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Título Original

CHRIST
A
Complete Savior:
OR,
The Intercession of Christ,
And Who Are Privileged in It.
The meaning of the word
INTERCESSION.
The benefits of this intercession of Christ. Its perpetuity.
He ever lives to make intercession. The persons who are interested in it.
Por John Bunyan

Copyright © 2021 Editora O Estandarte de Cristo
Francisco Morato, SP, Brasil

1ª edição em português: 2021

Todos os direitos em língua portuguesa reservados por Editora O Estandarte de Cristo.
Proibida a reprodução por quaisquer meios, salvo em breves citações, com indicação da
fonte.

Salvo indicação em contrário e leves modificações, as citações bíblicas usadas nesta
tradução são da versão Almeida Corrigida Fiel | ACF • Copyright © 1994, 1995, 2007, 2011
Sociedade Bíblica Trinitariana do Brasil.

Tradução: Leonardo Gonzales
Revisão: William Teixeira, Josué Meninel e Camila Rebeca Teixeira
Capa: William Teixeira

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Sumário
Prefácio do Editor
Introdução

1
A Intercessão de Cristo

2
Os Benefícios da Intercessão de Cristo
Cristo nos salva perfeitamente
Nossa segurança repousa sobre a capacidade de Cristo de nos salvar
Inferências feitas a partir dos benefícios da intercessão de Cristo
Por que os justificados precisam de um intercessor?
Eles são imperfeitos em seus sentimentos e inclinações
Eles são imperfeitos em suas graças
Eles são imperfeitos em seus deveres

3
As Pessoas Beneficiadas pela
Intercessão de Cristo
Sobre se achegar a Deus por meio de Cristo
Maneiras de nos achegarmos a Deus
Quem são as pessoas que vêm a Cristo
A vinda do homem despertado a Cristo
O retorno de um desviado a Cristo
O modo como um desviado retorna a Cristo
A vinda do cristão sincero a Deus por meio de Cristo
Inferências dessa vinda a Deus por meio de Cristo
Primeira inferência
Segunda inferência
Terceira inferência
Quarta inferência
Quinta inferência

4
A Certeza da Salvação de
Todo Aquele que Sinceramente Vem a
Deus por Meio De Cristo
O fato de Cristo viver para sempre é a certeza daqueles que se achegam a Deus
por meio dele
Inferências a partir da certeza dos benefícios da intercessão de Cristo

Aplicação
Primeira Aplicação
Segunda Aplicação

Palavra do Editor

Por mais estranho que possa parecer, é um fato solene que o


coração do homem, a menos que seja preparado por um senso da
excessiva malignidade do pecado, rejeita a Cristo como um
Salvador perfeito. O orgulho da natureza humana não permitirá que
o coração descanse nos braços da misericórdia divina,
reconhecendo a si mesmo como miserável e totalmente incapaz. O
homem prefere um Salvador parcial — alguém que só possa
concluir a obra da salvação mediante a ajuda do pecador. Essas
não eram as opiniões de John Bunyan. As chamas da convicção
haviam queimado tal orgulho imundo. Ele creu no testemunho das
Escrituras de que desde o alto da cabeça até a planta dos pés toda
a natureza está corrompida. Ele sabia que do coração do homem
não santificado procedem pensamentos maus, assassinatos e a
infeliz lista de transgressões que nosso Senhor enumerou, e que
contaminam nossos melhores esforços em busca da pureza de
coração e de vida. Nenhum pecador jamais confiará totalmente no
Salvador até que tenha consciência do seu próprio estado de
perdição e de que está pendurado pelo frágil fio da vida sobre o
abismo da perdição eterna. Ninguém jamais confiará totalmente no
Salvador até que se veja afundando no pecado — o qual o
envolverá naqueles tormentos terríveis que aguardam o
transgressor — e se sinta ele o tornou como a palha prestes a ser
lançada ao fogo. É somente após isso que este clamor pode vir de
seu coração: “Senhor, salva-me, estou perdido”. É então, e somente
então, que somos feitos dispostos a receber a “Cristo como um
Salvador perfeito”, não só por causa da capacidade de Cristo, mas
de nossa necessidade. Esse foi o tema de todos os escritos do Sr.
Bunyan e, sem dúvida, de todas as suas pregações, a fim de
direcionar os pecadores ao Cordeiro de Deus, o único que pode tirar
o pecado.
Este pequeno tratado foi um dos dez “excelentes manuscritos”
que, por ocasião da morte de Bunyan, foram encontrados
preparados para serem impressos. Foi publicado pela primeira vez
em 1692, por seus amigos E. Chandler, J. Wilson e C. Doe.
Esse livro trata de um assunto que perdemos de vista muitas
vezes, pois ele está como que debaixo de um véu — a intercessão
de Cristo como a obra final da salvação de um pecador. Muitas
pessoas limitam o “olhar para Jesus” a contemplá-lo na cruz — esse
é um erro comum do papado —, mas isso não é o suficiente.
Devemos pensar nele e segui-lo até o mundo invisível e, assim,
erguer nossos pensamentos a um Salvador ressuscitado, à destra
do Pai, intercedendo pelos nossos pecados cometidos diariamente.
Ele é o nosso único intercessor, portanto, buscar ajuda de algum
outro, seria o mesmo que rejeitá-lo. Quem já foi insensato o
suficiente para pedir a Moisés que fosse seu intercessor?
(Certamente, Moisés seria tão incapaz de tal obra quanto Maria ou
qualquer outro santo). Expiar o pecado exige o preço inestimável do
sangue de Cristo, o “Deus manifestado em carne”. Ele empreendeu
essa obra devido ao seu pacto. Todos os salvos fazem parte de seu
corpo místico, e obedecem perfeitamente às leis dele. Cristo
derramou a sua vida e, assim, abriu uma fonte que purifica de todo
pecado e imundície. E visto que os salvos estão sujeitos à
corrupção enquanto estão de passagem por este mundo, somente
ele vive para sempre e é capaz de interceder por suas
transgressões. Assim, então, ele se torna um Salvador perfeito, e
coroará com um peso eterno de glória a todos aqueles que
colocaram a sua confiança nele.
Belas, consoladoras e profundas são as reflexões que
abundam nesta pequena obra, as quais não deixarão de marcar
leitor de modo permanente. Bunyan não admite “a miserável arte da
bajulação” em coisas de tamanha solenidade. Ele descreve o
coração como algo impossível de ser soldado — uma expressão
notável, retirada do ofício de seu pai, que era latoeiro. Nada, senão
a graça pode aquecê-lo a fim de permitir que o martelo da convicção
o solde a Cristo, tornando-o um com ele. Há esperança em um
Salvador perfeito para um pecador que se desviou, mas se
arrependeu — o qual combina a evidência de dois homens: um que
segue sua vida desviado de Deus e o que, em seguida, retorna
como um pecador humilhado. Ele esteve, como Jonas, nas
entranhas do inferno; mas os seus pecados, como demônios
falantes, o levaram de volta ao Salvador. O pecado traz o seu
próprio castigo, do qual podemos escapar ao nos mantermos no
caminho estreito. As boas obras nos salvam das misérias temporais
que sempre procedem de uma indulgência para com o pecado.
Todavia, se cairmos, temos um Advogado e Intercessor para nos
levantar. Contudo, se você ama a sua alma, não despreze o
conhecimento do inferno, pois isso, juntamente com a lei, são as
rédeas que Cristo usa para trazer as almas para si mesmo. Ó, firme
os seus calcanhares e corrija os seus passos, ou aquelas rédeas
estarão sobre você. Tome cuidado, ó perseguidor, pois como Saul,
você está completamente louco, e o inferno será o seu hospício.
Tome cuidado com a fé falsa; nada é verdadeiro senão o que se
adquire de joelhos, quando se procura e deseja a verdade como um
tesouro escondido. A morte é o carrasco de Deus. Ele o abaterá
sem qualquer aviso prévio. Entretanto, com relação aos santos, a
sepultura é o lugar em que ocorrerá a separação final entre a graça
e o pecado. Não esqueça de buscar o desenvolvimento de sua
pequena graça. Leitor, que a graça divina grave de modo
permanente essas verdades salutares em nossas mentes.
George Offor

Introdução

“Portanto, pode também salvar perfeitamente


os que por ele se achegam a Deus,
vivendo sempre para interceder por eles.”
(Hebreus 7:25)

Neste capítulo, o apóstolo nos apresenta duas coisas: a grandeza


da pessoa e do sacerdócio de nosso Senhor Jesus.
Em primeiro, ele nos revela a grandeza da sua pessoa, no
sentido de que ele é maior do que Abraão, que é o pai de todos nós;
pois ele é maior do que Melquisedeque, que estava acima de
Abraão e abençoou aquele que tinha as promessas.
Em segundo lugar, quanto ao seu sacerdócio, o apóstolo
demonstra a sua grandeza, visto que ele foi feito sacerdote, não
pela lei de um mandamento carnal, mas segundo a virtude da vida
incorruptível e mediante o juramento daquele que disse: “Jurou o
Senhor, e não se arrependerá; tu és sacerdote eternamente,
segundo a ordem de Melquisedeque”, e este, “porque permanece
eternamente, tem um sacerdócio perpétuo”.
O meu texto é retirado desta conclusão, a saber, que Cristo
permanece um sacerdote eternamente, “portanto, pode também
salvar perfeitamente os que por ele se achegam a Deus, vivendo
sempre para interceder por eles”.
Observo quatro coisas nessas palavras: Em primeiro lugar, a
intercessão de Cristo — ele faz intercessão. Em segundo lugar, o
benefício da sua intercessão — “portanto, pode também salvar
perfeitamente…”. Em terceiro lugar, podemos ver as pessoas
beneficiadas por essa intercessão de Cristo — são aquelas que “por
ele se achegam a Deus”. Em quarto lugar, observamos a certeza de
que elas receberão esse benefício por meio de Cristo, visto que ele
vive sempre para interceder por elas — “portanto, pode também
salvar perfeitamente os que por ele se achegam a Deus, vivendo
sempre para interceder por eles”.

