pelos textos que produz e que o constituem como
ser humano” (BRASIL, 2000, p. 18). Priorizando os discentes, os PCNEM
demandam algumas orientações aos docentes.

Não se pode tomar o aluno como um receptor passivo dos conhecimentos


ministrados pelo professor. Na interação que estabelece com o assunto, o
professor e os colegas, o aluno deve tornar-se sujeito da própria aprendizagem,
revelando autonomia para lidar com a construção do conhecimento. (BRASIL,
2000, p. 61).

Para tanto, o aluno deve ser capaz de produzir conhecimento e


promover a escrita de textos que expressem sua opinião, baseada em estudos
e experiências vivenciadas por ele. Segundo o edital do Exame Nacional do
Ensino Médio (ENEM), publicado pelo Ministério da Educação (MEC),
no ano de 2013:
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PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 121


A proposta da Redação do Enem é elaborada de forma a possibilitar que os
participantes, a partir de uma situação-problema e de subsídios oferecidos,
realizem uma reflexão escrita sobre um tema de ordem política, social ou cultural,
produzindo um texto dissertativo-argumentativo em prosa. (BRASIL, 2013, p.
01)

Esse texto escrito pelos discentes deve se adequar e contemplar as


cinco competências levadas em consideração pelo ENEM, as quais
não terão grande destaque nesse estudo. Desse modo, os alunos devem
produzir textos dissertativo-argumentativos que explorem argumentos e
opiniões acerca de uma situação-problema e elaborem propostas eficazes
que condizem com o assunto abordado, tendo o devido cuidado para não
ir de encontro aos direitos humanos.
O ENEM aborda o gênero textual em questão, a partir da seguinte
matriz de cinco competências disposta no Quadro 01, a seguir:

Quadro 01: Competências exigidas na redação do ENEM

COMPETÊNCIAS EXIGIDAS NA REDAÇÃO DO ENEM


1 Demonstrar domínio da norma padrão da língua escrita
2 Compreender a proposta de redação e aplicar conceitos das várias áreas do
conhecimento, para desenvolver o tema dentro dos limites estruturais do texto
dissertativo-argumentativo.
3 Selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e
argumentos em defesa de um ponto de vista.
4 Demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a
construção da argumentação.
5 Elaborar proposta de intervenção para o problema abordado, respeitando os direitos
humanos, éticos e culturais.
Fonte:(BRASIL, 2013, p. 01-03).

Ao final do Ensino Médio, espera-se que os indivíduos disponham


de uma maturidade intelectual a mais e que tenham plena capacidade de
defender seus pontos de vista, mesmo diante da precariedade no ensino,
ora por conta dos docentes, ora por falta de interesse dos discentes, a tão
desejada escrita adequada anda longe de ser alcançada.
Segundo Abreu (2004), em sua obra A arte de argumentar, ler,
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 122


falar e escrever bem são elementos básicos para o desenvolvimento de
quaisquer indivíduos e ressalta que a leitura é um instrumento essencial, na
construção de um cidadão atuante em meio a sua sociedade. O hábito da
leitura possibilita entre outros benefícios, a ampliação do vocabulário e o
desenvolvimento do senso crítico, proporcionando uma melhoria no falar
e no escrever, oferecendo ao educando maiores habilidades para gerenciar
informações.
Dando continuidade, Abreu (2004) afirma que argumentar é algo
construído gradativamente, na prática, e, para isso, é necessário se aliar
ao hábito de ler, uma vez que a leitura nos impulsiona para a aquisição
da capacidade argumentativa, expondo nossas ideias de maneira clara e
objetiva, para assim, sermos seres que respeitem as opiniões do outro.
A estrutura do texto dissertativo-argumentativo propõe que o aluno
dialogue com temas sociais avaliados pelo ENEM, possibilitando que ele
reflita e se perceba como cidadão. Para tanto, também dispõe de linguagem
própria para o gênero, com conectivos e mecanismos linguísticos, além de
palavras próprias que correlacionem as ideias (coesão e coerência), encadeiem
os argumentos que tragam efeitos de causa, consequência, explicação etc.
Nisto, o estilo argumentativo traz argumentos que provoquem no leitor
uma reflexão e uma adesão ao que se pretende modificar diante dos temas.
Portanto, o ensino do texto-argumentativo é de extrema importância
para a formação social, crítica e cultural do aluno, cabe, então, relembrar
o papel do professor e da escola para orientar os alunos nas escolhas de
argumentos plausíveis e exercer cidadania. Atualmente, com “bombardeio”
de informações, “torna-se necessário formar alunos com capacidade crítica,
a fim de que possam discriminar os problemas, estabelecer valores e efetuar
escolhas sensatas” (SILVA, 2002, p. 52).
Para a devida compreensão das facetas da argumentação e como ela se
apresenta na escrita, a partir do uso das figuras de linguagem, apresenta-se,
a seguir, um recorte de análise.
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PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 123


Figuras de linguagem e construção do argumento: uma
proposta de análise a partir de redações modelo Enem

Recorta-se, neste tópico, as ocorrências das figuras de linguagem:


metáfora, metonímia e hipérbole, empregadas, por vezes, sem a menor
pretensão pelos estudantes nos trechos de algumas redações. O corpus
aqui apresentado, possui um total de 5 excertos2, retirados de 10 textos
dissertativo-argumentativos de alunos da 1ª e 3ª série do Ensino Médio de
uma escola pública.

Excerto n° 1

Tema: Doenças da mente na contemporaneidade: depressão, ansiedade e suicídio.

Título: Equação da vida

A depressão é uma doença que afeta, primeiramente, o cérebro diminuindo os


neurotransmissores, como serotonina, dopamina e noradrenalina. Depois que os
transmissores são afetados, o corpo e a mente começam a sofrer as consequências.

Nesse primeiro excerto, escrito por uma aluna da 1ª série, percebe-se


a metáfora presente já no título “Equação da vida”, denotando a ideia de
que a vida é um somatório de escolhas e ações e que levam a resultados.
Ainda com relação ao título, a estudante emprega essa figura de linguagem,
através do uso da palavra “equação”, que nesse contexto denota um
sentido diferente de seu original do âmbito da Matemática. Também, há
eventualidade no primeiro parágrafo, na última linha, com a expressão “o
corpo e a mente começam a sofrer consequências”, implicando o verbo
“sofrer”. Assim, a metáfora aparece como mecanismo de comparação entre
o corpo e a mente com os sofrimentos que os seres humanos expressam.
Parafraseando Abreu (2004), a metáfora exprime um conceito de

2 Os excertos foram transcritos, a fim e tornar mais legíveis a visualização e compreensão, sobretudo, a caligrafia, que ficou
bastante comprometida por meio de imagem fotografada. No entanto, no processo de transcrição, respeitou-se fielmente a
escrita dos alunos, de modo que eventuais desvios de correção gramatical e ortográfica, como acentuação, pontuação etc.,
foram mantidos, em virtude, inclusive, de que esse não é o objeto de análise.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 124


transportação, passando do sentido próprio da palavra para o figurado.
Com isso, nota-se que esse instrumento linguístico auxilia na argumentação,
posto que enfatiza uma comparação entre duas faces.

Excerto nº 2

No filme “Sierra Burguess is a loser”, trata sobre uma garota que está acima
do peso e sofre bullying de outras por isso. Ao passarem o número dela para
um garoto por brincadeira, ele a chama e a mesma finge ser outra pessoa por
vergonha de si. Trazendo isso para os dias de hoje, podemos perceber que há
algo muito recorrente as pessoas fingirem ser algo que não são, principalmente,
nas redes sociais. O que pode além de desencadear a falta de autoestima, levar à
depressão.
O consumismo é um dos principais fatores para levar alguém a obesidade, o
consumo excessivo de carboidratos E outros tipos de nutrientes. Junto com eles,
o sedentarismo pode acarretar o aumento excessivo de peso. De acordo com a
biologia, o alimento que consumimos no nosso corpo se transforma em energia,
porém se não for utilizada ela irá gerar gordura e consequentemente o aumento
de peso.
Perante isso, o número de pessoas com problemas psicológicos só aumenta,
muitas delas são atraídas a repor seu sentimento de prazer em comida. O que
pode resultar não só em mais doenças mentais, mas em diversas outras doenças
como hipertensão, diabetes etc.
Com isso, conclui-se que é necessário saber como falar e o momento de comentar
sobre o peso de alguma pessoa, para que não haja má interpretação e desencadeia
outros problemas. Em relação a nossa rotina diária e consumista, devemos nos
manter no controle procurar um outro sionista. Os pais também devem estar
atentos para que as crianças não comam “porcarias” em acesso e no final acabem
sem poder realmente comer. Contudo, não se pode deixar levar pelas dietas sem
rumo e cair em outros tipos de doenças, como anorexia.

Nessa redação, produzida por uma aluna da 1ª série, há uma maior


presença de figuras de linguagem, dentre elas, a metáfora, a metonímia
e a hipérbole. Em primeira análise, é possível notar no segundo período
do primeiro parágrafo, “ao passarem o número dela”, a existência da
metonímia, que conforme Abreu (2004, p. 50) “é o emprego dum nome
por outro”, quando houve substituição da expressão “número de telefone”,
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 125


já que fica subentendido que o número passado corresponde ao telefone
celular, ou seja, o uso da parte pelo todo da expressão.
Também no primeiro parágrafo, no último período, inicia-se “O que
pode além de desencadear baixa autoestima, levar à depressão”, percebe-se
a presença da metáfora na utilização do verbo “desencadear”, uma vez que,
segundo o dicionário (FERREIRA, 2010), tem por conceito ‘desprender-
se ou separar elos’. Nesse sentido, a metáfora traz a ideia da consequência,
sendo a baixa autoestima, isto é, transcorre de um contexto para outro,
denotando sentido figurado.
Dando continuidade, no terceiro parágrafo, na expressão “o número
de pessoas”, a palavra “número” expressa quantidade, designando a
existência da figura de linguagem metonímia novamente, pois demonstra
uma relação entre número e quantidade. Outrossim, ainda no terceiro
parágrafo, ocorre a presença da figura metafórica no trecho: “atraídos em
repor seu sentimento”, quando traça uma linha tênue entre restituir algo
que havia sido tirado, no caso o prazer de comer e o efeito que a palavra
“repor” traz.
Da mesma forma, no quarto parágrafo, no último período, o autor
exibe duas expressões metafóricas. A primeira, “dietas sem um rumo”,
configura-se em uma metáfora de percurso, segundo Abreu (2004), pois
associa um problema a uma “solução”, contudo, no caso da expressão usada
pela aluna expõe o sentido de não haver objetivo ou caminho certo. Já a
segunda expressão, “cair em outras doenças”, o verbo “cair”, tem sentido de
queda, tombo, não obstante, na expressão ele suscita a ideia de aquisição
de outras enfermidades.

Excerto nº 3

Os índices de obesidade continuam crescendo no Brasil, as pessoas estão


se tornando cada vez menos saudáveis, comendo em excesso alimentos
industrializados e comidas mais gordurosas. Mesmo que uma parte da população
esteja em busca de uma vida mais leve e livre de açúcares e lipídios, a outra só se
afunda mais nesse mar de calorias.
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PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 126


Ao longo desse texto, escrito por um estudante da 1ª série, identifica-
se a presença das figuras de linguagem mencionadas anteriormente. Já no
início do parágrafo, há um contraste e uma ocorrência, sutil, da figura
de linguagem hipérbole, que se constitui no exagero em mencionar algo,
quando utiliza as expressões “continuam crescendo”, e, em seguida, “cada
vez menos”, denotam uma ideia de intensidade nas eventualidades.
Dando continuidade, no segundo período do parágrafo acima, o
trecho “em busca de uma vida mais leve e livre”, transmite uma relação
entre palavras e seus sentidos explícitos, configurando-se na metáfora.
Nisso, remete a um aspecto de libertação dos alimentos hipercalóricos.
Em paralelo, o verbo “afunda” também expõe um sentido metafórico,
uma vez que foi utilizado fora de seu contexto natural, além do mais, esse
verbo tem seu sentido completo através da expressão “mar de calorias”,
usado em seguida. Nesse sentido, o estudante fez uso de duas expressões
completivas, que, na segunda, denota uma ideia de infinito, posto que no
mar, há ocorrência do afogamento, nisso, afundar.

Excerto nº 4

Todo esse número de pessoas obesas no Brasil pode estar sendo causado por
inúmeros fatores, entre eles, a falta de tempo que leva as pessoas a preferirem
uma comida industrializada e rápida, lotada de conservantes.

À medida em que se seguiu à redação, surgiram outros exemplos das


figuras apresentadas. No trecho acima, as expressões “inúmeros fatores” e
“lotada de conservantes”, trazem consigo a hipérbole, pois esses enunciados
abrangem uma intensidade de forma exagerada, uma força ilocucionária
ímpar e singular de quantidade em excesso. Além disso, o termo “lotada”,
também transmite uma ideia metafórica, pois utilizou uma palavra fora de
seu contexto original.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 127


Excerto nº 5

[...] nutricionistas e preparassem com antecedência suas refeições para que


não fosse necessário o consumo de comidas enlatadas ou lanches rápidos que
encontramos pelas ruas.

Por fim, a metonímia, que segundo Sarmento; Tufano (2001, p.


361), “é a substituição de uma palavra por outra com a qual tenha relação
de semelhança de sentido”, apareceu no último parágrafo do texto por
intermédio da expressão “lanches rápidos que encontramos pelas ruas”,
que seriam os famosos fastfoods, além do que, implica o sentido de comida
comprada, quando diz “pelas ruas”.

Considerações finais

Acreditar que o ensino de Língua Portuguesa na educação escolar


básica está prestes a se tornar, de fato, totalitário e idôneo com relação
aos objetivos que se tem a alcançar é, no mínimo, ingenuidade. À vista
disso, baseado nas experiências vivenciadas através da oficina de produção
textual, aliada aos teóricos que dialogam sobre a sistemática do ensino de
gramática, percebe-se que ainda existem problemas e falta do cumprimento
e respeito aos PCN (BRASIL, 1997; 1998), e, mais recentemente, a BNCC
(BRASIL, 2018), documentos oficiais, que, em tese, seriam basilares para
o aprendizado satisfatório dos alunos em qualquer estágio da vida escolar.
Com base nas discussões apresentadas neste trabalho, identifica-
se que um dos principais empecilhos para que esse ensino seja eficaz e
usufruído, tanto dentro, quanto fora das paredes da escola, é o fato de que
a língua ainda é vista apenas como instrumento de comunicação e não de
significação do mundo em derredor. Aliado a esse fato, as línguas tiveram
sua identidade limitada a regras, nomenclaturas arbitrárias e exemplos
prontos, desvinculando a realidade da ocorrência de seus usos.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 128


Por conseguinte, no decorrer deste trabalho, evidenciou-se a
importância dessas ferramentas da linguagem na construção do texto
do ENEM, não permitindo seu uso apenas estilístico ou literário, mas
tratando-as como fortes aparatos para compor a argumentação presente
em quaisquer tipos de texto. Tal fato constatou-se com bases em alguns
autores presentes nesta pesquisa, os quais trazem a argumentação como
ponto chave de uma interação, logo, as figuras de linguagem, usuais tanto
na fala quanto na escrita, se tornaram parte integrante das facetas da
argumentação, mesmo que inconsciente.
No mais, fazendo um comparativo entre as duas séries escolares,
é possível notar que depende de várias questões para que o ensino seja
eficaz. Uma delas, os professores, são responsáveis por direcionar os
alunos à caminhada linguística, não somente de interpretar textos, mas de
saber dialogar com eles, expor opiniões, argumentar contra ou a favor de
determinada questão. Porém, notou-se que ainda não há um ensino eficaz
acerca da argumentação, o que traz ao não domínio desta por partes dos
alunos.

Referências

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Ateliê Editorial, 2004.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: primeiro
e segundo ciclos do Ensino Fundamental: Língua Portuguesa (1ª a 4ª séries). Brasília:
MEC/SEF, 1997.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro
e quarto ciclos do Ensino Fundamental: Língua Portuguesa (5ª a 8ª séries). Brasília: MEC/
SEF, 1998.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros
Curriculares Nacionais (Ensino Médio): Parte I - Bases Legais. Brasília: MEC, 2000.
BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Edital nº 01, de 08 de maio de 2013. Exame Nacional
do Ensino Médio – ENEM. Disponível em: < http://mec.gov.br/enem-edital-2094708791 >.
Acesso em: 06 out. 2019.
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Educação é a Base: Educação Infantil,
Ensino Fundamental e Ensino Médio. Brasília: MEC/CONSED/UNDIME, 2018. 600 ps.
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PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 129


Disponível em: < http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_
versaofinal_site.pdf >. Acesso em: 05 jan. 2020.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário da Língua Portuguesa. 5. ed. Curitiba:
Positivo, 2010.
FLIK, Uwe. Introdução à pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Artmed, 2009.
LIMA, Francisco Renato. O sujeito no texto e o texto na sala de aula: perspectivas
dialógicas e o discurso oficial sobre o ensino da língua materna. In: COLÓQUIO SOBRE
GÊNEROS & TEXTOS (COGITE), 7., 2020. Teresina. Anais eletrônicos... Teresina:
Núcleo Cataphora/PPGEL/UFPI, 2020. p. 01-21. Disponível em: < https://revistas.ufpi.br/
index.php/ancogite/article/viewFile/11656/pdf >. Acesso em: 10 jan. 2021.
PLANTIN, Christian. A argumentação. Trad. Marcos Marcionilo. São Paulo: Parábola,
2008.
SARMENTO, Leila Luar; TUFANO, Douglas. Literatura, Gramática e Produção de Texto.
São Paulo: Moderna, 2005.
SILVA, Elisabeth Ramos da. O desenvolvimento do pensar crítico no ensino da língua
materna: um objetivo de natureza transdisciplinar. In: SILVA, Elisabeth Ramos da Silva
(Org.). Texto e ensino. Taubaté: Cabral Editora, 2002.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 130


https://doi.org/10.52788/9786599282492-1.7 CAPÍTULO 7

A entrevista de especialista e o
desenvolvimento das capacidades
linguageiras: um relato de
experiência1

Juliana Fioroto
Joseane Brito Martins Nascimento
Kelli Mileni Voltero

Introdução

O ensino da oralidade e da escrita a partir dos gêneros textuais na sala


de aula tem sido objeto de estudo desde os finais dos anos 90, quando os
PCN colocaram em evidência a importância do estudo da língua através
dos gêneros orais e escritos. Os próprios documentos oficiais do final da
década de 1990 – PCN para o primeiro e segundo ciclos (Brasil, MEC/
SEF, 1997); PCN para língua portuguesa: terceiro e quarto ciclos (Brasil,
MEC/SEF, 1998) – tiveram grande influência das pesquisas realizadas pela
Universidade de Genebra e isso gerou grande número de estudos e pesquisas
também pautados nessa abordagem do interacionismo sociodiscursivo
(ISD) (MACHADO; GUIMARÃES, 2009).
O ISD, proposta epistemológica criada por Jean Paul Bronckart, em
colaboração de Bernard Schneuwly, Joaquim Dolz, entre outros professores-
pesquisadores formaram a Unidade de Didática das Línguas. A Didática
das Línguas (DOLZ; GAGNON; DECÂNDIO, 2009) configura-se como
uma disciplina acadêmica nova, cujos trabalhos direcionam-se ao estudo
dos fenômenos do ensino e da aprendizagem das línguas na escola.

1 Agradecemos à Profa. Dra. Lília Santos Abreu-Tardelli pela leitura atenta e valiosas contribuições a este
trabalho.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 131


Embora já haja pesquisas há quatro décadas, ainda sentimos a
necessidade de se aprimorar os estudos com base em gêneros, sobretudo
no que diz respeito ao ensino dos gêneros orais, objeto de estudo desse
artigo. As autoras Abreu-Tardelli e Voltero (2019) apresentam brevemente
as “trajetórias” do ensino da oralidade, destacando desde alguns dos
clássicos que priorizam a importância do oral nas práticas sociais para fins
de persuasão, às propostas do ensino da oralidade no Brasil, iniciando-se
com Mattoso Câmara Jr. e ganhando destaque com a entrada nos PCN e
os estudos do ISD no Brasil (ABREU-TARDELLI; VOLTERO, 2019).
Neste artigo, nós nos propomos a partir das contribuições da
engenharia didática, sobretudo no que se diz respeito à oralidade no
ensino e o desenvolvimento das capacidades de linguagem dos estudantes,
contribuir com reflexões a partir de análises sobre o desenvolvimento dessas
capacidades no gênero textual oral entrevista por meio de uma Sequência
Didática (SD). Para isso, analisamos as produções textuais do gênero
entrevista de especialista, gravadas pelos alunos da 2ª série do Ensino
Técnico Integrado ao Médio (ETIM) do curso de Informática de uma
escola técnica (ETEC), localizada no noroeste paulista, fruto da disciplina
de Língua Portuguesa, Literatura e Comunicação Profissional2.
Para a análise dos dados, pautaremo-nos em autores das didáticas de
línguas do interacionismo sociodiscursivo (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004;
BRONCKART, 1999/2007) que propõem a produção textual como
prática social e definem a SD como um conjunto de atividades escolares
que visam a auxiliar os alunos a desenvolver suas capacidades de linguagem
que se dividem em capacidade de ação, discursiva e linguístico-discursiva
para a produção e compreensão de gêneros textuais orais ou escritos.
Organizamos o capítulo da seguinte forma: inicialmente,
apresentaremos as bases teóricas que norteiam esse trabalho, singularmente,
sobre o ensino de gênero textual. Em seguida, descreveremos sobre o
gênero entrevista de especialista e, posteriormente, relataremos a nossa
experiência didática. Depois, expomos a metodologia utilizada que nos

2 As gravações realizadas pelos alunos foram transcritas e analisadas para fins desta pesquisa.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 132


permitiu alcançar os resultados de análise, e por fim, as considerações
finais que sinalizam a predominância da capacidade de ação, bem como a
importância da discussão sobre carreiras profissionais para o Ensino Médio
(EM).

O Ensino de gêneros segundo a Didática de Línguas

Para discutirmos a proposta do ensino de gêneros textuais, partiremos


da tese de Schneuwly (2004) que compreende o gênero como um
megainstrumento de desenvolvimento. Segundo Schneuwly e Dolz (2004,
p. 61), os gêneros textuais são instrumentos que possibilitam a “articulação
entre as práticas sociais e os objetos escolares, mais particularmente, no
domínio do ensino da produção de textos orais e escritos.”. Dessa forma,
o ensino-aprendizagem por meio de gêneros textuais auxilia o aluno a
interagir nas situações de comunicações e na sociedade.
Buscando a compreensão do gênero textual como objeto ensinável,
Dolz e Schneuwly (2004, p. 63) mencionam que toda ação de linguagem
implica ao sujeito “adaptar-se às características do contexto e do referente
(capacidades de ação), mobilizar modelos discursivos (capacidades
discursivas) e dominar as operações psicolinguísticas e as unidades
linguísticas (capacidades linguístico-discursivas).”. Para tanto, toda
sociedade elabora formas relativamente estáveis de textos, os gêneros
textuais. Estes se definem por três dimensões: os conteúdos, a estrutura
comunicativa e as configurações específicas das unidades linguísticas, ou
seja, as capacidades de linguagem.
Segundo Machado e Cristovão (2006), o conhecimento precisa passar
por uma transformação, e a transposição didática assume esse processo como
intermediador entre o saber científico e o saber disciplinar, transformando
assim o conhecimento teórico em conhecimento didático, pois só assim é
possível que o ensino seja concretizado.
Entretanto, consoante aos pesquisadores do Grupo de Genebra, para
que esse processo de transposição de um gênero se torne efetivo, é preciso,
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 133


primeiramente, a elaboração de uma ferramenta mediadora das dimensões
ensináveis desse gênero, a qual os mesmos autores denominam de modelo
didático do gênero.
O modelo didático do gênero, de acordo com Machado e Cristovão
(2006), a partir da leitura dos autores genebrinos, tem o objetivo de nortear
as práticas escolares de produção textual. Dessa forma, consoante as autoras,
o modelo parte da análise de diferentes textos de um determinado gênero,
corpus, que apresentam, por sua vez, a situação de comunicação, contexto
de produção, sua estrutura composicional e a linguístico discursiva, ou seja,
as dimensões ensináveis do gênero, que são fatores básicos para a análise
textual.
É importante destacar, ainda, que, de acordo com Abreu-Tardelli e
Apostolo (2018, p. 365), “o modelo didático é algo provisório, e que tem
sua estrutura modificada conforme a evolução do sistema escolar”. Segundo
as autoras, o modelo didático deve sempre estar em transformação em
consonância às práticas sociais e às capacidades dos alunos. Assim, Machado
e Cristovão (2006), com base em Dolz e Schneuwly (1998), sintetizam que a
construção do modelo didático dependerá do conhecimento sobre o gênero
que envolve as capacidades e dificuldades dos estudantes, as experiências de
ensino-aprendizagem desse gênero, bem como as prescrições que constam
nos documentos oficiais sobre a prática docente.
Nesse sentido, é a partir desses princípios e conhecimentos que as
SD de produção textual devem ser desenvolvidas, considerando todos
esses aspectos. Para tanto, a fim de que um gênero textual seja ensinado
adequadamente, é necessário que o docente se atente também sobre
a importância da SD, tanto em seu aspecto de produção quanto de
aplicabilidade.
Abreu-Tardelli et al. (2018) apontam que, na figura que representa
uma SD apresentada por Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004)3, fica
implícita a complexidade teórico-metodológica da proposta de SD
dentro da perspectiva do ISD, o que pode ter contribuído para as leituras
3 O esquema da sequência didática elaborado pelos autores genebrinos pode ser vislumbrado em (DOLZ, NOVERRAZ,
SCHEUWLY, 2004, p. 83).
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 134


equivocadas com visão reducionista tanto dessa abordagem como do
próprio esquema. Dessa forma, os autores revisitam conceitos-chave da
abordagem de ensino de gêneros textuais fundamentada sob a perspectiva
do ISD, com o objetivo de discuti-los e propor uma reestruturação do
modelo de SD (ABREU-TARDELLI et al., 2018).

Figura 1 - Proposta de reestruturação do modelo de SD

Fonte: ABREU-TARDELLI et al., 2018, p. 239

Segundo os autores, esta releitura se faz para evidenciar as seguintes


questões dentro da SD: (i) a interligação entre as etapas da SD; (ii) a
ação do docente como mediador do processo de ensino e aprendizagem;
(iii) o gênero a ser ensinado como um instrumento; (iv) o ensino do
gênero com o objetivo de desenvolver as capacidades de linguagem; (v) a
avaliação sendo incluída durante todo o processo; (vi) a escolha de gêneros
proveniente de diferentes situações sociais nas quais se quer inserir o aluno;
(vii) o desenvolvimento numa perspectiva vigotskiana, em que o avanço de
uma etapa para outra em forma de espiral, sendo estas constituídas pelos
desenvolvimentos das capacidades de linguagem. (viii) o produto final
como resultado de todas as etapas do processo de ensino e aprendizagem
(ABREU-TARDELLI et al. 2018).
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 135


Ademais, o objetivo principal em utilizar uma SD é a de aprimorar uma
determinada prática de linguagem. Para isso, um conjunto de atividades
escolares são organizadas em torno de um determinado gênero textual,
que estão presentes nas SDs, e que circulam em determinadas situações
sociais de comunicação, possibilitam aos alunos utilizar a língua em
várias situações comunicativas cotidianas com competência, e não apenas
oferecem produções de textos de modo superficial e mecanicista, fazem
com que o aluno reflita sobre a língua (e pela língua).
Dessa forma, as compreensões de um texto e de sua escrita requerem
o aprendizado das capacidades de linguagem. O modelo de análise textual
de Bronckart (1999/2007) apresenta uma ligação com esses três tipos
de capacidades de linguagem de Dolz e Schneuwly (1998) que serão
esquematizados a seguir por meio de estudos feitos por Machado (2004).

Quadro 1 - A relação entre as capacidades de linguagem, operações e níveis de análise


Capacidades de Operações Níveis de análise
linguagem
1. Levantamento de hipóteses sobre
1. Mobilização de representações as representações do produtor
sobre ● o contexto físico da ação
● o contexto físico da ação ● o contexto sociossubjetivo
Capacidade de
● o contexto sociossubjetivo ● conhecimentos de mundo que
ação
● conhecimentos de mundo que podem ser verbalizados
podem ser verbalizados 2. Levantamento de conhecimentos
2. Adoção do gênero. já construídos sobre o gênero em
questão

3. Gerenciamento da
3. Análise da infraestrutura textual:
infraestrutura textual
3.1 Identificação dos tipos de
Capacidade 3.1 escolha(s) dos tipos de
discurso e de sua articulação
discursiva discurso
3.2 identificação do plano global
3.2seleção e organização global e
do texto e dos tipos de sequências
local dos conteúdos
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 136


4. Textualização 4. Identificação dos mecanismos
4.1 estabelecimento de relações de textualização
entre os segmentos, enunciados, 4.1 da conexão e da coesão nominal
orações e verbal
Capacidade
4.2 estabelecimento de um 4.2 de mecanismos enunciativos
linguístico-
posicionamento: - de inserção de vozes
discursiva
- gerenciamento das vozes - de modalizações
- expressão de modalizações
5. Construção de enunciados
6. Seleção de itens lexicais
Fonte: Quadro adaptado de (MACHADO, 2004, p. 27).

As capacidades de linguagem são divididas em: capacidade de


ação, que possibilita representações do contexto da ação de linguagem,
adaptando sua produção aos parâmetros do ambiente físico, social e
subjetivo, assim como ao referente textual. A capacidade discursiva permite
gerenciar a infraestrutura geral de um texto–plano geral, tipos de discurso
e sequências textuais, de um conteúdo ou da elaboração deste conteúdo;
e por fim, a capacidade linguístico-discursiva,que envolve as operações
linguístico-discursivas implicadas na produção textual e são representadas
pelos: mecanismos de textualização; e mecanismos enunciativos. Também
entram nesse nível a elaboração de enunciados e as escolhas lexicais. E,
além disso, os meios não linguísticos da comunicação oral tais como meios
paralinguísticos, meios cinésicos, posição dos locutores, aspecto exterior e
disposição dos lugares. (DOLZ; SCHNEUWLY; HALLER, 2004).
A seguir, apresentaremos as características do gênero entrevista de
especialista, para que possamos compreender de que forma o ensino do
oral, na abordagem aqui apresentada, pode ser adaptado a partir e propostas
já existentes nos materiais didáticos.

O gênero entrevista segundo diferentes autores

O gênero entrevista pode “apresentar múltiplas facetas, dependendo


da abordagem teórica que subsidia a pesquisa”, segundo Neto e Santos
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 137


(2017, p. 245). Os autores Neto e Santos (2017) fizeram um apanhado
sobre o conhecimento desse gênero, a partir de uma breve, mas significativa
bibliografia publicada no Brasil desde a década de 1970, sobretudo a do
campo jornalístico. Esse levantamento possibilitou os autores a concluírem
que existe uma plasticidade do gênero entrevista e que, na maioria das
vezes, não há consenso entre os teóricos.
Nesse contexto, afirma Hoffnagel (2010, p. 196) que “tomando gênero
como um evento comunicativo e não uma forma linguística, podemos
considerar a entrevista como uma constelação de eventos possíveis”. A autora
cita tais eventos como a entrevista jornalística, entrevista médica, entrevista
científica, entrevista de emprego etc., os quais parecem ter em comum uma
característica, que se apresenta numa estrutura marcada por perguntas e
respostas, porém manifestados por estilos e propósitos diversos. Segundo
Marcuschi (2000), nem sempre textos que se estruturam em perguntas
e respostas são entrevistas, é o caso do “exame oral” em que o aluno é
questionado pelo professor. Dessa forma, eventos como esse apresentam
aspectos semelhantes e distintos em alguns pontos.
Tais apontamentos nos levam a observar que não há de fato, uma
precisão do gênero entrevista, contudo sabemos que ela é um gênero
que requer um entrevistador e um entrevistado e o que a diferencia dos
demais “tipos” são os propósitos para a sua realização. Assim, de acordo
com Marcuschi (2000), esse gênero possui itens gerais comuns a todos os
subgêneros, a saber: 1) sua estrutura será sempre caracterizada por perguntas
e respostas, envolvendo pelo menos dois indivíduos o entrevistador e o
entrevistado; 2) o papel desempenhado pelo entrevistador caracteriza-se
por abrir e fechar a entrevista, fazer perguntas, suscitar a palavra ao outro,
incitar a transmissão de informações, introduzir novos assuntos, orientar e
reorientar a interação; 3) já o entrevistado responde e fornece as informações
pedidas; 4) gênero primordialmente oral, podendo ser transcrito para ser
publicado em revistas, jornais, sites da Internet (HOFFNAGEL, 2010,
p.181).
Nesse contexto, a organização básica da entrevista segue o seguinte
esquema, (MARCUSCHI, 2000): (i) Entrevistador: pergunta (estabelece
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 138


um tópico); (ii) Entrevistado: responde (em relação ao tópico proposto);
(iii) Entrevistador: pergunta (sobre o mesmo ou outro tópico); (iv)
Entrevistado: responde (em relação ao posto).
Salientamos que a organização acima é uma forma básica da entrevista
e que ela pode se organizar de diferentes formas, visto que já foi dito, que
os vários gêneros de entrevista se diferenciam quanto aos seus propósitos e
objetivos.
Dessa forma, nas mais variáveis formas do gênero entrevista, a maioria
se refere a interações orais (entrevista com médico, entrevista de emprego
etc.), segundo Hoffnagel (2010), até mesmo as entrevistas, publicadas
em jornais e revistas, antes de serem transcritas para a publicação, foram
realizadas de forma oral.
A autora explicita três tipos de entrevistas que são publicadas em
revistas, a saber: as entrevistas com um especialista, as entrevistas com uma
autoridade e as entrevistas com pessoas públicas. Neste artigo, analisamos
o gênero entrevista de especialista, desenvolvido por meio de uma SD.
As entrevistas feitas com especialista apresentam algum assunto com
a finalidade de explicar um fenômeno. Sendo assim, cabe ao especialista
durante a entrevista informar e esclarecer certo conteúdo por ele dominado,
permanecendo atento ao seu ouvinte/leitor, a fim de considerar as
expectativas do público em relação ao assunto abordado.

A entrevista de especialista: um trabalho didático para


desenvolver as capacidades de linguagem

O trabalho com uma SD do gênero entrevista de especialista a fim


de possibilitar o desenvolvimento de capacidades linguageiras possibilita,
segundo Hoffnagel (2010), entre outras coisas, ao longo das etapas do
processo: (i) examinar o uso estratégico de formas de tratamento que
revelam as relações entre os atores sociais; (ii) descobrir as relações possíveis
a serem estabelecidas através do uso de uma das trocas mais comuns na
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 139


interação verbal – pergunta e resposta, como por exemplo, a importância
da formulação das perguntas no exercício do poder social conferido ao
entrevistador e as possibilidades e limitação na formulação de respostas;
(iii) investigar os significados possíveis transmitidos pelo layout gráfico na
apresentação das entrevistas pelas revistas (uso de citações nos títulos, nas
fotografias e em destaques; o uso ou não dos nomes dos participantes nas
trocas de pergunta e resposta, o uso de fotografias do entrevistado etc.
Dolz, Schneuwly e Haller (2004) mencionam que não são apenas
os meios linguísticos presentes em uma comunicação oral, os meios não
linguísticos da comunicação oral também precisam ser apresentados aos
discentes para o ensino e aprendizagem de gênero textual, tais como
atitudes corporais, movimentos, gestos, mímicas, qualidade de voz. As
formas de interação auxiliam o locutor em sua apresentação oral quanto ao
interlocutor, em nosso contexto entrevista oral de especialista. Entretanto,
Dolz, Schneuwly e Haller (2004) mencionam que essa comunicação
não verbal pode revelar informações indesejáveis, “essa comunicação não
verbal pode também trair o falante, quando este deixa escapar índices
involuntários de uma emoção, seja ela perceptível ou não, linguística ou
prosodicamente.” (DOLZ; SCHNEUWLY; HALLER, 2004, p. 134).
Assim, explicitamos que as formas de interação precisam ser consideradas
no processo de produção oral dialogal ou monologal.
É nesse sentido que Cristóvão e Stutz (2011, p.26) fazem referência a
Dolz & Schneuwly (1998) e a Campos e Cristóvão (2007) apresentando as
dimensões ensináveis da entrevista em três níveis de operações: a situação de
comunicação ou contexto de produção(papel do entrevistador, as restrições
sociais, preparo do conteúdo) , a organização interna da entrevista (plano
global: abertura, fase de questionamento e o fechamento) e as características
linguísticas (tipos de perguntas e as diferentes formas de elaborá-las como
mudança de tema, continuidade ou não da temática, síntese, retomar ou
reformular outra questão).
A partir dos autores supracitados (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004;
CRISTÓVÃO; STUTZ, 2011) que propõem o planejamento didático
organizado em sequências didáticas, envolvidas em um conjunto de
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 140


atividades em torno de determinado gênero que visam o desenvolvimento
de capacidades de linguagem, este trabalho busca contribuir com reflexões
a partir de análises sobre desenvolvimento dessas capacidades no gênero
textual oral entrevista.

A descrição da Sequência Didática

Nesta seção, apresentamos um relato de experiência didática, trabalho


desenvolvido durante as aulas de Língua Portuguesa por alunos da 2ª série
do ETIM do curso de Informática de uma ETEC, localizada no noroeste
paulista4. Iniciaremos com a descrição de como foi apresentado o gênero
entrevista de especialista aos alunos com atividades do livro didático
complementadas com vídeos da internet.
As atividades aqui apresentadas mostrarão as adaptações feitasno
material didático adotado pela escola, que tinha como objetivo um projeto
maior proposto pelo próprio livro para composição de uma revista. Os
alunos deveriam desenvolver entrevistas individuais ou em grupo conforme
a descrição abaixo.

Atividade proposta pelo LD – Proposta de Produção da Entrevista


HORA DE ESCREVER

Prepare-se para produzir uma entrevista, individualmente ou em grupo, conforme a


orientação do professor. O texto fará parte da revista do seu grupo, que será lançada no
projeto Fatos em revista, no final da unidade.
Fonte: CEREJA, W. R. Português Contemporâneo: diálogo, reflexão e uso. 2016, p. 234

Pensando na necessidade de os alunos conhecerem de maneira mais


aprofundada o gênero oral entrevista de especialista, foram feitas algumas
adaptações na atividade ilustrada na figura 1. Essas adaptações foram

4 Este estudo é fruto de um trabalho final da disciplina “Os gêneros textuais como instrumentos para o
desenvolvimento do aluno e do professor”, ministrada no 2º semestre de 2019 pela professora Dra. Lília Santos
Abreu-Tardelli no Programa de Pós-graduação em Estudos Linguísticos da Unesp, câmpus São José do Rio
Preto.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 141


necessárias porque a atividade solicitada pelo livro era uma produção de
entrevista escrita. Como “a entrevista é um gênero primordialmente oral”
(HOFFNAGEL, 2010, p. 197), transformamos a atividade proposta em
uma gravação de entrevista oral.
A seguir, apresentamos um quadro com a SD que possibilitou o
trabalho com o gênero oral entrevista de especialista.

Quadro 2 – Sequência didática do gênero entrevista de especialista


Sequência didática para trabalhar o gênero entrevista de especialista com alunos
da 2ª série do Ensino Médio

-Criação de condições para o aluno realizar a produção inicial;


Apresentação do projeto comunicativo e do gênero entrevista de
especialista.
Etapas/Oficinas -Projeto de classe: Apresentar vídeos produzidos pelos próprios
alunos de entrevistas de especialista sobre o tema “profissões”. Essa
proposta possibilitará ao aluno buscar um entrevistado que desperte
a curiosidade dele e o engajamento na atividade.

-Apresentar aos alunos o projeto comunicativo que dará sentido à


produção dos textos orais, visto que os alunos se encontravam em
um contexto técnico-profissionalizante e pré-vestibular para escolha
de suas futuras carreiras.
Objetivos
-Conhecer os principais elementos contextuais, estruturais e
linguísticos relacionados à entrevista de especialista que inicialmente
chamam a atenção dos alunos.
-Pesquisar e discutir sobre o gênero entrevista de especialista,
evidenciando as principais características do gênero.