1
A Intercessão de Cristo

Primeiramente, começaremos com a sua intercessão, e


mostraremos a você, em primeiro lugar, o que essa intercessão é;
em segundo lugar, pelo que Cristo intercede; e, em terceiro lugar, o
que deve ser inferido a partir da intercessão dele por nós.
O que é intercessão? Uma intercessão é uma oração; mas
nem toda oração é uma intercessão. A intercessão é aquela oração
feita por uma terceira pessoa acerca de coisas que envolvem outras
duas, e pode ser feita para torná-las ainda mais opostas ou para
torná-las mais próximas; pois a intercessão pode ser feita tanto
contra como a favor de uma ou mais pessoas. “Ou não sabeis o que
a Escritura diz de Elias, como fala a Deus[1] contra Israel…?”
(Romanos 11:2). Mas a intercessão da qual estamos falando agora
não é deste tipo; não é uma intercessão contra, mas a favor de um
povo, “vivendo sempre para interceder por eles”. O sumo sacerdote
é nomeado para estar a favor, e não contra o povo: “Porque todo o
sumo sacerdote, tomado dentre os homens, é constituído a favor
dos homens nas coisas concernentes a Deus, para que ofereça
dons e sacrifícios pelos pecados” (Hebreus 5:1). — Isso é
intercessão. E a intercessão de Cristo deve ser entre dois, a saber,
entre Deus e o homem, visando o bem do homem. E tal intercessão
se estende a estes pontos: 1. Ele ora para que os eleitos sejam
atraídos a Deus. 2. Ora para que os pecados cometidos após a
conversão sejam perdoados. 3. Ora para que as graças que eles
recebem na conversão sejam mantidas e fortalecidas. 4. Ora para
que eles sejam preservados até que cheguem ao seu reino celestial.
Em segundo lugar, mostrarei a você quem são as pessoas por
quem Cristo faz intercessão.
1. Ele ora por todos os eleitos, para que sejam conduzidos a
Deus e, assim, cheguem à unidade da fé. Isso é evidente pelo que
ele disse: “E não rogo somente por estes”, ou seja, apenas por
aqueles que são convertidos, “mas também por aqueles que pela
tua palavra hão de crer em mim”, por todos os que virão ou que
estão destinados a crer; ou, como vemos um pouco antes, “por
aqueles que me destes” (João 17:9, 20; Isaías 53:12). E a razão
disso é porque Cristo pagou pelo resgate deles. Portanto, quando
Cristo faz intercessão pelos ímpios, os quais são eleitos, porém
ainda não convertidos, ele roga apenas pelos que lhe pertencem,
por aqueles que ele adquiriu, aqueles por quem ele morreu, para
que sejam salvos por seu sangue.
2. Quando os tais são conduzidos a Deus, Cristo continua a
orar por eles; para que os pecados que cometem após a conversão
(por sua corrupção remanescente) também sejam perdoados.
Isso é demonstrado a nós pela intercessão do sumo sacerdote
sob a lei, que intencionava retirar as iniquidades das coisas santas
dos filhos de Israel, bem como fazer expiação pelos que pecaram.
Pois é dito: “O sacerdote por ela fará expiação do seu pecado que
cometeu, e ele será perdoado” (Levítico 5:10). A mesma coisa é
indicada na intercessão do Senhor, quando ele diz: “Não peço que
os tires do mundo, mas que os livres do mal” (João 17:15). Não
devemos supor que Cristo orou para que o convertido fosse
impedido de cometer todo tipo de pecado, pois isso tornaria a sua
intercessão, pelo menos em alguns aspectos, inválida e
contraditória, pois ele disse: “Eu bem sei que sempre me ouves”
(João 11:42). Mas o significado disso é: “Eu oro para que tu os
protejas daqueles enganos que inevitavelmente conduzem a alma à
condenação e para que os guardes do mal, proveniente de todas as
tentações e de todo pecado, que é o destruidor de almas”. Ora,
Cristo intercede assim a partir de sua graça vitoriosa e perdoadora.
3. Em sua intercessão, ele também ora para que as graças
que recebemos na conversão sejam mantidas e fortalecidas. Isso
fica claro quando diz: “Simão, Simão, eis que Satanás vos pediu
para vos cirandar como trigo; mas eu roguei por ti, para que a tua fé
não desfaleça” (Lucas 22:31-32). Alguns podem questionar
alegando que aqui ele ora pela manutenção e suprimento da fé, mas
não é provável que ele tenha orado pela manutenção e suprimento
de todas as nossas graças? Sim, ao orar pela preservação da nossa
fé, Cristo orou pela preservação de todas elas; pois a fé é a graça
mãe, a graça raiz, a graça que tem todas as demais em suas
entranhas e a partir da qual todas as outras fluem. A fé dá existência
a todas as nossas outras graças e é por ela que todas as demais
vivem. Então, se a fé for preservada, todas as graças serão
preservadas e mantidas vivas — isto é, de acordo com o estado
atual, saúde e medida da fé. Portanto, Cristo orou pela preservação
de todas as graças quando orou pela preservação da fé. O texto a
seguir também sugere o mesmo ensino: “Guarda em teu nome
aqueles que me deste” (João 17:11). Guarda-os em teu temor, na fé,
na religião verdadeira, no caminho da vida por sua graça, por seu
poder, por sua sabedoria etc. Esse é o significado do texto e quem
ignora isso não o interpretará corretamente.
4. Em sua intercessão, Cristo também ora para que sejamos
preservados e conduzidos a salvo para o seu reino celestial. E ele
faz isso, (1.) Suplicado com base no fato de que eles lhe pertencem.
(2.) Suplicando pelo fato de que lhes prometeu a glória. (3.)
Suplicando por sua própria resolução de que será assim. (4.)
Suplicando com base na razão pela qual deve ser assim.
(1.) Ele ora para que os eleitos cheguem à glória, pois estes
pertencem a ele: “Eram teus, e tu mos deste (João 17:6). Pai, quero
que eles estejam comigo, porque eles são meus. Eles são minha
esposa, meus filhos, meu tesouro, minha alegria — certamente eles
estarão comigo”. Assim, ele suplica e intercede para que eles sejam
preservados para a glória: “Eles são meus, ‘tu mos deste’”.
(2.) Ele também suplica por aquilo que já lhes havia dado —
através de promessa — a glória e, portanto, eles não ficarão sem
ela. “E eu dei-lhes a glória que a mim me deste” (João 17:22).
Quando os homens justos prometem algo bom, eles buscarão
cumprir a sua promessa. Não, mais do que meramente planejar,
eles se determinam a cumpri-la e a cumprem. Como também disse
o profeta de Deus, em outro caso: “Porventura diria ele, e não o
faria? Ou falaria, e não o confirmaria?” (Números 23:19). Cristo nos
prometeu a glória, e não a obteremos? A própria verdade nos
concedeu essa glória, e testificou isso nas Escrituras da verdade, e
ainda assim seremos privados dela?
(3.) Cristo suplica em sua intercessão aquilo que ele mesmo já
havia resolvido: que eles obtivessem a glória. “Pai, a minha vontade
é que onde eu estou, estejam também comigo os que me deste”
(João 17:24). Veja, ele está decidido quanto a isso. Isso certamente
acontecerá. Minha vontade será feita. Lemos sobre Adonias, que
seu pai nunca lhe negou nada. Ele nunca lhe disse: “Por que
procedes assim?” (1 Reis 1:6) — embora lhe tenha negado o reino,
pois o Senhor havia declarado que seu irmão seria o herdeiro.
Quanto mais o Pai satisfará os propósitos e vontade de nosso
Senhor Jesus, visto que ele também deseja essas coisas tanto
quando o próprio Filho. “Não temais, ó pequenino rebanho; porque
vosso Pai se agradou em dar-vos o seu reino” (Lucas 12:32). Ele
realizará o que resolveu e ninguém poderá impedir isso. A resolução
de nosso intercessor é que sejamos preservados para a glória e é
por isso que ele suplica em sua intercessão: “Pai, a minha vontade é
que onde eu estou, estejam também comigo os que me deste…”
(João 17:24). Portanto, é possível que isso não aconteça?
(4.) Em último lugar, em sua intercessão, ele também insiste
em uma outra razão pela qual sua vontade deve ser feita, a saber,
“para que vejam a minha glória que me conferiste, porque me
amaste antes da fundação do mundo” (v. 24). É como se ele tivesse
dito: Pai, eles estiveram comigo em minhas tentações e aflições, me
viram em meu estado de pobreza, humilhação e desprezo;
testemunharam a rejeição, reprovação, calúnia e desgraça que
suportei por tua causa no mundo; e agora também eles me verão na
minha glória. Eu disse a eles que sou teu Filho, e eles creram; eu
disse que tu me amas, e eles creram; também lhes disse que me
levarias novamente à glória, e eles também creram nisso, mas não
viram minha glória, serão como a Rainha de Sabá, não crerão
plenamente, a menos que seus próprios olhos a contemplem. Além
disso, Pai, eles me amam e a alegria deles se multiplicará quando
me virem em minha glória, isso será como o céu para os corações
deles. Peço, portanto, que “estejam também comigo os que me
deste, para que vejam a minha glória”. Assim, essa é a razão pela
qual Cristo Jesus, nosso Senhor, intercede para ter seu povo com
ele na glória.
Em terceiro lugar, mostrarei a você o que deve ser inferido da
intercessão de Cristo por nós.
5. Deve-se inferir daí que os santos — pois aqui não direi nada
sobre os eleitos que ainda não foram chamados — muitas vezes
ofendem a Deus, ainda que tenham recebido a graça; pois a
intercessão é feita continuamente para que os santos sejam
preservados no favor de Deus, devido às transgressões que
venham a cometer e que tendam a afastá-los do seu favor. E assim
ele faz reconciliação pela iniquidade de duas maneiras: primeiro,
pagando um preço; segundo, insistindo, através da intercessão, no
preço pago em favor daquele que cometeu a ofensa. É que por isso
que lemos que conforme o bode era sacrificado o sacerdote trazia
seu sangue para dentro do véu e, em forma de intercessão, o
aspergia diante e sobre o propiciatório: “Depois, imolará o bode da
oferta pelo pecado, que será para o povo, e trará o seu sangue para
dentro do véu; e fará com o seu sangue como fez com o sangue do
novilho; aspergi-lo-á no propiciatório e também diante dele. Assim,
fará expiação pelo santuário por causa das impurezas dos filhos de
Israel, e das suas transgressões, e de todos os seus pecados. Da
mesma sorte, fará pela tenda da congregação, que está com eles no
meio das suas impurezas” (Levítico 16:15-16). Isso devia ser feito,
como você pode ver, para que o tabernáculo, que era o lugar da
presença e das graças de Deus, pudesse permanecer entre os
filhos de Israel, apesar de suas impurezas e transgressões. Esse,
também, é o efeito da intercessão de Cristo, isto é, fazer com que os
sinais da presença de Deus e de sua graça possam permanecer
entre seu povo, embora, por suas transgressões, tenham tantas
vezes provocado Deus a se afastar deles.
6. Pela intercessão de Cristo, concluo que homens e mulheres
regenerados, embora sejam piedosos, não ousam, após pecarem,
comparecerem perante Deus para suplicar por misericórdia. Deus,
em si mesmo, é um fogo consumidor, e o pecado nos tornou como a
palha preparada para o fogo; portanto, eles não vão, não podem e
nem ousam se aproximar da presença de Deus em busca de ajuda,
senão por meio de um mediador e intercessor. Quando Israel viu o
fogo, a escuridão e as trevas, e ouviu os trovões e relâmpagos e o
terrível som da trombeta, “Disseram a Moisés: Fala-nos tu, e te
ouviremos; porém não fale Deus conosco, para que não morramos”
(Êxodo 20:19; Deuteronômio 18:16). A culpa e o senso da
disparidade que existe entre Deus e nós farão com que procuremos
um homem que possa ser nosso mediador e nos apresentar justos
diante dos olhos de nosso Pai novamente. Eu deduzo isso a partir
da intercessão de Cristo, pois, se houvesse a possibilidade de nos
aproximarmos de Deus através da nossa capacidade, que
necessidade haveria da intercessão de Jesus?
Absalão não ousava se aproximar da presença de seu pai
sozinho, sem um mediador e intercessor; portanto, ele enviou a
Joabe para ir até ao rei e interceder por ele (2 Samuel 13-14:32-33).
Além disso, Joabe não se atreveu a cumprir essa missão
pessoalmente, senão pela mediação de uma outra pessoa. O
pecado é uma coisa terrível, ele sufoca e enfraquece a coragem de
um homem e o faz temer se aproximar da presença daquele a quem
ele ofendeu, mesmo que o ofendido seja apenas um homem.
Quanto mais, então, deve um homem sobrecarregado de culpa e
vergonha sentir-se desencorajado a tentar se aproximar da
presença de um Deus santo e vingador do pecado, a não ser que
ele possa vir a ele por meio de um intercessor? Mas aqui está a
ajuda e a consolação do povo de Deus: Existe um intercessor
preparado e trabalhando para auxiliá-los em todas as suas
fraquezas. “Vivendo sempre para interceder por eles”.
7. Também deduzo a partir da intercessão de Cristo, que se
nós, por ousadia e presunção ignorantes, tentarmos, após havermos
pecado, nos aproximar da presença de Deus por nós mesmos, Deus
não nos aceitará. Ele disse isso a Elifaz. O que Elifaz pensava ou
estava para fazer, eu não sei; mas Deus lhe disse: “A minha ira se
acendeu contra ti, e contra os teus dois amigos, porque não falastes
de mim o que era reto, como o meu servo Jó. Tomai, pois, sete
bezerros e sete carneiros, e ide ao meu servo Jó, e oferecei
holocaustos por vós, e o meu servo Jó orará por vós; porque
deveras a ele aceitarei, para que eu não vos trate conforme a vossa
loucura; porque vós não falastes de mim o que era reto como o meu
servo Jó” (Jó 42:7-8). Observe, uma ofensa é uma barreira e um
obstáculo à aceitação de Deus, caso não haja um mediador, um
intercessor. Aquele que vem a Deus por si mesmo, isto é, à parte de
um intercessor, não receberá uma resposta favorável da parte dele.
“Eu, o SENHOR, vindo ele, lhe responderei conforme a multidão dos
seus ídolos… E porei o meu rosto contra o tal homem, e o assolarei
para que sirva de sinal e provérbio, e arrancá-lo-ei do meio do meu
povo; e sabereis que eu sou o Senhor” (Ezequiel 14:4, 8).
Aquele que intercede por outro a um Deus santo e justo
precisa ser puro, para que aquele a quem se dirige não lhe diga:
Purifique primeiramente a si mesmo e só depois venha falar do seu
amigo. Portanto, esta é a própria descrição e qualificação desse
nosso sumo sacerdote e bendito intercessor: “Com efeito, nos
convinha um sumo sacerdote como este, santo, inculpável, sem
mácula, separado dos pecadores e feito mais alto do que os céus,
que não tem necessidade, como os sumos sacerdotes, de oferecer
todos os dias sacrifícios, primeiro, por seus próprios pecados…”
(Hebreus 7:26-27). Se não tivéssemos tal intercessor, estaríamos
em uma situação muito difícil. Mas temos um intercessor que se fez
como um de nós, que é adequado às nossas necessidades; alguém
com relação a quem nosso Deus não tem nada para se opor ou
objetar; alguém em cuja boca nunca se achou engano.
8. Visto que Cristo é um intercessor, deduzo que ele dispõe de
meios para responder a qualquer exigência que lhe seja feita por
aquele a quem ofendemos, a fim de restabelecer a paz e não nos
deixar desviar da graça contra a qual pecamos, e da qual sempre
necessitamos. Frequentemente, o ofendido diz ao intercessor:
“Bem, você vem falar comigo a favor desse homem, mas a boa
relação que ele tem com você é uma coisa, e a ofensa que ele
cometeu contra mim é outra”. Agora eu falo como homem. O que
um intercessor poderá fazer, se não for capaz de responder a isso?
Porém, se o intercessor for capaz de atender a tudo que lhe for
exigido — isto é, de acordo com a lei e a justiça — então nenhuma
objeção do ofendido poderá prevalecer diante da intercessão dele
pelo ofensor.
Ora, esse é o nosso caso; é certo que até agora ofendemos
um Deus justo e santo, e Jesus Cristo se tornou nosso intercessor.
Ele também sabe muito bem que, de nós mesmos, ainda que
pudéssemos nos salvar do inferno, contudo, não poderíamos
caminhar sequer dois passos em direção à paz com Deus, isto é,
não poderíamos fazer nada que tivesse algum valor diante da lei e
da justiça — por isso, ele intercede por nós. Segue-se, portanto, que
ele possui tudo que é necessário para atender a todas as demandas
razoáveis. Por conseguinte, é dito que ele possui dons para oferecer
como sacrifícios pelo pecado: “Pois todo sumo sacerdote é
constituído para oferecer tanto dons como sacrifícios; por isso, era
necessário que também esse sumo sacerdote tivesse o que
oferecer” (Hebreus 8:3). E, observe isso, o apóstolo fala aqui de
Cristo no céu, ministrando o outro aspecto de seu ofício: “Ora, se ele
estivesse na terra, nem tão pouco sacerdote seria” (v. 4). Assim,
agora ele oferece esses dons e esse sacrifício no céu através de
sua intercessão, na qual insiste e suplica como intercessor, e o valor
de seus dons apazigua a ira de nosso Pai contra nós pelas nossas
desobediências. “O presente dado em segredo aplaca a ira, e a
dádiva no regaço põe fim à maior indignação” (Provérbios 21:14).
As Escrituras testificam sobre esses dons em muitas
passagens. Ele se entregou, deu sua vida, deu tudo de si por nós
(João 6; Gálatas 1:4; 1 Timóteo 2:6; Mateus 20:28). Assim como ele
ofereceu esses dons no Calvário para cumprir a justiça por nós,
assim também agora, no céu, ele os apresenta continuamente
diante Deus, como dons e sacrifícios valiosos por todos os pecados
que cometemos devido à nossa corrupção, desde o dia de nossa
conversão até o dia de nossa morte. E esses dons são tão
satisfatórios e convincentes para com Deus que eles sempre
prevalecem para a remissão contínua de nossos pecados. Por meio
isso também frequentemente nossas graças são renovadas, o diabo
é repreendido e as ciladas dele são frustradas, a culpa é retirada da
consciência e recebemos muito dos benditos sorrisos de Deus e de
seus olhares amorosos e vivificantes (Efésios 3:12).
9. Visto que Cristo é um intercessor, deduzo que os crentes
não deveriam olhar apenas para a cruz para obter conforto, pois
embora devam considerar sua justificação, uma vez justificados pelo
sangue dele, eles devem ascender dali para o trono. Na cruz você o
verá em suas aflições e humilhações, em suas lágrimas e sangue;
mas siga-o até onde ele está agora, e então você o verá em suas
vestes sacerdotais e seu cinto de ouro. Então você o verá usando o
peitoral com todos os nomes dos crentes escritos em seu coração.
Então você perceberá que toda a família no céu e na terra toma o
nome dele,[2] e como ele prevalece para com Deus, o Pai de
misericórdia, em seu favor. Silencie por um momento e ouça, ou
melhor, entre com ousadia no santo dos santos e veja o seu Jesus e
como ele comparece na presença de Deus por você; quão grande é
a obra ele realizou em seu favor e contra o diabo, o pecado, a morte
e o inferno (Hebreus 10:9). Ó! É maravilhoso seguir Jesus Cristo até
o santo dos santos! O véu se rasgou, e você pode contemplar a
glória do Senhor com o rosto descoberto, como num espelho. Esse,
então, é o nosso Sumo Sacerdote, essa é a sua intercessão e estes
são os benefícios dela! Nossa parte é desfrutar de tudo isso e a
sabedoria que nos capacita para tal também vem do propiciatório,
ou trono da graça, onde o nosso Sumo Sacerdote vive sempre para
interceder por nós — a ele seja a glória para todo o sempre.
2
Os Benefícios da
Intercessão de Cristo

Após falarmos sobre a intercessão de Cristo, falaremos agora sobre


os benefícios da intercessão dele — sendo o principal deles que
somos salvos por meio dela. “Portanto, pode também salvar
perfeitamente os que por ele se achegam a Deus, vivendo sempre
para interceder por eles” (Hebreus 7:25).
Em minha exposição, mostrarei primeiro o que o apóstolo quer
dizer aqui por “salvar” — “pode também salvar”. Em segundo lugar,
o que ele quer dizer aqui por “perfeitamente” — “pode também
salvar perfeitamente”. E então, em terceiro lugar, farei algumas
inferências e falarei um pouco sobre elas.
Em primeiro lugar, o que o apóstolo quer dizer aqui com
“salvar” — “pode também salvar”.
“Salvar” pode ser entendido de duas maneiras. No geral, eu sei
que há muitas salvações que podemos desfrutar e das quais nunca
estivemos conscientes e nem poderemos estar até que tenhamos
chegado naquele lugar onde todas as coisas secretas serão
reveladas e que foi feito nas trevas será proclamado a todos.
Porém, aqui há duas maneiras distintas de interpretar essa palavra:
1. Salvar como justificação. 2. Ou salvar como preservação. Cristo
salva dessas duas maneiras. Logo mostrarei a vocês qual delas, ou
se ambas, são intencionadas aqui, mas antes quero lhes mostrar:
1. O que é ser salvo no sentido da justificação, e como tal
salvação é realizada.
Ser salvo é ser liberto da culpa do pecado que vem através da
lei, pois ela é o ministério da morte e condenação, ou ainda ser
liberto da culpa diante de Deus. Isso é ser salvo, pois aquele que
não é liberto da culpa — não importa o que pense a respeito de si
mesmo ou o que os outros possam pensar a respeito dele — é um
homem condenado. A Escritura não diz que ele será, mas que ele já
está condenado (João 3:18). A razão disso é porque ele mereceu a
sentença do ministério da condenação, que é a lei. Com efeito, a lei
já o denunciou, acusou e o condenou diante de Deus, pois o
considerou culpado pelo pecado. Na justificação o homem é “liberto
do pecado” (Romanos 6:22), isto é, da imputação da culpa e, assim,
para ele já não há nenhuma penalidade ou condenação ao fogo do
inferno; e a pessoa liberta dessa maneira pode apropriadamente ser
considerada como salva. Porém, às vezes, é dito que seremos
salvos com referência à salvação no segundo sentido, ou seja, à
consumação da salvação; pois também é dito, por vezes, que
estamos salvos no sentido de já estarmos livres da culpa do pecado
e da condenação ao inferno e, portanto, preservados em segurança,
libertos da segunda morte (1 Coríntios 1:18; Efésios 2:5).
Recebemos essa salvação pelo que Cristo fez por nós neste
mundo, pelo que Cristo fez enquanto sofria por nós. Recebemos
pela graça por meio da redenção que há em Cristo. Assim, ser salvo
é receber a justificação para a vida, pois, se alguém é salvo, então é
absolvido da culpa e da condenação eterna para a qual, devido ao
seu pecado, ele estava destinado pela lei (1 Coríntios 15:1-4;
Romanos 5:8-10).
Portanto, somos considerados salvos por sua morte,
justificados por seu sangue e reconciliados com Deus pela morte de
seu Filho. Tudo isso se refere à oferta que Cristo fez de si mesmo
em sua morte, e não que ele esteja padecendo continuamente
enquanto intercede para que essas coisa sejam aperfeiçoadas, pois
no mesmo texto o apóstolo menciona uma segunda salvação, ou
uma salvação adicional, e a aplica à sua intercessão: “Logo, muito
mais agora”, ou, no presente “sendo justificados pelo seu sangue,
seremos por ele salvos da ira”, pelo que Cristo fará por nós,
“porque, se nós, quando inimigos, fomos reconciliados com Deus
mediante a morte do seu Filho, muito mais, estando já
reconciliados”, por sua morte, “seremos salvos pela sua vida”, pela
sua intercessão, pois ele vive sempre para interceder por nós (vv. 9-
10).
Veja, é dito que somos justificados, que já somos reconciliados
e, portanto, seremos salvos, justificados por seu sangue e morte, e
salvos por meio dele através de sua vida.
2. A salvação referida no texto é a salvação nesse segundo
sentido, isto é, uma salvação através de nossa preservação, ao nos
livrar de todos aqueles perigos que corremos entre o momento de
nossa justificação até nossa glorificação. De fato, uma salvação que
nos justifica deve também nos conduzir à glória.
Quando é dito que Cristo é capaz de nos salvar, visto que vive
sempre para interceder por nós, por assim dizer, uma salvação é
acrescentada à outra salvação — uma salvação pela sua vida é
acrescentada à salvação pela sua morte; uma salvação pelos
méritos de seu sangue é acrescentada à salvação pelo
derramamento do sangue dele. Ele deu a si mesmo em resgate por
nós e agora apresenta esse dom na presença de Deus por meio de
intercessão. Pois, como já disse, os sumos sacerdotes segundo a lei
tomavam o sangue dos sacrifícios que eram oferecidos pelo pecado
e o traziam para dentro do véu, e ali o aspergiam diante e sobre o
propiciatório, e através disso faziam intercessão pelo povo como
uma forma adicional de salvá-los. Paulo aplica isso a Cristo ao dizer
que ele “pode também salvar perfeitamente os que por ele se
achegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles”
(Hebreus 7:25).
Isso também fica claro a partir de Romanos 8:31-39: “Quem é
que condena? Pois é Cristo quem morreu”. Isso é, quem é que
intentará acusação contra os eleitos de Deus, quem os condenará
ao inferno, visto que, por sua morte, Cristo removeu a maldição
divina que pesava contra eles? Então, ele acrescenta que nada que
venha a nos acontecer pode nos destruir, pois Cristo vive para
interceder por nós: “Quem é que condena? Pois é Cristo quem
morreu, ou antes quem ressuscitou dentre os mortos, o qual está à
direita de Deus, e também intercede por nós”.
Então, Cristo, por sua morte, nos salva enquanto somos
pecadores, inimigos de Deus e nos encontramos em um estado de
condenação pelo pecado. E, por sua vida, Cristo nos salva enquanto
já somos justificados e reconciliados com Deus, por seu sangue.
Portanto, temos a salvação daquela condenação que veio sobre nós
devido ao pecado, e a salvação daquelas misérias que todos os
inimigos de nossa alma desejam nos infligir, mas não podem, pois a
intercessão de Cristo os impede (Romanos 6:7-10).
Cristo nos redimiu da maldição da lei. Não importa com quais
maldições a lei tenha nos amaldiçoado, Cristo nos redimiu de todas
elas ao se fazer maldição por nós. Mas essa maldição que Cristo se
fez por nós limita-se aos seus sofrimentos e alcança a sua exaltação
e, consequentemente, não se relaciona à sua intercessão. Cristo
não foi feito maldição senão somente quando sofreu, e não agora,
enquanto realiza sua obra de intercessão. Ao morrer, Cristo
removeu a maldição e o pecado, que é a raiz dela, pelo sacrifício de
si mesmo (Gálatas 3:13). Mas por sua vida, por sua intercessão, ele
nos salva de todas aquelas coisas que tentam nos arrastar
novamente para essa condenação.
A salvação, então, que temos através da intercessão de Cristo
— falo agora daqueles que são capazes de receber conforto e
auxílio a partir dessa doutrina — é a salvação que se segue ou que
vem depois da justificação. Nós que somos salvos pela justificação
de vida, ainda precisamos ser salvos por meio daquilo que nos
preserva para a glória; pois, embora pela morte de Cristo sejamos
salvos da maldição da lei, ainda assim somos alvos de muitas
tentações que buscam nos privar da glória para a qual as pessoas
justificadas são designadas; mas somos salvos de todas essas
tentações por sua intercessão.
Então, um homem que será eternamente salvo deve ser
considerado como: (a.) um herdeiro da ira e (b.) um herdeiro de
Deus. Um herdeiro da ira em si mesmo devido ao pecado, e um
herdeiro de Deus pela graça por meio de Cristo (Efésios 2:3,
Gálatas 4:7). Agora, como herdeiro da ira ele é redimido, e como
herdeiro de Deus ele é preservado. Como um herdeiro da ira ele é
redimido pelo sangue, e como um herdeiro de Deus ele é
preservado por intercessão. Cristo por morte me justifica e me
reconcilia com Deus, então Deus me aceita em sua graça e favor
por meio dele. Contudo, isso em si não garante o fim para o qual fui
designado por meio dessa reconciliação com Deus, pela redenção
através da graça, portanto, para garantir a realização desse
desígnio, eu sou salvo pela bendita intercessão de nosso Senhor
Jesus Cristo.
Objeção 1: Talvez alguns possam dizer: Se não somos salvos
de toda a punição pelo pecado através da morte de Cristo, então,
tampouco poderemos ser salvos de todo perigo de condenação pela
intercessão dele.
Resposta: Somos salvos de toda punição do fogo do inferno
através da morte de Cristo. Jesus “nos livra da ira futura” (1
Tessalonicenses 1:10). Por Cristo, Deus perdoou nossas ofensas e
salvou desta grande punição (Colossenses 2:13). No entanto, após
sermos transformados de escravos de Satanás em filhos de Deus, o
próprio Deus reserva para si a liberdade de nos castigar se o
ofendermos, como um pai castiga seu filho (Deuteronômio 8:5). Mas
este castigo não é segundo a ira operada pela lei, mas de acordo
com seu amor paternal; não para nos destruir, mas para nosso
aproveitamento, para que sejamos feitos participantes de sua
santidade, “para não sermos condenados com o mundo” (Hebreus
12:5-11; 1 Coríntios 11:32). Quanto à segunda parte da objeção,
podemos dizer que esses são dois lados de uma mesma moeda.
Muitas coisas tentam destruir a obra de Deus, e fazer com que
pereçamos por causa de nossa fraqueza, mesmo que Cristo já
tenha pagado o preço de nossa redenção. Mas o que as Escrituras
dizem?
Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, ou a
angústia, ou a perseguição, ou a fome, ou a nudez, ou o
perigo, ou a espada? Como está escrito: por amor de ti
somos entregues à morte todo o dia; somos reputados como
ovelhas para o matadouro. Mas em todas estas coisas somos
mais do que vencedores, por aquele que nos amou. Porque
estou certo de que, nem a morte, nem a vida, nem os anjos,
nem os principados, nem as potestades, nem o presente,
nem o porvir, nem a altura, nem a profundidade, nem alguma
outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está
em Cristo Jesus nosso Senhor (Romanos 8:35-39).
Assim, o apóstolo descreve todas as dificuldades que uma
pessoa justificada pode encontrar nessa vida e então declara que
nenhuma delas, ou todas juntas, serão capazes de nos separar do
amor de Deus, que vêm a nós por meio Cristo, por sua morte e sua
intercessão.
Objeção 2: Pode-se objetar ainda que o apóstolo não
menciona o pecado, e sabemos que os santos estão sujeitos e
pecar mesmo após a sua justificação. E o pecado, por sua própria
natureza e sem a necessidade de outros inimigos, é capaz de
destruir o mundo inteiro.
Resposta: Em sua natureza, o pecado sempre será pecado,
independentemente de onde for ele encontrado. Mas o pecado, no
que diz respeito aos seus efeitos condenatórios, é retirado daqueles
a quem a justiça é imputada na justificação. Nem uma ou todas
aquelas coisas mencionadas por Paulo, embora haja uma tendência
em cada uma delas para nos conduzir ao pecado, poderão nos
conduzir à perdição e destruição, devido ao pecado. “Porque estou
certo”, diz Paulo, que tais coisas jamais serão capazes de nos
“separar do amor de Deus”. Portanto, embora o apóstolo não utilize
explicitamente a palavra pecado, ele o inclui implicitamente ao
mencionar todas aquelas dificuldades a que os crentes estão
sujeitos; e, então, se gloria no amor de Deus que está em Cristo
Jesus e conclui que os justificados jamais poderão ser separador
dele. Além do mais, teria sido desnecessário mencionar
explicitamente a palavra pecado, visto que ele já havia argumentado
anteriormente que aqueles que estão no amor de Cristo são
livremente justificados dele.
O Pai, como eu já disse, reservou para si mesmo a liberdade
de castigar seus filhos com correções temporais, caso eles o
ofendam. Isso permanece verdadeiro para nós, mesmo que sejamos
os beneficiários da graça de Deus, da morte de Cristo ou de sua
bendita intercessão. E esse castigo está tão ligado às transgressões
que iremos cometer que é impossível sermos totalmente libertos
dele; tanto é assim que o apóstolo afirma que aqueles que pecam e
não são feitos participantes da correção paternal de Deus são
bastardos, e não filhos, não obstante suas pretensões de filiação.
Para reverter esse castigo, devemos orar como fomos
ensinados para que eventualmente Deus nos perdoe: “Pai nosso,
perdoa-nos as nossas ofensas”. E aquele que atribui qualquer outro
sentido à essa petição, diminui o valor da morte de Cristo, ou da fé,
ou de ambas. Pois ou ele conclui que Cristo não morreu por alguns
de seus pecados, ou é obrigado a crer que Deus, apesar do
sacrifício de Cristo, ainda não os perdoou nem os perdoará, até que
ele faça alguma obra da lei. “E perdoa-nos as nossas dívidas, assim
como nós perdoamos aos nossos devedores” (Mateus 6:12). Mas
agora, se entendermos isso com relação às punições temporais,
então veremos que é verdade que Deus reservou para si a liberdade
de punir até mesmo os pecados de seu povo e que ele não
perdoará pecados deles, no sentido de deixar de castigá-los, a
menos que façam alguma boa obra: “Se, porém, não perdoardes
aos homens as suas ofensas, também vosso Pai vos não perdoará
as vossas ofensas” (Mateus 6:15, 18:28-35).
E essa é a razão pela qual alguns pertencem a Deus e, ainda
assim, experimentam o castigo dele; eles pecaram e então, Deus,
que é seu Pai, os pune. Esta é a razão pela qual alguns que são
amados são castigados desse modo e que permanecem assim
durante todas as suas vidas e isso os acompanha até o dia de sua
morte e, muitas vezes, torna-se a própria causa de sua morte. E,
assim, eles são ceifados da terra dos viventes por meio desse
castigo. Porém, tudo isso é para “não sermos condenados com o
mundo” (1 Coríntios 11:32).
Cristo não morreu para nos salvar desse castigo e nem
intercede para nos salvar dele. Nada, senão uma boa vida, poderá
eventualmente nos salvar desse castigo.
O fato de Deus, por vezes, ocultar sua face, endurecer suas
providências e castigar severamente mesmo aqueles que
pertencem aos seu povo, mostra claramente que Cristo não morreu
para salvá-los desses castigos temporais e nem ora por isso — isto
é, de maneira absoluta. Deus reservou para si o poder de corrigir,
com castigos temporais, até mesmo os melhores e mais queridos
dentre o seu povo, se necessário. E, às vezes, ele suspende essas
correções e, outras, vezes, não, segundo bem lhe agrada.
Cristo nos salva perfeitamente
Em segundo lugar, mostrarei o que significa que Cristo, por
sua intercessão, salva “perfeitamente”. “Pode também salvar
perfeitamente”.
Esta é uma expressão maravilhosa e possui um significado
muito rico. “Perfeitamente” significa até o fim, até à completude, e
isso se refere a pessoas e coisas (Gênesis 49:26; Deuteronômio
30:4; Mateus 5:26; Marcos 13:27; Lucas 15).
3. A pessoas. Algumas pessoas estão, segundo a sua própria
opinião, mais distantes de Cristo do que qualquer outra pessoa. Elas
pensam que estão longe, muito longe, embora estejam se
aproximando — como aconteceu com o filho pródigo. Ora, esses
períodos são extremamente amedrontadores. A visão dessa
distância que eles supõem existir entre Cristo e eles os aterroriza.
Como é dito em outra ocasião: “E os que habitam nos fins da terra
temem os teus sinais” (Salmos 65:8). Portanto, eles temem que se
não se apressarem, não obterão aquilo pelo qual vão até Deus. Mas
o texto diz: Ele é capaz de salvar perfeitamente até mesmo o pior
dentre os que por ele se achegam a Deus.
Há dois tipos de homens que parecem estar muito longe de
Deus: (1.) O pecador e (2.) o desviado (Neemias 1:9). Porém Cristo
pode salvar perfeitamente ambos, se vierem a ele. Ele é capaz de
salvá-los de tudo aquilo que eles temem que os impeçam de obter
graça e misericórdia para ajudá-los em tempos de necessidade. Os
publicanos e as meretrizes entram no reino dos céus.
4. Assim como essa palavra se refere a pessoas, ela também
se refere a coisas. Quando as pessoas se dispõem a se achegarem
a Deus por intermédio de Cristo, elas são afligidas por algumas
coisas que tornam essa ida muito difícil.
(1.) Acontece uma manifestação incomum das corrupções de
sua natureza. Parece que todos os seus desejos e concupiscências
se tornaram mestres, e então podem fazer o que quiserem com a
alma. Essas concupiscências brincam com o homem como se ele
fosse uma bola. Esse homem não é senhor de si mesmo, de seus
pensamentos, nem de suas paixões — “as nossas iniquidades como
um vento nos arrebatam” (Isaías 64:6). Ele pensa em seguir em
frente, mas o vento o empurra para trás; ele luta contra esse vento,
mas sem esperança de prevalecer; ele aproveita todas as
vantagens que as circunstâncias lhe proporcionam, mas tudo o que
ele consegue é um coração abatido, exausto e desanimado. Ele fica
parado, ofegante e boquiaberto como se desistisse da própria vida.
“Abri a minha boca, e respirei”, disse Davi, “pois que desejei os teus
mandamentos” (Salmos 119:131). Ele avança novamente, mas não
obtém nada além de enfado e tristeza.
(2.) Satanás e seus anjos não pouparão esforços para
aumentar suas misérias, tanto por perturbar sua cabeça com o odor
de seu hálito horrendo quanto para deixá-lo prostrado no pó — “E,
quando vinha chegando, o demônio o derrubou e convulsionou”
(Lucas 9:42). Quantas blasfêmias hediondas e assombrosas esses
demônios têm injetado nos espíritos de alguns daqueles que estão
indo a Cristo. Nada é tão normal para eles, como ter algum desejo
maligno contra o Deus ao qual estão se achegando, e contra Cristo,
por meio de quem eles estão vindo a Deus. Essas blasfêmias são
como uns sapos dos quais ouvi falar, que pulam, se agarram e se
penduram com suas patas. “Ajude-me, Senhor; o que devo fazer
agora, Senhor Jesus? Filho de Davi, tenha misericórdia de mim!”.
Pronunciar essas palavras é uma tarefa difícil para as pessoas que
se encontram nessa situação. Mas Jesus Cristo é capaz de salvar
perfeitamente os que por ele se achegam a Deus.