1) Discussão da proposta de escrita da entrevista para compartilhar


informações com os demais alunos da sala e o professor.
2) Leitura da entrevista retextualizada “O racismo é minha luta para a
vida”, apresentada pelo livro didático.
Atividades
3) Inserções de mais entrevistas: entrevistas em vídeos e escrita para
uma discussão das impressões iniciais dos alunos sobre o objetivo
do gênero; papel social dos envolvidos; local de publicação, as
características da organização e recursos linguísticos.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 142


-Livro didático adotado pela escola
-Vídeos e texto de entrevistas de especialistas retiradas da internet:
(i)entrevistas orais
“O racismo está no dia a dia” Emicida
https://www.youtube.com/watch?v=6bwajCsUjUc
Profissões – Futuro do trabalhocom RafaelPrikladinicki
Materiais https://www.youtube.com/watch?v=MfI_-seAgzc
(ii) entrevista escrita
Profissões com Andréia Schmidt
http://www.educacional.com.br/entrevistas/interativa/profissoes/
psicologa.asp
-Vídeos desenvolvidos pelos próprios alunos por meio de aplicativos
digitais
Fonte: quadro elaborado pelas autoras
Assim, para iniciarmos a realização das etapas/oficinas presentes
no quadro anterior, com o intuito de introduzir os alunos no papel de
entrevistadores, foi proposto um trabalho em grupo durante a aula
de organização textual das perguntas que fariam parte da entrevista; a
turma foi dividida em dez equipes compostas por quatro integrantes e o
tema sugerido foi a busca por profissionais atuantes no mercado que os
interessassem, já que os alunos se encontravam nesse contexto com dúvidas
sobre as carreiras nas quais queriam seguir.
Considerando que a entrevista oral é um gênero formal público
que demanda planejamento, foi orientado aos alunos que apresentassem
as entrevistas durante as aulas e que as mesmas deveriam ser gravadas e
editadas (em um tempo mínimo de 5 minutos e máximo de 10 minutos).
Analisamos as semelhanças/diferenças e especificidades contidas nessas
produções considerando critérios linguísticos tais como: desvios de
pronúncia, improvisações e meios não linguísticos: ambiente da gravação,
vestimenta, entonação da voz.
Vale ressaltar que, em grande parte das entrevistas, professores da
própria escola estavam no papel de entrevistados, pois os alunos explicaram
que outros profissionais se negaram a dar entrevistas porque iriam ter suas
imagens divulgadas e preferiram não aceitar tal exposição; ou até mesmo
por falta de tempo para entrevistar outros profissionais, pois o curso que
estão é de período integral.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 143


Metodologia e resultados das análises

A partir das contribuições do interacionismo sociodiscursivo e da


Didática de Línguas, analisamos oito produções textuais do gênero oral
entrevista de especialista (de um total de dez). O critério para a seleção dos
textos foi a disponibilização de apenas oito das entrevistas pelos alunos.
Nossa análise se pautou: primeiro, na infraestrutura geral do texto
em que observamos o plano global das entrevistas - a organização dos
conteúdos temáticos, os mecanismos de textualização e, em seguida, nos
mecanismos enunciativos. Dessa forma, para a análise, com foco na conduta
do entrevistador, levamos em consideração os três níveis do folhado textual
(BRONCKART, (1999/2007): o contexto de produção, o plano global, as
características linguísticas e capacidades de linguagem.
A seguir, o quadro 6 mostra as oito produções desenvolvidas pelos
alunos e o plano global do gênero entrevista de especialista que foram
analisadas.

Quadro 6 – Plano global do gênero entrevista de especialista

Entrevista de Te x t o Te x t o Te x t o Te x t o Texto Te x t o Texto Texto 8


especialista 1 2 3 4 5 6 7

Apresentação ✓ x ✓ x ✓ x ✓ x ✓ x ✓ x

Saudação ✓ x ✓ x ✓ x ✓ x ✓ x ✓ x ✓ x
Inicial

Perguntas e ✓ x ✓ x ✓ x ✓ x ✓ x ✓ x ✓ x ✓ x
Respostas

Saudação Final ✓ x ✓ x ✓ x ✓ x ✓ x ✓ x

Despedida ✓ x ✓ x ✓ x
Fonte: elaborado pelas autoras.

Para a organização interna das entrevistas que foram divididas em


apresentação, saudação inicial, perguntas e respostas, saudação final e
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 144


despedida, direcionamos a atenção para o plano global. Observou-se que
a maioria dos grupos atingiu de maneira satisfatória o plano global do
gênero entrevista de especialista conforme indica o sinal (✓) no quadro 6,
entretanto apenas a despedida não foi cumprida pela maioria, ou seja, a
despedida somente estava presente nos textos 1, 3 e 8.
Sobre as apresentações, o trecho a seguir exemplifica o quesito
alcançado em todos os textos.

Excerto (1)
Entrevistador: Oi, pessoal! Estamos aqui, na nossa escola, para uma entrevista
com um de nossos professores de informática e conhecer um pouquinho de sua
carreira e de sua vida.

O entrevistado cumprimenta os interlocutores (oi, pessoal!), situa o


local da entrevista (na nossa escola) além de apresentar o entrevistado (nosso
professor de informática) que irá discorrer sobre sua trajetória profissional
e pessoal.
Ao que se refere às perguntas e respostas, retiramos das transcrições
os conteúdos temáticos que parecem ser mais recorrentes nas oito entrevistas
analisadas: formação; avaliação da escolha profissional feita; satisfação com
a profissão; dificuldades enfrentadas na profissão; locais de trabalho; dicas
para interessados na mesma profissão. Tais conteúdos podem ser observados
no excerto 2.

Excerto (2)
Qual a sua formação e em qual faculdade você se formou?
Você se arrepende da sua escolha?
Você gosta do que faz?
Quais as dificuldades que você enfrenta ou enfrentou ao longo do curso?
Em quais instituições já trabalhou?
Você tem alguma dica para deixar para as pessoas que querem entrar na mesma
área que você?
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 145


No trecho acima, há uma predominância de temas mais recorrentes
com o intuito de conhecer melhor o lado profissional do entrevistado, que
envolvem questões como a escolha da profissão, bem como seus pontos
positivos e negativos, instituições que o profissional atuou e/ou atua e dicas
aos interessados em seguir a mesma carreira. Há também um movimento
de busca de informações aos interlocutores (no caso os próprios alunos e
colegas de sala sobre as carreiras apresentadas) através do papel social do
entrevistado que assume a posição de especialista durante seu discurso.
Sobre as dificuldades dos alunos no fechamento dos vídeos (despedida),
como podemos observar (62,5%) sem despedidas ou qualquer tipo de
encerramento, há lacunas durante a organização textual final das entrevistas
referente à capacidade discursiva que poderá ser observado no excerto a
seguir.

Excerto (3)
Entrevistador: O que você diria para quem quer seguir a mesma profissão que
você?
Entrevistado: Bom, eu acho que o item número um para pessoa que quer ser
museólogo é acreditar que é possível e acreditar mesmo, estudar, se dedicar,
não ficar satisfeito só com a graduação, precisa fazer uma pós-graduação,
fazer o mestrado e... se submeter a alguns trabalhos no início de carreira sem
remuneração até fazer um bom currículo {...} (a entrevista termina com a resposta
do entrevistado).

No excerto em questão, nota-se que não há um agradecimento ao


entrevistado, além disso, também não apresenta características linguísticas
de sinalização do texto sobre a conclusão da entrevista evidenciando que o
aluno, dessa forma, não ocupa totalmente seu papel social de entrevistador.
Sobre o contexto de produção que envolve a capacidade de ação dos
alunos, foi observado que em 90% das entrevistas (i) tema, (ii) objetivo e
(iii) público alvo foram alcançados. Analisamos também que a maioria, de
maneira mecanicista, seguia as perguntas formuladas durante as aulas, sem
improvisos, como pode ser visto no seguinte exemplo:
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 146


Excerto (4)
Entrevistador: Bom, Victor, o que te levou a fazer jornalismo?
Entrevistado: Bom, eu tomei a decisão de cursar jornalismo no 2° ano do
ensino médio. {...}
Entrevistador: An... qual a importância do jornalismo para você?
Entrevistado: Bom, é o que eu quero fazer... pelo resto da minha vida. {...}
Entrevistador: O que mudou no seu modo de pensar... depois que você decidiu
fazer essa faculdade?
Entrevistado: Olha... acho que... bastante coisa, sabe? {...}
Entrevistador: É... você trabalha em alguma área do jornalismo? Se não, qual é
a área que você pretende trabalhar?
Entrevistado: Sim, eu trabalho. No momento eu trabalho num...
conglomerado de rádio. {...}

Nota-se que o entrevistador aborda o tema importância da profissão,


entretanto, não apresenta um desenvolvimento da temática de forma
aprofundada após a fala do entrevistado, que foi (bastante coisa, sabe?).
Assim, o entrevistador deixa de fazer improvisações, não formulando novas
questões a respeito do assunto.
Em relação às capacidades linguístico-discursivas, levando em
consideração que os alunos estavam em um papel social de comunicação
como entrevistadores, foram consideradas: mudança temática para
aprofundar ou sintetizar tal assunto, coesão e coerência durante o decorrer
da entrevista bem como organizadores textuais, dêiticos pessoais e
interlocução com o expectador.
No excerto seguinte, é possível observar uma única ocorrência de
improviso com evidência de mudança temática:

Excerto (5)
Entrevistado: É... desde pequeno eu sempre fui fascinado pelo mundo da
informática, de computador e... mesmo quando nem sonhava ainda em trabalhar
com isso, às vezes o vizinho tinha um computador e eu ia na casa dele pra ficar
jogando...
Entrevistador: Então você faz o que gosta?{...}
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 147


Ressaltamos que, apenas a minoria dos entrevistadores demonstrou
capacidades de improvisos durante os questionamentos, pois, raramente,
houve questões reformuladas de respostas dadas pelos entrevistados.
Porém, conforme mostrado no excerto anterior, em uma das entrevistas, o
entrevistador faz um improviso fora do esquema de perguntas (Então você
faz o que gosta?).
No que tange à tentativa de aprofundamento no assunto, no trecho, a
seguir, o entrevistador demonstra aprofundar-se no assunto reformulando
outra questão pertinente à resposta dada pelo entrevistado anteriormente.

Excerto (6)
Entrevistador: De qual realização profissional você mais se orgulha?
Entrevistado: A realização profissional na verdade, hoje, né?! Eu tenho a formação
dos alunos mesmo, como uma realização como professor, quando revejo alguns
alunos é muito gratificante saber que se formaram, fizeram uma graduação, ou
estão estudando...
Entrevistador: É o que te motiva a continuar nesta profissão?

No que se refere às questões de coesão, coerência e organizadores textuais


em muitos momentos, não houve uma tentativa de ligação entre as partes
durante a entrevista simulando um jogo de perguntas e respostas, embora,
em algumas produções foram utilizados organizadores textuais classificados
como locuções interjetivas, no sentido de tentar fazer um elo entre as
perguntas, como por exemplo: Ah, Entendi! Ok...Tá, certo...
Em relação aos dêiticos pessoais e tempos verbais no presente e pretérito,
recorrentes da entrevista, estavam presentes nas produções de todos os
alunos.
Levando em conta tais considerações, o perfil do entrevistador seria
aquele que apresentou desenvolvimento das capacidades discursivas com
a função de obter um processo de articulação entre o gênero produzido
e com o público – ouvinte ou leitor. “o entrevistador não é somente um
jornalista que gostaria de saber mais sobre o assunto, mas também um
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 148


mediador entre o entrevistado e os ouvintes” (DOLZ; SCHNEUWLY;
HALLER, 2004, p. 147).
Apesar de os meios não linguísticos não serem abordados pelo livro
didático, esses aspectos foram trabalhados com atividades complementares
adaptadas pela professora como vídeos retirados da internet que
representassem entrevistas (como pode ser visto no quadro 5) e, dessa forma,
pudemos observar essas ações nas produções dos alunos. Por exemplo,
durante a saudação inicial e final há aperto de mãos, no questionamento entre
entrevistador e entrevistado a posição que estavam sentados possibilitou a
troca de olhares, além de estarem vestidos adequadamente para a ocasião.

Considerações finais

Concluímos que o desenvolvimento da capacidade de ação pôde ser


observado na análise realizada das entrevistas gravadas e transcritas, pois
há uma representação da situação de comunicação em que a elaboração do
conteúdo a eles direcionado faz com que o jogo de perguntas e respostas
simule uma entrevista de especialista, porém há algumas lacunas quanto
às capacidades discursivas no momento de encerramento das produções
e também quanto às capacidades linguístico-discursivas que se refere ao
poder de improvisações, retomada e síntese de conteúdos temáticos.
Como teoricamente essas capacidades estão em interação indissolúvel,
pressupõe-se que o desenvolvimento de uma delas poderá levar ao
desenvolvimento das outras, visto que as capacidades de ação são pouco
trabalhadas no ensino médio (MACHADO, 2009).
Além do mais, os alunos do EM carregam a necessidade de terem que
escolher uma profissão no final deste período escolar, pois as avaliações
como o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) objetivam avaliar o
desempenho escolar ao término da educação básica tornando possível o
ingresso em faculdades e universidades. Por isso, a reflexão sobre a escolha
profissional nas aulas de língua portuguesa para o EM é essencial, uma
vez que a aplicação de atividades que abordem situações comunicacionais
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 149


reais, como a entrevista de especialista, contribuem para que esses
alunos enfrentem qualquer tipo de incerteza em suas futuras carreiras e
entendam como tal profissional atua, por meio de seu papel social, além de
desenvolverem capacidades linguageiras, se apropriando de gêneros orais e
escritos não só para a escola, mas para todo o tipo de interação social.

Referências

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SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 150


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SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 151


https://doi.org/10.52788/9786599282492-1.8 CAPÍTULO 8

Percursos de produção escrita do


gênero notícia no apostilado do Estado
de São Paulo

Debora Mariana Ribeiro

Introdução

A investigação em torno da proposta de escrita de notícia no apostilado


da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo e do processo de
produção textual dos discentes surgiu como possibilidade de pesquisarmos
a escrita dos estudantes do 7º ano do ensino fundamental, tendo em vista
as prescrições e orientações presentes no manual.
Sendo assim, neste capítulo apresentamos parte dos resultados de
uma dissertação de mestrado, apresentada ao programa de Mestrado
Profissional em Letras (PROFLETRAS/USP), em que foram analisados os
procedimentos didáticos de ensino do gênero notícia no Material de Apoio
ao Currículo, bem como as redações dos alunos em resposta à proposta do
manual e as condições de produção, tendo em vista uma coletânea de cinco
textos sobre a temática Clonagem de Animais trabalhada em sala de aula.
De modo a atender os propósitos deste capítulo, descreveremos e
analisaremos de que maneira ocorreu o processo de construção de textos
pelos alunos e os resultados obtidos a partir desses escritos, ou seja, quais os
recursos linguísticos-discursivos os jovens mais utilizaram para construírem
seus textos.
Para isso, apresentamos os procedimentos didáticos prescritos no
Material de apoio ao Currículo do Estado de São Paulo para a produção
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 152


textual direcionada aos estudantes e, a seguir, examinamos como os alunos
responderam à proposta de escrita de uma Situação de aprendizagem, do
Caderno do Aluno.

A produção da notícia no apostilado: o prescrito

O sistema apostilado da Rede Pública Paulista foi criado em 2008


e 2009 para subsidiar a implantação do currículo em sala de aula e,
consequentemente, melhorar o ensino nas escolas. É um material composto
pelos cadernos do professor e pelos cadernos do aluno, dividido em dois
volumes, um para cada semestre, distribuídos anualmente.
Tendo em vista que esses materiais orientam o trabalho docente e
discente no ensino e aprendizagem dos conteúdos das disciplinas nas
escolas estaduais do Estado de São Paulo, sendo, portanto, um material
de grande relevância na educação paulista, descreveremos brevemente este
apostilado.
No que diz respeito à organização, há no caderno do aluno e no
caderno do professor a divisão em seções que são intituladas Situações de
Aprendizagem, descreveremos a seção Produção Escrita, do volume 1, em que
são apresentadas as propostas de redação do material, objeto diretamente
relacionado ao processo de produção do gênero notícia, objeto deste
capítulo.
Em se tratando da proposta de produção deste gênero no apostilado,
direcionada aos estudantes do 7º ano, apresentamos a Situação de
Aprendizagem 4, Estudo da Estrutura do Jornal. Nesta seção, dividida em
duas partes, leitura e análise textual, são ofertados textos para leitura cujos
gêneros são carta e notícia.
O percurso metodológico de ensino da notícia tem início pela leitura
e compreensão desses dois textos de gêneros diferentes, são textos artificiais,
sem títulos, nomeados Texto 1 e Texto 2, respectivamente, com uma nota
ao final, Elaborado para o São Paulo faz escola, indicando que se tratam de
textos pré-fabricados, ou seja, com propósitos meramente didáticos. Na
sequência são ofertadas atividades de compreensão e, por fim, a atividade
de produção textual.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 153


Nesta parte é oferecida a primeira proposta de produção de notícia.
Isso é feito a partir da apresentação de uma tabela extraída de um livro, de
forma descontextualizada e sem título, que apresenta palavras e frases soltas
e solicita ao aluno que elabore uma notícia utilizando esses fragmentos,
sem oferecer textos de apoio para auxiliar no desenvolvimento da temática
ou da estrutura composicional de uma notícia.
Abaixo temos a figura 1, que mostra o esquema adaptado de uma
tabela presente no livro de Alfredina Nery e Maria José da Nóbrega (2002,
p. 108), que teve o enunciado modificado e foi inserido no apostilado
paulista com alterações no nome, que passou a ser chamado de esquema,
enquanto no texto-fonte recebe o nome de tabela.

Figura 1: Texto adaptado: produção escrita de notícia “Clonagem de animais”

Fonte: (SÃO PAULO, 2014 a, p. 32-33)

Vemos que a partir da leitura do esquema, o aluno é convocado a escrever


seu texto. Na sequência da atividade acima, no item 2, há instruções para
que o aluno redija sua redação, a utilização das informações do esquema é
obrigatória, pois é indicado que “devem compor o texto” (SÃO PAULO,
2014 a, p. 33). Segue um trecho das orientações fornecidas aos escreventes
para a escrita do texto, que deverá ser feita na parte de revisão, em duplas.

Você deve atentar para a estrutura do gênero “notícia”, dividindo as informações


SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 154


por parágrafos. Por exemplo: no primeiro parágrafo ou lide, anuncie a notícia,
com dados sobre o fato noticiado (quem, o quê, quando, onde, como e por
quê), sem explica-los ou dar detalhes sobre as informações. Deixe para fazer isso
nos parágrafos seguintes. Não se esqueça de dar um título ao texto que chame a
atenção dos leitores (SÃO PAULO, 2014 a, p. 33)

É indicado nas orientações ao aluno que, após a escrita do texto,


como forma de revisão, os estudantes deverão, em pares, observar alguns
limites como o gênero (notícia) a ser produzido, a temática (clonagem de
animais), a estrutura composicional (primeiro parágrafo, lide, informações
adicionais, título), os aspectos linguísticos (discurso direto e indireto) e os
aspectos formais (pontuação e ortografia) do texto do colega, tarefa um
pouco complexa para o que é oferecido ao aluno, se observarmos os textos
artificiais e descontextualizados presentes na sequência didática.
O tipo de redação requerida no apostilado pode ser caracterizado
de acordo com o modelo de produção cunhado por Antunes (2005) de
“escrita vazia”. Nas palavras da autora:

A escrita uniforme, que na verdade, é mais uma escrita vazia, existe quando se
trata da escrita de frases soltas ou da escrita daqueles textos sem destinatários.
Como são para ninguém, a forma não importa, o que se diz não importa. Como
não varia o interlocutor (que na verdade, nem existe), também não varia o modo
de interagir com ele. E assim se perde o sentido de ser da escrita. (ANTUNES,
2005, p. 30)

Ainda, de acordo com as considerações feitas por Campos (2011, p.


220) para a produção dos textos argumentativos em materiais didáticos,
que também são válidas para a escrita de outros gêneros e outras etapas de
ensino, “há uma urgência no ensino brasileiro em promover um ensino de
produção escrita menos instrumental, de modo a promover, o aluno em
autor crítico e responsável diante do seu próprio texto”.
Como é possível observar, a ênfase da proposta de escrita contida
no apostilado vai de encontro às orientações das estudiosas, já que é um
procedimento de escrita calcado nos aspectos estruturais do texto. Sendo
assim, espera-se que o aluno construa seu texto, sem que haja a explicitação
clara das etapas que devem ser seguidas para que isso seja possível. Está
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 155


pressuposto no material que o jovem será capaz de dar um salto reflexivo
para escrever sua redação, a partir do uso de frases e palavras soltas, que
são prescritas, portanto, devem constar no texto, quer diretamente ou
indiretamente.

Tendo em vista que as esferas de produção, circulação e recepção de


um texto são aspectos imprescindíveis para que a escrita tenha um propósito
comunicativo real, do contrário, funciona meramente como “escrita
vazia”. Entendemos que esta é uma abordagem problemática, pois não
leva em consideração os percursos de escrita, a seleção de textos de apoio
que subsidiem os estudantes na orientação temática e nos contextos de
produção, circulação e de recepção, visto que não são fornecidas indicações
claras de como a produção textual deverá ser feita, quem será o interlocutor
e onde o texto circulará.
Para as pesquisadoras Benassi (2007, p. 3) e Barbosa (2001, p. 9), que
investigaram o uso do texto jornalístico no contexto escolar, constataram
que são textos em que à informação é tratada de forma superficial, como
mera fonte de informação, não como “técnica para estimular a leitura mais
complexa” (BENASSI, 2007, p. 3).
Segundo Barbosa (2001),

o tipo de trabalho feito, muitas vezes, limita-se à pesquisa de um dado assunto, à


busca de determinadas notícias e à montagem muitas vezes forçada de um jornal
de classe, sem que se reflita sobre os diferentes gêneros do discurso presentes no
jornal e sem que se instrumentalize de fato os alunos para lê-los criticamente [...]
(BARBOSA, 2001, p.9).

Em suma, buscamos mostrar e analisar a proposta de produção textual


de notícia no manual da Secretaria da Educação Paulista, numa sequência
didática específica, explicitando como o gênero recebe tratamento no
apostilado. Já que se trata de um apostilado de grande importância no
estado, visto que é utilizado nas mais de cinco mil escolas estaduais.
É preocupante a abordagem da produção escrita no manual, já que é
tida, meramente, como uma prática tipicamente escolar, que não contribui
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 156


para que o aluno perceba que a notícia é um gênero de circulação social,
com propósitos comunicativos bem definidos. Em oposição à forma de
produção desse gênero no manual, que solicita a escrita de um texto que
será lido única e exclusivamente pelo professor, não mobilizando, com
isso, o jovem a dizer algo relevante socialmente. Assim, não constitui uma
prática de ação no mundo, pois não há interlocutor para o texto ou uma
real motivação para a escrita.

Como os estudantes se apropriaram dos textos de apoio

É importante ressaltar que foi feito um trabalho de mediação de


leitura em sala de aula para que os alunos pudessem ter o que dizer em
seus textos. Ao ser trabalhada a situação de aprendizagem 4, que pressupõe a
escrita de uma notícia, foram feitas intervenções para orientar e repertoriar
os alunos, a partir de contextualização temática e de gênero, tendo em vista
que o apostilado não oferece condições de produção reais.
Antes de ser solicitada a produção escrita, os alunos foram orientados
a ler dois textos, sem título, da página 29 do apostilado, que faz parte de um
exercício que apresenta definições para os gêneros carta pessoal e notícia.
Essa atividade foi conduzida a partir do levantamento de informações
composicionais de ambos os gêneros, de forma coletiva, com o registro no
quadro, contendo as semelhanças e diferenças de cada um dos exemplares.
Optou-se pela leitura dos textos do material, pois todos os alunos tinham
o material apostilado.
Ao final da aula, como tarefa de casa, os alunos ficaram incumbidos
de pesquisarem textos sobre clonagem, pressupondo que alguns não fariam
a tarefa, a professora pesquisou cinco textos sobre a temática e os levou
para a sala de aula no próximo encontro.
Essas cinco notícias compuseram a coletânea de textos que foram
trabalhados em sala de aula, não estavam previstos no material, mas foi
uma ação feita pela docente de modo a permitir que os alunos ativassem e
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PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 157


construíssem conhecimentos sobre a temática e o gênero no qual deveriam
produzir suas redações.
Os critérios de escolha dos textos tomaram por base a temática da
clonagem que deveria ser de mais de uma animal, para que os estudantes
pudessem perceber que se trata de manipulação científica aplicada a
mais de uma espécie animal; que fossem textos relativamente curtos, de
no máximo duas páginas; que pudessem ser impressos a partir da página
acessada; e que apresentassem linguagem e características motivadoras para
o público-alvo.
É importante ressaltar que o procedimento de pesquisa está previsto no
apostilado, no entanto apenas depois da escrita da redação, meramente como
fonte de informação superficial, conforme apontado pelas pesquisadoras
Benassi (2007) e Barbosa (2001).
A aula de leitura dos textos da coletânea começou com a indagação do
sentido da expressão clonagem animal, nenhum estudante soube responder
do que se travava a expressão. A seguir, a professora procedeu a entrega dos
textos da coletânea composta por cinco notícias, cada aluno recebeu um
dos cinco textos, leram individualmente, a seguir, trocaram os textos com
os colegas. Depois que todos já tinham lido, foi proposta uma conversa
sobre os textos. Os alunos foram se voluntariando e explicando o que
entenderam, os colegas foram complementando com outras informações.
O objetivo dessa aula foi repertoriar tematicamente os discentes e
propiciar o contato com textos jornalísticos autênticos. Ao final da aula,
os alunos quiseram ler os textos em voz alta, então, cada texto foi lido por
um aluno voluntário
Na aula seguinte foi enfatizado o estudo do jornal, foram apresentados
aos alunos jornais de grande circulação na cidade de São Paulo e jornais de
bairro, com isso puderam observar as notícias em seus suportes e esferas de
circulação autênticas, bem como os textos que acompanham as notícias.
Isso foi feito a partir da solicitação aos alunos para levassem jornais para
a sala de aula, inicialmente, manusearam o material livremente. A seguir,
trabalharam em pequenos grupos, identificaram e escolheram notícias para
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 158


fazerem um exercício de identificação das características do gênero. Antes
de os alunos escreverem seus textos, foram ministradas 6 aulas duplas de
cinquenta minutos cada.

O que dizem os estudantes em seus escritos

Como veremos nas análises das produções dos discentes, constatamos


que as informações trazidas pelos textos de apoio e pelo esquema apresentado
no apostilado serviram de encaminhamento temático e de gênero para
que os alunos pudessem escrever algo sobre clonagem animal, conforme
solicitado na proposta de produção do apostilado.
Num conjunto de 50 redações, observamos duas formas de remissão
ao discurso do outro, por meio dos procedimentos da paráfrase e da alusão,
que foram os recursos mais frequentes de apropriação dos discursos presentes
nos textos de apoio e no esquema do apostilado. Assim, constatamos a
utilização desses recursos a partir das marcas linguístico-discursivas que
demarcam a convocação do texto alheio para a produção do gênero notícia.
Diferentes pesquisadores no campo da oralidade como Fuchs (1985);
Hilgert (2010); Fávero, Aquino e Andrade (1999) consideram que a
paráfrase está relacionada com a noção de reformulação. Apesar da análise
feita neste trabalho ser voltada para o texto escrito, as considerações feitas
pelos teóricos também são válidas para esta modalidade textual.
Em se tratando do recurso da paráfrase no campo da Linguística, a
escolha deste critério apoia-se no pressuposto indicado no material, a partir
das orientações que são fornecidas aos alunos. Isso fica evidenciado nas
instruções da atividade de escrita, na prescrição que é feita para a utilização
de um esquema nas produções. Ademais, é uma das formas mais frequentes
de remissão ao discurso segundo, encontrado nos escritos dos alunos, nas
retomadas que fizeram não só do esquema, mas também das informações
presentes nos textos da coletânea compilada pela professora-pesquisadora.
Fuchs (1982), umas das mais importantes estudiosas da paráfrase,
abordou o percurso histórico do tema, bem como o fenômeno de forma
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 159


global, a partir dos aspectos enunciativos-discursivos. De acordo com a
pesquisadora, trata-se de um fenômeno “difícil de precisar, tanto na teoria
quanto na prática” (FUCHS, 1985, p. 129). Sendo assim, é possível ampliar
as interpretações desse fenômeno para além da mera repetição estrutural.
É importante salientar que essas retomadas, por meio da paráfrase,
indicam a importância desse recurso na escrita dos textos, pois não
foram feitas de maneira aleatória, visto que os alunos demonstraram
intencionalidade em seus dizeres e em suas construções.
Não podemos considerar que foi apenas uma atividade de repetição
do discurso alheio, já que a retomada foi feita a partir da produção de
estruturas linguístico-discursivas de sentidos diferentes dos textos de apoio
e do esquema, não podendo ser considerada meramente um fenômeno
estrutural de repetição.
Tendo esses aspectos em vista, podemos considerar que os alunos
fizeram uma “reformulação parafrástica”, conforme indicado por Fuchs
(1985, p. 134), que trata da restauração de um texto a partir de uma
interpretação prévia, com variações de sujeitos para sujeitos. O tipo de
reprodução feita por muitos obteve como resultado um dizer diferente
dos textos-base. No entanto, alguns alunos não conseguiram o efeito
de distanciamento necessário e acabaram reproduzindo, quase que
integralmente e mecanicamente, o texto do esquema que deveria servir de
apoio.
Meserani (2008) propõe uma classificação de textos em três categorias,
reprodução, paráfrase e criação. No tratamento que faz da paráfrase
subdivide-a em duas categorias, dependendo da relação mais fraca ou
mais forte do texto recriado com o texto parafraseado. São elas, paráfrase
reprodutiva, quando há a mera reprodução do conteúdo de um texto
original em um texto derivado, sem a expansão das ideias, no entanto não
se trata de cópia, pois esta pressupõe a repetição de todas as palavras do
texto base ipsis litteris.
Nas palavras do autor:

A paráfrase reprodutiva é a que traduz em outras palavras um outro texto, de modo


quase literal. Dentro de limites bastantes estreitos. [...] Trabalha basicamente no
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 160


eixo de substituições semânticas, da sinonímia. Algumas vezes repete literalmente
um trecho para, apoiado nele, dar sequência à mensagem derivada (MESERANI,
2008, p. 100)

Além da paráfrase reprodutiva, Meserani (2008, 108) conceitua


também a paráfrase criativa, que é aquela que “ultrapassa os limites da
simples reafirmação ou resumo do texto original”. Neste caso, temos um
tipo de paráfrase que vai muito além da mera repetição literal dos conteúdos
do texto original, pois os seus sentidos são desdobrados e ampliados,
constituindo-se em um novo discurso, em que são percebidas semelhanças
com o texto original.
Considerando as categorias de paráfrase de Meserani (2008) e
as conceituações de outros pesquisadores citados, constatamos que os
discentes estabeleceram diálogos de diferentes maneiras com os textos
que tiveram contato, em algumas produções os alunos reproduziram os
textos de apoio e o esquema do apostilado, de forma literal, com pouca
criatividade e progressão das ideias, conforme pontua Meserani (2008).
Esses textos aproximam-se de produções calcadas em modelos, conforme
o tipo de produção textual inserida no apostilado, deixando pouco espaço
para a criatividade e autoria do discente.
Por outro lado, há algumas produções que se aproximam da paráfrase
criativa, pois foram produzidas redações com desdobramentos para além
dos textos que serviram de apoio. Alguns alunos construíram novos
discursos, tendo em vista a temática e o gênero indicados para produção.
No que diz respeito à estratégia de retomada conhecida como alusão,
é um tipo de referência indireta que convoca as palavras de outrem, sem
citá-las literalmente. É feita a partir de retomadas implícitas, ou seja, para
que seja possível a identificação desse recurso linguístico-discursivo é
necessário maior inferência por parte do enunciador. Nas redações escritas
pelos alunos, observamos o estabelecimento deste tipo de diálogo com os
textos da coletânea, a partir das comparações que foram feitas entre as
produções dos discentes e aqueles textos.
Por fim, identificamos duas formas de remissão aos discursos do outro,
a partir do recurso da paráfrase, presente nos textos que se apoiaram mais
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 161


no esquema oferecido pelo apostilado, e por meio da alusão, nas redações
que estabeleceram modos de diálogo com os textos de apoio da coletânea.
Em suma, essas maneiras de remissões explícitas e implícitas
demonstram que os produtores dos textos lançaram mão de diferentes
procedimentos linguísticos e discursivos para citar e fazer referência ao
conteúdo dos textos que tiveram contato para a construção de seus escritos.

Considerações finais

A partir do exposto, estabelecemos as relações entre a proposta de


escrita contida no apostilado e os textos redigidos pelos estudantes, tendo
em vista alguns aspectos recorrentes nesses escritos.
Como resultado, constatamos que para que o processo de produção
seja exitoso, é necessário que haja a suplementação do material ofertado no
apostilado, de modo a romper com o modelo de escrita que pressupõe a
utilização de um tipo de paráfrase pouco criativa. Além disso, observamos
que os aspectos e etapas a serem seguidos na construção textual e as esferas de
produção, de circulação e de recepção do texto são devem ser consideradas.
Em se tratando das produções dos estudantes, observamos que para
que pudessem escrever seus textos, foi necessário a oferta de uma coletânea
de textos, selecionada fora do material didático, para que respondessem à
proposta de escrita do manual.
Sendo assim, por meio de uma perspectiva sociocultural mais ampla,
observamos, a partir do diálogo estabelecido entre a proposta de escrita e
a coletânea de textos, que os jovens estabeleceram diálogos na leitura e na
interpretação que fizeram desses materiais.
Portanto, apropriaram-se desses enunciados utilizando duas estratégias,
uma direta, por meio da paráfrase, e outra indireta, a partir da alusão aos
textos do apostilado e da coletânea, respectivamente. Esses caminhos de
remissão aos discursos alheios encontrados pelos estudantes demostram
que alguns reproduziram o modelo de escrita indicado no material, já
outros, colocaram-se como autores, ao apresentar um projeto de escrita de
cunho mais autoral.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 162


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SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 164


https://doi.org/10.52788/9786599282492-1.9 CAPÍTULO 9

Educação do/no campo: estudos sobre


as práticas de produção textual dos
alunos1

André Luiz da Silva


Priscila Maila da Silva

Introdução

As discussões sobre Educação e Diversidade incorporam várias teorias


pedagógicas de ensino, específicas e direcionadas à educação de grupos
socialmente marginalizados que, a rigor, diferenciam-se dos padrões
sociais, por pertencerem a segmentos socioeconômicos baixos, culturas
diferenciadas e também por serem portadores de necessidades educacionais
especiais.
Os pertencentes a estes grupos são sujeitos que possuem características
que não se identificam com os padrões impostos pelos que detêm o poder,
por isso, historicamente sofrem as consequências das desigualdades sociais
oriundas desta realidade.
Como exemplos destes grupos que se inserem nas características
anteriormente elencadas, podemos citar: negros, quilombolas, índios,
moradores do campo, moradores de assentamentos camponeses, agricultores,
moradores das periferias das grandes cidades brasileira, pertencentes aos
grupos de LGBTQIA+ e por último pessoas que se diferem de padrões
tradicionais quanto à orientação religiosa, como praticantes da religião
Umbanda.
1 Trabalho publicado nos Anais do I Seminário Nacional de Educação Popular e Movimentos Sociais do Campo e V
Encontro de Pesquisas e Práticas em Educação do Campo da Paraíba, realizado de 9 a 11 de outubro de 2019.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 165


Na educação, este perfil característico dos grupos socialmente
marginalizados tem fortes implicações na formação do professor, pois este
é o profissional que tem como um de seus objetivos o de contribuir para a
promoção e sucesso escolar de seus alunos.
Particularmente, os grupos pertencentes à população do campo
utilizam na comunicação do cotidiano uma variação linguística característica
do seu grupo social, e na escola esta realidade traz várias implicações para
o processo de aprendizagem dos alunos, pois a variação do uso da língua
ainda não é respeitada no ensino escolar brasileiro.
Esta pesquisa é voltada para um olhar específico sobre a Educação
do/no Campo, que traz como uma de suas realidades a utilização de
um material didático pelos professores que dá pouca atenção à questão
da valorização e respeito da variação linguística utilizada pelos alunos do
campo. Este fato causa um choque de realidades, pois quando estes alunos
começam a frequentar a escola lhes é ensinada através do livro didático a
norma culta da língua portuguesa. Na verdade, o material didático utilizado
pelos alunos do campo é, em sua grande maioria, o mesmo utilizado pelos
alunos da cidade, e que dá ênfase ao uso da gramática e composto por uma
linguagem diferente da utilizada pelos moradores do campo.
Por utilizarem a variação linguística pertencente ao seu grupo social,
os alunos do campo não fazem o uso da norma culta da língua portuguesa,
como também não o fazem os alunos da zona urbana, e isto é facilmente
observado em suas atividades de produção textual, que são carregadas de
marcas de desvios ortográficos e de concordância verbal, estes gerados
justamente pela interferência da oralidade no discurso escrito destes alunos.
Diante desta realidade, que atinge o ensino de língua portuguesa
na Educação do/no Campo, apresento como justificativa para a realização
desta pesquisa a necessidade de um estudo sobre a Educação do/no Campo,
enfocando o ensino de língua portuguesa, para informar como deve ser
pautado o ensino de língua, para que os alunos do campo adequem sua
linguagem à situação de produção textual, esta que lhes impõem uma
situação específica de escrita.
Trazendo o tema Produção Textual, este artigo científico tem os
seguintes objetivos, sendo o geral: discutir práticas de produção textual a
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 166


serem propostas aos alunos das escolas do campo, refletindo sobre a situação
de produção e valorização da linguagem oral. Já os objetivos específicos
são: realizar um estudo sobre as lutas e reivindicações a favor do direito à
Educação do/no Campo; traçar um perfil sobre a realidade do ensino de
língua portuguesa na escola do campo, com ênfase sobre as dificuldades
para a oferta do ensino no campo; analisar a realidade do trabalho do
professor do campo; realizar um estudo sobre o perfil do aluno do campo;
refletir sobre o ensino de língua portuguesa na educação do/no campo,
e por último, sugerir práticas de produção textual a serem propostas aos
alunos do campo, que venham a lhes colocar como sujeitos do processo
de ensino e aprendizagem de língua, através da valorização da linguagem
oral deste grupo específico.
Os dados bibliográficos utilizados para a realização desta pesquisa
foram obtidos com base em vários autores, dentre os quais destacamos:
BAGNO (2002), da área de Variação Linguística; CALDART (2008a e
2008b), da área de Educação do/no Campo; CAMACHO (1988), da
área de Currículo de Ensino de Língua Portuguesa; GERALDI (2010)
e TARDIF (2002) , estes das áreas de Práticas Pedagógicas e Formação
de Professores; KOCH (2003), da área de Produção Textual e por fim
SOARES (1986), da área de Sociolinguística.
A motivação para a escolha destas fontes bibliográficas, que serviram
para a construção deste trabalho acadêmico, deu-se por entendermos que
elas possuem relevância direta com a nossa pesquisa, desta forma foi possível
desenvolver uma análise fundamentada e expôr considerações pessoais a
respeito do objeto de estudo.

Lutas e reivindicações a favor do direito à


Educação do/no Campo

O êxodo rural, aliado à concentração de muitas terras nas mãos de


poucas pessoas, são processos que marcam a história do campo no Brasil.
Após o Golpe militar de 1964 e a criação de um modelo econômico
concentrador de renda, acreditou-se que os problemas relacionados à
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 167


vida e à Educação do/no Campo tivessem sido resolvidos. Conforme Bof
(2006), o que aconteceu, na verdade, foi que após o fim do Regime Militar,
aliada à constante participação popular de movimentos sociais rurais, as
discussões acerca da melhoria de vida da população rural em nosso país
foram retomadas.
De acordo com Brasil (2007a), antes da Constituição de 1988 a
educação para moradores do campo era voltada para uma educação
instrumental-assistencialista e de ordenamento social. Neste formato, a
escola deixava de ser uma instituição social de acesso ao conhecimento,
para se tornar um instrumento de dominação, poder e exploração da
população do campo.
A partir da Constituição de 1988, implementou-se um novo olhar
para a educação brasileira que, por consequência, passou a contemplar
especificidades para as populações do campo, através da nova Lei de
Diretrizes de Bases da Educação-LDB/93496. Além disso, a participação
do Governo Federal, mesmo que de forma pressionada por movimentos
sociais e pela sociedade em geral, foi importante, através de várias ações que
beneficiaram a educação em nosso país, como por exemplo, a criação do
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e da
Valorização do Magistério (FUNDEF)2. Este fundo redistribuiu recursos
financeiros para a Educação do/no Campo, o que beneficiou a educação
nas escolas localizadas no campo.
A partir das ações do Governo Lula, no início do ano de 2002, as
políticas públicas educacionais avançaram no Brasil através das Diretrizes
Operacionais para a Educação Básica das Escolas do Campo, aprovadas pelo
Conselho Nacional de Educação. Essas diretrizes representaram um grande
marco para a Educação do/no Campo por terem complementado um
conjunto de ações para solucionar os problemas historicamente elencados
pelos movimentos sociais rurais, como o MST, que sempre reivindicaram
melhoras para a Educação do/no Campo. “Os assentamentos de reforma
agrária, como territórios camponeses, são os espaços onde mais se realizam
projetos voltados para a Educação do Campo” (CALDART, 2008b, p. 70).

2 FUNDEF: A partir do ano de 2007, este fundo veio a ser substituído pelo Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB, que veio a
atender então toda a educação básica, da creche ao ensino médio. (Disponível em: http://portal.mec.gov.br/
fundeb. Acesso em 20 de outubro de 2016, às 10: 29 hs.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 168


Apesar do reconhecimento das ações do Governos Lula, hoje em
dia muitas críticas ainda são feitas às políticas públicas voltadas para o
campo. Um dos motivos da insatisfação dos povos do campo diz respeito
à não participação dos sujeitos para os quais estas ações são direcionadas,
pois, segundo estes sujeitos, a população do campo não se sente valorizada
quanto ao debate sobre a Educação do/no Campo.