(3.) O bom senso e a razão também levantam objeções e


trabalham arduamente do lado do diabo e contra a alma. Os
homens de sua própria casa se levantaram contra ele. Alguém
poderia pensar que o nosso bom senso e a razão não deveriam se
render ao diabo e lutar contra nós mesmos, contudo, não há nada
mais comum e natural do que o nosso próprio bom senso e razão
tornarem-se antinaturais, e ambos de voltarem contra nosso Deus e
contra nós. Desse modo, é difícil se achegar a Deus. O homem
pode lidar melhor com quaisquer objeções contra si mesmo do que
com aquelas que ele próprio levanta contra si. Tais objeções o
cercam, falam alto e são ouvidas. Elas o perseguem e o caçam por
todos os lugares, assim como o diabo faz com alguns. Entretanto,
venha homem, venha; pois Cristo é capaz de salvar perfeitamente!
(4.) A culpa é a consequência e o fruto de tudo isso. E existe
um fardo mais insuportável do que a culpa? Existem coisas pesadas
como as pedras ou a areia do mar, mas o peso do fardo da culpa
abate o coração. E Satanás domina a arte de tirar o máximo
proveito de cada pecado. Ele pode lhe dizer que um pecado dessa
natureza e cometido contra tanta misericórdia é uma ofensa tão
hedionda que é impossível que algum dia seja perdoado. Mas, alma,
saiba que Cristo é capaz de salvar perfeitamente, ele pode “fazer
tudo muito mais abundantemente além daquilo que pedimos ou
pensamos” (Efésios 3:20).
(5.) Junte a tudo isso à ira e ao temor dos homens, que por si
só são suficientes para esmagar e destruir todos os anseios de vir
se se achegar a Deus através de Cristo. Assim acontece com
milhares que não desejam ir para o inferno. Entretanto, você é
guardado e mantido perseverante; um mundo inteiro de homens,
demônios e pecados não são capazes de o impedir de vir. Mas
como alguém seria tão forte a ponto de permanecer de pé diante de
tantos ventos contrários? Ouso dizer que tal força não provém de
você mesmo, nem de qualquer um de seus inimigos, mas de Deus,
embora você não esteja ciente disso, e essa força é concedida a
você através da intercessão do bendito Filho de Deus, o qual pode
também salvar perfeitamente os que por ele se achegam a Deus.
(6.) E, para concluir esse ponto, acrescentarei que há muito da
honra do Senhor Jesus envolvida na salvação perfeita do homem
que vem a Deus, pois ele mesmo disse: “Neles sou glorificado”
(João 17:10). Ele é exaltado para ser um Salvador (Atos 5:31). E se
o Filho de Deus considera uma honra a sua exaltação por ser
Salvador, certamente é uma honra ser um grande Salvador. “Ao
Senhor clamarão por causa dos opressores, e ele lhes enviará um
grande salvador, que os livrará” (Isaías 19:20[3]). Se é glorioso ser
um grande Salvador, então é uma glória para ele salvar, e salvar
perfeitamente — salvar o homem do pecado e da maior tentação
perfeitamente. E é por isso que novamente ele diz, ao falar sobre
transgressões, pecados e iniquidades, que os perdoaria e seriam
para ele por “nome, de gozo, de louvor, e de glória, entre todas as
nações da terra” (Jeremias 33:9). Ele, portanto, considera uma
honra ser um grande Salvador, e salvar os homens perfeitamente.
Quando Moisés disse: “Rogo-te que me mostres a tua glória”.
A resposta então foi: “Eu farei passar toda a minha bondade por
diante de ti, e proclamarei o nome do Senhor” (Êxodo 33:18-19). E
ao proclamar seu nome, o Senhor disse: “O Senhor, o Senhor Deus,
misericordioso e piedoso, tardio em irar-se e grande em
beneficência e verdade; que guarda a beneficência em milhares;
que perdoa a iniquidade, e a transgressão e o pecado; que ao
culpado não tem por inocente” (Êxodo 34:6-7). De modo algum ele
inocentará aqueles que não se achegarem a ele para serem salvos.
Vemos então que ele considera uma honra fazer toda sua
bondade passar diante de nós. E como poderia ser assim, se ele
não salvasse perfeitamente os que por ele se achegam a Deus?
Pois a bondade não pode ser vista por nós senão através daqueles
atos pelas quais ela se expressa. E tenho certeza que salvar
perfeitamente é uma das expressões mais eminentes pela qual
vemos uma grande bondade. Sei que a bondade tem muitas
maneiras de se expressar, mas ela só é expressa em sua grandeza
quando perdoa e salva perfeitamente. Minha bondade, diz Cristo,
não se estende a meu Pai, mas aos meus santos (Salmos 16:2-3).
Meu Pai não tem necessidade da minha bondade, mas meus santos
sim e, portanto, ela será dada para a ajuda daqueles em que está
todo o meu prazer. “Oh! quão grande é a tua bondade, que
guardaste para os que te temem, a qual operaste para aqueles que
em ti confiam na presença dos filhos dos homens!” (Salmos 31:19).
Portanto, é a bondade de Cristo que tende a lhe dar um nome, fama
e glória, pois ele pode também salvar perfeitamente os que por ele
se achegam a Deus.
Nossa segurança repousa sobre a capacidade de Cristo
de nos salvar.
Mas alguns podem dizer: “Qual é o significado da palavra
‘pode’? ‘Pode também salvar’. Ele é capaz de salvar perfeitamente.
Por que seu poder de salvar é mais enfatizado aqui do que sua
vontade? Para minha alma, teria sido muito melhor que a sua
vontade tivesse sido enfatizada”. Direi algumas palavras sobre isso:
Em primeiro lugar, pela palavra “pode” é sugerido a nós a
suficiência e o grande valor do mérito de Cristo; pois, como
intercessor, ele se mantém firme por seu mérito; todas as suas
petições, orações ou súplicas são fundamentadas no valor de sua
pessoa como Mediador e na validade de sua oferta como
Sacerdote. Isso fica ainda mais claro se você considerar a razão
pela qual os sacerdotes e os sacrifícios sob a lei não podiam
aperfeiçoar os adoradores. A razão era porque faltava dignidade e
mérito em seus sacrifícios. Mas esse homem, quando veio e
ofereceu seu sacrifício, através desse ato, “aperfeiçoou para sempre
os que são santificados”, ou separados para a glória. “Mas este,
havendo oferecido para sempre um único sacrifício pelos pecados,
está assentado à destra de Deus” (Hebreus 10:12-14).
Foi assim que Moisés orou pelo povo de Israel: “Agora, pois,
rogo-te que a força do meu Senhor se engrandeça; como tens
falado”. Mas o que ele falou? “O Senhor é longânimo, e grande em
misericórdia, que perdoa a iniquidade e a transgressão, que o
culpado não tem por inocente, e visita a iniquidade dos pais sobre
os filhos até a terceira e quarta geração. Perdoa, pois, a iniquidade
deste povo, segundo a grandeza da tua misericórdia; e como
também perdoaste a este povo desde a terra do Egito até aqui”
(Números 14:17-19).
Em segundo lugar, ele não apenas tem poder, mas sabemos
que ele deseja salvar, do contrário ele não o teria prometido. Além,
disso sua glória consiste em perdoar e salvar. Portanto, nossa
segurança reside nessa sua capacidade. Pois se ele desejasse nos
salvar, mas não tivesse a capacidade suficiente para isso, o que
essa sua vontade poderia fazer? Mas ele demonstrou sua boa
vontade ao prometer: “O que vem a mim de maneira nenhuma o
lançarei fora” (João 6:37). De modo que agora nosso conforto está
em seu poder, em saber que ele é capaz de cumprir sua palavra
(Romanos 4:20-21). E isso também pode ser visto no fato de que
ele salva perfeitamente os que por ele se achegam a Deus. Ele não
os salva usando perfeitamente toda a sua capacidade, mas nos
salva atendendo perfeitamente toda a nossa necessidade. Pois
creio que ele nunca usará perfeitamente toda a sua capacidade para
salvar sua igreja, não porque ele esteja relutante em salvar, mas
porque não há necessidade disso, ele não precisa usar todo o seu
poder e insistir exaustivamente em seus méritos para a salvação de
sua igreja. Há mérito suficiente em Cristo para salvar mil vezes mais
do que aqueles que gostariam de ser salvos por ele, pois ele “é
poderoso para fazer tudo muito mais abundantemente além daquilo
que pedimos ou pensamos” (Efésios 3:20).
Não meça, portanto, o que ele pode fazer pelo que ele fez, faz
ou fará; nem interprete a palavra “perfeitamente” como se ela se
relacionasse ao máximo da capacidade de Cristo, e não à grandeza
da sua necessidade. Pois ele é capaz de salvar você, mesmo que
suas condições sejam as piores em que um homem que foi salvo já
se encontrou, mesmo que sua condição fosse dez vezes pior do é.
A dignidade do Filho de Deus não seria suficiente para salvar o
homem do pecado? Ou será que o pecado do mundo possui um
poder destrutivo tão grande a ponto de exigir o máximo do valor de
sua pessoa e mérito para salvá-lo? Eu acredito que seria uma
blasfêmia pensar assim. Podemos facilmente imaginar que ele pode
salvar todo o mundo, ou seja, que ele é capaz de fazer isso; mas
não devemos pensar que ele seja incapaz de fazer muito mais do
que conseguimos imaginar. Nossa imaginação e pensamentos não
limitam a capacidade dele. Ele “é poderoso para fazer tudo muito
mais abundantemente além daquilo que pedimos ou pensamos”
(Efésios 3:20). Mas nenhum homem pode pensar ou imaginar o que
exatamente seria isso. Portanto, Jesus Cristo pode fazer mais do
que qualquer homem já pensou que ele poderia para a nossa
salvação; não conseguimos compreender o que ele pode fazer. Isso,
portanto, deve encorajar os homens a virem a ele, bem como
encorajar os que vêm a terem esperança. Isso também deve
estimular os homens a aprofundar e intensificar seus pensamentos
sobre a palavra “perfeitamente”, visto que ele “pode também salvar
perfeitamente os que por ele se achegam a Deus”.
Inferências feitas a partir dos benefícios da intercessão de
Cristo
Em terceiro lugar, falarei agora sobre as inferências que
podem ser feitas a partir dessas palavras.
5. Aqueles que foram justificados pelo sangue de Cristo ainda
precisam ser salvos por sua intercessão? Portanto, segue-se que a
justificação anda junto com a imperfeição. Assim, não é verdade que
um homem justificado não tenha defeitos, pois aquele que não tem
defeitos, que é perfeito em um sentido absoluto, também não tem
necessidade de ser salvo por um ato que ainda está por ser
executado por um mediador e pela mediação dele.
Quando digo que a justificação anda junto com a imperfeição,
não quero dizer que ela a permite, apoia ou aprova, mas sim que,
quanto à nossa justificação, não há necessidade de nossa perfeição
pessoal e que somos justificados sem tal perfeição. É nesse aspecto
que ainda há imperfeição nas pessoas justificadas. Além disso,
quando digo que a justificação anda junto com a imperfeição, não
quero dizer que sejamos imperfeitos em nossa justificação, pois,
somos perfeitos quanto a isso: “Nele”, em Cristo, que é a nossa
justiça, “estais perfeitos” (Colossenses 2:10). Assim, se fôssemos
imperfeitos em nossa justificação, a imperfeição residiria naquilo que
nos justifica, que é a justiça de Cristo. Dizer isso seria afirmar que
aquele que imputa essa justiça a nós para justificação enganou-se
em seu julgamento, visto que uma coisa imperfeita é imputada a nós
para justificação. Mas longe de qualquer um de nós que cremos em
Deus imaginar tal coisa. Todas as obras de Deus são perfeitas e não
há nenhuma falha nelas no que se refere ao seu desígnio atual.
Pergunta: Mas então o que quero dizer quando falo que a
justificação anda junto com um estado de imperfeição?
Resposta: Ora, quero dizer que os homens justificados
permanecem pecadores em si mesmos, que eles ainda estão cheios
de imperfeições pecaminosas. Paulo disse mesmo quando já havia
sido justificado: “Eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não
habita bem algum” (Romanos 7:18). Embora ainda sejamos
pecadores, somos justificados pelo sangue de Cristo.
Consequentemente, lemos sobre: “Aquele que justifica o ímpio”
(Romanos 4:5, 5:8-9). A justificação, então, apenas cobre nosso
pecado aos olhos de Deus, porém não nos torna perfeitos ao nos
conceder uma perfeição inerente. Mas Deus, devido àquela justiça
que por sua graça é imputada a nós, declara que somos livres da
maldição, e não vê mais pecado em nós para condenação.
Por que os justificados precisam de um intercessor?
E essa é a razão, ou uma razão, pela qual aqueles que são
justificados precisam de um intercessor, a saber, para nos salvar do
mal do pecado que permanece em nossa carne depois de sermos
justificados por meio da graça através de Cristo, e libertados da
condenação da lei. Portanto, é dito que somos salvos e em seguida
lemos: “Portanto, pode também salvar perfeitamente os que por ele
se achegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles”.
Quanto aos piedosos, embora ainda haja uma abundância de
pecado neles, mesmo após serem justificados, sentem em si
mesmos muitas coisas pelas quais são convencidos de que ainda
há neles imperfeições pessoais e pecaminosas.
Eles são imperfeitos em seus sentimentos e inclinações
(1.) Eles sentem incredulidade, medo, desconfiança, dúvida,
desânimo, murmurações, blasfêmias, orgulho, leviandade, tolice,
avareza, luxúrias carnais, indiferença para com o bem, desejos
perversos, pensamentos superficiais sobre Cristo, pensamentos
muito favoráveis ao pecado e, às vezes, uma atração muito grande
pelas piores imoralidades.
(2.) Eles sentem em si mesmos uma aptidão a se inclinar para
o erro; para confiar nas obras da lei para sua justificação; para
questionar a verdade a respeito da ressurreição e o julgamento por
vir; para dissimular e agir como hipócritas com relação à sua
profissão de fé e no desempenho de seus deveres; para cumprir
deveres religiosos para agradar ao homem e não a Deus, que julga
o coração.
(3.) Em tempos de provação eles percebem uma inclinação em
si mesmos para negar a cruz, para fazer muitas obras a fim de se
salvarem, para dissimular a verdade conhecida com a intenção de
obter um pequeno favor dos homens e para falar coisas que eles
não devem visando preservar a si mesmos.
(4.) Eles se sentem indispostos para os deveres religiosos e
uma propensão natural para as coisas da carne. Eles sentem o
desejo de abusar da comida, do sono, dos exercícios físicos e de
todas as recreações lícitas.
(5.) Eles sentem em si mesmos uma tendência para usar as
coisas que são lícitas, tais como comida, vestimenta, sono,
conversas, bens, relacionamentos, beleza, inteligência e graças,
para fins ilícitos. O homem justificado encontra e sente em si mesmo
essas coisas e outras semelhantes, para sua humilhação e muitas
vezes para o seu abatimento. Portanto, Cristo vive sempre para
interceder pelo homem justificado, para salvá-lo do poder destruidor
de todos esses males.
Eles são imperfeitos em suas graças
O homem justificado também é imperfeito com relação às suas
graças e, portanto, ele precisa ser salvo pela intercessão de Cristo
dos maus frutos que essa imperfeição produz.
A justiça que nos justifica é acompanhada de graças — as
graças do Espírito. Embora nossa justificação aconteça apenas
através da imputação da justiça de Cristo a nós somente por seu
beneplácito e boa vontade e que essas graças não sejam a
essência da nossa justificação, no entanto, elas nos são concedidas
junto com a justificação (Romanos 9). E mesmo que elas não sejam
tão facilmente discernidas a princípio, elas se manifestam depois.
Mas não importa quantas essas graças sejam ou o quanto sejam
desenvolvidas, elas ficam aquém da perfeição. Nenhuma das
graças do Espírito de Deus em nossos corações pode fazer sua
obra perfeita em nós, e isso devido às nossas próprias imperfeições
e às oposições que elas encontram em nossa carne.
(1.) A fé é a fonte e a maior de todas as outras graças, mas
sua imperfeição é suficientemente manifestada por sua
compreensão limitada acerca das coisas pertencentes à pessoa,
ofícios, relações e obras de Cristo, que agora está à destra do Pai
intercedendo a nosso favor. A fé também é muito deficiente em
extrair conforto da Palavra para nós e mantê-lo, quando o
alcançamos. Ela também é imperfeita em sua ação de subjugar o
pecado e purificar o coração, e embora ela chegue a fazer essas
coisas, o quão imperfeitamente ela o faz? Muitas vezes, se não
fosse continuamente assistida em virtude da intercessão de Cristo, a
fé falharia completamente em cumprir sua função (Lucas 22:31-32).
(2.) A esperança é outra graça do Espírito concedida a nós. E
quantas vezes, apesar da excelência de sua obra, ela também nos
mostra a nossa imperfeição. Davi disse: “Pois eu dizia na minha
pressa: Estou cortado de diante dos teus olhos” (Salmos 31:22).
Onde estava a esperança dele? Todo o nosso temor de homens, da
morte e do julgamento também surgem das imperfeições de nossa
esperança. Mas Cristo nos salva de todas as nossas faltas por meio
de suas intercessões.
(3.) O nosso amor deveria ser tão vivo como uma chama. Ele é
comparado a um grande fogo, a labaredas (Cantares 8:6-7). Mas
quem encontra tanto calor em seu amor por pelo menos quinze
minutos? Talvez, às vezes, até possamos sentir alguns pequenos
lampejos, mas onde está aquela afeição ardente e constante que a
Palavra, o amor de Deus e o amor de Cristo exigem? Onde está o
entranhável amor que as necessidades dos pobres e aflitos
membros de Cristo deveriam suscitar em nós? Nesses dias de
insensibilidade, o amor é frio e imperfeito mesmo quando está em
seu auge.
(4.) E a graça da humildade, como ela é? Quem a possui
mesmo no menor grau? Onde encontramos aqueles que estão
“revestidos de humildade” e “servindo ao Senhor com toda a
humildade”? (1 Pedro 5:5; Atos 20:19).
(5.) E quanto ao zelo, onde ele está? Zelo por Deus contra o
pecado, a profanação, a superstição e a idolatria. Falo agora aos
piedosos, que têm esse zelo enraizado em seus hábitos, mas quão
pouco esse zelo é posto por ação em nossos dias!
(6.) Há a reverência e o temor à Palavra de Deus e aos seus
juízos, mas onde se encontram os seus excelentes frutos? E mesmo
quando estas coisas atingem o seu mais alto grau, o quão longe
ainda ficam da perfeição?
(7.) E quanto à simplicidade e à sinceridade piedosa, muita
sujeira é encontrada com aquilo que possuem de melhor;
especialmente entre os santos que são ricos, os quais possuem a
miserável arte de bajular? Quanto mais bajulação, menos
sinceridade. Muitas palavras não encherão um único vaso. Além
disso, “na multidão de palavras não falta pecado” (Provérbios
10:19). Há poucos homens simples nos dias de hoje e uma coisa
rara de se encontrar é uma boca na qual não se encontram a fraude
e o engano.
Assim, podemos analisar todas as graças do Espírito e
demonstrar em que cada uma delas carece de perfeição. Porém,
observe que a ausência dessa perfeição é suprida com pecado e
vaidade, pois há uma plenitude de pecado e carnalidade sempre
prontos para preencher todas as lacunas de nossas almas. Não há
espaço na alma dos piedosos que não seja preenchido de trevas
quando falta a luz, e de pecado quando falta a graça. Satanás
também espera pacientemente para entrar pela porta, quando a
menor brecha é deixada por descuido. Mas temos a graça de nosso
Senhor Jesus Cristo, o qual vive sempre para interceder por nós e,
assim, nos salva de todos os atos e obras imperfeitas de nossas
graças, e de todas as vantagens que a carne, o pecado e Satanás
tomam contra nós.
Eles são imperfeitos em seus deveres
Assim como Cristo Jesus nosso Senhor, por sua intercessão,
nos salva daquela aflição que inevitavelmente a carne, o pecado e
Satanás trariam sobre nós, assim também ele nos salva do mal que
existe em todos os deveres e serviços piedosos que realizamos
cotidianamente. O fato de que nossos deveres são imperfeitos foi
evidenciado pelo que foi dito anteriormente; pois se nossas graças
são imperfeitas, como também não o seriam nossos deveres?
(1.) Quão imperfeitas são nossas orações! Quanta
incredulidade está misturada a elas! O quanto nossas línguas e
corações são aptos a divagar enquanto oramos! Quão pouca
sinceridade há no mover de nossos lábios enquanto nossos
corações permanecem tão frios! Receio que muitas vezes pedimos
com a boca aquilo que nem nos importamos se teremos ou não.
Onde está o homem que busca com todas as suas forças aquilo que
agora mesmo parece pedir de todo o coração? A oração se tornou
uma casca, uma mera formalidade vazia, e é a isso que se resume
o espírito e a vida de oração nesses dias. Falo agora das orações
dos piedosos. Certa vez, uma pobre mulher me disse que, enquanto
enfrentava a maior angústia de sua vida, costumava se levantar
durante a noite, no tempo frio, para orar a Deus, enquanto suava
temendo deixar de orar e perder os anseios pela salvação de sua
alma. Tenho ouvido falar de muitos que tratam essa questão de
modo leviano, mas de poucos que oram até suar nessa sua luta
com Deus, suplicando pela misericórdia dele.
(2.) Existe o dever de dar esmolas, que é uma outra boa obra
evangélica; mas o quanto isso é negligenciado em nossos dias!
Desperdiçamos nosso dinheiro de tantas maneiras, em brinquedos e
futilidades para nossos filhos, que não sobra nada, ou muito pouco,
para o socorro dos pobres. Além disso, muitos não se preocupam
nem com seus cães, pois deixam que os alimentos apodreçam em
suas casas de tal forma que nem mesmo o cão ou o gato o
comeriam. Porém, se esses alimentos tivessem sido dados a tempo,
eles não poderiam ter socorrido e alimentado algum pobre membro
de Cristo?
(3.) Há o dever de ouvir a Palavra. Porém, infelizmente, o
tempo de ouvir se transforma em tempo de dormir para muitos
cristãos professos. Tenho observado com frequência que aqueles
que possuem suas lojas atendem rapidamente a um novo cliente;
mas quando eles próprios vão ao mercado de Deus em vez de
desejarem ser atendidos rapidamente, eles ficam imersos em seus
próprios pensamentos e se desviam dos mandamentos de Deus,
assumindo uma postura sonolenta e ímpia. As cabeças e os
corações da maioria dos ouvintes retêm tanto a Palavra quanto a
peneira retém a água. Eles não se concentram nos sermões, não se
lembram dos textos, não aplicam os ensinos a si mesmos, não
compartilham nada do sermão para a edificação e proveito de
outros. E estão em melhor condição aqueles que são diligentes em
ouvir, mas são muito negligentes com relação aos deveres que
Deus ordena, através de sua Palavra, para que os cumpram com
uma boa consciência?
(4.) Há o dever de sermos fiéis em nossas vocações e fiéis
com relação aos irmãos, ao mundo, aos filhos, aos servos e a todos,
de acordo com nossa posição e capacidade. Mas quão pouca dessa
fidelidade podemos encontrar na boca e na vida, para não falar do
coração, dos cristãos professos.
Não continuarei a insistir nessas coisas, mas permitam-me
apenas dizer isso novamente: até mesmo muitos daqueles que são
verdadeiramente piedosos são muito falhos neste ponto. Mas o que
fariam se não houvesse alguém à destra de Deus que
constantemente intercede por eles para remover esse tipo de
iniquidade?
6. Aqueles que foram justificados pelo sangue de Cristo ainda
precisam ser salvos através da intercessão dele? Então, podemos
inferir a partir disso que, assim como o pecado, Satanás não
desistirá de atacar até mesmo o melhor dos santos.
A justificação não pode nos guardar dos ataques de Satanás:
“Simão, Simão, eis que Satanás vos pediu para vos cirandar como
trigo” (Lucas 22:31-32). Há duas coisas que motivam o diabo a se
opor ao povo de Deus:
(1.) Satanás não sabe quem são os eleitos, pois nem todos os
que professam ser cristãos são eleitos; e, por conseguinte, ele
buscará peneirá-los para os provar e, assim, discernirá quem eles
são, se puder fazer alguns deles deperecerem. E ele tem obtido
grande sucesso através dessa forma de agir. Ele derrotou muitos
homens corajosos que professavam ser cristãos; lançou algumas
das estrelas do céu para a Terra; dominou um dentre os apóstolos e,
como alguns pensam, um dentre os sete diáconos[4] e muitos entre
os discípulos de Cristo; e quantos você diria que, hoje em dia, ele
destrói totalmente com suas armadilhas?
(2.) E se Satanás não puder destruir alguns devido à
intercessão de Cristo, então ele buscará contaminar e causar
aflições à igreja. Pois (a.), se ele puder apenas nos fazer tropeçar,
como Pedro, então ele terá conseguido fazer com que Deus seja
desonrado, os fracos sejam escandalizados, os mundanos fiquem
indignados e o evangelho seja vituperado e difamado. Ou (b.), se
Satanás não puder nos derrubar, então ele buscará nos esbofetear,
isto é, nos causar desânimo, aflições, sofrimentos, medo, dúvidas e,
assim, perturbar a nossa vida e nos fazer ir em lágrimas para a casa
de nosso Pai. Mas bendito seja Deus por seu Cristo, pois “vive
sempre para interceder por eles”.
7. Aqueles que foram justificados pelo sangue de Cristo ainda
precisam ser salvos através da intercessão dele? Então, deduzo
que é perigoso realizar qualquer coisa por nós mesmos e confiados
em nossa força. Se quisermos receber auxílio da intercessão de
Cristo, tenhamos cuidado agir segundo a Palavra de Cristo.
Façamos tudo o que ele nos pede tão bem quanto possível e como
ele manda que façamos, e então não precisaremos duvidar de que
receberemos auxílio e salvação pela intercessão de Cristo,
enquanto desempenhamos esses deveres. E tudo “quanto fizerdes
por palavras ou por obras”, diz o apóstolo, “fazei tudo em nome do
Senhor Jesus” (Colossenses 3:17). Mas então o diabo e o mundo
ficarão extremamente ofendidos! Mas se você fizer todas as coisas
no temor de Deus, segundo a Palavra dele e em nome, então, você
pode ter certeza de que receberá o auxílio da intercessão de Cristo,
e que essa intercessão lhe proporcionará grande ajuda não apenas
no início, mas durante toda sua obra, até que você faça tudo o que
deve. A intercessão de Cristo também o protegerá de todos os
perigos e das tentações, aos quais estão vulneráveis todos aqueles
que procuram realizar as suas obras por si mesmos e confiando em
sua própria força.
8. Aqueles que foram justificados pelo sangue de Cristo ainda
precisam ser salvos através da intercessão dele? Então, novamente
eu deduzo que Deus tem um grande desprazer pelos pecados de
seu próprio povo, e os puniria em sua ira muito mais severamente
do que quando os castiga, se não fosse pela intercessão de Cristo.
O evangelho não é, como alguns pensam, uma doutrina permissiva
e licenciosa, nem a disciplina de Deus para com a sua igreja é algo
negligente e descuidado; pois, embora aqueles que creem passem
a ter um intercessor, Deus, para mostrar sua oposição ao pecado,
frequentemente os faz sentir o peso da mão dele. Aqueles que são
sinceros e que desejam caminhar com Deus, sabem o que eu digo,
quando afirmo que, às vezes, Deus nos faz sentirmos o peso da
mão dele a ponto de pensarmos os nossos ossos estão sendo
esmagados. Os perdidos e aqueles a quem Deus não ama podem
ser completamente alheios a tal sentimento, porém aqueles que
verdadeiramente pertencem a ele sabem o que é isso.
“De todas as famílias da terra só a vós vos tenho conhecido;
portanto eu vos punirei por todas as vossas iniquidades” (Amós 3:2).
Deus mantém os seus filhos sob uma disciplina rigorosa. Foi assim
com Davi, Hemã, Jó, e é assim com a igreja de Deus. Eu não sei se
sua mente se opõe cada vez menos ao pecado, não obstante,
temos um intercessor. É verdade que nosso Intercessor nos salva
de males e juízos condenatórios, mas ele não nos protegerá do
castigo temporal e espiritual, a menos que vigiemos, neguemos a
nós mesmos e andemos em temor. Peço a Deus que, aqueles que
pensam de outra forma, possam sentir, por três ou quatro meses,
algo do que eu tenho sentido por vários anos devido a pensamentos
ímpios e pecaminosos! Peço isso somente se for para o bem deles
e para que eles sejam edificados em seu entendimento. Mas, quer
isso ocorra ou não, tenho certeza de que Deus não tolera o pecado
em seu povo. E embora ele possa tolerar o pecado em outros por
algum tempo, para que, talvez, sua bondade os leve ao
arrependimento; contudo, chegará o dia em que ele visitará os
carnais e os hipócritas com fogo devorador como recompensa por
suas ofensas.
Mas se o nosso santo Deus não nos deixa impunes, ainda que
tenhamos um Intercessor tão capaz e bendito, o qual sempre
apresenta a Deus o seu próprio sangue tão precioso diante do trono
da graça em nosso favor, o que faríamos caso não tivéssemos
ninguém para suplicar ou interceder por nós? Leia este texto:
“Porque eu sou contigo, diz o Senhor, para te salvar; porquanto
darei fim a todas as nações entre as quais te espalhei; a ti, porém,
não darei fim, mas castigar-te-ei com medida, e de todo não te terei
por inocente” (Jeremias 30:11). O que seria de nós, se não
tivéssemos nenhum Intercessor? E o que será daqueles a respeito
dos quais o Senhor já disse: “Não tomarei os seus nomes nos meus
lábios” e “Não rogo pelo mundo” (Salmos 16:4; João 17:9)?
9. Aqueles que foram justificados pelo sangue de Cristo ainda
precisam ser salvos através da intercessão dele? Portanto, deduzo,
que Cristo não é apenas quem inicia, mas também quem completa
nossa salvação ou, como o Espírito Santo diz, “o autor e
consumador da fé” (Hebreus 12:2), ou ainda, “o autor da salvação
eterna” (Hebreus 5:9). O autor da salvação completa, do início ao
fim, do primeiro ao último. Suas mãos lançaram o fundamento de
nossa salvação em seu próprio sangue e elas mesmas a
consumarão por sua intercessão (Zacarias 4:9). Assim como ele
estabeleceu o firme fundamento, assim também ele edificará com os
tijolos de sua intercessão, e nós clamaremos: Graça, graça, do
princípio ao fim, a salvação pertence somente ao Senhor (Zacarias
4:7, Salmos 3:8, Isaías 43:11).
Muitos começam com a graça e terminam com as obras, e
pensam que esse é o único caminho. De fato, as obras nos salvam
dos castigos temporais, quando nossas imperfeições já estão
purificadas pela intercessão de Cristo. Contudo, ser salvo, levado à
glória e resgatado deste mundo perigoso é algo que, desde meu
primeiro passo para seguir a Cristo até que meus pés ultrapassem
os portões do paraíso, acontece somente por obra do meu
Mediador, Sumo Sacerdote e Intercessor. É ele quem nos busca
quando nos desviamos. É ele quem nos ergue quando o diabo e o
pecado nos derrubam. É ele quem nos vivifica quando esfriamos. É
ele quem nos consola quando caímos em desespero. É ele quem
obtém um novo perdão quando pecamos. E ele é quem purifica
nossas consciências quando estão sobrecarregadas de culpa
(Ezequiel 34:16, Salmos 145:14).
Também sei que no céu há recompensas para aqueles que
creem em Cristo e que fazem o bem na Terra; mas essa
recompensa não provém do mérito, mas da graça. Somos salvos
por Cristo; trazidos à glória por Cristo; e todas as nossas obras não
são aceitáveis a Deus, senão através da pessoa, das excelências
pessoais e das obras dele Cristo. Portanto, sejam quais forem as
joias, os braceletes e as pérolas com os quais vocês serão
adornados como recompensa pelo serviço que prestaram a Deus no
mundo, vocês deverão agradecer a Cristo por tudo isso e, antes de
tudo, confessá-lo como a causa meritória disso (1 Pedro 2:5;
Hebreus 13:15). Ele é quem nos salva, inclusive de nossos serviços
(Apocalipse 5:9-14). Todas as nossas obras seriam lançadas em
nosso rosto como esterco, se não fossem purificadas e lavadas no
sangue, se não fossem adoçadas e perfumadas com incenso, e
então levadas a Deus pelas mãos puras de Jesus Cristo; pois ele é
o incensário de ouro divino; é dele que sobe como aroma agradável
a Deus (Apocalipse 7:12-14, 8:3-4).
10. Aqueles que foram justificados pelo sangue de Cristo ainda
precisam ser salvos através da intercessão dele? Então eu deduzo
que nós, que fomos salvos e preservados dos perigos que
enfrentamos desde a nossa conversão até o presente momento,
devemos atribuir a glória a Deus por Jesus Cristo. “Mas eu roguei
por ti, para que a tua fé não desfaleça; e tu, quando te converteres,
confirma teus irmãos” (Lucas 22:32), essa é a verdadeira causa de
nossa perseverança na fé e na santa profissão do evangelho até
hoje. Portanto, devemos dar a glória de tudo a Deus por Cristo: “Não
confiarei no meu arco”, disse Davi, “e nem a minha espada me
salvará. Mas tu nos salvaste dos nossos inimigos, e confundiste os
que nos odiavam. Em Deus nos gloriamos todo o dia, e louvamos o
teu nome eternamente”, “Graças a Deus, que sempre nos faz
triunfar em Cristo”, “Nos gloriamos em Jesus Cristo, e não
confiamos na carne” (Salmos 44:6-8; 2 Coríntios 2:14; Filipenses
3:3). Assim, você pode ver através dessas passagens bíblicas que,
tanto no Antigo como no Novo Testamento, toda a glória é dada ao
Senhor por nos preservar para o céu e por nos justificar para a vida.
E aquele que está bem familiarizado consigo mesmo não hesitará
em dar toda a glória a Deus; contudo, os levianos e aqueles que não
estão familiarizados com o mal que reside em sua natureza
glorificam os seus próprios esforços. Mas uma glória como essa é
vã. A Sra. Morte está à espreita, e ela os fará enxergar aquilo que
eles não veem agora, e se alimentará prazerosamente deles, pois
não confiaram no Senhor. Em vista disso, atribua a Deus a glória
pela preservação de sua alma na fé até agora àquela salvação que
Cristo Jesus nosso Senhor obteve por você através de sua
intercessão.
11. Aqueles que foram justificados pelo sangue de Cristo ainda
precisam ser salvos através da intercessão dele? Então também
deve ser inferido que os santos devem buscar nele a salvação de
que necessitarão até o dia de sua dissolução, de agora até o dia do
julgamento. Eles ainda devem buscar em Cristo a parte de sua
salvação que ainda resta, que ainda está por vir, e devem buscá-la
com confiança, pois aquele que prometeu é fiel. E para os encorajar
a buscarem e esperarem pela conclusão da sua salvação na glória,
permitam que eu lhes apresente algumas coisas:
(1.) A parte mais difícil, ou a pior, da obra do seu Salvador já
foi concluída: derramar seu sangue, suportar o pecado e a maldição,
ser privado da luz do face de seu Pai por um tempo. Sua morte no
madeiro maldito foi a mais dolorosa e a mais difícil parte da obra da
redenção e, ainda assim, ele se submeteu a ela de boa vontade,
com alegria e sem desejos egoístas. Ele fez isso em favor daqueles
que estavam em um estado de rebelião e inimizade contra ele.
(2.) Considere que ele tomou a iniciativa para que sua alma
fosse reconciliada com Deus e, para esse fim, ele concedeu a
justiça dele a você, colocou o Espírito dele em seu interior e
começou a transformar seu coração de pedra para que você se
convertesse e ansiasse por ele, para que cresse e se alegrasse
nele.
(3.) Considere também algumas das evidências consoladoras
do amor dele que você já recebeu, a saber, o sentimento da ternura
desse amor, a visão da luz de sua face, o conhecimento de seu
poder para o levantar quando você estiver abatido e para o
sustentar mesmo enquanto o inferno busca fazê-lo cair.
(4.) Considere ainda que a conclusão da obra da salvação de
sua alma está nas mãos de Cristo. E diante de tudo que ele já fez
por você, pode-se considerar que resta apenas a parte mais fácil e
confortável da obra de sua salvação, a qual resultará imediatamente
na glória dele e, portanto, ele cuidará para que isso seja cumprido.
(5.) Aquilo que está porvir também está mais seguro em suas
mãos do que se estivesse nas suas. Ele é sábio, ele é poderoso, ele
é fiel e, portanto, ele irá administrar bem aquela parte que falta à
nossa salvação, até que a tenha completado. Foi por amá-lo que
Cristo “não confiou” em você, pois sabe que somente ele mesmo
pode conduzi-lo ao seu reino com toda segurança. Portanto, Cristo
não deixou sequer a mínima parte dessa obra para você realizar (Jó
5:18, 15:15).
Então, viva nessa esperança viva, pois uma vez que Cristo
ressuscitou dos mortos, ele vive para interceder por você, e então
você colherá o bendito benefício dessa salvação dupla que foi e
está sendo realizada por nosso Senhor Jesus Cristo em seu favor.
Concluímos, assim, o que tínhamos a dizer sobre os benefícios
da intercessão de Jesus Cristo, através da qual ele salva
perfeitamente.
3
As Pessoas Beneficiadas pela
Intercessão de Cristo