A escola do campo: as dificuldades para a oferta do


ensino no campo

São vários os desafios a serem superados para que a população do


campo tenha acesso a um ensino de qualidade. Para Bof (2006), a escola
no campo é identificada como aquela que tem sua sede no espaço rural,
como também a instalada na zona rural, mesmo tendo sua sede na área
urbana do município, isto por conta da produção econômica destas cidades
estarem diretamente ligadas ao campo.
A existência de uma escola no campo é primordial para o
desenvolvimento de toda uma comunidade rural, isto porque, como
instituição de promoção social, a escola constitui-se como um dos principais
mecanismos de transformação do povo. “Ela tem um papel educativo
específico no mundo moderno, a ponto de que quem não passa por ela fica
hoje em condição social desigual” (CALDART, 2008a, p. 86).
De acordo a LDB 9394/96, no Art.28, na oferta de educação para a
população rural, os sistemas de ensino promoverão adaptações necessárias
à sua adequação às particularidades da vida rural e de cada região. Não
é difícil perceber que as escolas do campo possuem características físicas
muito diferentes das escolas situadas na zona urbana, mas o fator primordial
de diferenciação está na seguinte realidade: as escolas localizadas no campo
são infinitamente mais carentes.
No Brasil, os recursos disponíveis para as escolas do campo são escassos.
Isso influi diretamente na infraestrutura escolar. Outra realidade é o difícil
acesso às escolas que, apesar de existirem, localizam-se, em sua grande
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 169


maioria, distantes das residências dos alunos do campo. O assustador alto
índice de atraso escolar dos alunos é outro problema que atinge a Educação
do/no Campo, como também a frequência escolar fraca dos alunos, causada
por fatores como: dificuldade de acesso para o aluno do campo chegar até a
escola; jornada de trabalho cansativa no campo. Outro fator que contribui
para o fracasso da escola do campo é a distorção idade-série, ou seja, a
idade do aluno alta com relação ao ano de ensino em que estuda.
Este perfil da escola do campo reforça uma afirmativa: a de que existe
uma grande desigualdade entre a Educação do/no campo e a da cidade. O
reflexo é o menor desempenho do aluno do campo, que possui condições
socioeconômicas e o capital social mais desfavorável da população. Apesar
desta constatação, existe um dado que causa, até certo ponto, uma grande
surpresa, pois, conforme Bof (2006), constata-se que quando as condições
se tornam iguais o desempenho do aluno da zona rural é igual ou superior
ao do aluno da zona urbana.
Voltando para a triste realidade do aluno do campo, outro desafio
a ser superado pelas políticas públicas direcionadas para a Educação do/
no Campo é o de acabar, ou ao menos diminuir, a existência de escolas
multisseriadas, onde existe apenas um professor para lecionar para uma
turma formada por alunos de séries diferentes. Desafios como este são
discutidos permanentemente por órgãos de educação, movimentos sociais
rurais e também pelo Governo Federal, através da realização de conferências
sobre educação, como a II Conferência Nacional de Educação do Campo,
que já no ano de 2004 via com urgência a necessidade da execução de
políticas públicas para o estudante do campo.
As principais dificuldades sobre a realidade das escolas do campo
podem ser nomeadas da seguinte forma: instalações precárias; poucas
escolas; falta de professores habilitados e efetivados e dificuldade de acesso
de alunos e professores a estas escolas, motivada pela falta de transporte
escolar. Diante dessa realidade, observamos que a escola do campo, como
instituição de promoção social, não cumpre a finalidade, isto porque não
consegue fazer com que o seu alunado complete cada uma das etapas da
Educação Básica.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 170


O professor da Educação do/no Campo: aspectos sobre
realidade do trabalho docente no campo

A realidade do trabalho do professor da Educação do/no Campo


no Brasil é muito problemática. A atividade do professor que trabalha em
escolas na zona rural é caracterizada como cansativa, devido a diversos
fatores, entre eles a difícil jornada de trabalho, a qual estes profissionais da
educação são expostos diariamente.
A alta rotatividade e as dificuldades de acesso e locomoção para
as escolas do campo, aliadas aos baixos salários, além do menor nível de
escolaridade se comparado com o professor da zona urbana, tudo isso afeta
o rendimento do professor da Educação do/no Campo em sua atividade
em sala de aula. Na relação professor/aluno, os moradores da zona rural
são mal servidos em termos de docentes. “Mais de dez por cento do aluno
em escolas multisseriadas estudam com professores que não tem sequer o
Ensino Médio” (BOF, 2006, p. 58).
De forma concreta, observa-se que a condição de trabalho dos
professores no campo é diagnosticada como precária. Em muitos casos, a
formação superior em pedagogia ou em alguma licenciatura é baixa, e isto
influi diretamente na qualidade do ensino dos alunos em todas as etapas da
Educação Básica, porque a relação da progressão do aprendizado do aluno
na relação com o professor tornasse inevitavelmente comprometida.
De acordo com Brasil (2007b), estudos realizados pelo Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira-INEP,
mostram que um dos mais importantes fatores para a progressão do
aprendizado do aluno está relacionado ao trabalho direto do professor.
Práticas pedagógicas e a estrutura física da escola podem ou não ter
influência forte sobre o desempenho escolar do aluno, mas dependendo
do contexto da situação de ensino, ainda sim, o professor, principalmente
sua formação, é considerado como fator importantíssimo para o bom
desempenho do aluno.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 171


O aluno da Educação do/no Campo: problemáticas que
geram o baixo rendimento escolar

O aluno do campo é caracterizado como aquele pertencente à


população que mora no campo ou que mora na cidade e frequenta uma
escola na zona rural. Esta população é constituída por pessoas para as quais
as atividades ligadas ao meio ambiente representam o principal meio de seu
sustento. São agricultores, extrativistas, pescadores, grupos pertencentes a
comunidades negras quilombolas, ribeirinhos, assentados e etc. “O campo
não é qualquer particularidade, não uma particularidade menor. Ela diz
respeito a uma boa parte do país, [...]” (CALDART 2008a, p. 73).
O morador do campo possui algumas características socioeconômicas
que têm repercussão direta no seu processo educacional. De acordo o com
Bordenave e Díaz (1985), em primeiro lugar, a população agrícola encontra-
se entre os setores de menor renda da população. Consequentemente, a
pobreza tem graves consequências no rendimento escolar do aluno. Outro
aspecto é que as famílias pobres necessitam incorporar seus filhos ao
trabalho do campo de forma precoce, para que eles também colaborem no
trabalho familiar e priorizem o trabalho ao invés do estudo.
A grande característica que chama a atenção sobre o perfil do aluno
da Educação do/no Campo é a elevada incidência do trabalho infantil,
devido as necessidades econômicas das famílias que moram no campo.
Isto é encarado por esta população como um fato normal, onde a criança,
desde cedo, é colocada para trabalhar na agricultura familiar para ajudar no
seu sustento e de sua família. As crianças que não estudam, mas trabalham,
têm uma jornada de trabalho maior, justamente porque não estudam.
Em contrapartida, a surpresa é a de que as crianças que se dedicam
exclusivamente à escola não apresentam um desempenho melhor do que as
que realizam atividades domésticas ou que trabalha na agricultura familiar
e estudam.
Segundo Brasil (2007a), além da agricultura familiar e dos trabalhos
domésticos é preciso frisar que os alunos da zona rural também trabalham
em atividades econômicas no meio rural, como o extrativismo. Todavia,
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 172


estes estudos apontam pra uma realidade até certo ponto interessante: o
trabalho infantil parece não ser o principal fator que mantém o aluno fora
da escola do Campo, ou que explique o fraco desempenho das crianças que
estudam.
Existem outros aspectos que influem no rendimento escolar, entre eles:
características individuais do sujeito e da família; o sistema educacional ou
ainda outras razões não observadas em estudos realizados pelo INEP. Sobre
um destes aspectos, o sistema educacional brasileiro, este possui algumas
problemáticas relacionadas às práticas didáticas de ensino de língua para
o aluno do campo, estas ensinadas pelo professor através de um material
didático elaborado e voltado para o uso da gramática, e também para o uso
da norma culta da língua portuguesa, aspectos linguísticos não utilizados
pelo aluno do campo, que afetam, de forma negativa, seu rendimento na
escola.

O ensino de língua portuguesa na educação do/no


campo: reflexões e superações

Um professor é alguém que sabe alguma coisa e que tem como ofício
o da transmissão de um saber para outra pessoas, seus alunos. Conforme
Tardif (2002), a relação dos professores com os saberes não se limita a uma
função de transmissão dos conhecimento já existentes, pois sua atividade
profissional é formada por vários saberes, e estes se relacionam com o
professor de formas diversas.
Há vários anos existe no meio educacional um consenso sobre a
necessidade de se repensar a formação para o magistério, isto em vários
países. De acordo com Tardif (2002), o esforço consiste em se encontrar
novos cursos de formação dos professores, uma relação entre o conhecimento
produzido nas universidades sobre o ensino e os saberes profissionais dos
professores na prática diária da sala de aula.
O problema é que a formação atual para o magistério está intimamente
voltada para os conhecimentos disciplinares produzidos nas universidades,
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 173


sem nenhuma conexão com a ação profissional. Esta realidade pode ser
motivada pelo fato de que, na prática cotidiana do professor, diferentemente
dos teóricos da educação, os docentes atuam na sala de aula em contato
direto com os alunos e também com os colegas professores. Esta relação
entre teóricos da educação e professores obedece a uma lógica do trabalho
entre produtores do saber e executores técnicos. A consequência é que tais
estudos produzidos por aqueles que não têm contato com a realidade de
sala de aula, ou que há algum tempo não têm,m acabam sendo insuficientes
para melhorar a realidade da relação ensino e aprendizagem.
Nas últimas décadas a rede pública de educação brasileira desenvolve
um grande esforço na revisão de práticas ditas “tradicionais” no ensino de
língua portuguesa, em todas as fases da Educação Básica, objetivando uma
mudança na forma de ensino e aprendizagem de língua no país. De acordo
com as diretrizes de Linguagens Códigos e suas Tecnologias (2006) na
aprendizagem da língua portuguesa o aluno deve conviver com situações
de produção escrita que possibilitem uma inserção e práticas de linguagem
existentes nos textos. O aluno deverá lidar com situações de interação que
sejam complexas e que exijam dele a construção de vários saberes relativos
ao uso de estratégias linguísticas, textuais e pragmáticas.
Dessa forma, o ensino de língua portuguesa na escola tem sido o
centro das atenções de várias discussões para o melhoramento da qualidade
da educação brasileira e o eixo das discussões, no que se refere ao fracasso
escolar, está na questão da leitura e da escrita dos alunos. Apesar desses
esforços, há muitas décadas reina nas salas de aula das escolas brasileiras
uma prática pedagógica voltada para o ensino tradicional. De acordo
com Soares (1986), no Brasil, a escola é analisada como discriminatória e
grande parte da responsabilidade desta situação pode ser atribuída a vários
problemas na pedagogia do ensino escolar. Esta é a grande e triste realidade
do ensino de língua portuguesa nas escolas brasileiras.
Na Educação do/no Campo este problema é mais grave, isso porque
a variação da língua utilizada por este grupo específico de pessoas, os falares
rurais, acaba no sistema escolar brasileiro sendo corrigida através do ensino
do padrão normativo pautado no livro didático e utilizado em sala de aula
pelo professor. Dessa forma, o ensino de língua na escola não promove o
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 174


aluno, pois descrimina a sua linguagem e acaba sendo um mecanismo de
exclusão social.
Na produção textual a situação se agrava. Um aluno da zona rural,
mesmo que desenvolva um texto coerente e coeso, mas que apresente
desvios de uso da norma culta e concordância verbal, tem sua produção
tachada pelo professor como um texto que foge do que rege o ensino
tradicional, sendo assim considerado um texto fraco. Este é o panorama
encontrado na Educação do/no Campo: de um lado o aluno da zona
rural que chega à escola sem dominar o uso da norma culta da língua
portuguesa, e convenhamos ninguém domina, por não faz parte de sua
realidade cotidiana. Do outro lado, temos o professor, com o livro didático
como o seu material de ensino, mas que sabe que o aluno, em seu discurso
escrito e falado, traz todas as marcas da sua identidade sociocultural, estas
que não podem ser arrancadas de seus discursos como é imposto pelo livro
didático.
Na escola, tradicionalmente o texto serve como pretexto para se
ensinar a teoria gramatical contida no livro didático, este que deveria ser
visto como um instrumento de auxílio para o professor e não como o único
meio a ser utilizado no processo de ensino-aprendizagem. Muitas vezes na
produção textual de um aluno que utiliza uma variação da língua em seu
discurso escrito, como o aluno do campo, não é oferecido possibilidades
de revisão e reelaborarão do texto que é visto como um produto fechado
em si mesmo, servindo apenas para ser corrigido. O reflexo no estudo é
imediato, o aluno da Educação do/no Campo começa a se sentir frustrado
e a ter medo de escrever.
Segundo os PCNs (1998) no tocante ao ensino de língua portuguesa,
o ensino gramatical, desarticulado dos usos não se justifica e o trabalho com
a gramática não deve se pautar no mito de que existe uma forma correta
de falar a língua portuguesa. Para mudar esta realidade é preciso uma nova
postura do professor de língua portuguesa, que deve ser de incentivar o aluno
do campo a produzir textos que valorizem a sua linguagem, tornando-o
sujeito de seu discurso identitário.
Nesta perspectiva, Conforme Geraldi (2015) o professor de
língua portuguesa deve desenvolver um trabalho pedagógico voltado
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 175


para a interação, participação, incentivo a questionamentos por parte
do aluno, promovendo, assim, a participação ativa dele no processo de
ensino e aprendizagem da língua. Este novo olhar do professor para o
seu trabalho docente acaba transformando a aula em um acontecimento.
Este acontecimento pressupõe uma análise acerca da concepção de
sujeito, linguagem e discurso, que estão presentes nos espaços escolares
e que influenciam na prática do professor, a qual se encontra marcada
por acertos, erros, conflitos, e de relações de saber, marcas ideológicas e
relações de políticas dentro do campo da educação. Nessa perspectiva de
ensino o professor de língua portuguesa é um co-enunciador do aluno, isto
por ser capaz de acreditar no potencial de escrita do aluno, oferecendo a
oportunidade a ele de produzir textos e discursos que têm a ver com sua
história de vida.
No fazer docente, na prática profissional, o professor somente ensina
o aluno a escrever se, portanto, assumir os processos de escrever do aluno,
e conforme Geraldi (2015), tornando-se o coenunciador dele como
um sujeito privilegiado e atento, colaborando e encorajando o aluno a
continuar buscando a melhor forma de dizer o que quer dizer, para quem
está dizendo e pelas razões que o leva a dizer o que diz.
É justamente através da ciência das línguas naturais, a Linguística,
que defende uma forma de ensino de língua portuguesa contrária ao uso
da gramática normativa, privilegiando a oralidade do aluno, respeitando
o seu discurso (oral ou escrito), em sua situação de produção nas diversas
situações de interação sociocomunicativas onde ele participa na sociedade,
que o professor tem a oportunidade de tornar-se um co-enunciador do
aluno. Este novo olhar sobre ensino de língua, mais especificamente sobre
o ensino de produção textual, que se configura como um estudo sobre
práticas de produção textual a serem propostas aos alunos das escolas do
campo, para uma reflexão sobre a situação de produção e valorização da
linguagem oral, é o que será apresentado na sequência desta pesquisa.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 176


Práticas de produção textual para alunos do campo: um
olhar para a valorização da linguagem oral

A interferência da oralidade é facilmente observada nas produções


textuais dos alunos do campo e existe um grande preconceito sobre esta
realidade. De acordo com Castro (1980), no Brasil colonial, o contato entre
os falantes de diferentes línguas (o índio, o negro e os europeus), todos com
as mesmas necessidades sociais de comunicação, levou à busca de formas
alternativas de comunicação nas diferentes interações que se estabeleciam,
fazendo surgir vários falares, cada um com uma função determinada. Dessa
forma, surgiram os falares rurais no Brasil ao nivelamento entre os dialetos
das senzalas e as variedades dos negros ladinos e crioulo.
Para acabar com este pensamento de desmerecer a linguagem utilizada
pelos alunos e promover seus discursos escritos é preciso que o professor
de língua portuguesa da Educação do/no Campo tenha em mente o
pensamento de mudança de atitude em sua forma de ensino.
Esta nova forma de ensino para a Educação do/no Campo deve
abandonar vários dogmas preconceituosos, relacionados à linguagem
utilizada pelo morador da zona rural e voltar-se para a adoção de uma
postura crítica em relação ao trabalho e ao objeto de ensino do professor,
a norma culta, o que incide diretamente em novas práticas de produção
textual para o aluno do campo. Este novo olhar está voltado para os avanços
de pesquisas da Linguística sobre práticas pedagógicas, que têm na análise
linguística as reflexões sobre fenômenos gramaticais, textuais e discursivos,
abrindo o caminho para a democratização da escola.
Sobre este aspecto, de acordo com Morais e Rodrigues (2014), com a
democratização da escola e a evolução dos estudos linguísticos, começa a
surgir um novo cenário no meio escolar do ensino público, este ocupado
pelas classes sociais marginalizadas. Para a efetivação deste novo ensino
de língua portuguesa diversas orientações ocupam um espaço importante,
como as de letramento e de texto/discurso, que possibilitam considerar
vários aspectos cognitivos, sociopolíticos, enunciativos, e linguísticos, estes
que envolvem o processo de ensino/aprendizagem da língua.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 177


Para um trabalho com a produção textual, os RCEM-PB (2006)
sugerem que não somente os textos que circulam na sociedade devam
servir de referência para o professor, mas também os textos produzidos
pelos alunos. Na produção textual dos alunos, voltada para uma análise
linguística, a orientação é para que inicialmente o professor deve observar
os aspectos macro de adequação ao gênero para depois se atentar a aspectos
micro das construções frasais. Mas o que se observa no ensino regular é que
os professores realizam justamente a análise dos textos dos alunos de forma
contrária dando ênfase à preocupação com aspectos micros, problemas de
escrita ortográfica, para depois darem atenção às questões macro do texto,
como o conteúdo.
De forma objetiva, pode-se afirmar que através da análise linguística o
ensino de língua portuguesa leva o professor de reprodutor de pensamentos
para um pesquisador e orientador de atividades aplicadas em sala de aula com
os alunos. Através deste olhar, em seu trabalho em sala de aula, o professor
de língua portuguesa da Educação do/no Campo tem a oportunidade de
poder elaborar sequências didáticas utilizando vários gêneros textuais,
tendo como objetivo geral o de possibilitar aos seus alunos a utilização da
língua (gem) como elemento articulador das situações sociais e cotidianas.
Para Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004) a sequência didática (SD)
é um conjunto de atividades escolares organizadas de maneira sistemática
em torno do um gênero textual oral ou escrito. Na visão destes autores a
SD promove os alunos ao domínio dos gêneros textuais e das situações de
comunicação.
Segundo Morais e Rodrigues (2014), um trabalho com uma SD
deve priorizar a interpretação e produção de textos de natureza crítica
argumentativa, como por exemplo a interpretação de um artigo de opinião,
que proporciona ao aluno expor seus conhecimentos prévios em busca da
construção do sentido das informações as quais ele ler, sendo assim uma
forma de ensino que abre mão de métodos tradicionais de entendimento
do uso da língua.
A atividade em sala de aula da produção do discurso escrito de um
aluno do campo lhe impõe uma situação específica. Esta situação diz respeito
ao uso da norma culta da língua portuguesa, ao uso da ortografia oficial
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 178


e também a colocação adequação do uso de verbos, e, consequentemente,
tudo o que foge a estas exigências é considerado pelo professor como
um erro, ao invés de ser considerado como apenas um desvio do uso da
gramática tradicional e também da norma culta, como a variação linguística
utilizada pelo aluno do campo. “A grande maioria dos chamados erros são
desvios da ortografia oficial” (BAGNO, 2002, p. 119).
A solução para este problema no ensino de língua da Educação do/
no Campo está justamente numa nova postura profissional do professor
em sala de aula, que ao verificar tal realidade nas produções textuais dos
alunos, (os desvios da norma culta), deve então orientá-los para que
adequem a sua linguagem a tal situação. Isto pode ser feito informando
aos alunos que existe uma forma específica para cada situação de uso da
linguagem e a adequação do uso da escrita está ligada a vários fatores como:
o lugar; o contexto adequado; as pessoas (os interlocutores do processo
comunicativo), onde para cada destas situações que influem na produção
do texto existe uma forma de discurso escrito.
Mas nesta situação de adequação da linguagem oral para a situação
de produção textual o professor deve levar em consideração um ponto
importante: o de que esta adequação do uso da variação linguística do aluno
do campo para a situação de produção textual deve basear-se justamente
no que é considerado ser o grau de aceitabilidade do que estamos dizendo
por parte de nosso interlocutor.

Considerações finais

Diante do que foi apresentado neste estudo, sobre práticas de produção


textual a serem propostas aos alunos das escolas do campo para a valorização
da linguagem oral, acreditamos que para a promoção e valorização do
discurso escrito do aluno, o professor de língua portuguesa deve pautar a
sua forma de ensino através da análise linguística, trabalhando a leitura,
escrita e oralidade do aluno, atrelado a diferentes gêneros textuais.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 179


Um ensino que promove o aluno é aquele que adianta ao
desenvolvimento. O papel do professor na sua relação com o aluno é o de
mediador nas interações interpessoais que apontam os caminhos para a
busca do conhecimento.
A principal tarefa do professor na prática de orientar a adequação da
linguagem oral do aluno do campo para a situação de produção textual
é a de conscientizar o aluno de que a língua oferece uma infinidade de
possibilidades de uso, e cada uma delas possui uma situação adequação para
tal. Ao avaliar a produção textual do aluno da zona rural o professor deve
ter uma sensibilidade para reconhecer que esta adequação da linguagem
oral para a situação de produção textual deve respeitar justamente o nível
de aceitabilidade pertinente.
Este pensamento se sustenta no argumento de que por ser uma
adequação, com certeza ainda sim existirão no texto escrito dos alunos
marcas da oralidade características da variação linguística utilizada por eles
no campo: os falares rurais.
Estes falares são representações identitárias dos alunos enquanto
sujeitos pertencentes a uma determinada população. Estas representações
que se fazem presentes através do uso da linguagem, seja ela oral ou escrita,
não podem ser descriminadas ou recriminadas, mas sim promovidas e
valorizadas no ambiente escolar, este que, através da ascensão nos estudos,
serve para preparar o aluno para as várias situações sociais do mundo.

Referências

BAGNO; Marcos. Preconceito Linguístico: o quê é?Como se faz?. São Paulo. edição Loyola.
14ª Ed. 2002.
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Diversidade. Educação do Campo: diferenças mudando paradigmas. Brasília, 2007.
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Secretaria de Educação Básica. – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação
Básica, 2006. 239 p. (Orientações curriculares para o ensino médio; volume 1).
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 180


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Anísio Teixeira- INEP. Referências para uma política nacional de educação do campo. Caderno
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CALDART, R. S. Por Uma Educação do Campo: traços de uma identidade em construção.
In: ARROYO, M. G; CALDART, R. S.; MOLINA, M. C. (Org.). Por uma educação do
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CALDART, R. S.Sobre Educação do Campo. In: Educação do Campo: campo- políticas
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DA COSTA, Newton Carneiro Affonso. O conhecimento científico. 2. ed., Discurso
Editorial, São Paulo: 1999.
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SP: Mercado de Letras, 2004. 278 p. (Tradução e organização: Rosane Rojo; Gales Sales
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GERALDI, J. W. A aula como acontecimento. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010.
J, BORDENAVE; J. Díaz (Orgs.). Educação rural no Terceiro Mundo: experiências e novas
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SOARES, Magda. Linguagem e Escola: Uma perspectiva social. 10 ed. São Paulo: Ática
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TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 181


https://doi.org/10.52788/9786599282492-1.10 CAPÍTULO 10

Reflexões sobre a concepção de escrita


dos documentos curriculares de ensino
de português em Portugal (2014-2018)

Rosângela Oliveira Cruz Pimenta

Introdução

A produção, em grande número de países, de documentos oficiais com


diretrizes e orientações curriculares, pelos respectivos sistemas educacionais
nacionais, aconteceram no rastro de transformações econômicas mundiais
conhecidas como “globalização”, fenômeno político-econômico-cultural,
que é caracterizado pelo “hiper-liberalismo econômico, governação
sem governo, mercadorização e consumismo” (DALE, 2004, p. 436).
Nesse momento, a educação ganha certa centralidade nos debates sobre
desenvolvimento em que os Estados são instados a definir os processos de
distribuição da educação, seu financiamento e, também, a formulação de
como a educação escolar será fornecida às populações (Idem, p. 439).
É neste contexto que ocorre a Conferência Mundial de Educação
para Todos (1990), organizada pelo UNICEF1 e por outros organismos
internacionais, com a participação de 155 países que proclamam a
Declaração Mundial sobre Educação para Todos, apresentando metas que
visam atender às necessidades fundamentais de aprendizagem da escola
básica de crianças, adultos semiescolarizados e analfabetos, o que envolve
a elaboração de documentos normativos dos diferentes currículos (SILVA;
ABREU, 2008, p. 524).

1 Fundo das Nações Unidas para a Infância


SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 182


Em Portugal, houve vários documentos formulados2 para orientar o
ensino e o currículo de Português na escolaridade obrigatória, logo após a
referida Conferência. Entre eles, a Organização Curricular e Programas –
Ensino Básico (PORTUGAL, 1991); Programa de Português do Ensino
Básico (REIS, 2009); Metas Curriculares de Português (BUESCU et al,
2012); Programa e Metas Curriculares de Português – Ensino Secundário –
PMCPES (BUESCU et al, 2014) e as Aprendizagens Essenciais Português
– Ensino Secundário – AEPES (PORTUGAL, 2018b).
É sobre a concepção de escrita destes dois últimos documentos que
iremos refletir neste trabalho, à luz da concepção dialógica de linguagem
(BAKHTIN, 2003; BAKTHIN/VOLÓCHINOV, 2006) e dos processos
interacionais, na área da Linguística Aplicada.
Este estudo é do tipo quali-quantitativo: é qualitativo porque foi
realizado com o objetivo de analisar tanto o PMCPES (BUESCU et al,
2014), como as AEPES (PORTUGAL, 2018b), ambos referentes ao ensino
secundário, numa perspectiva discursiva-interpretativa e é quantitativo
porque busca registrar a ocorrência de termos e conceitos que nos ajudem
a perceber suas concepções de escrita, nosso objetivo. Estes aspectos
metodológicos serão abordados em tópico específico mais adiante.
Este trabalho está divido em seis partes: introdução; apresentação
e descrição dos documentos e da lei 55/2018 (PORTUGAL, 2018);
concepções de escrita; metodologia; análise dos dados e considerações
finais.

Caracterização dos documentos oficiais orientadores


do ensino de português em Portugal, em vigor, e
contextualização da lei 55/2018

• Programa e Metas Curriculares de Língua Portuguesa – Ensino


Secundário (BUESCU et al, 2014)
Este Programa foi elaborado com a colaboração de pesquisadores e

2 Este levantamento foi em parte baseado no trabalho de Rodrigues (2017).


SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 183


professores de diferentes universidades do país e de professores de português
de diversas escolas secundárias. Ele aponta, com relação aos Domínios de
Referência, Objetivos e Descritores de Desempenho sobre o ensino de
escrita nos 10º, 11º e 12º anos o trabalho recorrente com o planejamento,
a escrita, revisão e reescrita.
O PMCPES (BUESCU et al., 2014) é um documento que contém
56 páginas e está dividido em introdução, objetivos gerais, conteúdos
programáticos para cada ano do ensino secundário, metodologia, avaliação
e, no final, apresenta as metas curriculares para cada ano de ensino. Todas
essas partes vão tratar sobre os cinco domínios para o ensino de português:
leitura, oralidade, escrita, gramática e educação literária.
Para entendermos melhor esse contexto, trataremos brevemente sobre
o Projeto de Autonomia e Flexibilidade Curricular (PAFC).
• O Decreto Lei Autonomia e Flexibilidade Curricular
Segundo Fritsch e Leite (2020), esse movimento de autonomia e
flexibilização ocorre desde o final do século XX, resgatando um momento
que teve início em 1990 e instituiu o projeto de gestão flexível do currículo,
entre 1996 e 1997, que dotava o professor de autonomia para a gestão
curricular, de acordo com a identificação dos problemas de cada instituição.
Nesse seguimento, de acordo com o decreto lei 55/2018, após serem
consultadas várias instâncias da sociedade portuguesa (estabelecimentos de
ensino públicos e privados, instituição do ensino superior, associações de
professores, profissionais da comunidade educativa, ordens profissionais,
Comissão Episcopal, Comité Olímpico, Confederação Nacional das
Associações de Pais, associações de pais e encarregados de educação,
federações sindicais e particulares em geral), em atendimento à uma
demanda da sociedade, ocorre a sua publicação, que alega:

[A] «Autonomia e flexibilidade curricular» [é] a faculdade conferida à escola


para gerir o currículo dos ensinos básico e secundário, partindo das matrizes
curriculares-base, assente na possibilidade de enriquecimento do currículo com
os conhecimentos, capacidades e atitudes que contribuam para alcançar as
competências previstas no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória.
(Artigo 3º, alínea a).
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 184


Esse mesmo decreto, no capítulo 12, alínea b, prevê que as escolas
podem gerir até 25% “Do total da carga horária das componentes
sociocultural e científica previstas para o ciclo de formação, no caso das
matrizes com organização por ciclo de formação” (PORTUGAL, 2018)
e sua instituição oficializa um outro documento orientador para o ensino
no país, trazendo no bojo a ideia, segundo Ferreira (2018, p. 10), de que
é possível

induz[ir] os professores a assumirem uma postura de reconfiguração do currículo


prescrito em função da realidade educativa a quem se destina e a realizarem práticas
de ensino que têm de ter como foco os alunos e as aprendizagens que precisam
fazer para o sucesso escolar e para a cidadania responsável. A concretização dessa
flexibilidade curricular exige, por isso, a rutura com as práticas de ensino iguais
para todos os alunos como se fossem um só, baseadas na transmissão de conteúdos
sem sentido e utilidade para eles.

A partir de 2016/2017, com a implantação de uma política de


currículo em Portugal, intitulada Projeto de Autonomia e Flexibilidade
Curricular (PAFC), esta outra orientação curricular, que tem ainda por base
o Programa e Metas Curriculares de Língua Portuguesa, passa a ser gestada
e entra em vigor a partir de 2018. Trata-se das Aprendizagens Essenciais de
Português – Ensino Secundário (PORTUGAL, 2018b).
Dessa forma, sem invalidar o documento Programa e Metas
Curriculares de Português do Ensino Secundário (BUESCU, 2014) o
documento Aprendizagens Essenciais de Português – Ensino Secundário
(2018), entra em vigor e passa a ser a referência para se ensinar o que está
previsto no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória (2017).
Atentemo-nos agora sobre como se organiza este novo documento, no que
concerne ao ensino de português, no ensino secundário.
• Aprendizagens Essenciais de Português – Ensino Secundário
(PORTUGAL, 2018b)
Esta orientação curricular é dividida por ano, sendo que o 10º e 11º
ano contém 11 páginas e o 12º ano, 12 páginas. Cada ano apresenta a
mesma estrutura: uma introdução, que descreve para o professor o que
vem a ser o trabalho com o ensino de língua materna e é a mesma para
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 185


os três anos de ensino; as competências esperadas para cada estudante de
acordo com o perfil de saída dos alunos do ensino secundário; a descrição
das Áreas de Competências do Perfil dos Alunos (ACPA); um quadro
com a Operacionalização das Aprendizagens Essenciais caracterizando
o Organizador (Domínio); os Conhecimentos, Capacidades e Atitudes;
as Ações Estratégicas de Ensino Orientadas para o Perfil dos Alunos e os
Descritores do Perfil dos Alunos. Ao final, no volume de cada ano, há um
Anexo com uma lista de obras e textos para a educação literária.
Apresentaremos a seguir as concepções de escrita sobre as quais nos
apoiaremos.

Concepções de escrita

Há uma diversidade de concepções de escrita ao longo dos estudos na


área de educação. Para situarmos as concepções que abraçamos, é preciso
pontuar, inicialmente, as visões das quais divergimos para, em seguida,
apresentarmos as que se coadunam com o nosso ponto de vista teórico.
Dessa forma, discordamos da concepção de escrita como um fenômeno
oposto à fala, trazendo a ideia de dicotomias, como afirmava Saussure
(1952, p. 34), “língua e escrita são dois sistemas distintos de signos: a única
razão de ser do segundo é representar o primeiro”.
Da mesma forma, não concordamos com as concepções de escrita
com foco na língua e com foco no escritor (KOCH; ELIAS, 2010), pois a
primeira admite que bastaria ao escritor se apropriar do conhecimento das
normas, das regras gramaticais, para ser capaz de escrever um bom texto e
a segunda, de que a escrita é a representação do pensamento e que cabe ao
leitor captar as intenções do autor.
Dito isto, neste trabalho, concebemos a escrita com base em autores
como Marcuschi (2010); Geraldi (1997) e Koch e Elias (2010), que se
referenciam na concepção dialógica de linguagem (BAKHTIN, 2003;
BAKTHIN/VOLÓCHINOV, 2006).
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 186


De encontro à concepção de Saussure, Marcuschi (2010) afirma:

A escrita seria um modo de produção textual-discursiva para fins comunicativos


com certas especificidades materiais e se caracteriza por sua constituição gráfica,
embora envolva também recursos de ordem pictórica e outros (situa-se no plano
dos letramentos). Pode manifestar-se, do ponto de vista de sua tecnologia,
por unidades alfabéticas (escrita alfabética), ideogramas (escrita ideográfica)
ou unidades iconográficas, sendo que no geral não temos uma dessas escritas
puras. Trata-se de uma modalidade de uso da língua complementar à fala.
(MARCUSCHI, 2010, p. 26). (Grifo do autor).

Para Geraldi (1997), escrever é um ato que se realiza dialogicamente


e deve levar sempre em conta o quê, como e quando vai ser dito algo,
assim como as razões para o fazer, além do interlocutor previsto, que irá
determinar a escolha das estratégias para dizer. Nesse sentido, o autor
afirma que na escola “há muita escrita e pouco texto (discurso)” (1997,
p. 137), porque a escola solicita aos estudantes atividades de escrita que,
muitas vezes, não se relacionam com a escrita que circula socialmente, ou
seja, na vida fora dos muros escolares.
Para Koch e Elias (2010), em consonância com a perspectiva de
Geraldi (1997), a escrita com foco na interação

(...) é um trabalho no qual o sujeito tem algo a dizer e o faz sempre em relação a um
outro (o seu interlocutor/leitor) com um certo propósito. Em razão do objetivo
pretendido (para que escrever?), do interlocutor/leitor (para quem escrever?) do
quadro espacio-temporal (onde? Quando?) e do suporte de veiculação, o produtor
elabora um projeto de dizer e desenvolve esse projeto, recorrendo a estratégias
linguísticas, textuais, pragmáticas, cognitivas, discursivas e interacionais, vendo
e revendo, no próprio percurso da atividade, a sua produção. (KOCH; ELIAS,
2010, p. 36).

Nesse sentido, as autoras afirmam que a escrita é tida como produção


textual, o que requer ativação de conhecimentos e elaboração de estratégias,
a depender do interlocutor previsto.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 187


Metodologia

Nossa condução metodológica se deu, em linhas gerais, à luz do trabalho


de Nascimento e Lino de Araújo (2018), pois, assim como as autoras,
realizamos a leitura dos materiais em busca de termos. No nosso trabalho
optamos pelas palavras ‘escrita’, ‘interação’ e ‘social’, contabilizando suas
ocorrências e selecionamos enunciados que se relacionavam com a palavra
‘escrita’, tanto explícita quanto implicitamente.
Com relação à seleção dos documentos, optamos pelos documentos
orientadores do ensino de português válidos em Portugal no momento da
escrita desse texto. Sobre a decisão das unidades de análise, recortamos do
PMCPES (BUESCU, 2014) e das Aprendizagens Essenciais de Português
(PORTUGAL, 2018b), algumas unidades, que exporemos a seguir.
Para Lüdke e André (1986), os documentos se constituem numa fonte
válida de pesquisa e sua análise se dá em cinco aspectos: a) a seleção dos
documentos; b) a metodologia da análise do conteúdo; c) a decisão sobre
a(s) unidade(s) de análise; d) a construção de categorias e e) a avaliação das
categorias. Para nossa investigação nos baseamos na Análise de Conteúdo,
de Lawrence Bardin (1977).
Sobre a Análise de Conteúdo, Bardin (1977) afirma:

[É] um conjunto de instrumentos metodológicos cada vez mais sutis em


constante aperfeiçoamento, que se aplicam a ‘discursos’ (conteúdos e continentes)
extremamente diversificados. O fator comum destas técnicas múltiplas e
multiplicadas – desde o cálculo de frequências que fornece dados cifrados, até a
extracção de estruturas traduzíveis em modelos – é uma hermenêutica controlada,
baseada na dedução: a inferência. Enquanto esforço de interpretação, a análise
de conteúdo oscila entre os dois pólos do rigor da objetividade e da fecundidade
da subjectividade. Absolve e cauciona o investigador por esta atracção pelo
escondido, o latente, o não-aparente, o potencial de inédito (o não-dito), retido
por qualquer mensagem (BARDIN, 1977, p. 09).

Assim sendo, como já dito, nestas normativas oficiais para o ensino de


Português elencadas, iremos proceder à busca das palavras selecionadas e
aos enunciados que se ligam ao termo “escrita” de maneira aparente e não
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 188


aparente e à discussão desses dados, tomando como dimensões de análise3
os conceitos de escrita apresentados anteriormente.
Quanto aos termos ‘interação’ e ‘social’, foram escolhidos por
conta do referencial deste trabalho (BAKHTIN, 2003; BAKTHIN/
VOLOCHINOV, 2006; KOCH e ELIAS, 2010; GERALDI, 1997;
MARCUSCHI, 2010).

Análise das concepções de Escrita nos documentos


Programa e Metas Curriculares de Português e
Aprendizagens Essenciais de Português – Ensino
Secundário

• O documento Programa e Metas Curriculares de Português – Ensino


Secundário (BUESCU et al, 2014)
As unidades de análise selecionadas do PMCPES (BUESCU et al,
2014) são a introdução (pp. 5-10); objetivos gerais (p.11); conteúdos
programáticos (12-32); metodologia (33-36); avaliação (p. 37) e domínios
de referência, objetivos e descritores de desempenho (pp. 45-56).
Como afirma Nascimento e Lino de Araújo (2018, p.114), a
contagem da palavra ‘escrita’ nestes documentos ligados à dimensão da
escrita pode se revelar um recurso importante para “indicar as concepções
teóricas que subsidiam o documento”, assim como dos termos ‘interação’
e ‘social’, acrescentados na nossa investigação.
Nesse sentido, a palavra ‘escrita’ teve um total de 35 eventos, dos
quais 4 se referem particularmente ao próprio domínio da escrita; 12
surgem sempre junto aos domínios da leitura e oralidade; 3 são títulos
dos tópicos dos conteúdos programáticos para cada ano; 3 são tópicos da
atribuição de tempos letivos; 3 são nomenclaturas do tipo de avaliação, 6
são para a descrição dos domínios de referência, objetivos e descritores de

3 Optamos por usar a nomenclatura dimensões de análise à categorias de análise, pois os conceitos que compõem a análise
se interrelacionam, são aspectos conceituais e não um agrupamento arbitrário de conceitos.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 189


desempenho e 4 se referem à escrita propriamente dita. A palavra interação
tem zero ocorrência ligada ao domínio da escrita e a palavra social não
tem ocorrência, embora socialização conste uma vez relacionada com este
domínio.
Em relação às formas e ao número de vezes que surge a palavra
escrita, nos chamou a atenção ela estar um número maior de vezes ligada
aos domínios da leitura e da oralidade conjuntamente, revelando uma
perspectiva do documento de promover a integração entre estes domínios,
o que se confirma quando observamos as ocorrências do termo domínio
ligado ao termo escrita na segunda etapa do nosso levantamento.
Nesta segunda etapa, relemos o documento para localizarmos os
conceitos que estavam explicitamente ligados ao termo escrita, registradas
na primeira leitura, e obtivemos os seguintes dados:

Quadro 1: Conceitos explícitos ligados ao termo escrita do PMCPES (BUESCU et al,


2014), com a quantidade de eventos em que ocorre e suas respectivas páginas.
Conceitos explícitos Eventos Páginas
compreensão e produção textuais 1 6
produção textual 2 7,9
formas de intervenção e de 1 8
socialização
Textos 52 5,6,8,9,11,13,18,24,
33,46,47,50,51,54,55
Domínio 9 5,9,29,33
Escrever 4 46,50
Redigir 4 46, 47, 50
Fonte: PCMPES (BUESCU et al, 2014).

A partir deste levantamento, a primeira observação que faremos é com


relação ao número de vezes em que aparece cada conceito selecionado. A não
ser pelo conceito ‘domínio’, que ocorre nove vezes em todo o documento,
o número de eventos dos outros conceitos é relativamente muito baixo,
e mesmo com relação a esta ocorrência maior, é preciso esclarecer que
‘domínio’, na maior parte das vezes não está relacionado ao termo escrita
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 190


isoladamente, mas também aos domínios da leitura e oralidade ou apenas
a cada um deles. O que pode nos fazer pensar que isso provavelmente é
assim porque este documento trata do ensino de língua de forma integrada,
valorizando a relação entre os diferentes domínios no ensino da língua
materna.
Ainda é oportuno refletir sobre esta característica que, ao considerar
cada prática da língua como domínio integrado, o documento revela
uma concepção de ensino de Português que vai além da priorização de
objetivos como apenas aprender a ler e a escrever nesta disciplina, como
ocorreu durante muitos anos, considerando um ensino de língua a partir
de seus usos sociais – ler, escrever, falar e ouvir. Assim como ao integrar os
domínios oralidade e escrita, se assume o entendimento de que a escrita é
complementar à fala (MARCUSCHI, 2010).
Com relação ao conceito de ‘produção textual’ relacionado à escrita,
é possível perceber que, por vezes, pode se tratar de uma simples sinonímia,
pois o documento não revela explicitamente qual a sua concepção de
escrita, mas apresenta uma visão que está mais voltada para a construção
de capacidades do que da escrita como interação, como propõem Koch e
Elias (2010) e Geraldi (1997), haja vista este excerto do documento:

Uma outra opção reside na importância dada ao domínio da Escrita e ao peso


crescente que lhe é atribuído. Começa-se pela capacidade de sintetizar textos,
essencial na aquisição de conhecimentos; passa-se, seguidamente, para o
aprofundamento da capacidade de expor temas de forma planificada e coerente;
finalmente, elegem-se a apreciação crítica e o texto de opinião como géneros que
representam, neste nível, o coroar do desenvolvimento da expressão escrita. Este
percurso deriva da convicção de que a escrita apresenta dois grandes objetivos, que
Shanahan (2004) designa como “aprender” e “pensar”. Escrever para aprender e
escrever para pensar, na sua articulação com o ler para escrever (Pereira, 2005), são
capacidades que pressupõem o concurso da Oralidade, da Leitura, da Educação
Literária e da Gramática (BUESCU et al, 2014, p. 9). (Grifos dos autores).