O meu propósito agora é demonstrar quem são as pessoas


beneficiadas pela intercessão de Cristo. Essas pessoas consistem
naquelas que se chegam a Deus por meio de Cristo. As palavras
são bem concisas e claras ao afirmar que essas pessoas são
aquelas que vêm, que vêm a Deus e que vêm a Deus por meio de
Cristo: “Portanto, pode também salvar perfeitamente os que por ele
se achegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles”.
Sobre se achegar a Deus por meio de Cristo
Primeiro, farei breves comentários sobre a ordem das
palavras: “que por ele se achegam a Deus”.
Há os que se chegam a Deus, mas não “por ele”, e esses não
estão incluídos no texto, eles não possuem esse privilégio. É desse
modo que os judeus incrédulos se achegam a Deus, “têm zelo de
Deus, mas não com entendimento” (Romanos 9:30-33, 10:1-4). Eles
não se submeteram a Cristo, a justiça de Deus, mas decidiriam vir a
ele por meio de suas próprias obras, ou pelos méritos delas, e então
foram privados da salvação pela graça, pois é a graça que reina
para a salvação em Cristo somente (Romanos 5:21). A pessoa e a
obra de Cristo são uma pedra de tropeço para os tais, na qual eles
tropeçam e são destruídos, não obstante busquem a Deus a fim de
obter a vida.
Assim como há os que vêm a Deus, mas não por Cristo, assim
também há os que vêm a Cristo, mas não a Deus por meio dele. E
esse tipo de pessoa são os que, ao ouvir que Cristo é o Salvador,
vêm a ele para receberem o perdão, mas não se achegam a Deus
por meio dele, pois sabem que Deus é santo e, por isso, temem que
ele os purifique de suas concupiscências e transforme seus
corações e naturezas. Preste atenção no que digo: Existem muitos
que querem ser salvos por Cristo, mas não desejam ser santificados
por Deus por intermédio dele. Eles param em Cristo e não vão além.
Contanto que recebam o perdão, eles não se importam se irão para
o céu ou não. Acredito que é esse tipo de ir a Cristo a respeito do
qual o próprio Senhor adverte seus discípulos, quando diz: “E
naquele dia nada me perguntareis. Na verdade, na verdade vos digo
que tudo quanto pedirdes a meu Pai, em meu nome, ele vo-lo há de
dar” (João 16:23). É como se ele tivesse dito: “Quando vocês
pedirem alguma coisa não venham até mim e parem, vão ao meu
Pai através de mim; pois os que vêm a mim, e não a meu Pai
através de mim, nada obterão aquilo que vieram buscar”.
A justiça será imputada a nós, que “cremos naquele que dentre
os mortos ressuscitou a Jesus nosso Senhor” (Romanos 4:24-25).
Vir a Cristo motivado por um benefício e então não ir a Deus por
meio dele, é algo inútil. A mãe dos filhos de Zebedeu cometeu um
erro quanto a isso, e o Senhor Jesus a advertiu. Ela disse: “Dize que
estes meus dois filhos se assentem, um à tua direita e outro à tua
esquerda, no teu reino”. Mas qual foi a resposta de Jesus? “O
assentar-se à minha direita ou à minha esquerda não me pertence
dá-lo, mas é para aqueles para quem meu Pai o tem preparado”
(Mateus 20:21-23). É como se ele tivesse dito:
Mulher, eu não faço nada de mim mesmo, meu Pai é quem
opera através de mim. Então vá a ele através de mim, pois
eu sou o caminho para ele. Se você for a ele através de mim
poderá obter tudo que diz respeito às coisas que pertencem à
vida eterna, seja o perdão ou a glória.
É verdade que o Filho tem poder para conceder perdão e
glória, mas ele não os concede por si mesmo, mas sim pela vontade
de seu Pai e de acordo com ela (Mateus 9:6, João 17:22). Aqueles,
portanto, que vêm a Cristo buscando um bem eterno, e não vão ao
Pai por meio dele, não receberão o que buscam, isto é, perdão e
glória. E, portanto, embora seja dito que o Filho do homem tem
poder na Terra para perdoar pecados — para demonstrar a certeza
de sua divindade e a excelência de sua mediação; também é dito,
no entanto, que o perdão dos pecados está mais particularmente
nas mãos do Pai. É Deus que, por amor de Cristo, nos perdoa
(Efésios 4:32).
O Pai, como vemos, não nos perdoará a menos que venhamos
a ele pelo Filho. Por que, então, deveríamos presumir que o Filho
perdoará aqueles que não vêm ao Pai por intermédio dele?
Portanto, a justiça que nos justifica está no Filho, bem como a
intercessão; mas o perdão está com o Pai, bem como o dom do
Espírito Santo e o poder de imputar a justiça de Cristo estão nas
mãos dele. Consequentemente, Cristo ora ao Pai para perdoar e
para que ele envie o Espírito, e é Deus quem imputa a justiça para
nos justificar (Lucas 23:34; João 14:16; Romanos 4:6). O Pai, então,
nada faz senão por amor ao Filho e por meio dele; o Filho também
nada faz que prejudique a glória do Pai. Seria uma desonra para a
glória do Pai, se o Filho concedesse a salvação àqueles que não
vêm ao Pai por meio dele. Portanto, vocês que clamam, “Cristo,
Cristo!”, e se alegram com a presunção de que serão perdoados,
enquanto não querem vir ao Pai por meio de Cristo para receber o
perdão, não estão de forma alguma incluídos nesse texto bendito,
pois ele só salva por meio de sua intercessão aqueles que se
chegam a Deus por meio dele.
Há três tipos de pessoas que vêm a Cristo, mas não vão a
Deus por meio dele.
1. Aqueles cujo principal objetivo consiste apenas em se livrar
da culpa e do medo da condenação. E há três coisas que
evidenciam esse tipo de pessoa: (1.) Aquele que passa a crer que
foi perdoado, e então continua vivendo uma vida carnal como antes.
(2.) Aquele cujo consolo na crença de que foi perdoado permanece
sozinho, sem outros frutos do Espírito Santo. (3.) Aquele que, após
ter sido lavado, se alegra ao cair na lama novamente, como um
porco, ou como o cachorro que volta ao seu vômito.
2. Aqueles que vêm a Cristo, mas não a Deus por meio dele, e
então escolhem as doutrinas nas quais crerão, que se apegam
somente àquilo que lhes parece graça, mas desprezam
secretamente o que exige obediência moral. Tais pessoas nunca
viram a Deus, não importa quais sejam as noções que entretenham
acerca de Senhor Jesus e do perdão dele (Mateus 5:8).
3. Certamente aqueles que alegam que a gratuidade da graça
do evangelho os permite ser indulgentes para com o pecado nunca
vieram a Deus por meio de Cristo, não importa o quanto se
vangloriem de terem recebido essa graça.
Maneiras de nos achegarmos a Deus
Falarei brevemente sobre se achegar a Deus, ou se achegar
da maneira intencionada pelo texto. Quero mencionar duas coisas:
1. Com relação a Deus. 2. Com relação ao estado do coração
daquele que se achega a Deus.
4. Com relação a Deus. Ele é o bem supremo; não existe bem
senão Deus mesmo. Ele é perfeitamente feliz em si mesmo; todo o
bem e toda a verdadeira felicidade só pode ser encontrada nele,
como aquilo que é essencial à natureza dele. Não há qualquer bem
ou qualquer felicidade em qualquer criatura ou coisa, senão aquele
que foi comunicado a ela por Deus. Deus é o único bem desejável,
nada à parte dele é digno de nossos corações. Os pensamentos
corretos sobre Deus são capazes de arrebatar nosso coração,
quanto de Deus um homem tem, mais feliz ele é. Só Deus pode, por
si mesmo, proporcionar a condição mais bem-aventurada,
confortável e feliz que é possível neste mundo; sim, mais do que se
toda a felicidade criada por todos os anjos do céu fosse posta no
coração de um homem. Deus é quem sustenta todas as criaturas e
tudo o que elas possuem, inclusive tudo aquilo que é bom para o
bem delas procede de Deus. É graças a ele que todas as coisas
existem e desfrutam do bem. Nem sei mais o que dizer, estou
maravilhado! A vida, a glória, a bem-aventurança e a bondade que
satisfazem a alma que está em Deus excede quaisquer palavras.
5. Ora, deve haver em nós algo de um espírito adequado a
esse Deus antes que estejamos dispostos a nos achegarmos a ele.
Portanto, antes de Deus ter estado com um homem e de
deixar impressões de sua glória sobre ele, tal homem não poderia
estar disposto a se achegar a ele da maneira correta. Por isso é dito
a respeito de Abraão que, para que ele pudesse se achegar a Deus
e o seguisse da maneia correta, o próprio Senhor se revelou a ele:
“O Deus da glória apareceu a nosso pai Abraão, estando na
Mesopotâmia, antes de habitar em Harã, e disse-lhe: Sai da tua
terra e dentre a tua parentela, e dirige-te à terra que eu te mostrar”
(Atos 7:2-3; Gênesis 12:1).
Foi a visão deste Deus da glória que levou Abraão a deixar sua
terra e sua parentela para seguir a Deus. A razão pela qual os
homens são tão descuidados e tão indiferentes quanto a ir a Deus é
porque estão cegos e não percebem a sua glória. Deus é tão
glorioso, que se não tivesse ocultado a si mesmo e sua glória, o
mundo inteiro seria arrebatado para seguir após ele. Deus tem
razões gloriosas pelas quais ele se oculta do mundo e só se revela
para pessoas particulares. Ora, ao aparecer assim para Abraão,
Deus destruiu sua vaidade, bem como suas ilusões e afeições
idólatras, e então o coração de Abraão começou a se voltar para
Deus, pois através dessa revelação a voz o atraiu e inclinou a alma
dele. Consequentemente, aquilo que Moisés descreve como uma
aparição divina (Gênesis 12:1), Cristo chama de ouvir e aprender de
Deus: “Está escrito nos profetas: E serão todos ensinados por Deus.
Portanto, todo aquele que do Pai ouviu e aprendeu vem a mim”, isto
é, vem a Deus por meio de Cristo. Mas aqueles que ouvem e
aprendem do Pai que Cristo é o único caminho para o Deus da
glória. Essa é a doutrina da atração divina. Porquanto, o que é
chamado nesse versículo de aprender, é chamado, no versículo
anterior, de ser atraído pelo Pai: “Ninguém pode vir a mim, se o Pai
que me enviou o não trouxer”, ou seja, com propostas poderosas,
conclusões atraentes e influências que conquistam o coração (João
6:44-45).
Após tratar brevemente desse assunto, demonstrarei agora
que tipo de pessoas são aquelas que vêm a Deus por meio de
Cristo e, então, faremos algumas inferências acerca disso também.
Quem são as pessoas que vêm a Cristo
Existem, portanto, três tipos de pessoas que vêm a Deus por
meio de Cristo. Em primeiro lugar, os que foram despertados. Em
segundo lugar, os homens que se arrependeram dos seus desvios.
Em terceiro lugar, o homem sincero e justo.
A vinda do homem despertado a Cristo
Em primeiro lugar, há os que foram despertados. Por
despertamento, me refiro a um despertamento completo. Tão
despertos a ponto de serem levados a olhar para si mesmos e ver
quem realmente são; a ver o mundo, e o que ele é; a ver a lei, e o
que ela é; a ver o inferno, e o que ele é; a ver a morte, e o que ela é;
a ver a Cristo, e quem ele é; e ver a Deus, e quem ele é; e a ver
também o que é o julgamento.
Para que um homem se achegue corretamente a Deus por
meio de Cristo, ele deve antes ter um conhecimento adequado de
coisas desse tipo.
6. Ele deve conhecer a si mesmo, o pecador miserável que é,
antes que possa dar um passo adiante a fim de ir a Deus por meio
de Cristo. Isso é evidente a partir de muitos textos; como o da
parábola do filho pródigo (Lucas 15); o relato dos três mil
convertidos (Atos 2) e do carcereiro (Atos 16), e outros. O são não
precisa do médico. Não foram sãos, mas sim coxos e enfermos que
vieram a ele para serem curados de suas enfermidades; não são os
justos, mas sim os pecadores que têm consciência de seu estado,
que vêm a Deus por meio de Cristo.
Nem todos os homens do mundo juntos podem fazer com que
um único homem venha a Deus por meio de Cristo, pois nenhum
deles pode fazer com que alguém veja seu estado por natureza. E
por que um homem deveria vir a Deus, se pode viver no mundo sem
ele? Essa é a voz da razão e da experiência, e a Escritura dá
testemunho de que isso é verdade: É a visão de quem eu realmente
sou que deve me comover, que deve abalar minha alma e me fazer
deixar meu sossego atual. Ninguém vem a Deus por meio de Cristo,
a não ser aquele que conhece a si mesmo e o que o pecado lhe fez.
Essa é primeira coisa que ele deve conhecer (Jó 21:7-15).
7. Assim como ele deve conhecer a si mesmo e o quão
miserável é, ele deve conhecer o mundo e o quão fútil este é. Caim
viu a si mesmo, mas não viu a futilidade deste mundo; e, portanto,
em vez de ir a Deus por meio de Cristo, ele foi ao mundo, e
permaneceu assim até o dia de sua morte (Gênesis 4:16). O mundo
é uma grande armadilha para a alma, até mesmo para as almas dos
pecadores convertidos, devido à sua aparência de grandeza e belas
promessas que faz aos que desejam ganhá-lo. O mundo fará tudo
que puder para silenciar tanto o espírito quanto o sermão, a Bíblia
ou o pregador. E os mundanos estão sempre prontos para saudar o
mundo com aplausos e dizer: “Quem nos mostrará [outro] bem?”
(Salmos 4:6), e embora esse “caminho deles seja a sua loucura;
contudo a sua posteridade aprova as suas palavras” (Salmos
49:13). De modo que, a menos que o homem, após algum
despertamento, veja a futilidade do mundo, ele se deixará levar
pelas boas coisas dele, e não irá a Deus por meio de Cristo. Muitos
que estão agora no inferno podem confirmar isso. Foi o mundo que
atraiu Caim, Judas e Demas. E Balaão, embora tivesse algum tipo
de visão de Deus, foi impedido pelo mundo de ir a ele corretamente.
Veja com que sinceridade o jovem descrito nos evangelhos veio a
Jesus Cristo com o objetivo de obter a vida eterna. O jovem correu
até Cristo, ajoelhou-se diante dele e perguntou diante de uma
multidão: “Bom Mestre, que farei para herdar a vida eterna?”
(Marcos 10:17-24). No entanto, quando ficou claro o que ele deveria
fazer para herdar a vida, o mundo logo se interpôs entre ele e a vida
eterna, e o persuadiu a escolhê-lo; e, assim, pelo que sabemos, ele
nunca mais buscou a vida.
Há quatro coisas no mundo que tendem a atrair o homem que
foi espiritualmente despertado a cair no sono novamente, e isso
fatalmente acontecerá caso Deus não intervenha e o leve a sentir
aversão por elas.
(1.) As agitações e preocupações do mundo tenderão a
impedir que um homem busque a salvação de sua alma. Isso é
evidenciado pela parábola do solo espinhoso (Lucas 8:14). As
agitações do mundo são coisas diabólicas, elas farão com que um
homem se levante de sua cama sem antes fazer uma oração, farão
com que ele ouça sermão após sermão, sem que isso o leve a orar.
Elas sufocarão a oração, a Palavra, as convicções e, finalmente,
sufocarão a alma e farão com que esse despertamento não alcance
qualquer propósito salvífico.
(2.) A amizade com este mundo, se não for mortificada,
impedirá o homem de se achegar a Deus por meio de Cristo. E um
homem nunca pode mortificar tal amizade, a menos que veja a
futilidade e vaidade dela. Todo aquele que se torna amigo deste
mundo é inimigo de Deus. E como, então, poderia se achegar a ele
por meio de Cristo (Tiago 4:4)?
(3.) Os temores do mundo, se não forem enfrentados, também
tendem a impedir alguém de se achegar a Deus por meio de Cristo.
O temor dos homens traz consigo uma armadilha. Quantas pessoas
através dos tempos foram impedidas de se irem a Deus
corretamente devido aos terrores do mundo? Quanto desses
temores dominaram os pensamentos daqueles que quase
alcançaram aos portões do céu, mas que retrocederam por ficarem
receosos dos temores deste mundo? É sobre isso que Cristo
adverte seus discípulos, pois ele sabia que isso era algo mortal.
Pedro ordena aos santos que se acautelem desses temores como
de algo que é muito destrutivo (Lucas 12:4-6; 1 Pedro 3:14-15).
(4.) A glória do mundo é um obstáculo definitivo às convicções
e ao despertamento espiritual, as quais consistem em honras,
grandezas e privilégios. Cristo disse: “Como podeis vós crer,
recebendo honra uns dos outros, e não buscando a honra que vem
só de Deus?” (João 5:44). Portanto, se um homem não tiver suas
afeições crucificadas para tais glórias, elas o impedirão de ir a Deus
corretamente.
8. Assim como um homem deve conhecer a si mesmo, o quão
vil ele é, e conhecer o mundo, o quão fútil este é, ele também deve
conhecer a lei, o quão severa ela é, caso contrário, ele jamais se
chegará a Deus por meio de Jesus Cristo, nosso Senhor.
Um homem que está passando por um despertamento corre
um perigo duplo de não se aproximar de Deus por meio de Cristo.
Se ele não conhece a severidade da lei, então corre o risco de
desprezar sua condenação ou de procurar escapar dela por praticar
boas obras; e nada pode impedir que sua alma colida contra essas
duas rochas e naufrague, exceto um conhecimento correto da
severidade da lei.
(1.) Ele corre o perigo de negligenciar a sua condenação. Isso
pode ser visto através das práticas de todos os profanos do mundo.
Eles não conhecem a lei? Na verdade, muitos deles poderiam
recitar os Dez Mandamentos de cor. Mas eles não conhecem a
severidade da lei; e, portanto, quando a qualquer momento um
despertamento vem sobre suas consciências, eles se esforçam para
escapar da culpa de um pecado, chafurdando na lama de um outro.
Mas eles fariam isso se conhecessem a severidade da lei?
Não, pois se esse fosse o caso, prefeririam comer fogo. A
severidade da lei seria um fardo insuportável e intolerável para suas
consciências, e os faria fugir em busca de refúgio, e a se apegarem
firmemente à esperança que lhes é proposta.
(2.) Ou, se ele não desprezar sua condenação, ele buscará
escapar dela praticando boas obras que compensem os pecados
que cometeu. Isso é manifestado pela prática dos judeus e
muçulmanos, e de todos aqueles que buscam alcançar a vida e a
felicidade através da lei. Paulo também andou por esse caminho
antes de se encontrar com Jesus no caminho de Damasco. Isso é
natural para as consciências que estão despertas, a menos que
também tenham recebido uma compreensão da verdadeira
severidade da lei. Há quatro coisas que podem ajudar a convencer
alguém a respeito da severidade da lei.
(a.) A lei amaldiçoa o homem, e isso ocorre tanto por causa da
corrupção de sua natureza quanto pelas impurezas de sua vida. E
mesmo que fosse possível que você jamais cometesse um único ato
pecaminosos, ainda assim, a sua natureza corrompida seria
suficiente para lhe condenar, caso você nunca viesse a Deus para
obter misericórdia por meio de Cristo.
(b.) A lei leva em consideração e, portanto, amaldiçoa o
pecador tanto por seus pensamentos quanto por seus atos vis e
pecaminosos. “Os [muitos] desígnios do insensato são pecado”
(Provérbios 24:9), e embora tais desígnios nunca venham a se
manifestar em atos externos, ainda assim eles seriam tão
merecedores da condenação da alma quanto a maior transgressão
do mundo.
(c.) Mesmo se você de agora em diante fosse capaz de
guardar todos os mandamentos, isso tampouco lhe ajudaria, pois
você já pecou: “A alma que pecar, essa morrerá” (Ezequiel 18:4).
Sendo assim, a menos que você possa suportar a maldição de um
modo que pague legitimamente todos os pecados que já cometeu,
você perecerá, caso não se achegue a Deus por meio de Cristo
para receber misericórdia e perdão.
(d.) E não pense que seu arrependimento pode impedir a lei de
lhe condenar, pois a lei não exige arrependimento, mas uma vida de
obediência; ela não aceitará arrependimento algum, mesmo que
você clamasse e chorasse pelos seus pecados até que suas
lágrimas formassem um mar de sangue. Você deve se conscientizar
disso, ou então nunca se chegará a Deus por meio de Cristo para
obter a vida. Pois o conhecimento disso fará com que você não
subestime a severidade da lei e nem confie em suas próprias obras
para obter a vida. Ora, quando você estiver consciente dessas duas
coisas, você não fará outra coisa senão correr para Deus por meio
de Cristo para receber a vida. Então você desistirá de tentar ajudar
a si mesmo, seus prazeres desaparecerão e toda sua esperança em
si mesmo se desfará. Você morrerá para si mesmo, e esse é o
caminho para o amor; pois essa morte interna é, ou parece, um
estômago faminto, que inescapavelmente levará a boca a clamar
por comida e bebida. Então, será mais fácil você dormir com uma
das mãos no fogo do que impedir que você clame por misericórdia,
desde que esse conhecimento permaneça bem vivo em sua mente.
9. Assim como o homem deve conhecer a si mesmo, a
futilidade do mundo e a lei, assim também é necessário que ele
saiba que há um inferno e o quão insuportável são os tormentos
dele; pois todas as ameaças, maldições e condenações para sua
punição no mundo vindouro serão apenas ficções e espantalhos se
não houver um lugar e um estado terríveis nos quais o pecador
deverá receber o salário de seus pecados, quando seus dias
terminarem neste mundo. Portanto, a palavra “salvar” supõe tal
lugar e estado. Jesus Cristo é capaz de salvar do inferno, daquele
lugar e estado terríveis aqueles que se achegam a Deus por meio
dele.
Cristo, portanto, muitas vezes sugeriu a verdade de um inferno
enquanto fez seus convites para que os pecadores deste mundo
viessem até ele. Assim como diz aos pecadores que eles serão
salvos se vierem a ele, assim também é verdade que eles serão
condenados se não o fizerem. É como se ele tivesse dito: “Existe
um inferno terrível, e aqueles que vêm a mim serão salvos dele;
mas aqueles que não vierem, serão condenados pela lei e serão
punidos em tal lugar”. Portanto, para que você realmente possa vir a
Deus por meio de Jesus Cristo para obter misericórdia, você dever
crer que há um lugar horrível e terrível. O inferno é uma criação de
Deus: “Já há muito está preparada… ele a fez profunda e larga”! As
punições se dão pelos açoites da ira divina, os quais procederão de
sua boca como uma torrente de enxofre ardente a incendiar a alma
do pecador condenado (Isaías 30:33). Você deve conhecer o inferno
pela Palavra de Deus para que possa fugir dele; caso contrário,
você o conhecerá por seus pecados, mas então permanecerá ali
para sempre, em prantos.
Eu falaria mais sobre isso, se fosse capaz; pois enquanto
estivermos neste mundo não somos mais capazes de apresentar os
tormentos do inferno do que de apresentar as alegrias do céu. Mas
há algo que pode e deve ser dito, a saber, que Deus é capaz tanto
de salvar quanto de lançar no inferno (Lucas 12:5). E assim como
ele é capaz de tornar o céu doce, bom, agradável e glorioso além do
que podemos imaginar; ele também é capaz de fazer com que os
tormentos do inferno sejam tão impressionantes, tão quentes, tão
grandes e tão intoleráveis de modo que nenhuma língua possa
expressar, nem a dos próprios condenados que já se encontram no
inferno (Isaías 64:4). Se você ama sua alma, não despreze o
conhecimento do inferno, pois isso, juntamente com a lei, são as
rédeas que Cristo usa para conduzir as almas para si mesmo. Por
que os pecadores brincam de maneira tão prazerosa com o
pecado? Porque eles se esquecem que para aqueles que tratam o
pecado dessa forma há um inferno reservado, quando deixarem
este mundo. É quando percebemos que o inferno permanece com
sua boca aberta debaixo de nós que, geralmente, pomos fim à
nossa conduta pecaminosa. Eu lhe suplico que jamais esqueça de
reter o conhecimento do inferno em seu entendimento e de aplicar
as terríveis meditações sobre ele à sua consciência. Essa é uma
maneira de corrigir seus caminhos e o conduzir Jesus Cristo, e a
Deus Pai por meio dele.
10. Também é necessário que aquele que vem a Deus por
meio do Senhor Jesus saiba o que é a morte e esteja ciente da
imprevisibilidade do modo como ela se aproxima de nós. A morte é,
se é posso chama-la assim, o lenhador, o ceifador. A morte é aquilo
que põe um ponto final em nossas vidas neste mundo, e que escolta
o homem até o lugar onde o julgamento o espera. Se ele estiver na
fé em Jesus, ela o deixará dormir até que o Senhor venha; se ele
não estiver na fé, ela o deixará em seus pecados até que o Senhor
venha (Hebreus 11:13; 1 Tessalonicenses 4:14; Jó 20:11). Além
disso, se você começa de um modo que parece bom, e a morte o
alcança antes que esse começo amadureça, seu fruto murchará e
você não conseguirá ser colhido na seara de Deus. Alguns homens
são “cortados como as cabeças das espigas” e alguns até mesmo
são ceifados pela morte enquanto ainda são brotos; mas sua
segurança é quando ele amadurece e deve ser recolhido ao túmulo,
como o milho é recolhido ao celeiro em seu devido tempo (Jó 24:20-
24, 5:26).
Porém, se a morte o surpreender e for ao seu encontro antes
que você esteja pronto para morrer, tudo estará perdido; pois não há
arrependimento na sepultura, como diz o sábio: “Tudo quanto te vier
à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças, porque na
sepultura, para onde tu vais, não há obra nem projeto, nem
conhecimento, nem sabedoria alguma” (Eclesiastes 9:10).
A morte é o sargento de Deus, o oficial da justiça divina, e ela
age em nome de Deus quando vem, mas raramente ela avisa antes
de um tapinha em nosso ombro. E quando ela se apossa de nós,
embora possa nos dar um pouquinho mais de tempo, nos dar
permissão para suspirarmos e ficarmos prostrados em uma cama
enquanto definhamos, contudo, ela estourará nosso balão e fará
nossa vida se esvair e lançará nossa alma no inferno, se não
estivermos prontos e preparados para a vida eterna. Aquele que não
vigia e não teme que a morte o surpreenda, não se chegará a Deus
por meio de Cristo. Tal pessoa perecerá, se não estiver ciente do
que Jó disse acerca das aflições temporais a que estamos sujeitos:
“Todavia aguardando eu o bem, então me veio o mal… os dias da
aflição me surpreendem” (30:26-27). Se, enquanto você espera o
bem, chegar o dia em que a morte lhe ceifará, tudo estará perdido:
alma, vida e céu, tudo! Portanto, é conveniente que você entenda de
uma vez por todas que a sepultura é sua casa e que medite nisso
todos os dias, e diga à corrupção: “Tu és meu pai; e aos vermes:
Vós sois minha mãe e minha irmã” (Jó 17:13-14). Habitue-se com o
túmulo e a morte. O tolo evita pensar no dia mau, mas o sábio
medita nela constantemente. É melhor estar pronto para morrer sete
anos antes que a morte chegue, do que faltando um dia, uma hora,
um momento, uma lágrima, um suspiro de tristeza pela lembrança
da vida miserável que viveu. Então eu lhe admoesto a conhecer a
morte, o que ela é e o que ela lhe fará quando vier. Além disso,
reflita bem sobre o perigo no qual a morte coloca aquele homem