Neste trecho é recorrente a ideia de construção de capacidades relativas


à escrita, atendendo aos objetivos de aprender e pensar, demonstrando um
caráter instrumental do ensino desse domínio.

SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 191


Os conceitos ‘escrever’ e ‘redigir’ aparecem o mesmo número de vezes
e são empregados apenas como sinônimos. Quanto ao conceito ‘forma de
intervenção e de socialização’, este apresenta a ideia de língua escrita como
forma de ação social, embora no contexto em que surge este conceito,
a intervenção e a socialização da escrita (e dos outros domínios citados)
pareçam estar atrelados ao desenvolvimento das operações cognitivas que
compõem os discursos:

Predominantemente não literários, os textos a estudar nos domínios da Oralidade,


da Leitura e da Escrita, em qualquer dos géneros previstos, obedecem às opções
científicas acima mencionadas. Trata-se de fazer concentrar o estudo do texto em
torno de operações cognitivas complexas, em contextos onde a estruturação do
pensamento e do discurso é prioritária. Oralidade, Leitura e Escrita são, assim,
entendidas e valorizadas como formas de intervenção e de socialização (BUESCO
et al, 2014, p. 8).

No que se refere ao conceito de ‘texto’, há 52 ocorrências em que


este se liga à escrita, revelando ser este o conceito que mais ocorre. Nesse
sentido, é útil entender que a orientação em tela faz uso destas repetições
aliando-as a contextos como, por exemplo, ‘texto complexo’, ‘valorização
dos textos’, articulação do trabalho sobre os textos’, ‘convergência de textos’,
‘produzir textos de complexidade crescente’, entre outros, apontando para
a importância do trabalho com o texto como objeto de estudo/ensino, o
que vai ao encontro do que propõe autores como Geraldi (1997), Antunes
(2003), Marcuschi (2008, 2010), Koch e Elias (2010) etc.
Sobre o conceito de texto complexo, central nesta referência curricular,
este se baseia em um conjunto de orientações publicadas no documento da
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE,
21st Century Learning: Research, Innovation And Policy Directions From
Recent OECD Analyses4 (2008), que trata sobre orientações para uma
melhor aprendizagem nas escolas a todos os países avaliados pelo PISA5 no
sentido de prepará-los para as demandas que irão enfrentar no futuro com
relação à leitura e compreensão de texto. Nele, está contida a exigência de
4 Em Tradução livre: Aprendizagem do século 21: pesquisa, inovação e política - direções de análises recentes da OCDE.
5 PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), é aplicado a cada três anos desde 2000, envolvendo mais de 1
milhão de jovens de 15 anos, e​ m mais de 60 países.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 192


um trabalho com textos complexos para reduzir os baixos resultados dos
alunos neste âmbito.
Neste Programa, Buescu et al (2014), se baseiam nos Common
Standards6 (ACT, 2006), para definir textos complexos que, por sua vez se
baseia em Adams (2009, pp. 25-26), que concebe o mesmo como sendo
aquele que “lhes oferecem uma nova linguagem, novos conhecimentos e
novos modos de pensamento”7. O próprio documento também apresenta
uma definição para texto complexo:

Um texto complexo não é apenas o que transmite informação, mas o que exprime
também valores e perspetivas e o que permite, pois, exercitar as capacidades de
observação e de análise crítica dos seus leitores ou ouvintes. É nesses valores
e perspetivas que se deve reconhecer a capacidade de lidar com a informação
recebida, e, por isso, de a compreender e utilizar em novos contextos, na escola e
fora da escola (BUESCU et al, 2014, p. 7).

Para este documento, o texto complexo, por excelência, é o texto


literário:

O presente Programa valoriza o texto literário no ensino do Português, dada a


forma diversificada como nele se oferece a complexidade textual. A literatura
é um domínio decisivo na compreensão do texto complexo e na aquisição da
linguagem conceptual, constituindo, além disso, um repositório essencial da
memória de uma comunidade, um inestimável património que deve ser conhecido
e estudado. Cumpre, nesse sentido, sublinhar o potencial de criação representado
na leitura dos clássicos, enquanto corpus seleto de textos que nunca estão lidos,
na sua dialética entre memória e reinvenção. No elenco dos textos complexos, o
texto literário ocupa um lugar relevante porque nele convergem todas as hipóteses
discursivas de realização da língua. Ao contemplar um conjunto de fatores que
implicam a sedimentação da compreensão histórica, cultural e estética, o texto
literário permite o estudo da rede de relações (semânticas, poéticas e simbólicas),
da riqueza conceptual e formal, da estrutura, do estilo, do vocabulário e dos
objetivos que definem um texto complexo (BUESCU et al, 2014, p. 8). (Grifo
dos autores).

Diante dessa posição, o Programa orienta o ensino de escrita de


maneira escalar, que vai dos textos mais simples aos mais complexos,
6 Iniciativa americana que indica o que os alunos do ensino fundamental e médio devem aprender em matemática e língua
inglesa.
7 Tradução livre de “offer them a new language, new knowledge and new ways of thinking”.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 193


progressivamente, assim como deve ocorrer também nos domínios da
oralidade e da leitura.
No terceiro momento da investigação, fizemos o levantamento dos
termos implícitos ligados à palavra escrita, o que expomos no quadro
abaixo:

Quadro 2: Conceitos implícitos ligados ao termo escrita do PMCPES (BUESCU et


al., 2014), com a quantidade de eventos em que ocorre e suas respectivas páginas.
Conceitos implícitos Eventos Páginas
alfabetização 1 6
capacidade 11 5, 6,7,9,37
usos da língua 1 5
Discurso 3 8,19,24
domínio(s) 19 5,8,9,11,33,34,47,48,50,52,54,55
Fonte: PMCPES (2014).

O conceito de alfabetização ligada ao termo escrita só irá ocorrer uma


única vez em todo o documento e na parte introdutória deste, o que é
presumível num documento que trata do ensino de escrita especificamente
para o ensino secundário.
O termo capacidade consta 11 vezes e quase sempre ligado à escrita
através de ações como interpretar, expor, argumentar, observar, analisar,
compreender, sintetizar, aprender e escrever. Segundo as próprias
orientações do documento, são as práticas da escola quem constroem nos
estudantes tais capacidades através das atividades com os gêneros textuais:

A convergência de textos pertencentes aos mesmos géneros ou a géneros afins


pretende surgir como uma estratégia de reforço sistemático das operações
cognitivas mais complexas, havendo, pois, vantagem em explorar, de forma
estruturada, as relações entre os diferentes domínios. A tónica é colocada, por
um lado, na capacidade de o aluno expor informação e opiniões relevantes,
objetivamente enunciadas e comprovadas por exemplos e factos; e, por outro, na
capacidade de construir argumentos substantivos, logicamente encadeados para
o desenvolvimento de um raciocínio com vista à sua conclusão. (BUESCU et al,
2014, p. 9).
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 194


A ideia de que ensinar é tornar o aprendiz capaz vem da ideia de
construção de competências na educação, que consagra esse conceito
como sendo “a faculdade de mobilizar um conjunto de recursos cognitivos
(saberes, capacidades, informações etc) para solucionar com pertinência
e eficácia uma série de situações (PERRENOUD, 2000, p. 19). Tal
perspectiva, de acordo com este Programa, concebe que ao entrar em
contato com os textos literários e não literários tidos como complexos,
os alunos serão capazes de desenvolver, também na escrita, cada vez mais
as características de tal texto. Citando Shanahan (2004) e Pereira (2005),
respectivamente, Buescu et al (2014, p. 9) afirma “a escrita apresenta dois
grandes objetivos: ‘aprender’ e ‘pensar’. Escrever para aprender e escrever
para pensar, na sua articulação com o ler para escrever”. (Grifo das autoras).
Quanto ao termo ‘usos da língua’, o mesmo só aparece uma única vez
e se refere mesmo ao uso social da escrita e à sua valorização, para melhor
desempenho linguístico dos estudantes no ensino secundário, juntamente
com a leitura e a oralidade.
No que se refere às ocorrências do conceito ‘domínio’, que já foi
identificado no levantamento anterior sobre os conceitos explícitos (quadro
2), é relevante esclarecer que o mesmo surge com diferentes sentidos: a)
eixo e b) entendimento, conhecimento.
Destas 19 repetições, 4 se referem a domínio como entendimento,
conhecimento de um dado conteúdo, sempre ligado a aquisição de alguma
competência: “(...) demonstrando um domínio adequado da língua e
das técnicas de escrita” (p.11); “(...) evidenciando um bom domínio dos
mecanismos de coesão textual” (p. 54). E nas outras 15 ocorrências, o
termo surge como sinônimo da palavra eixo.
Apresentaremos agora a análise feita no documento AEPES
(PORTUGAL, 2018b), a partir dos levantamentos realizados.
• O documento Aprendizagens Essenciais – Ensino Secundário
(PORTUGAL, 2018b)
As unidades de análise selecionadas do documento Aprendizagens
Essenciais de Português – Ensino Secundário (PORTUGAL, 2018b), nos
três anos, são a introdução (pp. 1-4) e o quadro das Operacionalizações das
Aprendizagens Essenciais (AE) relativamente à escrita (10º ano, p. 9; 11º
ano, pp. 8-9; 12º ano, pp. 8-9)
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 195


Este documento foi elaborado separadamente, um para cada ano de
ensino, mas, como já dito, com um texto introdutório que se repete nos
três anos. No domínio referente à escrita o texto prevê:

No domínio da escrita, é esperado que, no final do ensino secundário, os alunos


tenham atingido níveis elevados de domínio de processos, estratégias, capacidades
e conhecimentos para a escrita de textos de diversos géneros com vista a uma
diversidade de objetivos comunicativos (Aprendizagens Essenciais Português –
Ensino Secundário, 2018, p.3).

Com relação à palavra escrita, esta aparece em cada documento oito


vezes, sendo que apenas uma vez ela é usada como título. A palavra interação
aparece no documento do 10ª ano uma única vez e não está relacionada à
escrita, mas sim entre os conhecimentos, capacidades e atitudes do domínio
da gramática:

Relacionar situações de comunicação, interlocutores e registos de língua (grau


de formalidade, relação hierárquica entre os participantes, modo oral ou escrito
da interação), tendo em conta os diversos atos de fala (Aprendizagens Essenciais
Português – Ensino Secundário, 2018, p.10). (grifo nosso).

Nos 11º e 12º anos a palavra interação não aparece nenhuma vez.
Quanto ao termo social, ele surge apenas uma vez em cada documento,
logo na parte introdutória e não se refere especialmente à escrita:

A definição do objeto e dos objetivos para o ensino e a aprendizagem da língua


portuguesa ao longo dos doze anos de escolaridade obrigatória tem em conta
a realidade vasta e complexa que é uma língua e incorpora o conjunto das
competências que são fundamentais para a realização pessoal e social de cada um
e para o exercício de uma cidadania consciente e interventiva, em conformidade
com o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória (Aprendizagens
Essenciais Português – Ensino Secundário, 2018, p.1). (Grifo nosso).

Em um segundo momento, realizamos uma nova leitura em busca de


termos explícitos e implícitos relacionados à palavra escrita. Quanto aos
termos explícitos, no 10º ano, elaboramos o seguinte quadro:
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 196


Quadro 3: Conceitos explícitos ligados ao termo escrita, com a quantidade de eventos em
que ocorre e suas respectivas páginas – AEPES - 10º ano
Conceitos Explícitos Eventos Páginas
Produção e receção de textos 1 2
Produção 1 2
Discurso 1 2
Texto 16 2,3,,9
Expressão escrita 2 2,9
Domínio de processos, estratégias, capacidades e conhecimentos 1 3
Competência 3 1,2,4
Escrever 4 2, 4,8,9
Redigir 1 9
Fonte: AEPES (PORTUGAL, 2018b).

No 11ª ano, o nosso levamento levou-nos ao seguinte quadro:

Quadro 4: Conceitos explícitos ligados ao termo escrita, com a quantidade de eventos em


que ocorre e suas respectivas páginas – AEPES - 11º ano
Conceitos Explícitos Eventos Páginas
Produção e receção de textos 1 2
Produção 2 2,5
Discurso 2 2,5
Texto 15 2,3,4, 8,9
Situação de produção 1 8
Domínio de processos, estratégias, capacidades e conhecimentos 1 2
Competência 3 1,2,4
expressão escrita 2 2,9
Escrever 6 2,4,8
Redigir 1 8
Fonte: AEPES (PORTUGAL, 2018b).

Por fim, no 12º ano, nossa investigação mostrou-nos o seguinte:

Quadro 5: Conceitos explícitos ligados ao termo escrita, com a quantidade de eventos em


que ocorre e suas respectivas páginas – AEPES - 12º ano
Conceitos Explícitos Eventos Páginas
Produção e receção de textos 1 2
Produção 3 2,5,8
Discurso 1 2
Texto 18 2,3,4, 8, 9,
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 197


Escrever 4 2,4,8
Redigir 1 8
Domínio de processos, estratégias, capacidades e conhecimentos 1 3
Competência 1 2
Situação de produção 1 8
Expressão escrita 2 2,9
Fonte: AEPES (PORTUGAL, 2018b).
Os termos ligados diretamente à escrita apresentam em cada ano
diferenças apenas na quantidade de ocorrências. No entanto, chama-nos a
atenção dois aspectos:
i) O conceito ‘produção’ aparece poucas vezes em todos os anos, mas
é crescente, embora timidamente, a cada ano e contextualmente se
liga a termos como receção, discurso, texto e situação, o que revela
uma perspectiva mais discursiva do ensino de escrita.
ii) O conceito ‘texto’ também surge em todos os anos, com um número
de vezes muito próximo, estando em todos eles contextualmente
ligado a termos como produção e receção, escrever, planificar, redigir,
editar, mas também às propriedades da textualização, ao destinatário,
à elaboração, organização, manipulação, à apreciação e à coesão,
demonstrando uma preocupação maior em relação ao PMCPES no
que concerne a uma peculiaridade própria da escrita como movimento
interativo que leva em conta o outro (destinatário), como nas etapas
distintas e integradas para a sua realização.
No terceiro momento do nosso levamento, buscamos os conceitos
implícitos ligados ao termo escrita e encontramos nos três anos o seguinte
resultado:

Quadro 6: Conceitos implícitos ligados ao termo escrita, com a quantidade de eventos em


que ocorre e suas respectivas páginas – AEPES - 10º, 11º e 12º anos
Conceitos Capacidade Págs. Jogos de Págs. Diversidade Págs.

implícitos linguagem de objetivos


comunicativos
Eventos
10º ano 2 3,9 1 2 1 3
11º ano 1 8 1 2 1 3
12º ano 2 3,8 1 2 1 3
Fonte: AEPES (PORTUGAL, 2018b).
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 198


O que mais nos chamou a atenção neste levantamento foi a restrição
com que aparece o conceito capacidade em relação ao documento anterior.
Também é relevante os dois próximos conceitos relacionados à escrita: ‘jogos
de linguagem’ e ‘diversidade de objetivos comunicativos’ trazendo a ideia de
cooperação, de troca, de interação. Parece-nos que, mesmo ainda presente,
a concepção de escrever para aprender, com um fim pragmático (pessoal
ou profissional) cede lugar a uma concepção de escrita como “encontro,
parceria, envolvimento entre sujeitos, para que aconteça a comunhão das
ideias, das informações e das intenções pretendidas” (ANTUNES, 2003).

Considerações Finais

A partir da investigação realizada com o objetivo de percebermos qual


a concepção de escrita dos documentos Programa e Metas Curriculares de
Português (BUESCU et al, 2014) e Aprendizagens Essenciais de Português –
Ensino Secundário (PORTUGAL, 2018b), observamos que existem vários
aspectos que precisam, inicialmente, ser pontuados, pois nos ajudaram a
cumprir com o nosso intuito:
i) É preciso considerar que os dois documentos guardam semelhanças
e diferenças sobre esta concepção.
ii) O primeiro documento é mais detalhado sobre a contextualização
tanto teórica, como do momento por que passava a educação no
período de sua formulação, deixando claro que se baseia em estudos
da OCDE para “a escola do futuro”, que desenha um novo perfil de
aluno egresso do ensino médio.
iii) Embora as AEPES (PORTUGAL, 2018b) tenham formulado
um documento em separado para cada ano de ensino, o fato do corpo
do texto introdutório ser mais curto e o mesmo para todos os anos,
facilitou bastante o nosso trabalho de investigação.
Dessa forma, diante do exposto ao longo do nosso trabalho e das
pontuações acima elencadas, podemos conceber que ambos os documentos
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 199


apresentam uma concepção de escrita como complemento da fala, pois em
vários pontos defendem a integração de ambos os domínios, assim como
dos cinco diferentes domínios no ensino de língua; no documento PMCES
(BUESCU et al, 2014) a concepção de escrita como desenvolvimento
de capacidades conduzidas pelo meio escolar se faz presente de forma
acentuada, o que no documento AEPES (BUESCU et al, 2014) se faz
notar, mas se dá conjuntamente com uma concepção de escrita enquanto
interação, pois considera a produção e recepção de textos, a produção de
discursos, a situação de produção e o interlocutor previsto (destinatário),
revelando uma concepção mais interacional para o ensino da escrita.

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PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 201


https://doi.org/10.52788/9786599282492-1.11 CAPÍTULO 11

A construção dos sentidos nas


produções de estudantes de língua
inglesa de comunidades de Maceió

Selma Silva Bezerra

Considerações iniciais

Neste capítulo, meu objetivo é a compreensão de como minhas/


meus estudantes constroem significados a partir da interpretações de suas
produções discursivas. Desse modo, trago os conceitos de letramento crítico
de Monte Mór (2018) e Menezes de Souza(2011) para entender como se
dá o processo de construção de sentidos nas produções apresentadas. Além
disso, amparo-me nos pressupostos da Linguística Aplicada (dovarante
LA), com base na percepção que essa área compreende a pesquisa de
forma cíclica, em que as questões práticas e teóricas se retroalimentam
(ZOZZOLI, 2006).
Diante disso, na visão de Rajagopalan (2005; 2009), o escopo da LA,
quando se trata de ensino e aprendizagem, parece estar bem mais equipado
para lidar com questões de política linguística e com planejamento
linguístico, além de poder refletir mais sobre a questão da língua inglesa
no mundo do que outras áreas de estudo. Ainda sobre LA, Pennycook
(2005) advoga a necessidade do trabalho com uma Linguística Aplicada
Crítica (LAC) que foque em sujeitos que, por questão de raça, cor, crença,
língua, classe social e econômica, têm sido excluídos socialmente. A LAC
se torna, assim, uma área de estudo que possibilita não só pensar o ensino
de línguas, mas também intervir de forma prática. Nessa visão, a palavra
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 202


crítica é utilizada no sentido de transformação e não apenas no sentido
corriqueiro de uma oposição ao pensamento cânone (PENNYCOOK,
1998). O autor também enfatiza que “precisamos entender as escolas
como arenas culturais complexas, onde formas diversas estão em conflito
permanente, e precisamos compreender, acima de tudo, a política cultural
do ensino de línguas” (PENNYCOOK, 1998, p. 47).
A partir dessa visão de LA, o ensino de língua pode contribuir para uma
ruptura com as formas convencionais de se fazer pesquisa, principalmente
aquelas que se colocam como a-políticas e a-históricas, o que, de fato,
não existe, uma vez que estamos sempre inseridos em contextos políticos.
Nesse intento, acredito que apresentar modelos a serem seguidos não é o
objetivo, pois a real finalidade é a de se refletir sobre alguns conceitos que
podem levar a interferências práticas em sala de aula de línguas adicionais.
Desse modo, destaco que o presente trabalho se configura
como um conjunto de reflexões sócio e historicamente localizadas,
em que eu almejava me lançar à prática de mobilização colaborativa
de conhecimento e de letramento crítico em uma determinada
sala de aula de língua inglesa. Tal contexto tratava-se de um curso
ofertado para comunidades economicamente desprivilegiadas na
cidade de Maceió em que realizei minha pesquisa de mestrado
, e que, neste capítulo, faço uma releitura de duas produções das/os
estudantes de língua inglesa participantes do estudo.
Dito isso, é importante ressaltar que a escolha da comunidade se deu
através de reuniões em que foi constatada a não intervenção de projetos
que trabalhassem com o ensino de línguas. As comunidades estavam,
ainda, fisicamente próximas do local em que as aulas eram conduzidas e
isso facilitava o acesso.
Com isso em mente, propôs-se que o trabalho crítico e engajado com
a/as linguagem/linguagens poderia contribuir para o desenvolvimento
de uma conscientização sobre o local onde essas/es estudantes viviam.
Diante desse contexto, verifico que tais estudantes são, de alguma forma,
excluídos de práticas de ensino de línguas que, normalmente, são elitizadas,
como a aprendizagem de língua inglesa, por exemplo. Somado a isso, se
levarmos em conta que estamos em Alagoas, um estado no qual o índice
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 203


de analfabetismo e de pobreza é altíssimo, acredito tal trabalho pode se
caracterizar como uma forma de contribuição social.
Diante destas considerações, apresento, em seguida, a base metodológica
e o contexto de pesquisa. Após isso, desenvolvo os pressupostos teóricos
que orientam a interpretação das produções discursivas, para que, depois,
possa haver a descrição do contexto de sala de aula em que se deram as
produções com as respectivas interpretações. Por fim, destaco as minhas
considerações finais.

Metodologia de pesquisa

A etnografia estuda os contextos de vida dos participantes de pesquisa


por meio da observação, descrição e análise das práticas sociais. As pesquisas
em Linguística Aplicada, por sua vez, fazem uso de alguns métodos
etnográficos para estudar como a linguagem se processa nesses contextos.
Moita Lopes (1994) lembra que as pesquisas inseridas nas Ciências Sociais
utilizam e estudam ao mesmo tempo o seu objeto de pesquisa que é a
linguagem. Com isso, posso dizer que este trabalho tem base etnográfica
e que também se trata de uma abordagem qualitativa, dentro de um
paradigma interpretativista.
Croker (2009, p. 5) explica que a pesquisa qualitativa “implica,
prioritariamente, a coleta de dados textuais e a análise desses dados
utilizando a interpretação”. Para o autor, o termo pesquisa qualitativa pode
ser considerado um termo guarda-chuva (umbrella), já que ele pode se
referir a uma complexa pesquisa metodológica que tem, também, raízes
em diversas disciplinas, como a antropologia, sociologia e filosofia. Além
disso, a pesquisa qualitativa se interessa pela análise do processo e não pela
quantificação de dados.
A pesquisa-ação, em si, tem um objetivo maior, que é interferir na
realidade dos sujeitos participantes, transformando ou solucionando
um problema real para o melhor viver daquela comunidade estudada.
Nunes (2010, p. 9), ao ressaltar as características desse tipo de pesquisa,
compartilha que:
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 204


É este um quadro de compreensivo da profunda ligação da Investigação
Acção Participativa aos princípios da Educação Popular, orientada para a
consciencialização das classes oprimidas, contribuindo para a transformação das
suas condições de vida: educa-se na comunidade e para a comunidade, sendo o
diálogo um instrumento básico de intercompreensão transformativa. Aprende-se
reflectindo colectivamente sobre a realidade, na intenção de transformar.

Com isso, destaco que a pesquisa-ação pode ser vista como um processo
intevencionista de investigação-ação que pretende contribuir, de algum
modo, para as comunidades estudadas. Dionne (2007) lembra também que
não é à toa que o nome pesquisa-ação é escrito com o hífen. Ele representa
a constante conexão entre pesquisa e ação, mas pode ter outros diversos
significados. Segundo o autor, “a especificidade da pesquisa-ação decorre
de uma relação estreita entre pesquisador e ator” (DIONNE, 2007, p.
36). Ambos devem estar em comunhão, reforçando, assim, o movimento
cíclico da pesquisa e da ação.
André (2004, p.33) sinaliza que essa metodologia de pesquisa
“envolve sempre um plano de ação, plano esse que se baseia em objetivos,
em um processo de acompanhamento e controle da ação planejada e no
relato concomitante desse processo”. Com esses pressupostos em mente,
a pesquisa foi realizada. Sendo assim, descrevo a comunidade em seguida.

A comunidade e o projeto ensino de línguas

As comunidades envolvidas eram: Vale do Reginaldo e Vila de


Pescadores do Jaraguá. Na época da pesquisa, as moradias da Vila dos
Pescadores eram construídas de tábuas e algumas são feitas de taipa.
Não havia saneamento, nem eletricidade pública. Tudo era feito pelas/
os moradores da comunidade, como, por exemplo, gambiarras e córregos
para o escoamento das águas. No Vale do Reginaldo, as moradias eram
feitas de alvenaria, localizadas em encostas de colinas, algumas das quais
eram de difícil acesso. Em épocas de chuva, havia o perigo constante de
deslizamento de terra e/ou alagamento.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 205


As aulas aconteciam na Casa de Cultura Britânica (doravante CCB),
que fazia parte do Projeto de Extensão da UFAL. Esse projeto oferecia
cursos de línguas estrangeiras (inglês, francês, espanhol, italiano, latim
e português para estrangeiros), com mensalidades reduzidas para toda
a comunidade. A CCB estava localizada no centro de Maceió, ficando
bastante próxima às duas comunidades. Além do espaço físico, a CCB
disponibilizava as cópias e os equipamentos necessários para a realização
do curso.
Depois desta breve descrição da metodologia e do contexto de
pesquisa, passo agora a descrever meu aporte teórico.

Considerações teóricas

O ensino da língua inglesa pode ser entendido como uma possibilidade


de conhecer outra cultura (KRAMSCH,1993; TAVARES, 2006), de
questionar e perceber as multiplicidades, as heterogeneidades das mais
diversas questões (MONTE MÓR, 2018), outros mundos, outras formas
de viver e interagir nesse mundo. Isto é, o ensino da língua é indissociável
das questões sociais e políticas em que os sujeitos se inserem. Por isso, cabe-
me refletir sobre o papel dessa língua considerada mundial, internacional,
língua da colonização e do dominador. Diante de tamanha diversidade de
visões e amplitude de efeitos, é necessário pensar o ensino de inglês como
uma forma de promover um ensino socialmente engajado.
Consciente disso, neste capítulo, conforme outros trabalhos nos quais
me baseei na noção letramento crítico como expansão de perspectivas
(BEZERRA, 2019a, 2019b), fomentado por Monte Mór (2015), alinho-
me, mais uma vez, a essa noção, a fim de pensar as produções das/os minhas/
meus estudantes. De acordo com Monte Mór (2015, 2018), a visão de
letramento crítico como expansão de perspectivas está ligada ao conceito de
quebra do ciclo interpretativo, que se dá quando interrompemos uma forma
naturalizada de pensar sobre algo e a reconstruímos ou a reformulamos.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 206


A autora retoma essa questão ao falar sobre o processo de leitura e
construção dos sentidos e explica que existe um habitus interpretativo, ou
seja, uma maneira cristalizada de compreender o mundo na sociedade que,
sem se dar conta, as pessoas reproduzem (MONTE MÓR, 2018). Nesse
caso, o processo de rompimento desse habitus pode gerar instabilidade,
o que pode contribuir para percebermos outras formas de compreensão.
A partir disso, ao pensar diferente, dentro de um sistema maior, enxergar
a partir das múltiplas perspectivas, essa ação de reconstrução de sentidos
pode ser entendida como uma possibilidade de letramento crítico. Seria
uma forma de problematização e reflexão sobre como o senso comum
interpreta e interage com o mundo.
Sob esse viés, os estudos sobre letramento crítico, processo de
construção de sentidos e expansão de perspectivas, se configuram, para
Monte Mór (2018, p. 322), como “uma proposta pedagógica de natureza
filosófico-educacional-cultural, que revisita o que vem a ser alfabetizado
ou escolarizado hoje em dia”. Nesse sentido, podem ser tomados com uma
proposta educacional maior que podem envolver não só as salas de aulas de
línguas e sim todo o ensino.
A partir desse entendimento, corroborando essa temática, Bezerra
(2019a, p.909) enfatiza que

o letramento crítico, viabilizado pelas práticas docentes, pode contribuir para


que alunos/as possam pensar questões ainda não visualizadas e, assim, expandir
suas visões de si e dos outros. É uma possibilidade de trabalho que faz com que
alunos/as saiam do lugar comum e possam refletir, problematizar e questionar os
mais diversos assuntos da vida.

Diante disso, observo que a noção de letramento crítico está atrelada


a uma filosofia educacional e que pode favorecer o processo de ensinar e o
de aprender. Alinho esse pensamento à pedagogia dos Multiletramentos,
elaborada pelo New London Group (1996), a qual prevê uma educação
mais inclusiva e dinâmica, a par das mudanças sociais.
A pedagogia dos Multiletramentos visa a uma educação pautada nos
designs sociais, que permite a construção e a reconstrução de significados, a
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 207


partir dos novos contextos de uso e interação com as múltiplas linguagens.
Os estudiosos do grupo chamam a atenção para as novas formas de interação
social e, como isso, para as outras formas de aprendizagem. Com isso, o grupo
explica que “estudantes de educadores de letramento devem enxergar-se
como participantes ativos da mudança social, como aprendizes e estudantes
que podem ser designers ativos - produtores - do futuro social” (THE NEW
LONDON GROUP, 1996, p. 64, tradução minha). Essa reflexão faz-me
compreender que, como professora, sou responsável e co-criadora do mundo
ao meu redor. Assim, construo e reconstruo os significados desse mundo.
Levando esse engajamento e responsabilidade acerca do estar com o mundo
em conta, trago a visão de letramento crítico a partir da noção cunhada
por Menezes de Souza (2011), como uma forma de ler-se lendo. O autor
destaca que nos construímos por meio do outro, do “não-eu”, mas que
esse “não eu” é construído socialmente e está ligado, portanto, a uma
coletividade. Dessa forma, quando leio e interpreto o mundo, os sentidos
atribuídos estão ligados à uma coletividade sócio-histórica da qual uma
diversidade de sujeitos faz parte. Por isso, para Menezes de Souza (2011),
precisamos aprender a escutar/ouvindo. Seria uma forma de ler-se a si
mesmo enquanto leio o outro e o eu no outro. Assim sendo, o processo
de compreensão da leitura transcende questões de intenção do autor,
contexto e formas linguísticas. Seria um processo mais complexo, no qual
sentidos sócio-históricos, visões de si e do mundo podem ser levados em
consideração.
Dito isso, passo agora a interpretar as produções de minhas/meus
estudantes.  

Interpretação das produções

Dentre as várias atividades provenientes das práticas de ensino durante


o curso, trago, neste capítulo, duas delas: a primeira tinha como objetivo a
produção de Slogans e a segunda a construção de um diálogo. Em seguida,
descrevo e interpreto essas atividades.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 208


A primeira atividade foi intitulada Slogan e objetivava o
reconhecimento, a análise e a produção de um slogan. Essa atividade foi
realizada em duas aulas. Na primeira aula, apresentei o vídeo e discuti com
os presentes o que cada imagem significava. Cada imagem possibilitava
múltiplas interpretações sobre temas variados. O vídeo mostrava imagens
diversas de pessoas em situações inusitadas, apresentando imagens que
de certa forma interagiam com as pessoas, como um desenho de um
tubarão em um ônibus. Após a discussão sobre os possíveis significados
das imagens, surgiram temas variados, como violência, abuso sexual,
preservação ambiental e drogas. Com isso, antes das/os estudantes
iniciarem a produção dos seus slogans, apresentei exemplos de slogans,
discutimos em quais contextos ele é utilizado, para, então, dar início às
produções. Na aula seguinte, após mais um momento de discussão, foi
iniciada a escrita. Apresento as produções a seguir:

Suzana
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PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 209


Binho

Ao observar as imagens e produções atentamente, destaco dois


movimentos de significação: o primeiro seria a tentativa de chamar a atenção
para os binarismos, criando significados reflexivos a partir das imagens; e o
segundo seria o da problematização das questões que envolvem a temática.
Com relação ao primeiro movimento de interpretação, destaco que
no processo de construção de sentidos, as/os estudantes parecem ter
buscado os significados amparados em binarismos, mostrando, assim, uma
repetição do habitus interpretativo, o qual Monte Mór (2018) destaca. A
autora, baseada na visão de habitus, de Bourdieu, explica que o processo de
construção de sentidos também obedece à uma lógica imposta, algo que
vem sendo visto como naturalizado na sociedade. Esse pensamento pode
ser observado nas seguintes produções, The power is not in your hand (O
poder não está na sua mão), The best of live is to live (O melhor da vida é
viver). A primeira frase, atribuída à foto da arma, traz o sentido que a arma
não é poder. Isso se dá porque, socialmente, a arma pode ser vista como
uma forma de poder, de segurança ou até mesmo de virilidade. Nesse caso,
há uma visão binária entre o poder e a arma. A segunda frase apresenta,
implicitamente, a ideia de que fumar pode causar a morte, por isso sua
oposição a vida é o melhor. Com isso, observo o binarismo vida e morte
também associado a imagem.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 210


No entanto, destaco que, mesmo abordando visões reconhecidas
socialmente e reproduzindo binarismos, ambas as produções rompem com
a concepção naturalizada de que, por exemplo, ter uma arma é ter poder e
de que fumar é o oposto da vida, o que pode ser visto como uma forma de
letramento crítico, como perspectiva de ampliação de visão. Dessa forma,
quando a estudante rompe com essa compreensão cristalizada, ela amplia
sua forma de ver o mundo e constrói outros significados. Diante disso,
as produções tentam romper com as possíveis questões que envolvem
as temáticas. Há, por outro lado, a possibilidade de interpretação dos
sentidos da produção por meio da frase carpei din, que significa aproveitar
o momento. Então, o sentido de o melhor da vida é viver poderia ser
associado a aproveitar para viver tudo que posso enquanto tenho vida.
O segundo movimento da minha interpretação está direcionado
às produções “Hanging emotions” e “Getting into a food chain”. Ambos
significados refletem as problemáticas que as imagens estão questionando.
A primeira “Hanging emotions”, “Enforcado emoções”, pode significar que
quem chega ao ato de ou até mesmo pensa em suicídio está lidando com
diversas emoções. Quando eu questionei o estudante sobre o significado
da produção, ele me respondeu que, algumas vezes, os idosos são tratados
como pessoas que já não fazem mais parte da sociedade, e é como se os
sujeitos se enforcassem de alguma forma, como se eles se matassem aos
poucos. Esse posicionamento de se ver como causa de algo tão sério, ou
como parte de um problema, pode, a meu ver, ser compreendido com
uma forma de ler-se lendo. Afinal, ao observar o sofrimento do outro, o
estudante pode refletir sobre o seu papel com relação a isso: sobre ele e os
outros podem tratar ou enxergar os idosos socialmente. Nesse sentido, esta
pode ser vista como uma possibilidade de letramento crítico a partir da
perspectiva de ler-se lendo, de Menezes de Souza (2011).
De modo semelhante, a produção “Getting into a food chain”, “Entrando
em uma cadeia alimentar”, pode ser vista como uma consequência sobre
nossas ações com relação a não preservação ou a falta de cuidado com
o meio ambiente. Ao ver a humanidade como parte da cadeia alimentar
que um dia será engolida pode ser uma forma de se entender no mundo.
Dessa maneira, pode ser lido como uma possibilidade de entender que é,
também, responsável, participante e criador do que há ao nosso redor. Tais
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 211


sentidos não apontam para um resultado, mas refletem sobre as questões,
colocando-se como integrante e parte de sua problematização.
Dessa forma, as produções em questão foram interessantes tanto do
posto de vista linguístico quanto crítico. Além disso, os dois participantes
da pesquisa, mesmo sendo iniciantes na aprendizagem da língua inglesa,
conseguiram se expressar ao criar significados para descrever as imagens.
Destaco, ainda, que as produções condiziam com o que se espera de um
slogan: frases curtas que chamam a atenção e estimulam reflexões sobre o
tema.
A segunda atividade foi o trabalho que tinha a finalidade de concluir
as tarefas do curso, uma vez que optei por não fazer prova, buscando, assim,
uma autonomia para o curso, desvinculando-se dos moldes dos cursos de
línguas que precisam de uma avaliação formal, escrita e oral. A atividade
previa o uso de vários temas estudados e, por sua vez, foi também uma
revisão do que foi apresentado durante o curso como, saudações, objetos,
números e os seus respectivos usos contextualizados. A atividade foi gravada
em áudio e em vídeo. Em seguida, apresento o trecho do momento crucial
da atividade:

Suzana
Suzana: how much is this sunblock?
Professor: sun block? Oh I have this sunblock for fifty reais, yes fifty reais and you
know it’s very good, with this sunblock you will never get tanned, you will never get
red
Suzana: It’s very expensive.. less
Professor: Less? No:: it’s the Best sunblock in the world, but I have this
(alguém fala algo e todos riem)
Look, but I have this one for ten reais,but this one isn’t the best one, the best one is
this one for fifty reais
Binho: (xxx) nívea sun
Professor: nívea sun ah: or it can be also vitoria’s secret
Suzana: how do you say (xxx)? One please
Professor: one ? fifty reais
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 212


Suzana: it’s cheap
Professora: cheaper? Cheaper? Ok? (xxx) forty five reais
Suzana: no it’s very expensive
Professora: forty reais? Less? Less? ok forty reais
Suzana: yes yes bye
Professora: bye bye
Binho: pechincheira
(..,)

Binho

Binho: How much how much is it is it né?


Amanda: What would you like? I have juice I have (xxx)
Binho: coconut water
Amanda: sorry?
Binho: coconut water
Amanda: yes I have , five reais
Suzana: NO:
Binho: (xxx)
[ ((sobreposição de vozes))
(Aula do dia 23.06.2010)

Nos trechos acima, quero destacar dois momentos fundamentais


nas falas dos participantes. Primeiramente, as falas de Suzana, em que ela
tentava baixar os preços das coisas. A participante não se conformou com
o preço tão caro dos produtos vendidos na praia, então decidiu pechinchar
para poder comprar. Do meu ponto de vista, essa atitude, por meio de uma
simulação, mostra que a aluna construiu uma posição crítica em não aceitar
o que está dado, mesmo com todo o comercial do produto. O segundo
trecho importante nessa atividade é quando Binho, que disse que ia fazer o
papel do turista “besta”, foi comprar a água de coco. No momento em que
a vendedora disse o preço, Suzana ficou indignada e se recusou a comprar e
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 213


pediu que Binho não comprasse, mas ele não deu ouvidos e comprou sem
se questionar. Mesmo com toda a brincadeira durante a atividade, Suzana
optou por uma postura crítica no que se refere à compra de um produto
super faturado, como mostrado na transcrição.
Enquanto Binho, que pretendia fazer o papel do turista besta, não
questiona e naturaliza os preços. É interessante perceber como Binho
constrói sentidos sobre os outros e, principalmente, sobre os estrangeiros.
Para ele, existe um turista besta que aceita os preços, mesmo que super
faturados, como normais.
Naquele momento, não me dei conta que poderia ter feito mais
questionamentos para Binho, objetivando pensar a sua postura. Se
eu tivesse a oportunidade em outra aula, poderia fazer perguntas para
entender melhor sua decisão e/ou para contribuir para uma postura crítica,
perguntando-o, por exemplo, “Por que você acha que o turista é besta?
Será que ele ver o valor de objetos do mesmo jeito que você?”. Assim eu
poderia compreender melhor a situação e provocar outros sentidos na visão
do participante.

Considerações finais

O presente capítulo teve o objetivo de analisar o processo de construção


de sentidos em produções de estudantes nas aulas de Língua Inglesa como
língua adicional. Como aporte teórico, busquei o conceito de letramento
crítico como perspectiva de expansão de visões (MONTE MÓR, 2015,
2018) e como uma forma de ler-se lendo (MENEZES DE SOUZA,
2011). Além disso, adotei uma perspectiva de ensino de línguas com base
na pedagogia dos multiletramentos (THE NEW LONDON GROUP,
1996), que visa a construção de um ensino voltado para o trabalho com
as minorias. Diante disso, observo que as produções apontam para temas
do cotidiano, refletindo questões ambientas, sociais e pessoais. Com isso,
destaco que, por meio do trabalho com o letramento crítico, é possível
promover o ensino da língua inglesa.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 214


Para finalizar, destaco que o ensino de línguas no Brasil tem sido baseado
nas teorias advindas das comunidades do centro, como Canagarajah (1999)
enfatiza, ou que trazem ideais colonialistas, como Kumaravadivelu (2003)
assinala, o que, às vezes, não condiz com a realidade local de cada situação.
Dessa forma, o trabalho para estudantes das comunidades apresentadas
pode ajudar a compreender melhor o contexto de ensino e, assim, construir
uma prática mais localizada. Sendo assim, a construção do conhecimento,
a aprendizagem da língua e a forma como tudo isso se dá ocorrem a partir
da realidade estudada, por meio do conhecimento desses contextos, que,
de alguma forma, representam a realidade do país.

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PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 215


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PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 216


https://doi.org/10.52788/9786599282492-1.12 CAPÍTULO 12

A produção escrita em tempos de


Covid-19: experiências e desafios
no contexto da formação inicial de
professores de Letras/Espanhol

Flávia Colen Meniconi

Introdução

Os anos de 2020 e 2021 tem sido marcado pela necessidade do


isolamento social da população mundial, em função da pandemia causada
pelo novo Coronavirus -Covid-19. Essa devastadora doença, por ser
altamente contagiosa, tem causado a morte de várias pessoas, principalmente
da população idosa e pessoas acometidas por comorbidades (diabetes,
hipertensão, obesidade, entre outras), por síndromes respiratórias agudas.
A corrida pela vacinação em massa da população mundial tem sido
vista como importante tentativa de retorno à normalidade, no que diz
respeito, principalmente, à resolução da crise sanitária e à recuperação da
economia. Enquanto isso, para evitar a propagação do vírus e superlotação
dos hospitais e UTIS, as agencias de saúde recomendam à população o uso
de máscaras em locais fechados, a higienização das mãos e dos objetos e a
permanência em casa, como forma de evitar situações de aglomeração de
pessoas.
Em muitos países, já afetados pela onda do Novo Coronavírus, tem
ocorrido uma espécie de flexibilização do isolamento social com a abertura
do comércio, parques, praias e outros ambientes. Entretanto, o “Novo
Normal”, nome atribuído à realidade atual relacionada à experiência de
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 217


vida em meio à propagação e/ou diminuição da doença no Brasil, ainda
não alterou o contexto educacional das escolas públicas, em boa parte dos
estados que, por sua vez, permanecem fechados. As escolas, universidades e
demais instâncias educacionais continuam sendo os espaços mais temidos
pela população, já que são naturalmente objetivam a união de pessoas
em locais fechados, tais como as salas de aulas, bibliotecas, laboratórios,
etc. Diante desse contexto, a saída encontrada para a continuidade da
formação docente e discente tem sido a oferta de aulas remotas, programas
de capacitação online, cursos e uma variedade de eventos acadêmicos à
distância.
No âmbito educacional, no que tange, especificamente, à atividade de
produção escrita de alunos e professores em tempos de pandemia, pode ser
observada, entre outros fatores, a ocorrência três interessantes movimentos:
a intensificação da produção textual digital em diferentes redes sociais
(whatsApp, instagram, facebook, entre outros) e a dificuldade de produção
escrita acadêmica devido à fatores de ordem emocional (cansaço, estresse,
desmotivação, ansiedade) e à fatores de ordem socioeconômicos, tais como:
a falta de acesso à computadores, à internet, à telefones celulares, etc. Este
artigo se propõe a discutir acerca desses fatores, a partir da análise de dados
de uma pesquisa desenvolvida com professores em formação inicial do
Curso de Letras/Espanhol, da Universidade Federal de Alagoas, acerca da
produção escrita em tempos do Novo Coronavirus Covid-19.

A internet e a produção escrita digital em tempos de


pandemia

Em tempos de pandemia, a escrita digital tem sido um importante


meio de interação social, compartilhamento de informações e de
intercâmbio comunicativo. Ela está presente tanto na produção de gêneros
textuais que circulam na internet, tais como: artigos científicos, resumos,
contos, editoriais, crônicas, resenhas críticas, entre outros; como também
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 218


em mensagens produzidas de forma rápida, acompanhadas de imagens,
vídeos, áudios, enviadas pelo whatsApp, ou publicas em redes sociais:
instragram, facebook.
No atual contexto, parece haver intensificado o número de mensagens
produzidas e enviadas a partir de diferentes gêneros: salas de bate-papo
(chats); fóruns eletrônicos (e-foruns), correio eletrônico (e-mail) e o
famoso WhatsApp, caracterizado como “um aplicativo multiplataforma de
mensagens instantâneas e chamadas de voz e de vídeo para smartphones,
que permitem aos usuários além do envio de mensagens de textos, o envio
vídeos e fazer ligações grátis por meio de uma conexão com a internet”
(VICENTE; BONGESTAB, 2020, p. 27).
Segundo Rojo (2017, p. 4), “as capacidades de leitura e escrita dos
letramentos da letra ou do impresso não são mais suficientes para a vida
contemporânea”. De acordo com a autora, a maior parte dos gêneros
discursivos presente no contexto atual apresenta “diagramas, tabelas,
campos, formulários, boxes (como e-mails, torpedos e agendas) ou
fotos, imagens, mapas, plantas, vídeos, animações, sons, música, fala e
uma multidão de outras linguagens” (ROJO, 2017, p.4). Nesse sentido,
precisamos compreender que, agora, mais do que nunca, grande parte da
atividade composicional presente no dia a dia incorpora a combinação
de palavras, mesclada com sons, imagens, vídeos e outras formas de
comunicação e interação via texto.
Assim, no atual contexto pode-se dizer que a produção de textos digitais
tem se configurado como uma das ações mais rotineiras desempenhadas
por grande parte da população, em diferentes tempos e espaços, uma
vez que o isolamento social, imposto pelo contexto, tem nos obrigado a
interagir, cada vez mais, de forma virtual com familiares, amigos e colegas
de profissão. Entretanto, não podemos deixar de reconhecer que o atual
cenário traz à tona importantes problemas relacionados à desigualdade
social, principalmente, no que tange ao acesso à internet, computadores e
celulares. Tal problemática será abordada com mais profundidade na seção
a seguir.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 219


Desigualdades no acesso às tecnologias em tempos de
pandemia

No âmbito formativo e educacional, suspenderam-se as aulas


presenciais, na maior parte das instituições, em função da necessidade de
isolamento social imposto pelo contexto de pandemia. Mediante tal situação,
O Ministério da Educação, a partir da publicação da portaria 343/2020,
permitiu a substituição de aulas presenciais por aulas desenvolvidas a partir
de meios tecnológicos e digitais. A saída que muitos estabelecimentos de
ensino encontraram para darem continuidade às suas atividades formativas
foi à adoção da educação remota emergencial. De acordo com Arruda
(2020, p. 266), “a educação remota emergencial pode ser apresentada em
tempo semelhante à educação presencial, como a transmissão em horários
específicos das aulas dos professores, nos formatos de lives.” O Autor ainda
esclarece que “a educação remota é um princípio importante para manter o
vínculo entre estudantes, professores e demais profissionais da Educação”.
Nos dias de hoje, podemos assistir a uma frequência de utilização da
internet nunca vista na história. No âmbito educacional, “as TICs dotam-se
de enorme eficiência, como um instrumento eficaz na educação, tornando
a Internet, e a rede de conhecimentos existentes nela, uma verdadeira
sala de aula” (SOARES; COLARES, 2020, p.29). Entretanto, as autoras
esclarecem que a utilização da internet com fins formativos é ainda precária,
pois “as pessoas, sobretudo as que trabalham de forma presencial na área da
educação, têm seus limites, uma vez que não foram capacitadas para tal”
(SOARES; COLARES, 2020, p.29). Somado a esse problema, existe ainda
a questão relacionada ao baixo acesso à internet ou meios eletrônicos que
possibilitariam o acesso à educação remota. Embora muitas instituições
de ensino, em sua maioria particulares, rapidamente preocuparam-se em
formar seus profissionais para darem continuidade ao processo de ensino-
aprendizagem de forma remota, outras instâncias educativas, sentiram-se
impossibilitadas a iniciarem suas atividades à distância, em função das
dificuldades de acesso à internet, computadores e celulares apresentadas
por muitos alunos e profissionais do ensino.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 220


Em uma pesquisa desenvolvida acerca da utilização das tecnologias na
educação superior pública brasileira em tempos de pandemia Covid-19,
observou-se “a desigualdade de acesso à internet banda larga nos domicílios,
em diversas regiões brasileiras. O Norte e Nordeste são as regiões onde
a população possui o menor acesso” (CARNEIRO; RODRIGUES;
FRANÇA; PRATA, 2020, p.13). Quanto à porcentagem de equipamentos
de tecnologia da comunicação e comunicação – TIC por domicílio
nas regiões brasileiras, segundo o CGI.br/NIC.br (2018), os autores
argumentam que “a maioria das residências possuem somente o celular
como único meio para acessar a internet, sendo está uma característica
recorrente em todo o Brasil” (CARNEIRO; RODRIGUES; FRANÇA;
PRATA, 2020, p.14).
Somado a estes fatores, a situação de pandemia tem afetado
emocionalmente boa parte da população. No âmbito educacional, mais
especificamente, transtornos relacionados ao estresse e ansiedade vem,
a cada dia que passa, acometendo a mais docentes e estudantes. Tais
problemas têm interferido, principalmente, no cumprimento de atividades
relacionadas à produção textual que, por sua vez, demanda grande esforço
cognitivo empreendido nas tarefas de pesquisa, organização mental de
informações, criatividade e articulação de emoções variadas. Tais fatores
serão discutidos com mais profundidade no próximo tópico.

As emoções e suas influencias no ato composicional

O ato composicional é influenciado pelo pensamento, reações,


sentimentos e desejos.
Não basta organizar adequadamente as palavras em fragmentos ou
frases bem formuladas para produzir gêneros textuais. Inclusive, como
esclarece Dolz, Gagnon e Decândio (2010, p. 21), “Certo número de
bloqueios dos aprendizes relaciona-se à imagem de si que é transmitida pela
escritura”. Portanto, “torna-se difícil pensar no texto como algo dissociado
das emoções, afetos e valores individuais” (MENICONI, 2017, p. 17).
Segundo Oliveira (2020, p.168), no ato da produção textual o escrito
apresenta sua imagem pessoal, evidenciando características importantes
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 221


de sua subjetividade, revelando, assim, “suas limitações, seus conceitos e
preconceitos”.
É importante ainda, antes de tudo, considerar que motivação é a
grande propulsora da criação textual. De acordo com Bazerman (2015, p.
50) “a cognição é motivada por desejo e impulso, que se fixam sobre um
objeto que desejamos trazer a existência”. Nesse sentido, a concretização da
produção escrita de um determinado gênero textual é levada a cabo pelos
sentimentos de motivação, força de vontade e desejo da criação de frases,
sentenças e parágrafos costurados na tessitura textual.
Nesse sentido, é preciso levar em conta que todo e qualquer ato de
produção textual é impulsionado por sentimentos e emoções do escritor,
já que, enquanto ação humana, a escrita possui características relacionadas
aos aspectos subjetivos do escritor. Portanto, “não pode estar separada da
existência do ser e da sua relação com o mundo” (GUSTSACK; LOVATO,
2018, p. 67).

Metodologia

Esta pesquisa é de natureza qualitativa, de cunho interpretativista.


De acordo com Moita Lopes (1994, p.332), a pesquisa interpretativista
interessa-se pelo fator qualitativo e pela multiplicidade de significados
construídos e reconstruídos pelo homem em sua interação com o mundo,
sendo, portanto, impossível padronizar e controlar suas variáveis, conforme
a visão positivista. Caracterizo, assim, essa pesquisa como qualitativo-
interpretativista porque objetivo interpretar e compreender a experiência
de escrita vivenciada pelos participantes da pesquisa durante a pandemia,
por meio da linguagem proveniente nos relatos coletados.
Participaram do estudo 11 discentes do Curso de Letras/Espanhol, da
Universidade Federal de Alagoas, que atuam como professores em formação
inicial no Projeto Casas de Cultura no Campus (PCC- Língua Espanhola),
onde exerço atividades de coordenação e orientação de pesquisas de
iniciação científica e de trabalhos de conclusão de curso. O Projeto Casas de
Cultura no Campus tem como objetivo o ensino do idioma espanhol para
a comunidade acadêmica geral e alunos provenientes de escolas públicas,
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PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 222


localizadas nas proximidades da universidade. O PCC-espanhol funciona
também como espaço de desenvolvimento de pesquisas e formação para a
docência.
A seguir apresento a análise realizada a partir dos fragmentos de
falas coletados dos alunos participantes do estudo, durante o período de
isolamento social. Estes relatos são provenientes de diferentes interações
realizadas, via whatsApp e e-mail, entre professores em formação inicial e a
coordenadora do projeto.

Análise de dados

Os dados coletados a partir dos fragmentos de fala dos participantes


da pesquisa revelam suas vivências e experiências de produção escrita
durante o período de isolamento social. O primeiro relato apresentado
a seguir foi produzido, via mensagem de whatsApp, por um discente que
ficou responsável pela organização de um artigo relativo à uma pesquisa de
iniciação científica (PIBIC), desenvolvido em parceria com outra aluna,
participante do PCC-espanhol.

Figura 1- Fragmento de fala de um professor em formação inicial (PFI 1)

Fonte: dados coletados pela autora do artigo


SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 223


Neste fragmento de fala, observa-se a angustia na fala do discente
em relação à necessidade de conclusão de um artigo, fruto de uma pesquisa
desenvolvida no projeto Casas de Cultura no Campus (“Tudo bem. Teremos
tempo... É muita coisa, né?”). A fala revela a preocupação com o tempo
de finalização do texto, acompanhada da angústia em relação à sobrecarga
de atividades a cumprir, durante o período de isolamento social (leituras
teóricas relacionadas ao projeto, atividades de pesquisa, participação de
reuniões online, aulas remotas, elaboração de materiais didáticos, entre
outras). Tais sentimentos são compreensíveis principalmente devido ao fato
de que, embora as aulas na universidade tenham sido suspensas, em função
da pandemia, as atividades de pesquisa, elaboração e entrega de relatórios
parciais e finais de iniciação científica, publicação de estudos e outras ações
acadêmicas não pararam. Essas atividades continuaram de maneira remota.
Somadas a situações de incertezas características do momento atual, os
discentes, muitas vezes, se veem na situação de necessitarem equilibrar tais
sentimentos para cumprirem com as demandas do universo acadêmico,
em prazos fixos e pré-estabelecidos em algumas agências de fomento à
pesquisa, por exemplo, tais como a CAPES e o CNPq.
Ao prosseguir seu discurso, o PFI 1 justifica o atraso na entrega do
trabalho conjunto realizado com sua colega devido ao falecimento de um
membro de sua família, acometido pelo coronavirus Covid-19, e o contágio
de outros familiares (“ela ainda vai me mandar, pois infelizmente alguém da
família dela faleceu de Covid-19 e dois primos dela estão com o virus”). Ao
ler esse fragmento, fiquei sem palavras e apenas consegui reagir com pesar
perante a situação narrada: “Oh meu pai... que triste”. Nesse momento,
imaginei o quanto poderia estar difícil para esses alunos prosseguirem com
o cumprimento de suas atividades acadêmicas no contexto atual. Ao mesmo
tempo, refleti sobre as cobranças da universidade em relação à exigência de
produtividade na concretização de produções escritas de diferentes gêneros
acadêmicos: relatórios de pesquisa, publicação de artigos, finalização de
trabalhos de conclusão de curso, entre outros.
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PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 224


Em relação a esse aspecto, não são poucas as pesquisas que discutem
acerca da influencia do fator emocional nas atividades de produção textual
(FLOWER; HAYES, 1981; DOLZ, GAGNON E DECÂNDIO, 2011;
BAZERMAN, 2015; MENICONI, 2017). Nas palavras de Meniconi
(2017, p.17), o ato composicional não pode ser pensado com algo
dissociado das emoções, afetos e valores, pois para articular os elementos
léxicos e gramaticais em frases e orações bem organizadas do ponto de
vista textual, faz-se necessário empreender um grande esforço cognitivo na
articulação das ideias, de forma coesa e coerente. Esse esforço cognitivo é
afetado pelo pensamento, sentimento, desejo e atitudes motivacionais. De
acordo com Bazerman (2015, p.50), “a cognição é motivada por desejo e
impulso, que se fixam sobre um objeto que desejamos trazer a existência”.
Nesse sentido, considerando o atual contexto de pandemia que
atravessamos e todas as problemáticas que comporta, sejam elas de ordem
física ou emocional que, de uma ou outra maneira, afetam a todos nós,
levanto os seguintes questionamentos como professora, coordenadora,
orientadora de pesquisa e, antes de qualquer coisa, como ser humano: 1-
Como estão nossos alunos e seus familiares nesse atual contexto?; 3- Estão
conseguindo prosseguir com suas atividades acadêmicas?; 4- Quais são as
principais dificuldades que estão encontrando para produzir seus textos?;
5- O que podemos fazer para ajudá-los no campo das emoções?; 6- Em
suas atividades acadêmicas?
Tais questionamentos poderiam, possivelmente, levar-nos à reflexão
de que o cuidado e a atenção em relação à saúde física e emocional de
nossos estudantes, como primeiro plano, principalmente em momentos
de pandemia, poderá converter-se na mola propulsora da realização de
produções textuais requeridas no universo acadêmico, já que estas são
enormemente influenciadas pelos afetos e emoções.
A seguir, apresento o relato de uma ex-professora da CCC-espanhol
que, por sua vez, estava trabalhando, conjuntamente, com outro professor
em formação inicial na produção e publicação de um artigo referente à
pesquisa desenvolvida no PIBIC, durante a pandemia.
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PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 225


Figura 2- Fragmentos de fala de uma professora da CCC-espanhol (PFI 2)

Fonte: dados coletados pela autora do artigo

No seguinte fragmento de fala, a professora da CCC-espanhol


esclarece que a situação da pandemia Covid-19 influencia seu estado
anímico: “isso mexe muito com a gente!!”. Na sequência do diálogo,
manifesto minha compreensão, enquanto professora orientadora, acerca
de sua situação emocional: “Simm. Sei disso, flor” e prossigo o diálogo com
a atitude de reconhecimento de empenho acadêmico da professora diante
dos problemas relacionados ao atual contexto: “E mesmo assim, você está
conseguindo participar de cursos, escrever...”. O diálogo é finalizado com
a justificativa por parte da docente de que a participação em atividades
acadêmicas e produção textual é uma forma de não ficar parada, adoecer e
manter a mente ativa.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 226


O último fragmento de fala “eu participo porque é uma forma de manter
a minha mente ocupada com outras coisas. Se eu ficar parada eu adoeço.
Na medida do possível eu tento manter minha mente em atividade.” revela
o poder da escrita enquanto atividade cognitiva que demanda atenção,
concentração e coordenação de conhecimentos e pensamentos variados,
mas também a sua força e potencial terapêutico. Em relação ao esforço
cognitivo implicados no ato da escrita, Hayes e Flower (1981) esclarecem
que:

O processo da escrita é mais bem entendido como um conjunto de processos de


pensamentos distintos que os escritores orquestram e organizam durante o ato
de compor.
Esse processo tem uma organização hierárquica, mas qualquer processo pode ser
incorporado dentro de qualquer outro.
O ato de compor em si tem um objetivo direcionado ao processo do pensamento,
guiados pelos objetivos do escritor.
Escritores direcionam seus objetivos para dois caminhos: 1- desenvolve sub-
objetivos baseados em um propósito e, com o tempo; 2- desenvolve novos
objetivos de acordo com o que tem que ser lido no ato da escrita.” 1 (FLOWER;
HAYES, 1981, p. 366, tradução minha)

A atividade de produção textual, nesse sentido, demanda grande esforço


cognitivo para a organização das ideias, pensamentos e conhecimentos em
frases e fragmentos coesos e coerentes do ponto de vista composicional.
Portanto, considerá-la com uma tarefa para “manter a mente ocupada e
em atividade”, tal como relatado pela professora da CCC, pode representar
um caminho acertado do ponto de vista cognitivo, no que diz respeito à
tarefa produção textual. Segundo Blancafort e Valls (2007), o processo da
escrita exige do escritor uma grande sobrecarga cognitiva para organizar
as ideias, controlar a adequação dos elementos linguísticos e inserir, no
texto, elementos do contexto pessoal, cognitivo e intencional. Nas palavras

1 Texto no orginal em inglês: 1. The process of writing is best understood as a set of distinctive thinking processes
which writers orchestrate or organize during the act of composing. 2. These processes have a hierarchical, highly
embedded organization in which any given process can be embedded within any other. 3. The act of composing itself is
a goal-directed thinking process, guided by the writer’s own growing network of goals. 4. Writers create their own goals
in two key ways: by generating both high-level goals and supporting sub-goals which embody the writer’s developing
sense of purpose, and then, at times, by changing major goals or even establishing entirely new ones based on what has
been learned in the act of writing (FLOWER; HAYES,1981, p. 366).
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 227


das autoras, “cada situação nova de produção ou de interpretação supõem
um esforço de adequação que requer leitura, reflexão, provas, revisões”
(BLANCAFORT; VALLS, 2007, p. 68). Assim, portanto, o trabalho
empreendido no ato composicional possibilita o exercício e a entrega da
mente à tarefa de criação, elaboração, articulação e combinação de palavras,
frases e enunciados, mantendo-a, portanto, viva, enérgica e ativa.
Na figura seguinte, apresento um fragmento de diálogo com orientanda
de PIBIC que também atua com docente em formação inicial, no Projeto
Casas de Cultura no Campus (CCC-espanhol).

Figura 3 - Fragmento de fala de uma orientanda de PIBIC e professora em formação inicial


da CCC (PFI 3)

Fonte: dados coletados pela autora do artigo

No discurso da PFI 3 é possível constatar seu sentimento de angustia


em relação à produção e envio do relatório de pesquisa, devido à falta de
recursos tecnológicos para a concretização do trabalho: “Professora Flávia,
bom dia! Estou totalmente sem acesso há praticamente duas semanas porque
meu celular pifou, meu notebook não funciona e estava com dados móveis.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 228


Esse número é da minha avó.” De acordo com os relatos apresentados,
tal questão nos leva à reflexão de que a situação de pandemia, além dos
problemas emocionais ocasionados pela necessidade de isolamento social,
escancara as desigualdades sociais relacionadas ao acesso às tecnologias de
comunicação e informação.
De acordo com a pesquisa desenvolvida acerca do perfil socioeconômico
e cultural dos (as) estudantes da UFAL (ALVES, 2020, p. 48), 80,2 %
dos alunos matriculados na Universidade Federal de Alagoas pertencem às
famílias que recebem até um salário mínimo e meio (R$ 1.567,50). Nesse
sentido, torna-se possível afirmar que a maior parte desses estudantes
pertence a famílias pobres, o que justifica o fato de muitos deles precisar
conciliar os estudos com atividades profissionais remuneradas, a fim de
ajudar financeiramente suas famílias, tal como pode ser observado no
seguinte fragmento de fala da PFI 3: “Não esqueci do prazo-limite para a
entrega da discussão teórica. Mas também estou fazendo bicos extras esses
dias para dar conta das coisas por aqui pois meu auxilio ainda está em
análise”.
Somada às dificuldades financeiras que a maior parte dos estudantes
da UFAL enfrenta, os tempos de pandemia têm também afetado
emocionalmente os alunos e dificultado o cumprimento das atividades
acadêmicas requeridas, tais como: produção de relatórios parciais e finais
de pesquisas desenvolvidas, elaboração de resumos para a participação
em eventos acadêmicos, produção de capítulos, artigos, entre outros. O
relato a seguir ilustra essa problemática: “Sei que o prazo de entrega para o
relatório final se estende até o próximo mês apenas. Sei que estou atrasada.
Para além disso estou muito ansiosa com tudo, mas vou dar conta.”
Ao que tudo indica, os tempos de pandemia influenciaram a
participante do estudo, nos âmbitos emocionais, financeiros e acadêmicos,
dificultando a realização das atividades de produção textual, no que tange
especificamente à elaboração e envio do relatório parcial de pesquisa, tema
apresentado no diálogo tecido com a professora, via WhatsApp: “Não
posso pegar o celular da minha irmã porque ela usa constantemente até
pq ela também está sem notebook. Ela é do CA e do DCE. O da minha
avó tbm n tem capacidade para apps como word e outros do tipo, sem
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 229


falar que dependemos dos dados móveis. Está é uma odisseia, mas é a
minha realidade.” No relato apresentado, PFI 3 compara a sua vida à
uma odisseia, marcada por cobranças, problemas de acesso às tecnologias,
dificuldades para cumprir prazos e outras demandas acadêmicas. Em
seus depoimentos, o que mais parece afligi-la é a carência de tecnologias
que a possibilite desenvolver a atividade solicitada pela professora, o que
acaba por gerar na aluna sentimentos de angustia e ansiedade. Diante da
situação, a professora, autora desse capítulo, na tentativa de se aproximar
mais da aluna, compreendê-la e, principalmente, tranquilizá-la, solicita
uma interação um pouco mais humana quando diz: “Boa tarde! Posso ligar
para você?”, terminando aqui esta análise.

Considerações finais

De acordo com os fatos apresentados, o contexto de pandemia


tem evidenciado o aparecimento de problemas emocionais, financeiros e
acadêmicos de diferentes ordens que, por sua vez, influenciam diretamente
no processo de elaboração e produção textual acadêmica. Muitos desses
problemas relacionam-se diretamente às dificuldades de acesso às
tecnologias que muitos estudantes possuem, conforme pôde ser observado
nos relatos ilustrados na análise de dados do estudo em questão, o que
escancara ainda mais os impasses sociais decorrentes da má distribuição
de renda e desigualdade social no contexto brasileiro e, especialmente, no
nordeste do país.
É angustiante a evidência de que, muitas vezes, a vontade e a motivação
dos estudantes para a realização de trabalhos acadêmicos são atropeladas por
questões maiores que os impedem de realizar e concluir atividades requeridas
na universidade. Questões estas ligadas, essencialmente, à problemas de
ordem financeira que impossibilitam o acesso à internet, computadores,
notebooks ou celulares e, consequentemente, a realização de produções
textuais acadêmicas. Tais fatores, somados ao contexto de pandemia, tem
afetado emocionalmente nossos estudantes que, constantemente, têm
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 230


relatado sentimentos de angustia, desespero, ansiedade, desânimo, medo e
tristeza em situações de interações com colegas e professores.
Ao falar de produção textual não podemos desconsiderar tais
fatores, uma vez que o ato composicional recebe influencias de nossos
pensamentos, reações, sentimentos, afetos e desejos. Conforme apresentado
nos depoimentos analisados, a produção escrita, no contexto de pandemia,
tem sido realizada, por um lado, para “manter a mente ocupada”, uma
vez que demanda grande esforço cognitivo para a escolha das palavras,
expressões, o levantamento de objetivos textuais, a organização de frases
e o estabelecimento da progressão articulada das ideias ao longo do texto;
e, por outro, para cumprir com as demandas acadêmicas requeridas. Estas
últimas, em muitos contextos, esbarram no problema relacionado à falta
de acesso às tecnologias, conforme os dados apresentados em um dos
fragmentos de fala analisados neste artigo. Tal questão desencadeia também
transtornos emocionais relacionados aos sentimentos de ansiedade que,
por sua vez, interferem negativamente na atividade composicional.
Diante de tais impasses, como docentes, vemo-nos diante da
situação de tentar reunir esforços para a busca de caminhos que auxiliem
emocionalmente nossos estudantes a lidarem com sentimentos negativos
que, muitas vezes, dificultam a realização das atividades acadêmicas
requeridas, por meio do diálogo, atitudes compreensíveis e busca conjunta
de alternativas direcionadas ao cumprimento dos prazos de elaboração e
realização de produções textuais.
No que diz respeito à dificuldade de acesso à internet e aparatos
tecnológicos que a maior parte de nossos alunos possuem, precisamos lutar
por políticas sociais mais amplas no âmbito da universidade. É importante
que todos os estudantes tenham possibilidade de desenvolver as atividades
requeridas pela universidade, principalmente as que dizem respeito às tarefas
de produção textual em contexto de ensino remoto, de forma igualitária.
A dificuldade de acesso à internet, somada à falta de computadores para
a realização de atividades acadêmicas têm gerado sentimentos de angustia
e ansiedade em nossos estudantes que, por questões financeiras, se veem
impossibilitados de participarem ativamente das aulas, orientações de
trabalhos, pesquisas e outros eventos acadêmicos.

SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 231


Referências

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SUMÁRIO

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https://doi.org/10.52788/9786599282492-1.13 CAPÍTULO 13

A tradução como produção escrita


na aula de língua estrangeira: uma
experiência no curso de graduação de
Letras com Língua Francesa da UEFS

Priscilla Barbosa de Oliveira Melo

Introdução

O presente capítulo pretende discorrer sobre a tradução como produção


textual, tendo como base a experiência em uma turma de Letras realizada
a partir do trabalho com tradução de músicas brasileiras para a Língua
Francesa na disciplina de Estudos da Língua Francesa V da Universidade
Estadual de Feira de Santana – UEFS.
A proposta partiu de minha contínua observação como docente da
turma do quinto semestre do curso de Letras Português/Francês da referida
IES. Considero importante ressaltar, a partir das considerações de Lima
Júnior, Pereira, Moura e Souza (2020), que o ato de observar traz consigo
uma atenção sistêmica para um fenômeno específico e, dessa forma,
permite uma análise a posteriori, em que se deva investigar determinados
aspectos escolhidos. Nesse sentido, em minha prática, tal análise teve
como finalidade tomar decisões pedagógicas para minhas aulas de língua
estrangeira em prol da aprendizagem da turma.
A presente pesquisa partiu, portanto, da observação da turma na qual
eu lecionava e, a partir desse momento, buscou-se uma intervenção com base
na pesquisa-ação, cuja natureza elucidativo firma-se como um caminho de
aproximação docente-discente e, segundo Santos (2013), imprime o caráter
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identitário de autonomia na sua mediação com o processo de produção e
com as construções sociais cooperativas do estudante, o que resulta, em sua
essência, em uma inovação pedagógica no contexto em estudo.
Neste sentido, optei por registrar um relato de experiência, já que,
como destacam Daltro e Faria (2019), o relato de experiência situa o saber
resultante de um processo; melhor dizendo, pode-se considerá-lo em um
entrecruzamento de processos, dos coletivizados aos mais singulares.
As escolhas metodológicas citadas condizem com a busca pela reflexão
e transformação constantes da prática de ensino com vistas à transformação
da realidade e inovação pedagógica em sala de aula.
Para a concretização da proposta com tradução de músicas para a
Língua Francesa, desenvolveu-se um trabalho de sequência didática
ancorado nos estudos de Dolz & Schneuwly (2004), que a compreendem
como um conjunto de atividades planejadas, de maneira sistemática, em
torno de um gênero textual oral ou escrito e como destacado. Durante a
proposta realizada na turma de graduação em francês, o texto trabalhado
foi a música, já que trata-se de um gênero discursivo – entendido aqui
a partir da ótica bakhtiniana, considerando o funcionamento da língua
em práticas comunicativas, reais e concretas, construídas por sujeitos que
interagem nas esferas da relações humanas e da comunicação (BAKTHIN
(1992 apud SILVA (1999, p.92) – bastante presente na vida dos sujeitos
envolvidos nesta proposta.
Para tanto, nesta pesquisa, recorremos aos estudos de Barca (2012),
Boiron (2005), Cahmpagne-Muzar e Bourdages (1998), Esteves (2005),
Gainza (1988), Guimbretiére (1994), Godoi (2005), Lucindo (2006),
Moreira, Santos e Coelho (2017), Novaski e Werner (2011), Pagano,
Magalhães e Alves (2000), Perini (2004), Schaeffer (2013) e Zedda
(2005), a fim de estabelecer um aporte teórico no âmbito da música e suas
interfaces com a tradução e com a cultura. Buscamos os estudos de Castro
e Malavasim (2017), Datro e Faria (2019), Dolz, Noverraz e Schneuwly
(2004), Freire (2010), Lima Junior, Pereira e Souza (2020), Raya, Lamb e
Vieira (2007), Rossetto (2006) e Santos (2013) como caminho para guiar as
práticas pedagógicas realizadas em sala de aula durante a presente proposta
de tradução, bem como, apresentamos os estudos de Bakthin (1992), Koch
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e Elias (2014), Morais e Amorim (2017) e Silva (1999), firmando a direção
desta pesquisa-ação para o campo da linguística aplicada, ao trabalhar o
gênero discursivo música.
Este estudo se divide em três partes, sendo a primeira parte a
apresentação da música e o trabalho com a tradução e o ensino de língua
estrangeira – francês. Em seguida, apresentamos a tradução e a experiência de
produção textual em língua francesa, finalmente, tecemos as considerações
finais refletindo sobre o trabalho e a experiência realizada na turma de
graduação em Letras Português / Francês da UEFS.
A presente experiência de ensino ressalta os resultados de uma prática
pedagógica inovadora para o contexto trabalhado, cujo foco valoriza a
sequência didática centrada no estudo interativo do texto. Explora também
o gênero discurso música, aliado a um exercício de tradução, no qual a
mediação e a interação foram fundamentais para a valorização do sujeito e
o alcance da autoestima de cada discente participante.

Música, tradução e ensino de língua estrangeira:


construindo experiências

Gainza (1988) lembra que

a música é um elemento de fundamental importância, pois movimenta, mobiliza


e, por isso, contribui para a transformação e o desenvolvimento. A música não
substitui o restante da educação, ela tem como função atingir o ser humano em
sua totalidade.

Já segundo Moreira, Santos e Coelho (2014), a música como elemento


lúdico, pode ser utilizada para trabalhar as habilidades da língua e os
componentes do sistema linguístico, bem como para promover interação,
motivação e criar uma atmosfera de aprendizagem mais prazerosa e
descontraída. Por ser uma linguagem comum a todos, a música permite a
professores e estudantes, independente do domínio da técnica musical, a
possibilidade de trabalhá-la em sala de aula.
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Ao refletir sobre esta proposta e ampliando a visão do ensino e
aprendizagem de língua estrangeira, é possível verificar que o aprendente de
línguas é um sujeito que se propõe ser globalizado, no sentido de dialogar
e de conhecer novas linguagens e se propõe igualmente a interagir com
diferentes culturas, no sentido de, mesmo estando em seu país, conhecer e
apreciar novas culturas, bem como valorizar a sua própria cultura. Como
ressalta Novaski e Werner (2011), a ligação profunda entre língua e cultura
tem a ver com o modo pelo qual um povo se relaciona com o mundo.
Também segundo Boiron (2005), quando afirma que a música é uma
forma de nos conectarmos com a cultura do outro, descobrindo, assim, a
realidade multicultural francófona. Reforçando a ideia de ensino cultural
na aula de língua estrangeira, lemos o que diz Godoi:

Sabemos que uma língua é muito mais que léxico, estruturas e uma bonita
pronúncia. E o falante de uma língua – como também o aluno que está aprendendo
uma língua estrangeira, o aprendiz de falante – é muito mais que um aparelhinho
que emite e recebe informações. Uma língua encerra em si mesma a história
do seu povo, suas tradições, as características culturais de uma comunidade.
Assim, o ensino de uma língua estrangeira tem que passar, necessariamente, pelo
conhecimento da cultura. (GODOI, 2005)

Aliados a estes aspectos e ainda sobre o ensino e a aprendizagem de


línguas estrangeiras, a música contribui para este contexto estando em sala
de aula, já que produz sentido justamente através de elementos próprios da
cultura e da linguagem de um ou vários povos.
Considerando este contexto, notei, a partir de diálogos com alunos
e alunas que havia forte interesse por músicas. Sendo assim, propus
a atividade com tradução para o grupo que era composto por alunos e
alunas que, em sua maioria, estudavam na mesma turma desde o primeiro
semestre. As faixas-etárias se concentravam entre 20 e 25 anos e havia
duas estudantes com faixa etária entre 60 e 65 anos. Essa turma, apesar de
aplicada, não tinha tido contato com atividades de tradução de textos para
a língua francesa. A partir desta observação citada inicialmente, elaborei as
aulas de forma a contemplar canções francesas.
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Deste modo, propus aos alunos, além da escuta, leitura, discussões
a respeito das canções em língua estrangeira e, como desdobramentos
do trabalho com as músicas na aula de língua francesa, a escolha de uma
canção brasileira que fosse apreciada por cada um deles.
Após algumas semanas trabalhando com músicas em língua francesa,
pudemos verificar as diferentes expressões próprias da língua alvo e foi
possível entender que nem sempre há equivalência exata entre termos de
duas línguas distintas, mesmo sendo da mesma origem, no caso da Língua
Francesa e língua portuguesa, originarias do latim. Depois disso, os alunos
escolheram e trouxeram suas canções brasileiras. Em sala de aula, abri
espaço para que cada um deles (as) falasse qual era sua escolha e porque
tinha escolhido especificamente aquela letra. Em seguida, apresentei a
proposta de tradução para a turma que de imediato se interessou pela
atividade, posteriormente, demos início aos trabalhos em torno do texto
musical selecionado por cada estudante.
Welker (2004) vê a tradução não apenas como uma possibilidade
para testar o aprendizado dos alunos, mas também como uma “quinta
habilidade” (2004, p. 6) e Fracaro (2002, p. 105) pontua que a tradução

é uma atividade integradora que exige que se ativem simultaneamente habilidades


nas duas línguas, o que indiscutivelmente leva a um enriquecimento bastante
significativo e que não deveria ser desprezado por nenhum professor.

Ainda segundo Schaeffer (2013), a tradução é um processo de


resolução de problemas que ativa a análise e comparação entre as línguas e
culturas e exige que os alunos tomem decisões próprias, favorecendo assim
sua autonomia. Sobre autonomia, Raya, Lamb e Vieira (2007) destacam
que se trata de uma competência para se desenvolver como participante
autodeterminado, socialmente responsável e criticamente consciente em (e
para além de) ambientes educativos, por referência a uma visão da educação
como espaço de emancipação (inter)pessoal e transformação social.
De acordo com Freire (2010 apud CASTRO E MALAVASIM,
2017) é preciso que o professor tenha bom senso ao desenvolver suas
práticas pedagógicas para atingir mais facilmente a autonomia dos alunos.
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Segundo Castro e Malavasim (2017) antes de tudo, é preciso diagnosticar
as necessidades dos alunos, respeitando o contexto cultural, social, afetivo
e também com relação ao nível de desenvolvimento que apresenta seus
conhecimentos em leitura e escrita. Assim, “ensinar exige o reconhecimento
e a assunção da identidade cultural” (FREIRE, 2010).
Nesse sentido, a tradução pode colaborar para a preparação deste
futuro professor quando o mesmo se deparar com situações que demandem
o intermédio entre duas pessoas que não falam uma a língua da outra e,
prontamente, este profissional traduzirá a conversação de forma simultânea.
Outrossim, o contato com trabalhos de tradução colabora para tomada de
decisões no campo da escrita e da semântica, bem como no campo da
linguística textual ao reescrever textos em outra língua tendo o cuidado de
transpor ideias e significados com fidelidade e clareza.
Neste panorama, Schaeffer (2013) registra que é pelo exercício da
tradução que os alunos aprendem que, traduzir não quer dizer substituir
palavra por palavra e que a tradução ajuda os alunos a perceber que não
há equivalência exata dos vocábulos e expressões entre as duas línguas.
E ainda de acordo com os estudos de Perini, por exemplo, as expressões
idiomáticas “não podem simplesmente ser vertidas de uma língua para a
outra” (2006, p. 94), o autor, neste viés, continua chamando atenção ao
expor que “a tradução é uma tarefa cheia de armadilhas” (2006, p. 98).
Cientes destes princípios, tivemos o cuidado de durante nosso labor
em sala de aula, dedicar, por conseguinte, alguns momentos para abordar
noções de tradução do português para o francês e ouvir as dúvidas da
turma para assim discuti-las, pesquisar sobre elas e solucioná-las. E aqui
recorremos novamente a Schaeffer (2013) para lembrar que

A importância de fazer um bom e correto uso do dicionário - tanto monolíngue


como bilíngue – e também ressaltar suas limitações. É exatamente ao conscientizar
o estudante das limitações do dicionário, que este deixa de pensar na tradução
e no aprendizado de uma língua como um processo de equivalência e percebe o
elemento criativo e cultural, que implica o uso da linguagem.

Logo, Pagano (2000) completa dizendo que a tradução configura-se


como expressiva atividade no intuito de validar o ensino e a aprendizagem
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de um idioma dentro de uma perspectiva mais real e ampla. Mas adverte
que se trata de uma “tarefa que requer reflexão consciente sobre as decisões
e ações a serem tomadas” (PAGANO, p. 27)

Tradução e produção de textos

Apesar da turma não ter tido anteriormente qualquer contato com


atividades ligadas à tradução e apesar de entender que traduzir textos é
tarefa complexa cuja realização exige prática, reflexão, estudo e pesquisa
acadêmica e sociocultural – tanto é que Esteves (2005, p. 343) alega que o
processo de tradução, em todas as suas etapas, é um ofício de negociação:
negociam-se os sentidos, éticas, visões, efeitos – busquei, neste contexto de
ensino e aprendizagem de língua francesa, suscitar no grupo o interesse em
redigir e, assim, produzir textos de uma forma diferente dentro da língua
estrangeira que estudam e, contatar esta área, ainda que de maneira inicial,
pareceu-me importante, dado o interesse da turma e a oportunidade de
experienciar tal prática textual.
Sendo assim, a turma fez sua tradução individualmente utilizando
dicionários e recursos on line disponíveis e, como já relatado, teríamos
momentos de escrita orientada durante as aulas para que pudéssemos ler
cada uma das traduções e reescrever o que fosse necessário, a fim de refletir
sobre suas escolhas, negociar sentidos do texto final e, assim, aproximá-lo
do texto inicial sem descaracterizá-lo. Sobre este momento, a tradução,
para Hurtado Albir (1998, p. 42 apud LUCINDO, 2006, p. 3), configura-
se como o “processo de reexpressão do sentido que as palavras e frases
adquirem no contexto”.
Ao final da proposta, tínhamos todas as músicas traduzidas, alguns
exemplos são: Marie, Marie (Maria, Maria – Milton Nascimento); C’estait
une fois (Era uma vez – Kell Smith); Mon monde est tombe (Meu mundo
caiu - Maisa); Je veux, J’aime (Eu quero, Eu gosto - Jamz); Du Janvier au
Janvier (De janeiro a janeiro – Roberta Campos), Tournesol (Girassol –
Banda Cidade Negra).
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Em seguida, tivemos a ocasião para compartilhá-las traduzidas,
comentar as escolhas linguísticas de cada colega e cantar cada uma delas
em sala de aula. Já que, segundo Morais e Amorim (2017) todo texto,
seja ele oral ou escrito, é um evento sociocomunicativo e interacional que
Koch e Elias (2014) classificam como o resultado de uma coprodução
entre interlocutores. Estas interações sociais, nas quais os sujeitos trataram
de questões de uso da linguagem, abordaram, portanto, nesta proposta de
ensino de produção de texto, o campo de estudo da linguística aplicada.
Notadamente, segundo Koch e Elias (2014), a produção textual é
uma atividade que, para ser realizada a contento, requer estratégias, a
saber: a) ativação de conhecimentos sobre os componentes da situação
comunicativa; b) seleção, organização e desenvolvimento das ideias;
c) revisão da escrita ao longo de todo o processo, guiada pelo objetivo
da produção. E, estrategicamente, estes foram, portanto, os passos que
guiaram nosso trabalho com a turma.
Inicialmente, selecionamos as canções, foram feitas as apresentações e
leituras minuciosas de cada letra. Na sequência, os estudantes fizeram um
primeiro esboço da tradução do texto inicial para o texto alvo e, a partir
daí, foram feitas reescritas adequando o texto à estrutura da língua alvo e
ao público leitor, a saber, prioritariamente estudantes de Letras da UEFS.
Durante as reescritas, repetida vezes, retornamos ao texto em português, a
fim de conferir se o texto em francês atendia aos significados de expressões
idiomáticas e sentidos.
Claramente unidos a estes elementos, neste trabalho percebemos que
o ato de redigir e escrever traz à tona conhecimentos linguísticos, tais como:
a ortografia, a gramática e também o léxico. E, por conseguinte, também
foram explorados os conhecimentos enciclopédicos, os quais versam sobre
o mundo e vivências pessoais, bem como os conhecimentos de textos,
tais como estruturas dos gêneros, conteúdo, estilo e função na sociedade,
adquiridos pelo sujeito leitor ao praticar a leitura nos diferentes espaços e
situações cotidianas.
Finalmente, em nosso contexto da turma de estudos de Língua
Francesa V, fizemos uma votação, a fim de escolher uma das músicas
traduzidas para que juntos fizéssemos uma apresentação acadêmico-cultural
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cujo evento alvo tem lugar anualmente na referida universidade. Trata-se,
portanto, da Feira de Graduação da UEFS, momento onde os graduandos
recebem alunos da educação básica, em sua maioria alunos que cursam
o ensino médio, para visitarem e conhecerem a universidade, seus cursos
e programas de pesquisa e extensão e, no caso desta turma, os alunos
convidam os visitantes conhecer o curso de Letras com Língua Francesa, os
quais normalmente são estudantes oriundos da educação básica municipal
e estadual.
A escolhida foi Marie, Marie, com título original, Maria, Maria de
Milton Nascimento. Foram realizadas, com a turma, revisões na tradução da
música e ensaios com atenção especial à pronúncia das palavras e ao ritmo,
já que a continuidade da melodia, por ser originalmente em português,
precisou ser adaptada na língua francesa. A este respeito, Champagne-
Muzar e Bourdages (1998) ressaltam que é preciso permitir aos alunos
ocasiões para aperfeiçoar suas habilidades orais. E, segundo Zedda (2005),
a música é uma lupa da produção fonética, trata-se de um instrumento
ideal para estudar as particularidades fonéticas de uma língua.
Neste aspecto, entretanto, acordamos com Guimbretière (1994), ao
remarcar que música não faz milagres quanto às dificuldades de pronúncia,
uma vez que seu ritmo de uma pronuncia da língua cantada é bem diferente
da pronuncia da língua falada. Segundo a mesma autora, o lado positivo da
música, primordialmente, é motivar o aprendente e ajudá-lo na percepção
de sons próprios da língua alvo, eliminar entraves dos alunos no momento
de falar em francês, possibilitando a produção oral através da canção e o
ritmo promovidos pelo cantar da música.
Pensando em ampliar o número de leitores e pensando também em
expandir o caráter social do texto produzido, sugeri a todos da turma que
publicassem suas traduções nas redes sociais e, além disso, recomendei,
desde o início, que fossem apresentadas na Feira de Graduação da UEFS.
A turma concordou e, de fato, participou de todas as etapas planejadas,
apresentadas e discutidas em sala. Fizemos a publicação através de exposição
escrita em mural no estande do módulo IV, onde se instalou a sala do curso
de Letras com Língua Francesa durante a Feira de Graduação da UEFS,
bem como, neste mesmo local, foi realizada a apresentação cantada da
música escolhida por todos em sala de aula – Marie, Marie.
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Neste tópico, merece destaque as percepções dos alunos, como
os mesmos vivenciaram esta experiência e quais suas falas a respeito do
trabalho com a tradução, pois a respeito dos dados e sua validade, Macedo
(2006, p. 161) destaca que é a discussão coletiva que os legitimará, é o aval
comunitário vindo dos participantes que autorizará como autenticidade
científica para aquela realidade a se conhecida e transformada. Nesta
lógica, os discentes participantes expressaram relatos sobre a experiência,
tais como: “é interessante fazer uma tradução”; “eu gostei de ver essa música
em Língua Francesa”; “nunca tinha feito uma tradução em um texto que já
existe”. Também houve relatos dos graduandos afirmando que aprenderam
muito com essa produção escrita e que foi interessante realizá-la.
Ainda sobre o trabalho de texto e tradução em Língua Francesa, os
desafios giraram em torno da motivação. Por vezes, os alunos e alunas não
se sentiam motivados para fazer esta tradução e, como consequência, havia
atrasos e pouco avanço na conclusão da produção escrita. Este aspecto era
bastante minimizado quando se dava ênfase à função social, ou seja, ao
destino que teria a produção de texto que estava sendo proposta ao grupo.
Também diante do avanço do próprio texto e da interação com os colegas,
havia mais interesse em prosseguir. Outro ponto de desafio foi o de realizar
a apresentação. Em um primeiro momento, houve hesitação. Frases como
“apresentar pra todo mundo?”; “eu não sei cantar...” Mas, após motivá-
los e ensaiar presencial e virtualmente junto com a turma a aceitação foi
unânime. Percebe-se, deste modo, que o diálogo e a mediação constantes
foram fatores essenciais para cada uma das etapas da proposta em sala de
aula ser finalizada com plena participação, envolvimento e êxito.

Considerações finais

Ao refletir sobre esta prática pedagógica em língua estrangeira, ficou


claro que a possibilidade de publicidade da produção escrita aliada à
proposta de tradução em português – francês despertou o interesse e o
resultado foi a dedicação ao projeto como um todo. A turma pôde realizar
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um trabalho que seria próprio de um profissional já formado em Letras
com Língua Francesa – a tradução.
A autoestima foi, destarte, um elemento presente durante este processo
de ensino e aprendizagem em língua estrangeira. Discutir o texto, produzir
de modo independente tendo meu acompanhamento através da mediação
e obter o retorno positivo do seu trabalho ao final de tudo foram elementos
importantes para a turma.
Do ponto de vista linguístico e pedagógico, houve ganhos significativos.
Podemos, portanto, citar o contato e a aprendizagem de técnicas de
tradução e de produção de texto e ainda o aumento do repertório linguístico
e cultural, já que discutimos e negociamos construções e significados, à
medida que tivemos contato com músicas francesas e, em seguida, com
músicas brasileiras variadas, traduzindo-as para a língua alvo, ações próprias
do campo de estudo da linguística aplicada.
Outro ponto positivo recai sobre a tarefa de refletir sobre os sentidos
do texto e compreendê-lo a ponto de traduzi-lo sem perdas de significados
para o leitor. Escrever tendo como meta o leitor final configura-se em
finalidade ou destino social para a produção textual em sala de aula. Hoje
no ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras ainda há a carência destas
etapas, ou seja, normalmente os poucos textos que são produzidos possuem
somente um destino – a nota, e somente um leitor – o (a) professor (a).
Propostas como estas redirecionam este destino. Publicar em um evento
acadêmico-cultural ou mesmo publicar em redes sociais concretizam o
caráter social da produção textual, afinal todo texto foi feito para ser lido
e seu escritor certamente almeja que, após um bom trabalho, assim seja.
Também alcançamos a valorização do sujeito e sua individualidade
a partir da produção de texto realizada por cada um. Segundo Rosseto
(2006, p.25), valorizar a participação do estudante e torná-lo protagonista
do processo de aprendizado faz com que ele desenvolva a autonomia na
hora de aprender, ou seja, discente será orientado a buscar conhecimento e
a caminhar sozinho na busca por informações. E, para isso, é essencial [...]
ligar a teoria à prática, isto é, não apresentar apenas propostas prescritivas
não testadas em estudos empíricos, mas sim criar, implementar e analisar
situações de aprendizagem reais, em contextos concretos, e disseminar
resultados que possam ser ajustados a outros ambientes educativos.
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(BARCA, 2012, p. 37)
De fato, a mediação realizada durante as etapas deste trabalho teve como
um dos objetivos dar autonomia ao escritor do texto, respeitar sua escrita,
seu estilo e sua escolha, tanto do texto quanto dos vocábulos selecionados.
Mesmo as revisões gramaticais eram sempre realizadas conjuntamente
ao graduando e, portanto, todo o processo foi desenvolvido por ele com
minha orientação.
Alem disso, o trabalho motivou os estudantes durante seu
desenvolvimento e após sua conclusão a se desenvolverem em propostas
semelhantes, visto que uma aluna da turma que cursava no mesmo
semestre a disciplina de Metodologia do Ensino da Língua Francesa
elaborou seu projeto a ser aplicado no semestre seguinte na disciplina de
Estágio Supervisionado em Língua Francesa, cujo componente também
sou docente, com a mesma proposta de tradução de músicas, neste caso, a
ser realizada na educação básica em escolas de Feira de Santana.

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PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 245


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SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 246


https://doi.org/10.52788/9786599282492-1.14 CAPÍTULO 14

Analisando a produção textual de


alunos para a prova de escrita integrada
do TOEFL-IBT

Anderson Alves De Souza


Suênia Valéria Oliveira Câmara

Introdução

Vivemos em uma sociedade globalizada e multicultural onde as


informações são compartilhadas em questões de segundo. À medida em que
o mundo evolui com a globalização e com novas descobertas tecnológicas, o
inglês, por ser a língua mais utilizada em diversos campos do conhecimento,
se tornou a língua franca do mundo moderno (CRYSTAL, 2003; MOITA
LOPES, 2008; MONTGOMERY, 2013). O avanço da língua inglesa
nas sociedades atuais possibilita aos falantes desta língua o acesso a uma
dimensão muito maior de informações; o que não seria possível se falassem
apenas o seu idioma, conforme atesta Crystal (2012, p. 5),

O inglês é atualmente a língua estrangeira mais ensinada em mais de 100 países,


tais como China, Rússia, Alemanha, Espanha, Egito e Brasil, e na maioria destes
países o inglês está emergindo como a principal língua estrangeira encontrada em
escolas, muitas vezes suplantando outras línguas neste processo.

Saber inglês, portanto, tornou-se uma importante ferramenta de


inserção do cidadão moderno no mundo globalizado e uma porta de acesso
à novas oportunidades e experiências multiculturais. Entretanto, apesar
da importância da língua inglesa, a maioria dos estudantes brasileiros
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 247


infelizmente ainda têm dificuldades em usá-la para comunicação. Uma
pesquisa realizada em 2014 pela instituição Education First para medir
o nível de proficiência em inglês de falantes em 63 países revelou que
a posição do Brasil é a de 38º. Resultado pouco favorável para o nosso
país, considerando o fato de sermos uma nação em desenvolvimento
(MORENO, 2014).
Com o intuito de melhorar o nível de proficiência em língua inglesa
de alunos de universidades públicas brasileiras, o governo federal brasileiro
criou o programa Inglês sem Fronteiras para que estes alunos possam
também pleitear uma bolsa de estudo em uma universidade estrangeira.
No entanto, a maioria das universidades estrangeiras exige que o aluno
tenha domínio do inglês e que o mesmo realize um exame de nivelamento
para aferir o seu grau de conhecimento em inglês. Um dos exames mais
utilizados internacionalmente é o Test of English as a Foreign Language –
Internet-Based Test (TOEFL IBT). Devido à sua importância, o exame
do TOEFL IBT tem sido objeto de investigação de vários pesquisadores
recentemente (ALDERSON, 2009; BARKAOUI, 2015; CHAN et al.,
2015; CHO et al., 2013; KNOCK et al., 2014; RIAZI, 2016; WOLFE e
MANALO, 2004).
A prova do TOEFL IBT consiste de várias questões de compreensão
e produção linguística envolvendo as quatro habilidades comunicativas em
língua inglesa: leitura, escrita, fala e escuta. Em virtude de sua importância
no contexto acadêmico internacional e do fato de o programa do Inglês
sem Fronteiras da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) oferecer cursos
preparatórios para este exame, textos produzidos por alunos da UFPB que
se preparam para realizar o TOEFL IBT foram escolhidos como objeto de
estudo deste trabalho.
A presente pesquisa, portanto, tem como objetivo investigar os textos
produzidos para a prova de escrita integrada do exame do TOEFL IBT
por 4 alunos da UFPB, que se preparam para realizar o referido exame sob
a ótica das instruções preparatórias oferecidas pela famosa autora Debora
Phillips (2013) em seu livro Longman Preparation Course for the TOEFL
Test. A pesquisa se insere no contexto amplo da Linguística Aplicada,
conforme concebida por Moita Lopes (2006) e busca contribuir para os
estudos em produção de textos de alunos universitários brasileiros.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 248


O exame do TOEFL IBT

O exame do TOEFL IBT é composto de quatro seções que aferem


as habilidades de compreensão e produção oral e escrita dos candidatos.
O total de questões e o tempo aproximado para a realização da prova é
apresentado no Quadro1. Entretanto, devido ao fato de que este trabalho
focaliza apenas a seção de escrita, e, mais especificamente, a seção de escrita
integrada, somente esta será descrita em detalhes.

Quadro 1 – Seções que compõem a prova do TOEFL IBT.


TOEFL IBT TEMPO APROXIMADO

LEITURA 3 textos e 39 questões 60 minutos

ESCUTA 6 textos e 34 questões 60 minutos

FALA 6 tarefas e 6 questões 20 minutos

ESCRITA 2 tarefas e 2 questões 60 minutos


Fonte: Phillips (2013, p. XVIII, tradução nossa)

A prova de escrita integrada consiste na produção de um texto de


cunho acadêmico de aproximadamente 200 palavras que deve conter
e relacionar informações obtidas a partir da leitura de um texto escrito
(reading passage) e da escuta de um texto oral (listening passage). Os
tópicos destes textos são de diversas áreas do conhecimento acadêmico,
por exemplo: geografia, educação, medicina, arte, física etc. Inicialmente
o candidato tem 5 minutos para ler o texto escrito e fazer as anotações
sobre o mesmo. Em seguida o candidato ouve um texto oral com duração
entre 2 e 3 minutos em forma de uma breve palestra e também pode fazer
anotações. É importante ressaltar que as informações do texto escutado
sempre estão relacionadas com as informações do texto lido. Finalmente,
com base em suas anotações, o candidato tem 20 minutos para redigir seu
texto; o qual, Phillips (2013) sugere, deva conter pelo menos 3 parágrafos
estruturados da seguinte forma:
a) um parágrafo introdutório contendo: o tópico do texto lido, o
tópico do texto escutado e um elemento linguístico (geralmente
expresso por um verbo) que mostre a relação existente entre os textos
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 249


lido e escutado;
b) um parágrafo sobre o texto lido contendo: o tópico do texto lido e
uma síntese acerca dos principais pontos do texto lido;
c) um parágrafo sobre o texto escutado contendo o tópico do texto
escutado e um elemento linguístico (geralmente um verbo) que
mostre a relação existente entre os textos lido e escutado e também
uma síntese sobre os principais pontos do texto escutado.

Referencial Analítico

Como mencionado anteriormente, o arcabouço de análise para os


textos investigados nesta pesquisa são as instruções e os modelos para
a prova de escrita integrada apresentadas no livro Longman Preparation
Course for the TOEFL Test: IBT (doravante denominado por meio da sigla
LPC) de Phillips (2013). A autora elenca 8 habilidades que devem ser
desenvolvidas pelos alunos para que os mesmos supostamente obtenham
êxito no teste. Entretanto, devido ao fato de que este trabalho focaliza
apenas os aspectos macrolinguísticos referentes aos principais elementos
estruturais envolvidos na produção dos textos investigados, apenas as
habilidades 1, 2, 3, 4, 5 e 6 serão descritas. As habilidades 7 e 8 descrevem,
por descreverem aspectos microlinguísticos de gramática e ortografia, não
são apresentadas.
Habilidade 1: Identificar o tópico e os principais pontos do texto
escrito
A primeira habilidade descrita por Phillips é que o aluno saiba
identificar e anotar o tópico e os pontos principais do texto a ser lido
no exame do TOEFL. A Figura 1 mostra um exemplo de texto a ser lido
apresentado por Phillips. O texto discute o uso de proxies, (informações
advindas de outras áreas de conhecimento), para se determinar as
condições climáticas de um determinado local em um tempo no passado
(hindcasting). A Figura 2, por sua vez, mostra um modelo de anotação
sugerido para o aluno elaborado por Philips. Nele constam o tópico e os
dois pontos principais do texto.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 250


Figura 1: Exemplo de texto a ser lido pelo aluno
Reading Passage
It is common knowledge that forecasting is an attempt by meteorologists to determine
what the weather will be like in the future. Hindcasting is the opposite of forecasting,
an attempt to determine what the weather was like in the past. Meteorologists wish
that records of weather had been kept in full for at least a few millennia, but it has
been only in the last century that detailed records of the weather have been kept.
Thus, meteorologists need to hindcast the weather, and they do so by using all sorts of
information from other fields as diverse as archeology, botany, geology, literature, and
art. These pieces of information from other fields that are used as a basis for drawing
conclusions about what the weather must have been like at some point in the past are
called proxies.

Fonte: Phillips, 2013, p. 249

Figura 2: Exemplo de anotações sobre o texto lido


TOPIC OF READING PASSAGE: hindcasting (trying to determine what weather
was like in the past)

main points about hindcasting:


• detailed weather records kept for less than a century
• proxies (information from various other fields) used to hindcast weather

Fonte: Phillips, 2013, p. 249

Habilidade 2: Identificar o tópico e os principais pontos do texto


escutado
A segunda habilidade apresentada por Phillips é idêntica à primeira
habilidade, porém voltada para o texto a ser escutado pelo aluno. A Figura
3 apresenta uma amostra de uma transcrição de um texto que o aluno
escutaria, e a Figura 4 apresenta o tópico e os dois pontos que devem ser
destacados pelos alunos. O tópico do texto escutado é o uso de pinturas
(proxies) mostrando as condições do clima na Holanda no século 17 e os
dois pontos principais são: 1) os montes de neve acumulada no passado são
maiores que as do presente e 2) o fato de que haviam pessoas patinando em
canais que atualmente não se congelam mais.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 251


Figura 3: Exemplo de texto a ser escutado pelo aluno
Listening Passage
(Professor): Now let me talk about how hindcasting was used in one particular
situation. This situation has to do with the weather in seventeenth-century Holland. It
appears, from proxies in paintings from the time by numerous artists, that the weather
in Holland in the seventeenth century was much colder than it is today. Seventeenth-
century paintings show really cold winter landscapes with huge snow drifts and ice
skaters skating on frozen canals. Since it’s unusual today for snow to drift as high
as it is in the paintings and for the canals to freeze over so that skaters can skate
across them as they are in the paintings, these paintings appear to serve as proxies
that demonstrate that the weather when the paintings were created in the seventeenth
century was much colder than it is today.
Fonte: Phillips, 2013, p. 253

Figura 4: Exemplo de anotações do texto a ser escutado (LPC, p. 253)


TOPIC OF LISTENING PASSAGE: paintings that are proxies showing weather
in 17th-century Holland cold than today
main points about the topic:
• huge snow drifts higher than today’s drifts
• skaters on canals that are not frozen today
Fonte: Phillips, 2013, p. 253

Habilidade 3: Planejar o texto que será redigido


A terceira habilidade proposta por Phillips dia respeito ao planejamento
do texto que o aluno irá escrever. O planejamento do texto deve ser
baseado nas informações do texto lido (doravante denominando T. L.) e
do texto escutado (doravante denominando T. E.) e também na pergunta
que é apresentada ao aluno. A Figura 5 mostra dois modelos de perguntas
similares ao do exame do TOEFL IBT apresentadas por Phillips que devem
guiar o texto do aluno.

Figura 5: Exemplos de pergunta que devem nortear o texto do aluno


Question
• How does the information in the listening passage add to the information in the
reading passage?
• How does the information in the listening passage cast doubt information in the
reading passage?
Fonte: Phillips, 2013, p. 257
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 252


É de suma importância que o aluno leia atentamente a questão, pois
é ela que indica o tipo de relação existente entre o T.L. e o T.E. que o
aluno deverá explicitar em seu texto. Por este motivo, o aluno deve prestar
atenção no significado do verbo que mostra a relação entre o T.L. e o T.E.
A primeira questão na Figura 5 pergunta como o texto escutado acrescenta
(add) informação ao texto lido. A segunda questão, por sua vez, pergunta
como o texto escutado lança dúvida (cast doubt) à informação do texto
lido.

Habilidade 4: Escrever uma frase ou parágrafo de apresentação de


tópico geral.
Nesta habilidade, Phillips procura explicar ao aluno como escrever
uma frase introdutória de apresentação de tópico geral (topic statement)
que ele deverá produzir em seu texto. Esta frase deve conter: 1) o tópico
do T.L., 2) o tópico do T.E e 3) o tipo de relação existente entre os dois
tópicos. A Figura 6 mostra um modelo de como escrever uma frase de
apresentação de tópico.
Figura 6: Exemplo de frase de apresentação de tópico
Topic Statement
In this set of materials, the reading passage discusses a technique used by meteorologists,
and the listening passage adds to this by providing an example of the technique from
the 17th century.
Fonte: Phillips, 2013, p. 260

Habilidade 5: Escrever um parágrafo que dará suporte ao texto


que foi lido
A quinta habilidade descrita por Phillips diz respeito à produção de um
parágrafo sobre o T.L. O parágrafo deve conter informações sobre o tópico
do T.L. e os pontos principais que foram destacados. Para exemplificarmos
apresentamos a Figura 7.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 253


Figura 7: Exemplo de parágrafo sobre o texto lido
The Reading passage discusses the technique of hindcasting, which is a method used
by meteorologists to try to determine what the weather was like in the past. According
to the reading passage, detailed weather records have been kept for less than a century.
As a result, meteorologists have been able to find out what weather was like in the past
by using proxies, which are pieces of information from other fields.
Fonte: Phillips, 2013, p. 263

Habilidade 6: Escrever um parágrafo que dará suporte ao texto


que foi escutado.
A sexta habilidade apresentada por Phillips é parecida com a quinta
habilidade, porém aplicada à produção do parágrafo sobre o T.E. O
parágrafo deve conter informações a respeito do tópico do T.E. e dos
principais pontos destacados no texto. Além disso, este parágrafo deve
relacionar as ideias do T.L. e do T.E. A Figura 8 mostra o exemplo de um
parágrafo com base nas informações do texto escutado.

Figura 8: Exemplo de parágrafo sobre o texto escutado


The listening passage provides an example of a situation where hindcasting was used.
This situation involves proxies from the field of art to show what the weather was like
in 17th-century Holland. Proxies from the field of art had to be used to determine the
weather in 17th-century Holland because no weather records were kept from the past.
The paintings that were used as proxies show that the weather in 17th-century Holland
was much colder than it is today. There were details in the paintings that showed how
cold the weather was. For example, there were huge snow drifts that were higher than
today’s snow drifts, and there were skaters skating on canals that are not frozen today.
Fonte: Phillips, 2013, p. 265

De maneira resumida portanto, de acordo com Phillips (2013), estas


8 habilidades devem ajudar os alunos a produzir os 3 parágrafos contendo
os principais elementos que devem ajudar os alunos a elaborar um texto
bem redigido para a prova de escrita integrada do exame do TOEFL IBT.

Procedimentos Metodológicos

Para a realização desta pesquisa foram analisados 12 textos produzidos


por 4 alunos (sendo 3 textos de cada aluno), como tarefa obrigatória do
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 254


curso presencial intitulado: “Habilidades integradas em língua inglesa
para o TOEFL IBT”, com 64 horas de duração, oferecido pelo Núcleo de
Línguas do Programa Inglês sem Fronteiras da UFPB no segundo semestre
de 2014. O curso foi oferecido para alunos de nível intermediário.
A obtenção dos dados coletados se deu por meio de cópias das
composições dos alunos fornecidas pelo professor regente da turma.
Ressaltamos que os mesmos assinaram um termo de consentimento
permitindo o acesso às suas produções textuais.
Os 12 textos analisados dizem respeito a 3 tópicos que foram
trabalhados com o professor regente. Os tópicos foram apresentados como
exercícios para a prática de textos de escrita integrada apresentados no livro
de Phillips (2013). O primeiro tópico aborda o tema sobre crianças que
são educadas em casa (Homeschooling), o segundo tema diz respeito aos
múltiplos significados de uma determinada palavra (Polysemy), e o terceiro
discute uma pesquisa da antropóloga Margaret Mead sobre comportamentos
de gênero em sociedades da Nova Guiné (Mead’s Research). Portanto, cada
aluno participante da pesquisa produziu um texto sobre cada tópico,
totalizando 3 textos por aluno.
Os textos foram analisados com base nos principais elementos
linguísticos prescritos por Phillips (2013) de forma a identificarmos se os
mesmos continham ou não os elementos prescritos pela autora.

Análise e discussão dos dados

Esta seção apresenta os resultados e a discussão acerca dos dados


obtidos a partir da análise dos textos investigados. Por motivos éticos e
didáticos utilizamos nomes fictícios (Ana, João, Maria e Pedro) para nos
referirmos aos alunos que tiveram suas composições analisadas.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 255


Parágrafo introdutório

Como dito anteriormente, o parágrafo introdutório produzido pelo


aluno deve conter três elementos: 1) o tópico do texto lido, 2) o tópico
do texto escutado e 3) um elemento linguístico (geralmente um verbo)
que mostre a relação existente entre os textos lido e escutado. O Quadro 2
mostra o resultado da análise dos parágrafos introdutórios dos textos dos
alunos1.

Quadro 2 – Síntese do resultado da análise do parágrafo introdutório.


Aluno Ideia principal Ideia principal texto Tipo de relação entre
omeschooling

texto lido escutado os textos


Tópico 1:

Ana X
João
Maria X X
Pedro
Aluno Ideia principal Ideia principal texto Tipo de relação entre
texto lido escutado os textos
Polysemy
Tópico 2:

Ana
João X
Maria X
Pedro
Aluno Ideia principal Ideia principal texto Tipo de relação entre
texto lido escutado os textos
Margaret
Tópico 3:

Ana X
Mead

João X
Maria
Pedro X
Fonte: Dados da própria pesquisa

Como podemos observar no Quadro 2 todos os alunos conseguiram


produzir os tópicos dos textos lidos e dos textos escutados nos parágrafos
de introdução. Entretanto, a maioria teve problemas em expressar a relação
entre os textos. Dos 12 textos produzidos, apenas 5 apresentam o elemento
linguístico estabelecendo a relação entre o T.L. e o T.E.
Nos exemplos (1) e (2) temos fragmentos extraídos dos textos dos
alunos comprovando a ausência do elemento linguístico de relação entre
1 O símbolo ✔ indica que o elemento foi produzido pelo aluno. O símbolo ✕ indica que o elemento não foi produzido.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 256


os textos. Por sua vez, o exemplo (3) apresenta um parágrafo introdutório
que contém todos os elementos que devem ser apontados.

Exemplo (1): Frase de apresentação de tópico geral (Ana, Homeschooling)


Párag. In this set of materials, [Tópico T. L.:] the reading passage Tóp. Tóp. Rel.
Introd. discusses the problem of homeschooling and T.L. T.E. ✕
[Tópico T. E.:]
the listening passage talk about the ✓ ✓
advantages of homeschooling.

Exemplo (2): Frase de apresentação de tópico geral (João, Polysemy)


Párag.Introd. In this set of materials, [Tópico T. L.:] the reading T ó p . T ó p . Rel.
passage discusses a group of words with T.L. T.E. ✕
different meanings (polysemic words), whereas ✓ ✓
[Tópico T. E.:]
the listening passage presents a
special group of polysemic words that have
opposite meanings.

Exemplo (3): Frase de apresentação de tópico geral (João, Homeschooling)


Párag.Introd. In this set of materials, [Tópico T. L.:] the article discusses Tóp. Tóp. Rel.
the disadvantages of homeschooling. [Tópico T. E.:] T.L. T.E. ✓
On the other hand, the lecture provides some ✓ ✓
characteristics of homeschooling that go against
those disadvantages presented in the article.

É importante ressaltarmos que o uso de um elemento conectivo


gramatical (p.ex. and, whereas ou while) geralmente não é suficiente para
expressar a relação existente entre o T.L. e o T.E. Por exemplo, o T.L. que
fala sobre Homeschooling apresenta algumas desvantagens deste tipo de
educação, enquanto que o T.E. contradiz estas supostas desvantagens.
Se, ao produzir seu parágrafo introdutório, o aluno apenas escreve algo
parecido com o exemplo (1), ele estará apenas dizendo que o T.L. apresenta
as desvantagens enquanto que o T.E. apresenta as vantagens. Escrito desta
maneira, o exemplo (1) não esclarece que as vantagens apresentadas no
T.E. contrariam as supostas desvantagens discutidas no T.L. É por esta
razão que o aluno deve prestar muita atenção à forma como a pergunta
lhe é apresentada durante o exame. O exemplo (3) por sua vez expressa
de forma clara a relação de oposição existente entre os textos ao utilizar o
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 257


verbo go against.

Parágrafo sobre o texto lido

Como já mencionado anteriormente, o parágrafo sobre o T. L. que o


aluno escreve deve apresentar dois elementos: 1) o tópico do texto lido; e 2)
as principais informações do texto lido. O Quadro 3 mostra o desempenho
dos alunos pesquisados no que concerne à produção do parágrafo do texto
lido.

Quadro 3 – Síntese do resultado da análise do parágrafo do T.L.


Aluno Tópico texto lido Principais informações
meschoolinggg

Ana X
Tópico 1:

João X
Maria X
Pedro X X
Aluno Tópico texto lido Principais informações
Ana X
Polysemy
Tópico 2:

João
Maria X
Pedro
Aluno Tópico texto lido Principais informações
Margaret Mead

Ana X
Tópico 3:

João
Maria
Pedro X
Fonte: Dados da própria pesquisa

O Quadro 3 mostra que a grande maioria dos parágrafos escritos


pelos alunos apresentaram uma descrição correta acerca dos tópicos dos
textos que leram. Entretanto, O Quadro 3 também revela que a maioria
dos alunos teve dificuldades em produzir os pontos principais dos textos
lidos. O único aluno que conseguir escrever em seus textos todos os pontos
principais foi João. Os exemplos (4), (5) e (6) mostram todas as produções
de João sobre os textos lidos.
Exemplo (4): Parágrafo sobre T. L. produzido por João (Tópico: Margaret Mead’s research)
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 258


Párag. [Tópico:] The reading passage discusses about Tóp. Pt. 1 P t . Pt. 3 P t .
T.L. Margaret Mead’s research, which attempt ✓ ✓ 2 ✓ 4
to demonstrate that [Ponto 4:] gender behavior ✓ ✓
results from culture rather than biology. To
support that, three different societies are
presented, each of one with particular gender
roles that would not be expected. [Ponto 1:] In the
first culture, men and women displayed feminine
characteristics, ). [Ponto 2:] In the second, both shared
masculine features, and [Ponto 3:] in the last society,
men displayed feminine characteristics, and
women masculine features.

Exemplo (5): Parágrafo sobre T. L. produzido por João (Tópico: Polysemy)


Párag. [Tópico:] The reading passage presents two examples of Tóp. Pt. 1 Pt. 2
T.L. polysemic words. [Ponto 1:] The fisrt one is the word “sound”, ✓ ✓ ✓
which has forty-nine meanings. [Ponto 2:] The second example
is “set” , which has not less than fifty-seven meanings as a
noun and more than 120 meanings as a verb.

Exemplo (6): Parágrafo sobre T. L. produzido por João (Tópico: Homeschooling)


Párag. [Ponto 1:] Studies have proved that homeschooled children Tóp. P t . Pt. Pt.
T.L. study far more than children in traditional schools, whereas 1 2 3
the article presents exactly the opposite information, despite
the absence of any sources. [Ponto 2:] Children in traditional ✕
✓ ✓ ✓

schools cannot appropriately interact with theirselves,


contradicting the article. [Ponto 3:] Homeschooled children
will not have a narrow curriculum, as presented in the
article.

Os exemplos (7) e (8) por sua vez ilustram ocorrências de parágrafos


escritos por alunos que tiveram dificuldades em produzir os pontos
principais dos textos que leram. Observe que no exemplo (7) a aluna não
conseguiu reproduzir nenhum dos dois pontos descritos no texto lido que
ela leu. O exemplo (8) por sua vez está incompleto pois apresenta apenas
um ponto.

Exemplo (7): Parágrafo sobre o texto lido (Ana, Polysemy)


SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 259


The concept of polysemy words T ó p . P t . P t .
[Tópico T.L.:]
Párag.T.L. provides one condition where one word has T.L. 1 2
different meanings in English. ✓ ✕ ✕

Exemplo (8): Parágrafo sobre o texto lido (Maria, Polysemy)


First, [Tópico:] the reading passage gives an example T ó p . P t . P t .
of a polysemic word. [Ponto 1:] The word was “sound”, T.L. 1 2
Párag.T.L.
which has many meanings as a verb, noun, adverb
and adjective. ✓ ✓ ✕

Estes resultados, portanto, mostram que a identificação e reprodução


dos pontos principais dos textos lidos é uma área que precisa ser trabalhada
com os alunos, pois alguns dos textos apresentados como exemplos aos
alunos por Phillips (2013) podem conter até 4 pontos principais. Este
dado pode justificar o fato de os alunos terem mostrado dificuldades em
identificar e reproduzir alguns pontos em seus textos.
Parágrafo sobre o texto escutado
Diferentemente do parágrafo introdutório e do parágrafo do texto
lido, o parágrafo do texto escutado têm uma complexidade maior, o que o
torna mais complicado de ser desenvolvido. Este parágrafo exige que sejam
contemplados três elementos: 1) tópico do texto escutado; 2) principais
informações do texto escutado; e 3) a relação das ideias entre os textos lidos
e escutados. O Quadro 3 apresenta uma síntese do desempenho dos alunos
na composição deste parágrafo.

Quadro 3 – Análise do parágrafo do texto escutado.


Aluno Tópico texto Principais Relacionar as ideias dos
Homeschooling

escutado informações textos



Tópico 1:

Ana ✓ ✓
João ✓ ✓ ✕
Maria ✕ ✓ ✕
Pedro ✓ ✓ ✓
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 260


Tópico texto Principais Relacionar as ideias dos
Tópico 2: Polysemy Aluno
escutado informações textos
Ana ✓ ✕ ✕
João ✓ ✓ ✕
Maria ✓ ✓ ✕
Pedro ✓ ✓ ✓
Tópico texto Principais Relacionar as ideias dos
Aluno
Tópico 3: Margaret

escutado informações textos


Ana ✓ ✓ ✕
Mead

João ✓ ✓ ✕
Maria ✓ ✕ ✓
Pedro ✓ ✕ ✓
Fonte: Dados da própria pesquisa
O principal ponto a ser destacado sobre o Quadro 3 é que a maioria
dos alunos teve dificuldades em relacionar as ideias dos textos lidos e
escutados. Os exemplos (9) e (10) ilustram este dado.

Exemplo (9): Parágrafo sobre o texto escutado (Maria, Homeschooling)


Initially, the listening passage mentions Tóp.
[Ponto 1:]
Rel. Pt. PT. P T .
that children who are homeschooled learn ✕ ✕ 1 2 3
more than children who are in traditional ✓ ✓ ✓
schools because they have more attention
and less distraction. [Ponto 2:] The second main
point which is mentioned in the lecture is
Párag.
that homeschooling gives the children more
T.E.
social interaction because they can interact
with other children at any time of the day.
[Ponto 3:]
Finally, the listening passage affirm
that children who are homeschooled can
have a brodest possible curriculum as the
parents can teach anything they want.

Observe que no exemplo (9) além de não ter conseguido estabelecer


a relação entre os textos lido e escutado, a aluna também não conseguiu
produzir uma frase de introdução expressando o tópico do texto que ela
escutou.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 261


Exemplo (10): Parágrafo sobre o texto escutado (Ana, Margareth Mead’s)
The listening passage talk about some critics
[Tópico:]
on the research. The general criticism it is maybe
due [Ponto 1:] concern to find concrete evidences to P t . Pt.
Pá r a g . her research and not observed detail all behavior Tóp. Rel.
1 2
T.E. these societies because to readers of research it´s ✓ ✕
extreme behavior and, [Ponto 2:] it´s not common in ✓ ✓
anthropological research take out conclusions of
studies a limited number of categories humans.

O exemplo (10) por sua vez apresenta o tópico (embora contenha


alguns problemas lexicais e gramaticais), mas também não apresenta a
relação entre os textos. Uma possível sugestão para esta aluna é o modelo
que Phillips (2013, p. 655) apresenta: The listening passage casts doubt on
Mead’s conclusions by listing two diferent criticisms of Mead’s research.
Podemos ver neste modelo que a relação de contradição entre os textos
lido e escutado fica claramente assinalada por meio do verbo casts doubt
(lança dúvida).

Considerações finais

O principal objetivo do nosso trabalho foi investigar os textos de


escrita integrada (integrated writing) produzidos por 4 alunos matriculados
em um curso preparatório para o TOEFL IBT com base nas instruções
contidas no livro de Phillips (2013).
A análise dos dados obtidos nos mostra que os alunos em sua maioria
são capazes de construir seus textos baseados nas instruções do livro de
Phillips. Consideramos que mesmo apresentando dificuldade em produzir
alguns dos elementos tidos como modelo, tais como a relação entre as ideias
dos textos lidos e escutados e alguns de seus pontos principais, a estruturação
dos textos dos alunos é compatível com as habilidades propostas pelo livro
Longman Preparation Course for the TOEFL Test de Phillips (2013).
A análise sobre o parágrafo introdutório mostrou que os alunos
apresentaram dificuldades em estabelecer a relação entre os textos. Algumas
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 262


vezes a relação não foi expressa claramente devido ao fato de o aluno usar
um elemento linguístico que não estabelecia a relação correta. Tomamos
como exemplos os termos while e whereas utilizados por alguns alunos para
estabelecer a ideia de contraste entre os textos, mas que não necessariamente
estabelecem uma clara relação de oposição, no sentido de desafiar e/ou
contradizer uma ideia apresentada.

Referências

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Cambridge University Press, 2012. 224 p.
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Disponível em: <http://g1.globo.com/educacao/noticia/2014/11/com-proficiencia-baixa-
em-ingles-brasil-fica-estagnado-em-ranking.html>. Acessado em: 20 de novembro de 2014.
ALDERSON, J. C. Test review: Test of English as a Foreign Language™: Internet-
based Test (TOEFL iBT®). Language Testing, v. 26(4), p.621-631, 2009.
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Stimulated Recall Study. ETS Research Report Series, v. 1, p.1-42, 2015.
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writing skills: A case study. Assessing Writing, v. 26, p.20-37, 2015. 
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the Comparability of TOEFL iBT™ Integrated Writing Tasks. Language Testing, v. 30(4),
p.513-534, 2013.
KNOCH, U.; MACQUEEN, S.; O’ HAGAN, S. An Investigation of the Effect of Task
Type on the Discourse Produced by Students at Various Score Levels in the TOEFL iBT
® Writing Test. ETS Research Report Series, v. 2, p.1-82, 2014.
MOITA LOPES, L. P. da. Por uma linguística aplicada indisciplinar. São Paulo, Editora
Parábola, 2006. 280 p.
MOITA LOPES, L. P. da. Inglês e globalização em uma epistemologia de fronteira: Ideologia
linguística para tempos híbridos. Documentação e Estudos em Linguística Teórica e Aplicada
(DELTA), v. 24:2, p. 309-340, 2008.
MONTGOMERY, S. L. Does Science Need a Global Language?: English and the Future of
Research. Chicago: University of Chicago Press, 2013. 240 p.
PHILLIPS, D. Longman Preparation Course for the TOEFL Test: iBT. 2.ed., New York:
Pearson Education, 2013.
RIAZI, A. M. Comparing writing performance in TOEFL-iBT and academic assignments:
An exploration of textual features. Assessing Writing, v. 28, p.15-27, 2016
WOLFE, E. W.; MANALO, J. R. Composition Medium Comparability in a Direct
Writing Assessment of Non-Native English Speakers. Language Learning & Technology, v.
8(1), p.53-65, 2004.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 263


https://doi.org/10.52788/9786599282492-1.15 CAPÍTULO 15

Textos jornalísticos - uma prática


pedagógica como inovação no
currículo no ensino da língua espanhola
no IFRO – campus Jaru

Andreia Correia de Souza


Osvaldo Homero Garcia Cordero

Introdução

O presente texto traz em cena algumas reflexões sobre currículo e


apresenta um relato de experiência ocorrido na disciplina de Língua
Espanhola em uma turma do 2º ano do curso Técnico em Segurança do
Trabalho Integrado ao Ensino Médio do Instituto Federal de Rondônia –
IFRO - campus Jaru.
Debater a respeito de currículo e sobre as inúmeras possibilidades de
inovações que podem ser oferecidas aos alunos, através de uma proposta
diferenciada na escola, permite repensar a prática do professor enquanto
educador e a percebê-lo com um outro olhar. A ação apresentada tem o
propósito de trazer para o debate, práticas pedagógicas diferenciadas, por
meio de uma ação educativa utilizando textos jornalísticos, do gênero
notícia, como ferramenta de ensino nas aulas de espanhol.
As indagações que motivaram a realização dessas atividades foram:
Como instigar a atenção e a participação dos discentes pelo conteúdo
ministrado na disciplina? Como o fazer docente alinhado ao currículo,
outorga espaços para estratégias e métodos na sala de aula?
A vivência de práticas pedagógicas em sala de aula traz reflexões que
levam o professor a repensar a sua prática docente, assim como motiva-o a
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 264


estar sempre buscando novas alternativas que possam despertar o interesse
dos alunos pelo conteúdo trabalhado na classe.

O currículo em múltiplas faces

(...) o currículo é um fluxo de sentidos que não se


completa, mas que está continuamente borbulhando
de sentidos provisórios e incompletos, um artefato
em constante movimento, que não se fixa, que não se
engessa, mas é negociado e vivenciado a todo o momento

(AXER, 2012, p. 226)

Quando pensamos em currículo, logo vem o pensamento tradicional,


que o situa como sendo uma simples grade curricular, as ementas das
disciplinas ou até mesmo o plano de ensino do professor. No entanto, o
nosso enfoque da visão curricular atende perspectivas mais amplas que
escapam à rigidez que este instrumento outorga, e nesse sentido, pensar
em currículo é pensar no outro, ou seja, pensar em um instrumento que
contemple as necessidades e individualidades de cada sujeito, afinal a escola
é constituída de um encontro de culturas, de saberes e de uma diversidade
de discursos.
Nesse pensar, Derrida (2001) apresenta a necessidade de aceitarmos e
enxergarmos o outro indivíduo exatamente como um “outro” ser, respeitando
as diferenças e singularidades de cada sujeito. Sobre a diversidade, Assis,
Farias e Nascimento (2020, p. 297), contextualizam: “A diversidade nos
remete sempre a buscar o novo: isso requer um aperfeiçoamento constante
na tarefa de ensinar, aprender, de buscar estratégias e conviver uns com os
outros”.
Esse olhar para o outro, enxergando o outro como exatamente é, é
uma característica marcante do educador que deseja fazer a diferença e ser
a diferença na vida do aluno. Para Braum et al. (2017), “Um educador que
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 265


cuida de si, dos outros e do seu trabalho tem maiores chances de ser mais
produtivo, mais amigo, mais feliz, pois com certeza será alguém ético, que
consegue sair de si para enxergar melhor as situações” (p. 52).
A educação recebida na escola não é o único elemento para formação
do homem. Percebemos que os sujeitos estão se formando nas outras
relações sociais também, através da ação do currículo oculto, que engloba
os aprendizados que acontecem de maneira informal no ambiente escolar.
Segundo Silva (2003, p. 78), “[...] o currículo oculto é constituído por
todos aqueles aspectos do ambiente escolar que, sem fazer parte do currículo
oficial, explícito, contribuem, de forma implícita, para aprendizagens sociais
relevantes”. Ao analisarmos esse contexto, percebemos que até mesmo nas
expressões faciais e corporais dentro da sala de aula, na forma como se fala,
no cumprimento ao se encontrarem nos diferentes espaços da escola e até
mesmo na forma como se veste existe um pouco do currículo.
Para Silva (2004, p. 150), “currículo é lugar, espaço, território, é
relação de poder, é trajetória, é percurso, é viagem, é texto, é discurso,
é documento, é documento de identidade”. O Currículo compreende
o aprendizado adquirido em todos os espaços da escola, e podemos ir
mais além ao percebermos que, até mesmo nas relações que se dão além
dos muros da escola carregam um pouco do currículo. Nesse sentido,
Melotti (2019, p. 2), “Nosso convite é de estar à espreita nas escolas e seus
cotidianos e sentir os sopros de vida que explodem nos corredores, recreios
e conversas nas escolas”. Em cada sopro de vida nesses espaços, acontece
um aprendizado.
As leituras e reflexões acerca do currículo permitem ao leitor ver com
outros olhos o currículo tradicional, que em muitas vezes encontra-se
engessado, pois foi construído obedecendo e influenciado pela força do
poder dominante que muitas vezes está cristalizado pelos conhecimentos
hegemônicos. Neste currículo, não se prioriza a construção do senso crítico
do sujeito, e ao invés disso, percebe-se que a intenção é educar para moldar
o sujeito em um ser dócil, em corpos flexíveis de acordo com os interesses
da classe dominante. Para Axer (2012 , p. 219.), “se desejamos a percepção
e aceitação das diferenças, é mais que necessário uma nova concepção de
currículo, que vai além de uma simples escolha de saberes e conteúdo a
serem passados, de fato um currículo outro”.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 266


Varela e Alvarez (1992) apresentam a escola como uma instituição
controladora dos sujeitos, “adestrando-os” e tornando-os flexíveis, dóceis,
moldados a servirem aos interesses da burguesia dominante.

Em todo caso lentamente a maquinaria escolar irá produzindo seus efeitos,


transformando esta força incipiente, esta tábula rasa, num bom trabalhador.
Os conselhos, as histórias exemplares, a recitação em voz alta, o regulamento, a
caligrafia, o trabalho escolar... são a bigorna sobre a qual o professor depositará
estas naturezas de ferro para forjar com paciência e obstinação o futuro exército
do trabalho. (VARELA; ALVAREZ, 1992, p. 12).

Masscheelein e Simons (2013 apud CARVALHO, SILVA e


DELBONI, 2018) também reforçam a ideia da formação dos indivíduos
docilizados para os interesses do capital. Nesse sentido, Varela e Alvarez,
(1992) apresentam ainda a educação como uma luta de poderes entre as
forças dominantes, tendo origem social e histórica, desde os moralistas e
homens da Igreja do Renascimento, passando pelas escolas jesuítas, pelo
sistema de controle da família, até o sistema de escola conhecido hoje.
Os autores argumentam que, no fundo, o que existe é um sistema de
dominação, onde o sujeito é simplesmente moldado desde a infância para
se tornar um mero trabalhador, que atenderá prontamente às demandas
impostas pela classe dominante.
Carvalho e Roseiro (2015) também sustentam essa ideia, como pode-
se observar na citação a seguir:

A cultura de massa produz exatamente indivíduos: indivíduos normalizados


articulados uns aos outros segundo sistemas hierárquicos, sistemas de valores,
sistemas de submissão. Esses sistemas de submissão não são os visíveis e os
explícitos como nas sociedades arcaicas ou pré-capitalistas, mas sistemas de
submissão muito mais dissimulados, uma produção de subjetividade social que
se pode encontrar em todos os níveis da produção de consumo. (CARVALHO;
ROSEIRO, 2015, p. 601).

Na obra “Vigiar e Punir”, Michel Foucault (1977) compara o ambiente


da escola como um campo forte de relações de poder, onde percebemos um
currículo construído no intuito de controlar e moldar a sociedade em que
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 267


se deseja formar. De acordo com Borges (2004), “Esse poder disciplinar
não procura reter as forças, mas sim interligá-las, multiplicá-las e utilizá-
las, sua consolidação utiliza-se dessa vigilância hierárquica e outros meios
coercitivos de punição” (p. 7).
Para Foucault (1977), a força e o poder são vivenciados através da
disciplina, onde o indivíduo é punido caso não cumpra com as regras pré-
estabelecidas pela força dominante. Sendo assim, há uma comparação com
o sistema de prisões e o sistema fabril em que professores, ao cumprirem
com as regras que a eles são estabelecidas, têm por obrigação produzir
o tempo todo, e ao mesmo tempo, também exerce o seu poder sob os
alunos, através do regime disciplinar onde uma punição é aplicada, seja
com uma nota baixa ou com a obrigação de realizar recuperações e exames.
Nesse sentido, podemos observar também as avaliações tradicionais, que
partindo desse princípio, podem ser vistas como uma forma de controle. A
hierarquia de controle e poder que se forma é exposta por Foucault (1977),
“(...) um poder que, em vez de se apropriar e de retirar, tem como função
maior ‘adestrar’; ou sem dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda
mais e melhor” (p. 153).
Ao fazer uma comparação entre o ambiente prisional e a escola, percebe-
se que as escolas estão dentro de um círculo hierárquico, onde devem seguir
as regras estabelecidas pelas secretarias municipais de educação, que por
sua vez cumprem regras das secretarias estaduais, nas quais cumprem as
regras estabelecidas pelo Ministério da Educação – MEC.
Voltando ao currículo, entende-se que este precisa ser construído
de modo a conscientizar o sujeito, para ao sair do espaço da escola, estar
preparado para mudar a realidade onde está inserido. Diante disso, faz-
se necessário pensar: o que está sendo feito para formar indivíduos aptos
a contribuírem para mudar a realidade onde estão inseridos? Para isso é
preciso saber onde está o chão da escola e compreender em quais bases está
sustentada a construção do seu currículo dentro da escola.
Não existe uma fórmula mágica que define um currículo perfeito,
o que existe, talvez seja uma tentativa de fazer o melhor, para atender as
necessidades dos educandos.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 268


Desta forma, o currículo pode ser aquilo que é validado para ser
trabalhado de uma forma estrutural dentro das especificidades de cada época.
Para Hanna Arent (2003, p. 234), “a educação está entre as atividades mais
elementares e necessárias da sociedade humana, que jamais permanece tal
qual é, porém renova-se continuamente através do nascimento, da vinda
de novos seres humanos”. A escola foi pensada para buscar uma unidade
nacional.

Da percepção das aulas de espanhol à intervenção:


primeiros passos

Observar a atitude passiva dos alunos em sala de aula, resignados a


escutar o professor como detentor do conhecimento e perceber neles um
elevado desânimo na realização dos afazeres escolares dentro do componente
curricular foi algo que sempre trouxe inquietação ao pesquisador deste
estudo.
As aulas expositivas, com ênfase na importância da gramática
espanhola, textos para leitura e interpretação, atividades de vocabulário,
tarefas preparadas para respostas mecânicas, provas, entre outras práticas
faziam parte do seu cotidiano. Entretanto, ao repensar a sua prática docente,
percebeu alguns questionamentos pelos quais o motivou a encontrar
uma forma de inovar a maneira de trabalhar em sala de aula, decerto,
proporcionar uma aula mais dinâmica, com atividades que proporcionem
o protagonismo aos discentes. Santos e Cervi (2019) chamam a atenção
para a necessidade de se repensar o currículo para enfim compreender que
tipo de sujeito está se formando.

Compreende-se, assim, a necessidade de interrogar currículos em funcionamento


nas escolas a fim de perceber quais sujeitos esses discursos estão produzindo,
bem como, o que esses discursos, ao dizerem, não dizem. O que esses discursos
escamoteiam e quais os efeitos de poder resultantes disso. (SANTOS; CERVI,
2019, p. 1).
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 269


Os questionamentos que o motivou a repensar a sua prática docente
foram: quais ações pedagógicas poderiam ser efetuadas para tornar as
aulas mais interessantes? Como transformar as aulas de espanhol em
uma disciplina que outorgue o protagonismo dos sujeitos? Como fazer
do ensino da língua espanhola uma constante provocação para o processo
de ensino e aprendizagem? Como instigar a atenção e o apreço do aluno
pelo conteúdo ministrado na disciplina? Como trabalhar um conteúdo
mais inspirador, que reposicione o aluno como sujeito colaborador em seu
processo de aprendizagem?
Tendo esses questionamentos como perguntas para o desenvolvimento
da pesquisa, observou-se a necessidade de buscar novos conhecimentos no
processo de aperfeiçoamento profissional nos territórios da educação e na
inspiração de seguir em busca de novos horizontes.
As primeiras iniciativas se manifestaram a partir dos diálogos com os
discentes. A partir desta percepção, houve uma tentativa de trazer até os
sujeitos propostas de trabalho que tornassem mais atuantes os discentes
dentro da sala de aula. Com isso, algumas ideias discutidas abertamente
junto aos alunos, propiciou a busca de caminhos transformadores da prática
docente, corriqueira até então. Dessa forma, elaborar atividades criativas
com ações pautadas na atribuição de tarefas que levassem ao educando a
aprimorar seus conhecimentos da língua, junto a promoção do trabalho
coletivo, seria o campo de desafios do trabalho do educador.
Embora o professor/pesquisador pertença a um grupo de docentes
formados em instituições que priorizavam a formação teórica gramatical,
(professor bom era o que sabia tudo em gramática) também era certo que
se deixavam de lado os processos metodológicos para o ensino da língua
estrangeira. Dessa forma, um desafio foi planejar ações pedagógicas que
envolvessem os discentes em atividades que “escapassem” do formato
tradicional definido como válido dentro da sala de aula. No entanto, o
inconformismo com o reducionismo a que estavam submetidas as aulas,
permitiu uma transformadora percepção voltada para as ações educativas
que fizessem sentidos para os alunos.
A experiência como docente, nas linguagens, códigos e suas
tecnologias na área de letras espanhol, o levou a refletir quais seriam as
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 270


ações pedagógicas para o ensino da língua espanhola, que possibilitasse
desenvolver as diversas habilidades linguísticas de uma forma criativa,
driblando as aulas entediantes e possibilitando a abertura de novos canais
de percepção dentro do ensino da língua. Também possibilitou articular
os diversos saberes do currículo, com o propósito de levar o aluno para os
desafios da vida social, prerrogativa que abrange também a todo o ensino
da língua estrangeira.
De acordo com as Orientações Curriculares para o Ensino Médio;

(...) um conjunto de atos de fala ou de funções lingüísticas desvinculados de


um contexto amplo tampouco será adequado nem sufi ciente para alcançar os
propósitos do ensino da língua estrangeira. Todos esses elementos e competências
devem assumir o papel de permitir o conhecimento sobre o outro e a reflexão
sobre o modo como interagir ativamente num mundo plurilíngüe e multicultural,
heterogêneo. (BRASIL, 2006, p. 150).

Neste sentido, o papel do educador seria de mediador dentro do


processo, articulando diversas estratégias para engajar os discentes durante
todo o devir das atividades dentro da sala de aula de espanhol. Contudo,
vale ressaltar que essas reflexões estão fortemente ligadas às experiências do
docente, obtidas tanto no ensino público quanto no particular, ao ministrar
a disciplina durante alguns anos da vida profissional.

Central das informações: entrando em cena o IFRO –


campus Jaru

Para adentrar-se ao trabalho das ações educativas realizadas na sala


de aula, faz-se necessário situar o lugar. O estudo foi realizado na cidade
de Jaru, no interior do estado de Rondônia, distante cerca de 291 Km da
capital, Porto Velho. A unidade escolar pertence à rede Federal de Educação
e encontra-se em fase de implantação. O campus foi construído visando
atender à crescente demanda de alunos interessados pelos cursos Técnicos
e Superiores que a instituição oferece.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 271


Figura 1 - Instituto Federal de Rondônia - campus Jaru.

Fonte: Registros fotográficos do IFRO-campus Jaru.

A figura 1 apresenta um campus em construção, com diversas obras


de estruturação e em franco processo de extensão, preconizando uma
perspectiva de crescimento no atendimento à população do município.
Atualmente o campus Jaru oferta os cursos: Técnico em Comércio,
Técnico em Alimentos, Técnico em Segurança do Trabalho, Técnico em
Agronegócio e Bacharelado em Medicina Veterinária.
O curso Técnico em Segurança do Trabalho Integrado ao Ensino Médio
do IFRO - campus Jaru, organiza sua matriz curricular através de disciplinas
distribuídas em núcleos, a saber: o Núcleo da Base Nacional Comum do
Ensino Médio, o Núcleo Diversificado e o Núcleo Profissionalizante e
Complementar, conforme indica o Projeto Pedagógico Institucional - PPI.
Por conseguinte, a inclusão da disciplina Língua Espanhola pertence ao
núcleo diversificado e está presente dentro do Projeto Pedagógico do Curso
– (PPC) a partir do 2º ano, com 2 (duas) aulas semanais. Nesta acepção, o
PPC também orienta a concepção educacional que pretende o curso.

O ensino é concebido como uma atividade de compartilhamento e não de


transferência de conteúdo, e a aprendizagem, como um processo de construção
e não de reprodução de conhecimentos. Os alunos e os professores serão sujeitos
em constante dialética, ativos nos discursos e efetivos para interferir nos processos
educativos e no meio social. (IFRO, 2019, p. 19).

Considerando a difusão do idioma espanhol, por ser a segunda


língua mais falada no mundo, segundo dados do Fundo Nacional de
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 272


Desenvolvimento da Educação1, justifica-se a sua presença no sistema
educacional brasileiro. Além disso, a disciplina está alinhada aos princípios
norteadores tanto da Base Nacional Comum Curricular (BRASIL,
2019), quanto às Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
(BRASIL, 2018). Contudo, as DCNEM reconhecem como optativa a
Língua Espanhola e recomendam que os estudos sejam desenvolvidos com
projetos contextualizados e interdisciplinares com diversas estratégias de
aprendizagem.
Este delineamento curricular cumpre o papel de determinar objetivos,
bem como organizar conteúdos e desenvolver habilidades e competências
nos educandos. A nossa visão curricular aponta na direção relacional,
desta forma, o conhecimento dentro da sala de aula acontece no espaço
relacional entre o sujeito e objeto através da mediação existente entre eles.
Nesse sentido, conforme Clareto; Nascimento (2012, p. 313), pretende-
se “articular os diferentes desertos em seus saberes e quereres em suas
possibilidades de expressão e desenvolvimento plenos e participativos a
partir de seus quereres articulados de modo relacional”.
O caminho indicado segundo os autores, parte do princípio de que a
realidade é constituída pela relação entre o sujeito e o objeto, na construção
deste espaço que apresenta uma gama de conhecimentos advindos das
experiências individuais e coletivas. No tocante à discussão do objeto, estão
os documentos norteadores para os diversos cursos do Instituto Federal de
Rondônia.
De acordo com o Plano de Ensino do curso, IFRO (2019, p. 02),
o Objetivo Geral da disciplina Língua Estrangeira Moderna Espanhol é:
“Desenvolver a leitura, a compreensão auditiva, a fala e a produção escrita
aplicando o conteúdo gramatical, léxico e cultural aprendido na prática
(das relações sociais e profissionais), em língua espanhola”. O olhar do
documento oficial do curso permite perceber o objetivo geral centrado
no desenvolvimento das habilidades linguísticas, a saber; leitura, escrita,
compreensão oral e a fala. Neste sentido, percebe-se que as diversas atividades

1 BRASIL,Ministério de Educação.Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Disponível em: https://www.fnde.


gov.br/financiamento/fundeb/area-para-gestores/dados-estatisticos/item/4093- lingua-estrangeira-espanhol. Acesso em:
08/06/2021
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 273


a serem desenvolvidas nas aulas de ensino da Língua Espanhola devem
mergulhar dentro dos quatro pilares linguísticos, sem priorizar nenhuma
habilidade em detrimento da outra. Assim, o desafio do educador foi
mobilizar uma atividade que pudesse trabalhar todas as habilidades citadas
anteriormente para um efetivo desenvolvimento da Língua Estrangeira
Moderna Espanhol.
O plano de disciplina orienta o trabalho do professor na elaboração
do plano de ensino, dando um grau de liberdade, tanto na escolha dos
conteúdos que considere significativo, quanto às metodologias, recursos
didáticos por ele empregados e o processo de avaliação. De acordo com
o Projeto Pedagógico do Curso (IFRO, 2018), “Caberá a cada professor
definir, em plano de ensino de sua disciplina, as melhores estratégias,
técnicas e recursos para o desenvolvimento do trabalho” (p. 48-49).
Tendo estas informações, o plano de ensino foi elaborado seguindo
a organização dos conteúdos de forma bimestral para o primeiro semestre
letivo de 2019, para o curso Técnico em Segurança do Trabalho Integrado
ao Ensino Médio. Os conteúdos foram organizados na tentativa de não
priorizar apenas os estudos gramaticais da língua, mas foram subdivididos
em blocos, sendo eles: aspectos culturais, léxico, linguístico/gramatical,
comunicativo/textual, conforme indicado no quadro abaixo:

Quadro 1 - Adaptação da página com o Plano de Ensino - Língua Espanhola no IFRO.


1º BIMESTRE: 2° BIMESTRE
Aspectos culturais: Aspectos culturais:
História e procedência do idioma Manifestações culturais; festas populares e
espanhol; Países de origem hispânicos; religiosas em Espanha e Hispano América.
Diversidade cultural da Espanha e dos
países hispano-falantes.
Léxico: Léxico:
Alfabeto espanhol; Pronúncia e nomes La família; Lugares e meios de transporte; A
das letras; Comprimentos; Apresentação; casa, A rua, A sala de aula.
Dias da semana, meses e estações do ano.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 274


Linguístico/Gramatical: Linguístico/Gramatical:
Artigos definidos e indefinidos; Artigo Pronomes pessoais; Pronomes possessivos;
neutro Lo; Preposições; Contrações e Pronomes indefinidos; Verbos: Ser e estar,
combinações; Regras de eufonia. Verbos Regulares (presente), Substantivos;
Gênero e número.
Gênero textual (carta e propaganda) Comunicativo/Textual
Leitura e compreensão de textos; Gênero textual (Receitas e Notícias); Leitura e
Estratégias de leitura; Vocabulário; compreensão de textos; Estratégias de leitura;
Leitura global; Identificação da ideia Vocabulário; Leitura global; Identificação
central; Finalidade e característica. da ideia central/ personagens; Finalidade e
característica.
Fonte: IFRO, campus Jaru (2019).

Em observância ao plano de ensino de língua espanhola durante


o primeiro semestre letivo de 2019, apresentamos a distribuição dos
conteúdos organizados em quatro pequenos blocos. As ações educativas
que apresentaremos no relato de experiência aconteceram no bloco
comunicativo/textual do segundo bimestre, isto é o gênero textual receitas
e notícias.
Para objeto da atividade, o professor considerou trabalhar com a
criação de textos jornalísticos. Santos, Mendonça e Cavalcante (2007)
e estudiosos da área da linguagem, respaldam a proposta de trabalhar a
escrita a partir dos gêneros textuais, porque o ensino da língua entende-se
na interação da escrita com a prática social, da mesma forma, o texto oral
ou escrito tem uma finalidade particular em cada situação específica.

Las noticias de la hora: praticando espanhol em sala2

“Joven obrero cae de un poste de luz por no usar


cinturón de seguridad”3
(Ilustração de uma notícia de jornal fictícia)

2 Tradução em Língua Portuguesa: “As notícias da hora: praticando espanhol em sala”.


3 Notícia de jornal fictícia que foi utilizada na atividade desenvolvida, onde traduzida em Língua Portuguesa significa:
“jovem trabalhador cai de um poste por não usar o cinto de segurança”.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 275


A epígrafe acima nos convida a entrar no mundo dos textos
jornalísticos, realizado pelos discentes do 2º ano do curso Técnico
em Segurança do Trabalho. Para efeito do estudo, entende-se que os
noticiários locais, regionais e nacionais, presentes no cotidiano das
pessoas, permitem uma aproximação direcionada ao desafio à capacidade
criativa dos discentes na elaboração de textos dentro da sala de aula. Isso
apresentou-se como um pontapé inicial do trabalho de aprimoramento
da leitura e escrita dentro das classes de espanhol.
As notícias de jornais permitem trazer informações de um universo de
temas e exigem do indivíduo uma prática de escrita e leitura que admita
um processo interativo entre o leitor e o texto, alinhada a interpretação de
signos e produção de sentidos através da expressão corporal. Nas práticas
de uso da língua, conforme Santos; Mendonça; Cavalcanti (2007), todos
os textos se organizam como gêneros textuais típicos, que usamos para
contextos determinados social e historicamente, a partir das estratégias
interativas construídas na sociedade em que estamos inseridos.
A prática educativa baseada na incorporação de ações pedagógicas
realizadas no IFRO - campus Jaru, foi realizada durante o primeiro
semestre do ano de 2019, com 30 discentes do 2º ano do curso Técnico
em Segurança do Trabalho Integrado ao Ensino Médio, realizada durante
as aulas de Língua Espanhola.
A atividade foi desenvolvida em 03 (três) etapas, a saber: fase de
pesquisa da notícia; momento de redação do texto e fase de apresentação
da notícia. O objetivo da atividade foi conhecer a elaboração e apresentação
de textos jornalísticos utilizando a língua espanhola. A temática escolhida
foi relacionada à área de segurança do trabalho, referente a importância do
uso de Equipamentos de Proteção individual (EPIs) para a prevenção de
acidentes de trabalho.
Ao iniciar a construção de um texto jornalístico de caráter informativo,
preventivo e educativo, de forma interdisciplinar, sobre a importância dos
equipamentos de proteção individual e a escrita, interpretação e leitura na
língua espanhola, a ação procurou estabelecer diálogos entre o aprendizado
da língua espanhola com os conhecimentos técnicos do curso.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 276


Como fase inicial de preparação para realização da atividade, foram
apresentados exemplos diversificados de matérias jornalísticas para a
turma, visando expor os elementos que deveriam estruturar as matérias.
A partir das informações apresentadas e discutidas em sala, a orientação
metodológica foi direcionada a um trabalho em equipes, onde teriam a
liberdade de filmar e/ou realizar uma encenação da notícia em sala de aula,
conforme a decisão do grupo.
Durante a etapa de busca de notícias de jornais, cada equipe realizou
um trabalho de pesquisa, analisando qual notícia poderia chamar a atenção
do público e se ela seria apresentada na forma de notícia e/ou de reportagem.
Alguns grupos consideraram interessante realizar uma dramatização junto
à apresentação da matéria.
Na fase de redação da notícia, o trabalho didático foi centrado na
prática do texto escrito. Nesse cenário, a estratégia das equipes direcionou-
se para a realização de um texto redigido na Língua Portuguesa, logo, os
participantes debruçaram-se no vocabulário e léxico espanhol para buscar
a coesão e coerência da informação que seria transmitida. Na construção
do texto o professor/pesquisador realizava intervenções no intuito de
complementar o trabalho elaborado pelos estudantes, conforme preconiza
Perrenoud (2000), quando orienta as modernas competências para poder
ensinar dentro da sala de aula.
Vale mencionar que nesta etapa os sujeitos utilizaram recursos
tecnológicos ofertados pelo Instituto Federal de Rondônia, no laboratório
de informática, principalmente no auxílio que oferecem diversos tradutores.
No entanto, ao iniciar as discussões sobre as atividades que estavam sendo
desenvolvidas, observou-se que as ferramentas digitais utilizadas pelos
estudantes, não eram adequadas para a construção dos textos propostos.
Desta forma, foi necessária a intervenção do docente para ajudar na
adequação e correção dos textos.
Após a etapa de pesquisa da notícia e redação do texto, seguiu-se
para o epílogo da atividade, com as apresentações dos textos de notícias
de jornais. Esta constituiu a última etapa da ação educativa e foi pautada
pelo fortalecimento da oralidade em Língua Espanhola, pela pronúncia e
fluidez na leitura de pequenos textos, onde cada estudante pode expor a
sua apresentação na verdadeira condição de repórter ou apresentador.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 277


Neste momento, revelou-se o produto final de uma atividade
colaborativa, através dos detalhes aprimorados na pronúncia de cada
palavra e na curiosidade constante em descobrir novas habilidades.
Marcuschi (2007) lembra que a oralidade sempre será, próxima da escrita,
o grande meio de expressão discursiva e de atividade comunicativa dos
sujeitos. Nesse contexto, o processo de comunicação oral estava atrelado
ao texto escrito e foi possível perceber o quanto os alunos aprendem mais
e com mais motivação, quando são dadas possibilidades diferenciadas para
potencializar este aprendizado.

Considerações finais

Ao longo das reflexões foi possível observar que, a definição de


currículo vai além de imaginar planos de ensino, matriz curricular, ementas
e disciplinas, pois estes elementos se apresentam como rígidos, frios,
sistematizados para simplesmente “moldar” pensamentos. No entanto, esta
visão tradicional deve ser ampliada por uma nova percepção, principalmente
pelos docentes, quando entra em cena a formação de sujeitos no meio
social, tanto no respeito às subjetividades quanto às diferenças inerentes
do ser humano.
Para alguns autores como: Foucault (1977) e Borges (2004), a escola
pode ser considerada uma instituição controladora. Também se apresenta
como um campo de luta de poderes, que procura moldar os sujeitos para
o benefício das classes privilegiadas, contudo, inferimos que atualmente
o currículo perpassa os espaços escolares, e cada vez mais se afasta do
pensamento engessado e da docilidade do indivíduo. Assim, se apresenta
em vias de formar cidadãos com senso crítico e capazes de responder às
demandas modernas da sociedade.
Nessa trilha, considera-se necessário focar a importância da inovação
na aplicação dos planos de ensino, como estratégia dentro da sala de aula,
traçando linhas de aprendizado junto aos discentes, promovendo novos
caminhos de percepção, embora que ainda exista muita resistência em
romper a ideia tradicional de aulas dirigidas pelo docente.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 278


O relato de experiência no ensino de Língua Espanhola que
apresentamos neste artigo, entrou em cena como uma possibilidade de
inovação na forma de trabalho, que motive a atenção dos sujeitos, promova
a participação e valorize a produção dentro de sala de aula. As atividades
devidamente planejadas tiveram como embasamento as Diretrizes
Curriculares Nacionais, pelas Orientações Curriculares para o Ensino
Médio, o Projeto Pedagógico do Curso e seguindo o Plano de Ensino do
professor.
Assim, podemos inferir que dentro da perspectiva da inovação
curricular tomada como estratégia em sala de aula, os aprendizes estudaram
elementos gramaticais necessários para a estruturação de um texto. Em
suma, todas as habilidades linguísticas foram trabalhadas em uma atividade
que proporcionou o protagonismo e uma vivência diferenciada do processo
ensino aprendizagem.
O convite para a elaboração de projetos que visem ações educativas
diferenciadas pode ser o caminho que traga novos sabores, perfumes, cores,
nuances para uma educação transformadora.

Referências

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ASSIS, Andrelize Schabo Ferreira de; FARIAS, Kátia Sebastiana Carvalho dos Santos;
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SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 279


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códigos e suas tecnologias. Secretaria de Educação Básica. – Brasília: Disponível em: http://
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Horizonte: Autêntica, 2003.
SILVA, T.T. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo
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VARELA, Julia. ALVAREZ-URIA, Fernando. A Maquinaria Escolar. Teoria & Educação.
São Paulo. n. 6. 1992. Tradução de: Guacira Lopes Louro.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 280


https://doi.org/10.52788/9786599282492-1.16 CAPÍTULO 16

Géneros discursivos y enseñanza de


idiomas: entre las creencias de los
profesores y las prácticas de literacidad
de los estudiantes

Lucineudo Machado Irineu


Tatiana Lourenço de Carvalho

Introducción

Con base en la Teoría de Géneros del Discurso1, a la luz del pensamiento


bakhtiniano, en este trabajo2 partimos de la creencia de que es posible
aprovechar las reflexiones sobre las acciones existentes en la comunidad
escolar, en particular, considerando el enfoque de esta investigación, a
saber: clases de idiomas extranjeros, inglés y español, a estudiantes en una
escuela pública del municipio de Pau dos Ferros, en Rio Grande do Norte.
En términos metodológicos, aplicamos cuestionarios y entrevistas a una
docente y alumnos de la escuela en cuestión, para tener acceso a la realidad
que los rodea con respecto al proceso de enseñanza-aprendizaje de lenguas
extranjeras mediada por los géneros del discurso.
1 Reconocemos los avances en las discusiones acerca de los límites entre las terminologías “géneros discursivos” (“o
géneros discursivos”) y “géneros textuales” (“o géneros textuales”), tanto en Lingüística Textual como en Análisis del
Discurso, así como en otras áreas de los estudios lingüísticos. En este sentido, hemos elegido, en este trabajo, utilizar las
expresiones indistintamente para referirnos a los “tipos de enunciados relativamente estables” mencionados por Bakhtin
(1979, p. 262). Al optar por hablar indistintamente entre “género textual” y “género discursivo”, nos apoyamos en Brait e
Souza-e-Silva (2012), al afirmar que estos dos conceptos “concretan la concepción bakhtiniana del lenguaje, garantizando
el lugar diferenciado de este pensamiento lingüístico-filosófico, actualmente movilizado por la Lingüística y la Lingüística
Aplicada, por diferentes Análisis del Discurso, por los Estudios Literarios y por las humanidades”(BRAIT; SOUZA-E-
SILVA, 2012, p. 09).
2 Este trabajo se basa en los hallazgos del informe final del proyecto de investigación sobre géneros discursivos en la
enseñanza de lenguas extranjeras, institucionalizado en el Departamento de Letras Estrangeiras (DLE) de la Universidade
do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 281


Nuestro enfoque fue, entonces, al recopilar los datos, saber cómo la
profesora concibe la enseñanza de la lengua extranjera a través de géneros
del discurso en diálogo con el material didáctico utilizado en el aula y,
luego, diagnosticar las prácticas de literacidad de los estudiantes en lo que
se refiere a los usos sociales de la lectura y de la escritura en un idioma
extranjero en términos de prácticas de literacidad dominantes y vernáculas
(ROJO, 2009).
Por lo tanto, pudimos buscar formas de mostrar lo que está sucediendo
en el escenario de lenguas extranjeras en escuelas públicas de Pau dos
Ferros, más específicamente en la escuela investigada. En este sentido, los
resultados de nuestra investigación muestran que la llegada de libros de texto
en idiomas extranjeros (inglés y español) a las escuelas públicas brasileñas,
a través del Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) del Ministério
da Educação (MEC), principalmente a partir de 2012, proporcionó una
expansión de la enseñanza de idiomas en esta agencia de literacidad,
favoreciendo el cambio de la enseñanza de estructuras gramaticales, de
forma aislada, a una enseñanza de idiomas socio-discursiva.
Por otro lado, los resultados apuntan a un cierto desajuste entre lo que
ofrece el libro de texto como una contribución metodológica a la enseñanza
de idiomas a través de los géneros y las creencias de profesores y estudiantes
a este respecto, con énfasis en diagnosticar las prácticas de literacidad de los
discentes fuera del ambiente escolar, revelando algunas incompatibilidades
entre lo que estos jóvenes leen y escriben y las prácticas de lectura y escritura
a las que están sujetos en un ambiente escolar institucionalizado.

Géneros discursivos y enseñanza de lenguas extranjeras:


creencias docentes

Reconociendo que el aprendizaje de lenguas extranjeras tiene como


objetivo aprehender eventos relacionados con el uso del idioma en situaciones
reales de comunicación, para el propósito de este capítulo, partimos de la
suposición de que la enseñanza de lenguas en la contemporaneidad debe
proporcionar el desarrollo de “herramientas necesarias para comprender,
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 282


evaluar y participar de los sistemas de actividad social más grandes donde
los textos adquieren significado y vida3” (BAZERMAN, 2007, p. 196,
traducción nuestra). De esta forma, llevamos a cabo esta investigación en
dos etapas: (i) análisis del discurso docente, en busca de creencias sobre la
enseñanza de lenguas extranjeras a través de los géneros4; y (ii) diagnóstico
de las prácticas de literacidad de los estudiantes5.
Sabemos que una breve incursión en la historia de los estudios
lingüísticos a lo largo del tiempo muestra momentos de profunda división
con respecto a las teorías lingüísticas aplicadas a la enseñanza de lenguas
extranjeras. Si pensamos, por un momento, en lo que entendemos como
el “núcleo duro de la lingüística6”, esta como una ciencia que toma los
hechos lingüísticos como su objeto de estudio, es decir, la lengua, y no
necesariamente el lenguaje (SAUSURE, 1971), veremos que, durante
años, lo que predominó en la enseñanza de idiomas fue un simple análisis
oracional, a veces transfrástica cuando remontamos años adelante, con
los avances de la Lingüística Textual. Como postulamos en reflexiones
anteriores (IRINEU, 2012, p. 31), creemos que:

La inserción de géneros discursivos en la clase de lengua extranjera, especialmente


en la clase E/LE, representa un hecho destacado en la historia de la enseñanza
de idiomas, en la medida en que indica la necesidad real de preparar al alumno
para el uso funcional del lenguaje en situaciones cotidianas. De esta manera,
la atención se desplaza de la enseñanza centrada en lo improductivo análisis
gramatical descontextualizado, desde un punto de vista comunicacional (que
creemos ser el objetivo real de la enseñanza de idiomas), para el desarrollo, por
parte del alumno, de estrategias de lectura y de producción de textos que lo harán
realmente insertarse en prácticas triviales de comunicación, como escribir correos

3 “ferramentas necessárias para compreender, avaliar e participar dos sistemas de atividade social
maiores onde os textos assumem significado e vida” (BAZERMAN, 2007, p. 196).
4 La docente investigada enseñaba, simultáneamente, las asignaturas de inglés y español en los
años 2011 y 2012. Esta profesional, en aquel entonces, era la única en la escuela que impartía
clases de idiomas extranjeros. La identidad de esta profesional se conservó por razones de ética en
la investigación. La docente firmó un Documento de Consentimiento Libre e Informado autorizando su
participación en la investigación. La escuela investigada también se puso de acuerdo con la pesquisa.
5 En esta etapa de la investigación, con fines de muestreo, aplicamos cuestionarios a una clase de
aproximadamente 20 estudiantes del segundo año de la secundaria que, en 2011/2012, habían tenido
clases de inglés y/o español con la profesora investigada, haciendo uso de los materiales didácticos
analizados, lo que nos permitió triangular los datos de esta investigación, en la etapa final. Los
estudiantes también firmaron un Documento de Consentimiento Libre e Informado para participar en la
investigación.
6 Nos referimos aquí a las ramificaciones de los propios estudios lingüísticos, a saber: fonética,
fonología, morfología, morfosintaxis, sintaxis, etc.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 283


electrónicos y oficios en un entorno administrativo o enviar un mensaje virtual
por las redes sociales en un contexto más familiar.

En esta perspectiva, el papel del profesor, en evidencia, gana


prominencia, en la medida en que evita que el docente sea responsable de
instrumentalizar al alumno única y simplemente de reglas gramaticales de
análisis lingüísticos disociados de situaciones reales de uso, para resaltar los
verdaderos usos de un idioma en funcionamiento y en uso actual en una
determinada sociedad. Así, en el proyecto que dio origen a este artículo,
con el objetivo de reflexionar sobre la concepción de los docentes de la red
pública de escuelas, con respecto a la enseñanza de idiomas extranjeros
mediada por géneros, en términos de recorte metodológico, elegimos
realizar una entrevista semiestructurada con la profesora de inglés y español,
de la escuela investigada.
A continuación, enseñamos el análisis de las respuestas de la profesora
a las preguntas de la entrevista para resaltar las creencias que surgen del
discurso docente y reflexionar sobre la enseñanza de idiomas, centrándonos
en el debate sobre el libro de texto utilizado en las clases de inglés y de
español, como se muestra en los cuadros a continuación.

Cuadro 1: Creencias de la profesora reveladas en la entrevista acerca del libro didáctico de


lengua inglesa
PREGUNTAS DE LA CREENCIAS DE LA PROFESORA
ENTREVISTA REVELADAS SOBRE EL LIBRO DE
INGLÉS
1. ¿Cree que el material didáctico El libro no cumple con este requisito, ya que
adoptado en sus clases está planificado parece haber sido organizado para servir a un
y organizado para apoyar al profesor público de un nivel social más alto que el de los
en la enseñanza de lenguas extranjeras estudiantes en la escuela pública analizada.
modernas? Justifica su respuesta.

2. ¿Cómo evalúa el lenguaje utilizado en El lenguaje del libro es claro y objetivo y incluso
la colección de libros de texto adoptada contribuye sistemáticamente a la enseñanza de la
para sus clases? pronunciación en inglés.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 284


3. ¿Cree que el material adoptado está El libro no sigue las pautas de los Parámetros
de acuerdo con los documentos de Curriculares Nacionales, ya que el material
enseñanza oficiales con respecto a las didáctico prioriza la enseñanza de la gramática
pautas para la enseñanza de idiomas y el vocabulario.
extranjeros en la escuela secundaria?
4. ¿Está de acuerdo en que la colección Existe una diferencia abismal entre la propuesta
adoptada se centra en preparar al metodológica del libro y las condiciones sociales
aprendiz como ciudadano multicultural de los estudiantes de las escuelas públicas que
que usa el idioma extranjero como un lo usan. Además, el libro de inglés aborda el
medio de compromiso social? Justifica contenido cultural, pero está muy alejado de
su respuesta. los hechos culturales a los que tienen acceso los
estudiantes de la escuela pública, lo que termina
desmotivando a los estudiantes en las clases de
inglés.
5. En su opinión, ¿qué habilidades Lectura, escritura y comprensión auditiva, lo que,
lingüísticas (leer, escuchar, hablar, en general, corrobora con lo que dice la docente
escribir) se trabajan más y mejor en la en relación con la enseñanza de la gramática y el
colección adoptada? vocabulario propuesto por el material didáctico
bajo análisis en este estudio.

6. ¿Cree que esta colección está El énfasis en la gramática y el vocabulario de la


organizada de manera que contribuya lengua lleva el enfoque de los temas críticos y
a la formación de un aprendiz reflexivos a un nivel secundario en el material
participante, reflexivo y crítico? Justifica didáctico, lo que termina haciendo que el
su respuesta. enfoque de estos temas sea prácticamente
inviabilizado en el aula.

7. Pensando en su trabajo diario, en el Géneros son “textos, discursos que se producen


aula, con el libro de texto adoptado, y utilizan en nuestra vida cotidiana, en las
¿qué quiere decir con “géneros del más variadas situaciones comunicativas”. En
discurso”? este extracto, destacamos la evidencia de
la concepción socio-interactiva del género
(BAKHTIN, 1997) que emerge en el discurso
docente.
8. ¿Qué géneros del discurso son En el libro es posible encontrar “historietas,
trabajados con mayor frecuencia en el diálogos, recortes de textos publicitarios,
libro didáctico? ¿Con cuáles prefiere adaptaciones de textos auténticos, recetas”. La
trabajar? Y, además: ¿cuáles cree que maestra declara que intenta trabajar con todos
son más relevantes para trabajar con un los géneros, sin distinción de importancia entre
idioma extranjero? ellos, porque cree que todos son parte de la vida
social de los estudiantes.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 285


9. ¿Cómo analiza la apropiación, por Las actividades que preceden a los géneros no
el libro adoptado, de los géneros en los incluyen de todo, ya que tales actividades se
relación con los ejercicios que les centran, en la mayoría de los casos, en estrategias
precedieron? ¿Cree que estos géneros básicas de lectura que no llegan a abordar los
fueron bien seleccionados? ¿Por qué? géneros en sus más diversas dimensiones (social,
discursiva, lingüística, histórica, funcional, etc.).

10. Y finalmente: ¿conoce el manual Asume conocer el manual del profesor y hace su
del profesor del libro de texto que has uso como un instrumento principalmente para
adoptado? Si es así, ¿cuáles son las trabajar con estrategias lúdicas en la clase de
prácticas o procedimientos que utiliza idioma extranjero, a través de juegos.
de este recurso del libro de texto para
llevar a cabo sus clases?
Fuente: Cuadro elaborado por los autores.

Podemos afirmar que el conjunto de respuestas de la profesora a las


preguntas de la entrevista revela la creencia de que el libro de texto de
inglés no está a la altura de las condiciones de trabajo docente en la escuela:
los textos, en general, abordan hechos culturales y lingüísticos que no son
consistentes con la identidad y la realidad social de los estudiantes que usan
el libro en cuestión. Nos parece, por lo tanto, que este material didáctico fue
elaborado hacia una realidad social diferente de la realidad de las escuelas
públicas, lo que nos deja profundamente preocupados por el marco con el
que nos enfrentamos en estos análisis, dado que el trabajo con los géneros
en la escuela debe ser, sobre todo, contextualizado y situado y debe llevar
en cuenta las prácticas de lectura y escritura de los estudiantes que utilizan
este material. Continuamos, a seguir, con las respuestas de la profesora
acerca del libro de español.

Cuadro 2: Creencias de la profesora reveladas en la entrevista acerca del libro didáctico de


lengua española
PREGUNTAS DE LA CREENCIAS DE LA PROFESORA
ENTREVISTA REVELADAS SOBRE EL LIBRO DE
ESPAÑOL
1. ¿Cree que el material didáctico El libro de español como lengua extranjera
adoptado en sus clases está planificado (E/LE) tiene características que lo hacen
y organizado para apoyar al profesor satisfactorio para la enseñanza del español
en la enseñanza de lenguas extranjeras mediado por géneros discursivos.
modernas? Justifica su respuesta.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 286


2. ¿Cómo evalúa el lenguaje utilizado en El lenguaje del libro es amplio, ya que trata las
la colección de libros de texto adoptada modalidades formales e informales de E/LE
para sus clases? en uso, así como las variantes que se hablan en
Europa y América.
3. ¿Cree que el material adoptado está El libro sigue las pautas de los documentos
de acuerdo con los documentos de oficiales, ya que trae en sus unidades diversos
enseñanza oficiales con respecto a las géneros discursivos, además de actividades
pautas para la enseñanza de idiomas culturales de las más diversas habilidades
extranjeros en la escuela secundaria? lingüísticas (lectura, escritura, escucha y habla).
4. ¿Está de acuerdo en que la colección No es este el enfoque del libro, pero la obra
adoptada se centra en preparar al avanza en términos del abordaje de los hechos
aprendiz como ciudadano multicultural culturales a los que los estudiantes de la escuela
que usa el idioma extranjero como un pública tienen acceso, en relación con el mundo
medio de compromiso social? Justifica hispánico.
su respuesta.
5. En su opinión, ¿qué habilidades Lectura y comprensión auditiva, ya que las
lingüísticas (leer, escuchar, hablar, actividades se organizan en torno a estas
escribir) se trabajan más y mejor en la habilidades siempre al principio, durante y al
colección adoptada? final de cada unidad.

6. ¿Cree que esta colección está El libro avanza en este sentido, en relación con el
organizada de manera que contribuya libro de inglés, ya que parte de una realidad más
a la formación de un aprendiz cercana a la de los estudiantes, principalmente
participante, reflexivo y crítico? Justifica debido a los temas latinoamericanos que se
su respuesta. tratan en el trabajo.

7. Pensando en su trabajo diario, en el Los géneros son “textos, discursos que son
aula, con el libro de texto adoptado, producido y utilizados en nuestra vida cotidiana,
¿qué quiere decir con “géneros del en las más variadas situaciones comunicativas”.
discurso”? En este extracto, destacamos la concepción
socio-interactiva del género que emerge en el
discurso docente7.

7 Las respuestas a las cuestiones 07 y 08 fueron las mismas para los libros de inglés y de español.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 287


8. ¿Qué géneros del discurso son En el libro de español, es posible encontrar
trabajados con mayor frecuencia en el “historietas, diálogos, recortes de textos
libro didáctico? ¿Con cuáles prefiere publicitarios, adaptaciones de textos auténticos,
trabajar? Y, además: ¿cuáles cree que recetas” y que intenta trabajar con todos los
son más relevantes para trabajar con un géneros, sin hacer distinción de importancia
idioma extranjero? entre ellos, porque cree que todos los géneros
del discurso forman parte de la vida social de
los estudiantes.
9. ¿Cómo analiza la apropiación, por Las actividades que preceden a los géneros,
el libro adoptado, de los géneros en como en el libro de inglés no los incluyen en
relación con los ejercicios que les absoluto, ya que tales actividades tratan de
precedieron? ¿Cree que estos géneros estrategias básicas de lectura, uno de los puntos
fueron bien seleccionados? ¿Por qué? negativos de la obra, en la opinión de la docente.

10. Y finalmente: ¿conoce el manual Asume conocer el manual del profesor del
del profesor del libro de texto que has libro en español y lo utiliza como herramienta
adoptado? Si es así, ¿cuáles son las de trabajo principalmente para la ejecución de
prácticas o procedimientos que utiliza actividades lúdicas, como juegos.
de este recurso del libro de texto para
llevar a cabo sus clases?
Fuente: Cuadro elaborado por los autores.

El discurso analizado en las respuestas a las preguntas de la entrevista


muestra que la profesora cree en la viabilidad de la metodología del libro
de español como lengua extranjera, ya que la propuesta de trabajo con
los géneros discursivos es más efectiva en el material si comparamos con
el libro de inglés anteriormente analizado. En la medida en que trae para
sus unidades didácticas los más diversos géneros, la obra establece una
relación entre las prácticas de lectura y escritura a las que están sujetos los
estudiantes, lo que favorece la enseñanza de E/LE de forma contextualizada.
El discurso de enseñanza analizado revela las creencias de la profesora sobre
la enseñanza de idiomas mediada por géneros, creencias que están ancladas
en los libros de texto adoptados como el principal material de lectura
y escritura al que los estudiantes tienen acceso en sus prácticas letradas
cotidianas en el contexto escolar.
El libro utilizado bajo análisis en este proyecto de investigación, en
sus clases de inglés, forma parte de la colección Upgrade, de Gisele Aga,
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 288


de editorial Richmond. Ya los libros utilizados en las clases de español
forman parte de la colección Síntesis - curso de lengua española, de Ivan
Rodrigues Martin, del editorial Ática. Según la Guía de libros de texto
PNLD (BRASIL, 2011, p. 67), “la colección Upgrade se destaca por su
organización temática y selección de textos, así como por su propuesta de
articulación con temas transversales”. La Guía de libros de texto PNLD
(BRASIL, 2011, p. 29) establece que la colección Síntesis se destaca “por la
colección de textos, en vista de la selección de temas muy relevantes para la
educación ciudadana de los estudiantes de nivel medio, lo que les permite
reflexionar sobre la diversidad, la ciudadanía, estimulando el desarrollo de
la conciencia crítica”.
Con estas aclaraciones sobre las obras a que nos referimos en este
apartado del artículo y presentadas las creencias docentes acerca de ellas,
a continuación, tratamos de las prácticas de literacidad de los discentes en
un diagnóstico que las relaciona a tales libros de textos.

Las prácticas de literacidad de los discentes: un


diagnóstico

Después de analizar la entrevista aplicada a la profesora, partimos para


la segunda parte de la investigación con el objetivo de “diagnosticar las
prácticas de literacidad de los involucrados en el proceso de enseñanza-
aprendizaje, especialmente los estudiantes, para comprender la dinámica
de la producción y recepción de textos”. Para esto, elegimos, con fines
de muestreo, respuestas a un cuestionario aplicado a aproximadamente
20 estudiantes del segundo año de la secundaria que tuvieron clases de
inglés y/o español con la profesora investigada, haciendo uso del material
didáctico analizado, que nos permitió relacionar entre ellos los datos de
esta investigación.
En este punto del análisis, elegimos reflexionar sobre tendencias (la
mayoría de la opinión del grupo) y no sobre cantidades o porcentajes,
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 289


dada la cantidad de respuestas diferentes a las preguntas. En cualquier caso,
las respuestas de los estudiantes resumen un diagnóstico amplio de sus
prácticas letradas en un idioma extranjero. Así, el examen de las respuestas a
los cuestionarios reveló que, en la opinión de la mayoría de los estudiantes,
en relación con los libros en inglés y español:

1. Las HABILIDADES LINGÜÍSTICAS más y mejor trabajadas en


el libro de texto utilizado en las clases de inglés son las habilidades
“orales” de “lectura”; ya en el libro de texto de español están las
habilidades de “escuchar” y “leer”;
2. Los TEXTOS CON LOS QUE LOS ESTUDIANTES TIENEN
MÁS CONTACTO FUERA DE LA ESCUELA son textos que
circulan en el entorno virtual, como correos electrónicos, blogs,
publicaciones en redes sociales como Facebook, además de los diversos
textos en el ámbito publicitario y periodístico que también circulan
en internet;
3. LOS GÉNEROS QUE LOS ESTUDIANTES ESTUDIAN MÁS
FRECUENTEMENTE EN CLASES DE INGLÉS Y ESPAÑOL, en
la escuela, son historietas y géneros multimodales diversos provenientes
de internet;
4. Los estudiantes creen que los EJERCICIOS PROPUESTOS EN
LOS LIBROS DE ENSEÑANZA DE INGLÉS Y ESPAÑOL son
casi siempre relacionados con diferentes textos;
5. Los estudiantes evalúan que los TEXTOS PROPUESTOS EN
LOS LIBROS DE ENSEÑANZA DE INGLÉS Y ESPAÑOL son
muy buenos, ya que atienden, en absoluto, a todas las actividades
propuestas.

Las informaciones recopiladas en el cuestionario y en la entrevista nos


permitieron resaltar la importancia de las situaciones concretas de la lengua
en la interacción con la alteridad, en contextos reales de uso, dejando un
nivel del código y yendo al nivel discursivo. Los análisis nos permiten hacer
consideraciones sobre la enseñanza de idiomas mediada por géneros.
Esta enseñanza de idiomas, desprovista de contextualizaciones y de
enfoques que apuntan al tratamiento de la lengua en situaciones reales de
uso, lejos de cualquier intento de contextualización del evento o fenómeno
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 290


lingüístico ahora analizado, fue uno de los factores responsables de la
propagación de los métodos de enseñanza de lenguas extranjeras por el
mundo, como los métodos audio-oral, audiovisual y de traducción directa,
que han prevalecido durante años como los métodos de enseñanza de
idiomas extranjeros más auténticos en universidades, escuelas y centros de
idiomas de todo el mundo (MARTINEZ, 2009).
Es un hecho que las ideas de Bakhtin (1997) con respecto a la
configuración textual de modelos más o menos estables de composición
verbal llegaron tarde a las clases de idiomas extranjeros, con el fin de
influir en una enseñanza más productiva, con el intento de desarrollar la
competencia comunicativa del alumno, en las cuatro habilidades básicas
de la comunicación verbal: lectura, escritura, expresión oral y comprensión
auditiva.
En vista de todo lo expuesto anteriormente, nuestro objetivo
general con esta investigación se logró, en la medida en que realizamos
consideraciones que interpretamos como pertinentes para la enseñanza de
idiomas, con respecto a la misión de tejer reflexiones sobre la necesidad de
equipar al estudiante para usar la lengua en las situaciones más diversas que
se requieren a lo largo de su vida diaria, académica o laboral.
Por lo tanto, creemos que, junto con la Teoría de los géneros del
discurso, a la luz del pensamiento bakhtiniano y la enseñanza comunicativa
de lenguas, con el objetivo de poner en práctica una enseñanza basada en el
enfoque comunicativo, la idea de trabajar con el estudiante las más diversas
capacidades de literacidad se convierten en una propuesta de enseñanza
productiva y esencialmente comunicativa.

Consideraciones finales

En resumen, en la conclusión de este capítulo, podemos destacar los


resultados en función de los siguientes objetivos:
(i) reflexionar sobre la concepción de una docente de la escuela
pública con respecto a la enseñanza de lenguas extranjeras a través de
géneros textuales. Los resultados muestran cierto descompaso entre lo que
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PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 291


el libro de texto ofrece como contribución metodológica a la enseñanza de
idiomas en los géneros y la creencia de la profesora investigada de sostener,
predominantemente, en la distancia entre lo que ofrece el libro en relación
con los géneros como objetos de enseñanza de lenguas extranjeras y lo que
realmente es posible hacer, en el aula, en términos de prácticas pedagógicas,
en vista de las condiciones de trabajo en las que se encuentran las escuelas
brasileñas del Nordeste (gran número de estudiantes en clase, indisciplina,
calor etc.), como la escuela investigada en este estudio;
(ii) detectar las prácticas de literacidad de los alumnos involucrados
en el proceso de enseñanza-aprendizaje de lengua mediado por géneros. Al
final de los análisis, fue posible diagnosticar que las prácticas de literacidad
de los estudiantes fuera del entorno escolar revelan descompaso entre lo
que ellos leen y escriben en la escuela y fuera de ella, pero los géneros
presentados por el libro de texto fomentan, sí, los valores de ciudadanía de
los estudiantes.
Una visión general de los resultados nos lleva a creer que la tendencia es
que, con el tiempo, el material didáctico, los profesores y los estudiantes se
entrelazarán más armoniosamente con respecto a las actividades de lectura
y escritura, en el contexto escolar, en las clases de lenguas extranjeras.
Creemos, por fin, que las reflexiones que surgen de esta investigación
pueden ser de gran valor para la constitución de un profesor de lenguaje
reflexivo, un profesional capaz de llevar al aula las propuestas metodológicas
dirigidas al desarrollo de los estudiantes con respecto a las habilidades
necesarias para su inserción en la sociedad como ciudadano desde el uso de
géneros discursivos diversos. Creemos, todavía, que aún queda mucho por
debatir, siempre con el objetivo de sensibilizar a los profesores y estudiantes
sobre el enfoque lingüístico en situaciones reales de uso.

Referencias

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1979.
BAZERMAN, C. Escrita, gênero e interação social. São Paulo: Cortez, 2007.
BRASIL. Guia de livros didáticos: PNLD 2012: Língua Estrangeira Moderna. Brasília:
Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2011. Disponível em: http://www.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 292


fnde.gov.br/programas/livro-didatico/guia-do-livro/item/2988-guia-pnld-2012-ensino-
m%C3%A9dio . Acesso em: 04 fev. 2017.
BRAIT, B.; SOUZA-E-SILVA, M. C. Texto ou discurso? São Paulo: Contexto, 2012.
IRINEU, L. M. Ensino de espanhol como língua estrangeira no Brasil: enfoque
comunicativo, gêneros discursivos e práticas de uso da língua. Caminhos em Linguística
Aplicada, Taubaté, v. 7, n. 2, jun. 2012. Disponível em http://periodicos.unitau.br/ojs-2.2/
index.php/caminhoslinguistica/article/view/1617/1205 . Acesso em: 04 fev. 2017.
MARTINEZ, P. Didática de Língua Estrangeiras. São Paulo: Parábola, 2009.
ROJO, R. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo: Parábola, 2009.
SAUSSURE, F. Curso de linguística geral. São Paulo: Cultrix, 1971.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 293


Sobre os organizadores

Selma Silva Bezerra


Possui graduação em Letras pela Universidade Federal de Alagoas (2008),
mestrado em Letras e Lingüística pela Universidade Federal de Alagoas
(2011) e doutorado em Programa de Pós-Graduação em Letras e Lingüística
pela Universidade Federal de Alagoas (2019). Atualmente, é professora de
língua inglesa do Instituto Federal de Alagoas (IFAL) e integrante do Núcleo
de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas, no Campus Penedo. Ministra a
disciplina de Pragmática e ensino de línguas, no curso de especialização em
Práticas de Linguagem, no Campus Murici. Além disso, é uma das gerentes
da Educte - Revista Ciêntifica do IFAL, ISSN 2238-9849. Tem experiência
na área de Letras, com ênfase em Línguas Estrangeiras Modernas, atuando
principalmente nos seguintes temas: autoetnografia, letramentos críticos e
decolonialidade.

Silvio Nunes da Silva Júnior


Doutor e mestre em Linguística pelo Programa de Pós-graduação em
Linguística e Literatura da Universidade Federal de Alagoas (PPGLL/
UFAL), especialista em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira, pela
Universidade Cândido Mendes (UCAM), em Linguagens e Educação
a Distância, pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em
Formação em Educação a Distância, pela Universidade Paulista (UNIP),
e em Gestão Escolar (Administração, Supervisão, Orientação e Inspeção),
pela Faculdade da Região Serrana (FARESE). É licenciado em Letras/
Português e Literaturas, pela Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL),
em Pedagogia, pela Faculdade IBRA de Brasília (FABRAS), e em Artes,
pelo Centro Universitário FAVENI (UNIFAVENI). Realiza estágio pós-
doutoral no Programa de Pós-graduação em Educação, Culturas e Territórios
Semiáridos, com ênfase em Formação de Professores, na Universidade
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 294


do Estado da Bahia (PPGESA/UNEB). É professor efetivo da Secretaria
Municipal de Educação de Palmeira dos Índios/AL. Atua, também, como
professor Substituto de Linguística da Faculdade de Letras da Universidade
Federal de Alagoas (FALE/UFAL) e do curso de Letras da Universidade
de Pernambuco (UPE/Garanhuns). Pesquisador do Grupo de Estudos
Discurso, Ensino e Aprendizagem de Línguas e Literaturas (GEDEALL/
CNPq/UFAL), estando vinculado ao projeto: Vivências de professores/as
de línguas responsivos/as e responsáveis. É um dos líderes do Grupo de
Estudo das Narrativas Alagoanas (GENA/CNPq/UNEAL). Concentra
suas pesquisas na área de estudos da Linguística Aplicada, articulando-a
aos pressupostos teórico-metodológicos da Análise Dialógica do Discurso,
com ênfase nos seguintes temas: ensino e aprendizagem de língua
portuguesa, formação/vivências de professores, responsividade, interligação
de enunciados orais e escritos e discursos sobre/em problemáticas sociais
diversas.

Geison Araujo Silva


Mestrando em Linguística (ênfase em Linguística Aplicada) no Programa
de Pós-Graduação em Linguística e Literatura da Universidade Federal
de Alagoas (PPGLL/UFAL). É Pesquisador Bolsista FAPEAL/CAPES.
Graduado em Letras Português pela Universidade Estadual do Piauí (2018).
Foi bolsista no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência
(Pibid) - subprojeto Letras do Delta. É Membro do Grupo de Estudos
Discurso, Ensino e Aprendizagem de Línguas e Literaturas - GEDEALL
(CNPq/UFAL). Tem interesse por estudos em Linguística Aplicada,
notadamente relacionados à formação de professores de língua; discurso
de ódio e mídias sociais; interfaces entre linguagem, gênero e identidade;
estudos bakhtianos.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 295


Sobre as autoras e autores

Anderson Alves de Souza


Professor Associado da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) -
Departamento de Letras Estrangeiras Modernas (DLEM). Possui Mestrado
(2003) e Doutorado (2008) em Letras Inglês pela Universidade Federal
de Santa Catarina. Foi Coordenador Pedagógico do Programa Inglês
sem Fronteiras na UFPB entre 2013 e 2016. Email: andersondesouza@
netscape.net; Lattes: http://lattes.cnpq.br/2714646338730914.

Andre Cordeiro dos Santos


Professor de Língua Inglesa do Instituto Federal de Alagoas, no Campus
Piranhas. Sou doutor em Linguística, com área de concentração em
Linguística Aplicada, pela Universidade Federal de Alagoas. Sou mestre
em Letras-Linguística, com concentração na área dos estudos dialógicos
do discurso, pela Universidade Federal de Pernambuco. Sou graduado em
Letras Português-Inglês pela Universidade federal Rural de Pernambuco,
na Unidade Acadêmica de Garanhuns. Sou membro do Grupo de Estudos
Discurso Ensino e Aprendizagem de Línguas e Literatura (GEDEALL)
desde 2016; sou segundo líder do Grupo de Estudos Texto, Ensino,
Discurso e Educação Especial e Inclusiva (GETEDE); e membro do
Núcleo de Atendimento a Pessoas com Necessidades Específicas (NAPNE)
do Instituto Federal de Alagoas - Campus Piranhas. Tenho publicações nas
áreas da Teoria Dialógica de Linguagem e da Linguística Aplicada. Meus
interesses atuais de pesquisa se voltam ao ensino e aprendizagem de línguas
e ao estudos de práticas sociais de linguagem a partir da aliança entre Teoria
Dialógica de Linguagem e Linguística Aplicada. andre.cordeiro@ifal.edu.
br.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 296


André Luiz da Silva
Mestrando em Linguística pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB),
associado à linha de Mudança e Diversidade Linguística. Especialização
em Língua, Linguística e Literatura pelo Centro Universitário de Patos
(UNIFIP) e com outra especialização em andamento na área de Ensino
de Línguas e Literaturas pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). É
integrante do Grupo de Pesquisa em Contato Linguístico (UFPB). Também
tem graduação em Letras, com habilitação em Língua Portuguesa pela
UEPB e habilitação em Língua Espanhol em andamento pela UFPB. Tem
interesse na área da Teoria e Análise Linguística, com ênfase na Variação
Linguística, Tabus Linguísticos e Ensino de Línguas

Andreia Correia de Souza


Mestranda em Educação Escolar pelo Programa de Pós-Graduação em
Educação Escolar, Mestrado e Doutorado Profissional da Universidade
Federal de Rondônia (PPGEEProf./UNIR). Especialista em Supervisão,
Orientação e Gestão Escolar com ênfase em Psicologia Educacional, pela
Faculdade Santo André. Licenciada em Pedagogia pela Universidade Luterana
do Brasil (ULBRA). Servidora do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia de Rondônia – Campus Jaru, ocupante do cargo de Assistente
em Administração. Integrante do Grupo de Pesquisa Multidisciplinar em
Educação e Infância (EDUCA) da Universidade Federal de Rondônia
(UNIR). ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0919-8773. CV: http://
lattes.cnpq.br/6897245091044360 E-mail: andreia.correia@ifro.edu.br

Debora Mariana Ribeiro


Mestra em Letras pela Universidade de São Paulo (USP) (PROFLETRAS),
em 2015. Possui graduação em Letras pela Universidade Presbiteriana
Mackenzie (2005). Atualmente é professora efetiva na área de Letras
no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo –
Campus Itaquaquecetuba, no município de Itaquaquecetuba, São Paulo.
Pesquisa de Mestrado: Da prescrição do Apostilado do Estado de São
Paulo à produção de notícia: múltiplos caminhos; orientadora: Professora
Doutora Maria Inês Batista Campos. (Bolsista CAPES)
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 297


Emanuelly Nascimento Gomes
Mestranda em Letras - Estudos da Linguagem pela Universidade Federal do
Piauí (UFPI). Graduada em Letras - Português e Francês (UFPI). E-mail:
emanuelly.gms@gmail.com

Flávia Colen Meniconi


Possui graduação em Pedagogia pela Pontifícia Universidade Católica
de Minas Gerais (1999), mestrado em Letras pela Universidade Federal
de Minas Gerais (2003) e doutorado em Letras e Linguística pela
Universidade Federal de Alagoas (2015). Atualmente é professora adjunta
da Universidade Federal de Alagoas. Tem experiência na área de Letras,
com ênfase em Línguas Estrangeiras Modernas, atuando principalmente
no seguinte tema: pragmática, corpus linguístico, gêneros textuais, retórica
e práticas de letramento crítico. É coordenadora do Projeto Casas de
Cultura no Campus (Língua Espanhola) e do Programa de Iniciação à
docência (PIBID/Espanhol).

Francisco Renato Lima


Doutorando em Linguística (UNICAMP). Mestre em Letras - Estudos
da Linguagem (UFPI). Especialista nas áreas de Educação, Linguagem e
Tecnologias. Licenciado em Pedagogia (UNIFSA) e Letras – Português/
Inglês (IESM). Autor e organizador de diversos livros nessas áreas. Professor
Substituto da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). Coordenador
de disciplinas do Centro de Educação Aberta e a Distância (CEAD/UFPI).
E-mail: fcorenatolima@hotmail.com

Joseane Brito Martins Nascimento


Pesquisadora do GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM
LINGUAGEM GEPElin, Mestranda do Programa de Pós-Graduação em
Docência para a Educação Básica na Universidade Estadual Paulista “Júlio
de Mesquita Filho” – Unesp, campus de Bauru, e professora da Educação
Básica na rede estadual - Secretaria Estadual de Educação - SP na PEI
(Programa de Ensino Integral) da EE Professor José Aparecido Guedes de
Azevedo. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Língua
Portuguesa. E-mail: josibmart73@gmail.com
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 298


Juliana Fioroto
Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos da
UNESP Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”, campus
de São José do Rio Preto e membro do Grupo de pesquisa ALTER-FIP
(Análise de Linguagem, Trabalho Educacional e suas Relações-Formação,
Intervenção e Pesquisa). Atualmente, é professora de Ensino Médio e
Técnico do Centro Paula Souza com experiência no ensino de Português/
Língua Materna e Inglês/Língua Estrangeira. E-mail: juliana.fioroto@
unesp.br

Kathia Maria Barros Leite


Professora do Instituto Federal de Alagoas – IFAL desde 2013. É formada
em licenciatura pela Universidade Federal de Alagoas, pós- graduada pela
Academia Alagoana de Letras e Mestra em Letras e Linguística pela UFAL.
Trabalha com ethos e formação de professores de língua portuguesa com
enfoque na produção de texto.

Kelli Mileni Voltero


Mestra em Estudos Linguísticos pela Universidade Estadual Paulista
(UNESP). Membro do Grupo de pesquisa ALTER-FIP (Análise de
Linguagem, Trabalho Educacional e suas Relações-Formação, Intervenção
e Pesquisa). Atualmente, cursa doutorado no Programa de Pós-graduação
em Estudos Linguísticos na UNESP. E-mail: kelli_mileni@hotmail.com.

Lúcia de Fátima Santos


Possui pós-doutorado (2016) em Linguística Aplicada pela Universidade
Estadual de Campinas (UNICAMP), doutorado em Linguística (2007),
mestrado em Letras e Linguística (1996) e licenciatura em Letras (1987) pela
Universidade Federal de Alagoas. Atualmente é professora Associada 3 da
Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Foi Coordenadora Institucional
do PIBID-UFAL e coordenou o subprojeto do PIBID-Letras-Português no
período de maio/2010 a fevereiro/2015. É líder do Grupo Interdisciplinar
de Formação de Professores e Pesquisa -GIFOP e pesquisadora do Grupo
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 299


de Pesquisa em Linguagem, Enunciação e Discurso para o Ensino da
Língua Portuguesa - LED, ambos cadastrados no diretório de grupos do
CNPq. Desenvolve atividades de ensino e pesquisa na área de Linguística
Aplicada, atuando principalmente nos seguintes temas: letramentos,
formação de professores, ensino e aprendizagem de língua portuguesa,
leitura e produção de textos, gêneros discursivos, livro didático, ensino de
gramática. lfsmar@hotmail.com.

Lucineudo Machado Irineu


Pós-doutor em Linguística pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada
da Universidade Estadual do Ceará (UECE), professor e pesquisador na
mesma instituição. E-mail: lucineudo.irineu@gmail.com

Manuel Álvaro Soares dos Santos


Mestre em Linguística (com ênfase em Linguística Aplicada) pelo Programa
de Pós-graduação em Linguística e Literatura da Faculdade de Letras na
Universidade Federal de Alagoas (PPGLL/FALE/UFAL). Graduado em
Letras Português e Espanhol pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de
Caruaru (FAFICA). Atualmente, está vinculado ao Grupo Interdisciplinar
de Formação de Professores e Pesquisa (GIFOP) da Universidade Federal
de Alagoas. Seus interesses de pesquisa são: (Multi)letramentos, gêneros
discursivos, ensino de Língua Portuguesa, formação de professores, livro
didático e estudos dialógicos (com ênfase em discurso e identidade). Atua
como professor de Língua Portuguesa na rede privada. manuelalvaross@
gmail.com

Osvaldo Homero Garcia Cordero


Mestrando em Educação Escolar pelo Programa de Pós-Graduação em
Educação Escolar, Mestrado e Doutorado Profissional da Universidade
Federal de Rondônia (PPGEEProf./UNIR). Especialista em Metodologia
do Ensino Superior, pela Universidade Federal de Rondônia (UNIR).
Licenciado em Letras -Português e Espanhol pela Faculdades Integradas
de Ariquemes (FIAR), e Licenciado em Educação Física pela Pontifícia
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 300


Universidade Católica do Chile. Servidora do Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia de Rondônia – Campus Jaru, ocupante do cargo de
Professor EBTT. Integrante do Grupo de Pesquisa Multidisciplinar em
Educação e Infância (EDUCA) da Universidade Federal de Rondônia
(UNIR). ORCID: https:/https://orcid.org/0000-0001-7411-3719. CV:
http://lattes.cnpq.br/1704711495268962. E-mail: osvaldo.homero@ifro.
edu.br

Priscila Maila da Silva


Advogada. Graduada em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba
- UEPB. Pós-graduada em Gestão Pública pela Universidade Estadual da
Paraíba - UEPB. Ao longo de minha trajetória acadêmica e profissional,
realizo atendimentos e consultorias jurídicas na seara dos Direitos
Humanos e Direitos Fundamentais, atuando na defesa dos direitos da
mulher, idosos, crianças e adolescentes, especificamente na resolução de
demandas referentes à educação, saúde, igualdade, proteção à maternidade
e à infância, previdência social, trabalho, entre outros, promovendo ações
de assistência jurídica e acesso à justiça. Possuo diversos artigos científicos
publicados em periódicos, seminários e congressos nas áreas jurídica e
educacional. Interesso-me por pesquisas relacionadas à defesa e à promoção
dos Direitos Humanos, com ênfase na garantia do direito à educação.

Priscilla Barbosa de Oliveira Melo


Graduada em Letras com Francês pela Universidade Estadual de Feira de
Santana (2005), em Pedagogia pela Universidade Santo Amaro (2019)
e em Letras Inglês pela Estácio de Sá (2020); Especialista em Língua
Portuguesa (2008) e em Metodologia do Ensino do Francês como Língua
Estrangeira (2019) e Mestre em Ciências da Educação pela Universidade da
Madeira - Portugal (2013). Atualmente, é professora de Língua Portuguesa
da rede municipal de ensino em Lauro de Freitas ? BA e professora da
Universidade Estadual de Feira de Santana - UEFS, atuando nos cursos
Letras e Pedagogia. Tem interesse na área de Letras, com ênfase em Línguas
Estrangeiras Modernas, Plurilinguismo, Práticas de Leitura e Produção de
Texto e na área de Educação com ênfase em Prática de Ensino e Avaliação
Pedagógica.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 301


Ricardo Ferreira de Sousa
Graduado em Letras (Licenciatura Plena - Língua Portuguesa e suas
respectivas Literaturas) pela Universidade Federal do Tocantins (UFT).
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Letras pela mesma
Universidade. Possui especialização em Linguística Aplicada na Educação
pela Universidade Candido Mendes (UCAM) e cursa Linguística Aplicada
e Ensino de Línguas pela Faculdade de Artes, Letras e Comunicação da
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Tem interesse
especial na linha de pesquisa em Linguística Aplicada, com ênfase no Ensino
e aprendizagem de línguas; Estratégias/práticas de leitura e de (re)escrita;
Formação de leitores e formação de professores. Membro Colaborador da
Associação Brasileira de Linguística (ABRALIN).

Rosângela Oliveira Cruz Pimenta


Possui graduação em Letras pela Universidade Católica de Pernambuco,
Mestrado em Educação pela Universidade Federal de Pernambuco e
Doutorado em Linguística pela Universidade Federal de Alagoas. É
professora Adjunta do Centro de Educação da Universidade Federal de
Alagoas, onde leciona as disciplinas Saberes e Metodologias do Ensino de
Língua Portuguesa 1 e 2 e Leitura e Produção de Textos e da Faculdade de
Letras, onde leciona a disciplina Estágio Supervisionado Obrigatório. Tem
experiência na área de Educação e Linguagem, com ênfase em Métodos e
Técnicas de Ensino, atuando principalmente nos seguintes temas: ensino de
língua materna, didática do ensino de leitura e escrita na Educação Básica,
leitura e produção textual no ensino superior; metodologias do ensino da
língua portuguesa e formação de professores. É pesquisadora do GELLITE
(Grupo de Estudo e Pesquisa em Didáticas de Leitura, da Literatura e da
Escrita) do PPGE/UFAL e do GEDEALL (Grupo de Estudos Discurso,
Ensino e Aprendizagem de Línguas e Literaturas), do Programa de Pós-
Graduação em Linguística e Literatura (PPGLL/UFAL). Atualmente,
desenvolve Estágio Científico Avançado de Pós-Doutoramento em Estudos
da Didática da Escrita, na Universidade do Porto, Portugal.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 302


Suênia Valéria Oliveira Câmara
Licenciada em Letras Inglês pela Universidade Federal da Paraíba (2015).
Professora do Centro Educacional Luíza Paiva. Email: suenia_valeria@
ig.com.br ; Lattes: http://lattes.cnpq.br/5859912224548035.

Tatiana Lourenço de Carvalho


Doutora em Español: Investigación avanzada en Lengua y Literatura
pela Universidad de Salamanca. Professora do Departamento de Letras
Estrangeiras da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).
E-mail: tatianacarvalho10@yahoo.com.br

Wilzelaine Aparecida Hanke


Mestranda no Programa de Pós-graduação Stricto Sensu - Mestrado
Profissional em Educação: Teoria e Prática de Ensino pela Universidade
Federal do Paraná (UFPR). Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas
“Educação, Tecnologias e Linguagens” vinculado ao CNPq. Licenciada
em Letras Português/Espanhol pela Universidade Campos de Andrade –
UNIANDRADE. Docente dos Anos Finais da Educação Básica na rede
particular de ensino. E-mail: wil.hanke@gmail.com.
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 303


Índice remissivo
A

Aprendizagem 8, 12, 14, 17, 20, 21, 22, 23, 25, 28, 33, 35, 36, 37, 38, 39, 48, 51,
53, 54, 56, 57, 60, 64, 65, 68, 69, 77, 83, 87, 92, 96, 102, 103, 106, 110, 113, 114,
117, 121, 132, 133, 134, 135, 136, 140, 150, 151, 153, 157, 166, 167, 174, 175,
176, 177, 182, 192, 196, 202, 203, 208, 212, 215, 216, 220, 232, 233, 235, 236,
238, 239, 243, 270, 272, 273, 279, 295, 296, 300, 302

BNCC 51, 53, 58, 76, 98, 121, 128, 129, 130, 201, 279

Ensino 2, 3, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 14, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 26, 27, 32,
33, 35, 37, 38, 39, 43, 49, 50, 51, 53, 54, 56, 57, 59, 60, 64, 65, 67, 68, 69, 70, 71,
72, 73, 74, 78, 81, 82, 83, 84, 85, 86, 87, 88, 90, 91, 92, 93, 95, 96, 97, 98, 103,
105, 106, 107, 108, 109, 110, 112, 113, 114, 115, 117, 119, 120, 123, 128, 129,
130, 131, 132, 133, 134, 135, 136, 137, 140, 147, 149, 150, 151, 152, 153, 155,
163, 164, 165, 166, 167, 168, 169, 170, 171, 173, 174, 175, 176, 177, 178, 179,
180, 182, 183, 184, 185, 186, 188, 191, 192, 193, 194, 195, 196, 198, 199, 200,
201, 202, 203, 205, 206, 207, 208, 214, 215, 216, 220, 221, 222, 231, 232, 234,
235, 236, 238, 239, 240, 241, 243, 245, 246, 264, 265, 270, 271, 272, 274, 275,
278, 279, 293, 294, 295, 296, 299, 300, 301, 302, 303

Ensino Fundamental 53, 54, 56, 57, 61, 62, 64, 65, 74, 109, 120, 129, 164, 168

Escrita 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 24, 27, 28, 30, 33, 34, 35, 37,
38, 41, 42, 43, 44, 46, 47, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 62, 65, 66,
67, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 75, 76, 77, 80, 84, 85, 86, 89, 91, 92, 93, 94, 95, 97, 99,
100, 101, 102, 103, 105, 106, 107, 108, 109, 110, 111, 112, 113, 114, 115, 118,
120, 121, 122, 123, 124, 129, 131, 136, 142, 143, 150, 152, 153, 154, 155, 156,
157, 158, 159, 160, 162, 163, 166, 174, 176, 178, 179, 180, 182, 183, 184, 186,
187, 188, 189, 190, 191, 192, 193, 194, 195, 196, 197, 198, 199, 200, 201, 209,
212, 217, 218, 219, 222, 223, 227, 231, 232, 233, 238, 239, 240, 241, 242, 244,
247, 248, 249, 250, 254, 255, 262, 273, 275, 276, 278, 280, 302
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 304


Estudos linguísticos 28, 78, 80, 177

Formação de professores 8, 9, 16, 90, 295, 299, 300, 302

Gêneros discursivos 8, 9, 14, 16, 17, 22, 23, 24, 26, 27, 32, 34, 81, 82, 84, 91, 94,
100, 102, 105, 219, 293, 300

Leitores 40, 46, 91, 97, 155, 193, 241, 302

Letramento 41, 53, 58, 102, 108, 187, 215, 216, 219, 294, 300

Língua 7, 8, 9, 10, 12, 13, 14, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 26, 28, 31, 33, 34,
35, 53, 54, 57, 60, 65, 69, 70, 71, 73, 76, 78, 79, 80, 81, 83, 85, 86, 87, 88, 89, 90,
91, 92, 93, 94, 95, 96, 99, 100, 101, 103, 105, 106, 108, 109, 111, 114, 115, 117,
121, 122, 128, 130, 131, 136, 149, 163, 164, 166, 167, 173, 174, 175, 176, 177,
178, 179, 180, 181, 185, 186, 187, 191, 192, 193, 194, 195, 196, 200, 202, 203,
206, 212, 214, 215, 216, 232, 233, 234, 235, 236, 237, 238, 239, 240, 241, 242,
243, 245, 246, 247, 248, 255, 264, 270, 271, 272, 273, 274, 275, 276, 293, 294,
295, 299, 300, 302

Linguagem 6, 8, 10, 11, 12, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 26, 30, 32, 34, 36, 38,
40, 42, 46, 49, 52, 57, 58, 71, 72, 75, 76, 78, 79, 80, 81, 82, 84, 86, 90, 91, 92, 95,
97, 98, 99, 101, 102, 104, 105, 106, 107, 108, 111, 113, 114, 115, 116, 117, 118,
119, 120, 121, 123, 124, 125, 126, 127, 129, 132, 133, 135, 136, 137, 139, 141,
144, 150, 151, 158, 166, 167, 174, 175, 176, 177, 179, 180, 183, 186, 193, 198,
199, 200, 203, 204, 216, 222, 232, 235, 236, 238, 240, 275, 295, 296

Língua Portuguesa 10, 12, 42, 44, 51, 52, 54, 58, 96, 98, 103, 105, 109, 113, 114,
116, 128, 129, 130, 132, 141, 164, 167, 181, 183, 185, 201, 275, 277, 294, 297,
298, 300, 301, 302

Linguística Aplicada 2, 3, 8, 12, 13, 16, 18, 33, 35, 95, 96, 98, 115, 183, 202, 204,
215, 216, 248, 293, 295, 296, 299, 300, 302

Livro didático 15, 42, 44, 84, 141, 142, 149, 164, 166, 174, 175, 300
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 305


P

PCN 50, 98, 105, 120, 128, 131, 132

Pesquisa 6, 9, 10, 11, 12, 13, 26, 27, 28, 29, 31, 32, 33, 42, 53, 55, 56, 57, 60, 61,
62, 63, 64, 65, 73, 84, 90, 96, 107, 118, 119, 129, 130, 132, 137, 156, 158, 164,
166, 167, 176, 188, 192, 202, 203, 204, 205, 206, 212, 215, 218, 221, 222, 223,
224, 225, 228, 229, 233, 234, 235, 239, 241, 246, 248, 250, 254, 255, 256, 258,
261, 270, 276, 277, 283, 296, 299, 300, 302

Produção de textos 8, 9, 15, 16, 19, 22, 33, 34, 41, 58, 71, 80, 95, 96, 115, 121, 133,
178, 219, 239, 248, 300

Produção textual 6, 7, 9, 10, 12, 13, 14, 17, 34, 55, 58, 59, 60, 61, 62, 65, 66, 68,
69, 71, 72, 73, 75, 76, 83, 84, 95, 97, 119, 128, 132, 134, 137, 151, 152, 153, 156,
161, 165, 166, 167, 175, 176, 177, 178, 179, 180, 187, 190, 191, 201, 218, 221,
222, 225, 226, 227, 229, 230, 231, 233, 235, 240, 243, 245, 247, 302

Universidade 8, 9, 16, 17, 19, 22, 26, 33, 34, 35, 103, 164, 223, 224, 230, 231, 241,
248
SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 306


SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 307


SUMÁRIO

PRODUÇÃO DE TEXTOS E ENSINO DE LINGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA APLICADA 308

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