que ela visita antes que ele esteja pronto e preparado para ser
posto, por ela, na sepultura.
11. Você também deve ser despertado para ver o que Cristo é.
Isso é absolutamente necessário; pois como um homem pode estar
disposto a vir a Cristo se não sabe o que ele é, qual a obra que
Deus o designou para fazer? Todo homem dirá que ele é o
Salvador; mas são raros aqueles que sentem, cheiram e saboreiam
o que é a salvação e, portanto, compreendem a natureza do ofício e
da obra de um Salvador. Jesus de Nazaré é o Salvador ou o
reconciliador dos homens com Deus, no corpo de sua carne por
meio da morte (Colossenses 1:19-21). O propósito dele ao vir do
céu para a Terra foi salvar seu povo dos pecados dele. Se é assim,
então precisamos saber como ele fez isso, pois alguns dizem que
ele faz de uma maneira e outros dizem que ele faz de outra. Porém,
é importante ressaltar que agora estamos falando da salvação
daquele homem que desde o primeiro momento que despertou está
vindo a Cristo para obter a vida. (1.) Alguns dizem que ele nos salva
nos dando preceitos e leis para que os observemos e então sejamos
justificados por meio deles. (2.) Outros dizem que ele nos salva ao
nos dar seu exemplo como um padrão para que o sigamos. (3). E
ainda outros afirmam que ele nos salva ao nos fazer seguir a luz
interior.[5]
Mas você deve ter cuidado com tudo isso, pois, por um lado,
ele não nos justifica por nenhum desses meios e, por outro, você
tem a necessidade de ser justificado. Ele não nos justifica por nos
dar leis, ou por se tornar o nosso exemplo, ou por nos levar a segui-
lo em qualquer sentido, mas por seu sangue derramado por nós.
Seu sangue não consiste em leis, nem em ordenanças e
mandamentos, mas no preço de nossa redenção (Romanos 5:7-9;
Apocalipse 1:5). Ele nos justifica por meio daquilo que nos concede,
não por qualquer coisa que espera de nós. Ele nos justifica por sua
graça, não por nossas obras (Efésios 1:7). Em suma, você deve
estar bem fundamentado no conhecimento de quem Cristo é e de
como os homens são justificados por ele, ou então nunca se
achegará a Deus por meio dele.
Assim como você deve conhecê-lo e saber como os homens
são justificados por ele, você também deve ter consciência de sua
disposição para receber e fazer tudo aquilo que precisa ser feito por
aqueles que vão a Deus por meio dele. Suponha que os méritos de
Cristo nunca tenham sido eficazes e que estivesse provado que ele
reluta em conceder esses méritos aos que se achegam a Deus por
meio dele, neste caso apenas poucos iriam se arriscar a confiar
nele. Porém, a verdade é que assim como ele é perfeito, ele
também é livre. E nada o agrada mais do que dar aquilo que ele tem
aos miseráveis e necessitados. E será conveniente que você, alma
que vêm a Deus, saiba disso para que seja consolado e encorajado
a se achegar a Deus por meio dele. Observe algumas de suas
palavras que confirmam essa verdade: “Vinde a mim, todos os que
estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei” (Mateus 11:28);
“Todo o que o Pai me dá virá a mim; e o que vem a mim de maneira
nenhuma o lançarei fora” (João 6:37); “Eu não vim chamar os justos,
mas, sim, os pecadores ao arrependimento” (Marcos 2:17); “Esta é
uma palavra fiel, e digna de toda a aceitação, que Cristo Jesus veio
ao mundo, para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal”
(1 Timóteo 1:15).
12. Assim como um homem que se achega a Deus por meio
de Cristo deve (1.) conhecer a si mesmo antes que possa ir a ele;
(2.) conhecer o mundo e o quão fútil ele é; (3.) conhecer a lei e o
quão severa ela é; (4.) conhecer a morte, e saber o que ela é; (5.)
conhecer a Cristo, e saber quem ele é; assim também ele deve
conhecer a Deus: “É necessário que aquele que se aproxima de
Deus creia que ele existe, e que é galardoador dos que o buscam”
(Hebreus 11:6). Deus deve ser conhecido, do contrário, como o
pecador pode recebê-lo o fim último de sua vida? Pois assim o faz
todo aquele que, de fato, vem a Cristo corretamente, a saber, ele
vem a Cristo porque ele é o caminho; e vem a Deus porque ele é o
fim. Mas se ele não conhece a Deus, como ele pode propô-lo como
o seu fim? O fim é aquilo para o qual proponho qualquer coisa para
mim mesmo e para o qual utilizo quaisquer meios. É somente
depois disso que eu poderei seu salvo; mas por quê? Porque então
eu proporia a Deus como minha maior alegria e usaria os meios
pelos quais eu poderia ser salvo, e por quê? Porque desejaria me
deleitar em Deus. Estou ciente de que o pecado me fez perder a
glória de Deus, e que Cristo Jesus é o único que pode me colocar
em uma condição de reobtê-la; e, portanto, eu me achego a Deus
por meio dele (Romanos 3:23, 5:1-2).
Entretanto, eu repito, como aquele que não conhece bem a
Deus considera que ele é digno de ser o seu objetivo supremo ao vir
a Jesus Cristo? Aquele que verdadeiramente conhece a Deus, deve
saber que está acima de tudo, que ele é melhor que tudo, que é só
nele que a alma encontrará contentamento, bem-aventurança, glória
e felicidade como as que não podem ser encontrados em nenhum
outro. E se isso não for encontrado em Deus, a alma nunca proporá
a Deus para si mesma como o fim único, mais elevado e supremo
em sua vinda a Jesus Cristo. Antes ele proporá outra coisa que ele
imaginar ser um bem maior, talvez o paraíso, ou alívio da culpa, ou
a fuga do inferno, e assim por diante. Um homem pode propor todas
essas coisas para si mesmo enquanto vai até Cristo, porém se ele
as propõe como seu fim último, como o principal bem que ele busca
e se a presença e o desfrutar de Deus e da gloriosa majestade
divina não forem o seu principal propósito, ele perdeu de vista a
salvação que é proposta em nosso texto: “Cristo pode” e irá “salvar
perfeitamente os que por ele se achegam a Deus”.
O que é o céu sem Deus? O que é a facilidade sem a paz e a
alegria de Deus? O que é a libertação do inferno sem o deleitar-se
em Deus? Portanto, se alguém, ao vir a Jesus Cristo, propuser
apenas essas coisas a si mesmo como sua felicidade, então sua
proposta não é nem um pouco mais digna do que a que um homem
sem a graça poderia fazer. O que ou quem é aquele que não
gostaria de ir para o céu? O que ou quem é aquele que também não
gostaria de obter o alívio da culpa pelo pecado? E onde está o
homem que escolheria ir para o inferno? Mas há muitos que não
suportam permanecer na presença de Deus; eles não gostariam
nem mesmo de ir para o céu, porque Deus está lá. Se o diabo
tivesse um céu para conceder aos homens, um “céu” cheio de vícios
e depravações, eu seria capaz de apostar minha alma, se é que
posso falar assim, se os convites dele não receberiam vinte vezes
mais aceitação do que os de Deus. Os homens não suportam a
Deus; o diabo não pode conceder nada além de um inferno para
eles, contudo, quantos são os que buscam a ele, mas quão poucos
os que buscam o Deus Todo-Poderoso. A natureza de Deus é o
extremo contrário das concupiscências dos homens. Um Deus
gloriosa e infinitamente santo, os faz ficarem frustrados. Mas para a
alma que é despertada para ver as coisas como elas são, Deus é o
que ele é em si mesmo, o bendito, o mais elevado, o único bem
eterno; se ela não puder deleitar-se em Deus, todas as coisas
soarão aos seus ouvidos como nada.
Agora, então, eu aconselho você que deseja vir a Deus por
meio de Cristo a buscar o conhecimento de Deus, pois “se buscares
a sabedoria como a prata e como a tesouros escondidos a
procurares, então, entenderás o temor do Senhor e acharás o
conhecimento de Deus” (Provérbios 2:4-5). E para lhe encorajar
ainda mais, ele deseja tanto ter comunhão com os homens a ponto
de perdoar os pecados deles para que possa obtê-la. Por isso, é
dito não apenas que ele é amável, mas que ele é o próprio amor:
“Deus é amor; e quem está em amor está em Deus, e Deus nele” (1
João 4:16).
Quando considero a glória que por vezes vejo refletida sobre
as criaturas, penso que toda a glória delas é obra de Deus. Então
exclamo: ó Senhor, o que é o próprio Deus? Ele pode muito bem ser
chamado de Deus da glória, bem como de o Senhor glorioso; pois
assim como toda a glória procede dele, assim também nele está
uma fonte inconcebível de glória a ser comunicada àqueles que vêm
a ele por meio de Cristo. Portanto, que a glória, o amor, a bem-
aventurança e a felicidade eterna que há em Deus o atraiam para
que você se achegue a ele por meio de Cristo.
13. Assim como deve ter um bom conhecimento de tudo isso,
você também deve ter um bom conhecimento do julgamento
vindouro. É dito àqueles que vêm a Deus por meio de Cristo para
“fugir da ira vindoura” e para “corrermos para o refúgio, a fim de
lançarmos mão da esperança proposta” (Mateus 3:7; Hebreus 6:18,
versão do autor).
Esse julgamento que está por vir é algo sério que deve nos
despertar a pensar. Ele é chamado de julgamento eterno, porque é
e será a tratativa final de Deus para com os homens. Este dia é
chamado de “o grande e glorioso dia do Senhor” (Atos 2:20); o dia
que “arde como fornalha” (Malaquias 4:1); o dia em que os anjos
ajuntarão os ímpios em feixes, como joio, para queimá-los; mas os
remanescentes entrarão no reino e glória. Esse será o dia em que
se encerrarão todos os propósitos de amor e compaixão para com
os ímpios, as comportas da ira divina serão abertas sobre os
malfeitores como retribuição abundante pelos seus pecados, mas os
justos receberão a glória (Salmos 31:23). Naquele dia, os homens
desejarão se esconder debaixo do chão, mas como isso não será
possível, então clamarão para que as montanhas caiam sobre eles,
entretanto elas não o farão; portanto, eles serão obrigados a
suportar seu julgamento.
Esse será o dia em que virão à luz todos os propósitos
secretos e os pensamentos ocultos: “Porque Deus há de trazer a
juízo toda a obra, e até tudo o que está encoberto” (Eclesiastes
12:14). Ele “trará à luz as coisas ocultas das trevas, e manifestará
os desígnios dos corações” (1 Coríntios 4:5). Esse é o dia
designado para trazer vergonha e desprezo sobre os ímpios, visto
que, neste mundo, eles foram ousados e audaciosos em suas
impiedades. Naquele dia, Deus cobrirá de vergonha todas as faces
altivas e atrevidas, eles irão corar até que o sangue esteja prestes a
explodir de suas bochechas (Daniel 12:2). Ah, quão grande será a
vergonha estampada em seus rostos enquanto Deus estiver
revelando a eles que vida sórdida, bestial, indecente e irracional
eles viveram neste mundo. Eles verão, então, que desprezaram ao
Deus que os alimentou, que os vestiu, que lhes deu suas vidas,
corpos e fôlego. Mas, que horrível será quando eles virem o abismo
diante deles, pronto para engoli-los. Então eles saberão o que
significa pecar contra Deus!
E você, que está para vir a Deus por meio de Cristo, deve
saber bem disso, ou então você nunca virá a Deus por meio dele.
O fato de que a glória de Deus será refletida sobre aqueles
que verdadeiramente se achegam a ele também lhe ajudará nesta
jornada espiritual — se isso for compreendido corretamente.
Entretanto, talvez, o terror e a incredulidade não permitirão que você
pense corretamente sobre isso. Todavia, as coisas mencionadas
acima lhe serão como aguilhões e servirão para o impulsionar e, se
assim o fizerem, serão uma grande bênção de Deus para você, pelo
que você será eternamente grato a Deus (Eclesiastes 12:10-11).
Assim, em poucas palavras, falei algo a respeito do primeiro
tipo de pessoas que vêm a Deus por meio de Cristo, a saber, como
é a vinda do homem recém-despertado. E eu digo novamente, se
alguma das coisas mencionadas acima faltar, e não estiverem em
seu coração, deve ser seriamente considerado, se tal pessoa
realmente virá a Deus por meio de Cristo, não obstante todo o
barulho que ela possa fazer acerca da religião.
1. Se ele não conhece a si mesmo e a maldade de sua
condição, por qual motivo ele deveria vir?
2. Se ele não conhece o mundo, sua futilidade e vaidade, por
qual motivo ele deveria vir?
3. Se ele não conhece a lei e a sua severidade, por qual
motivo ele deveria vir?
4. Se ele não conhece o inferno e seus tormentos, por qual
motivo ele deveria vir?
5. Se ele não sabe o que é a morte, por qual motivo ele
deveria vir?
6. E se ele não conhece o Pai e o Filho, como poderia vir?
7. E saber que há um julgamento vindouro é tão necessário à
sua vinda quanto a maioria das outras coisas já mencionadas.
Vir a Deus por meio de Cristo é obter abrigo, segurança,
benefícios e felicidade eterna. Mas aquele que não conhece bem as
coisas mencionadas acima também não vê a sua necessidade de se
abrigar, de fugir em busca de segurança, de se aproximar de Deus
por meio de Cristo. Sei que há graus desse conhecimento, e aquele
que tem mais dele, com toda probabilidade, mais de apressará; ou,
como disse Davi: “Apressar-me-ia a escapar da fúria do vento e da
tempestade”; e aquele que conhece menos corre o maior perigo de
negligenciar sua ida a Deus por meio de Cristo e, portanto, de
perder o prêmio; pois nem todos os que correm, conquistam; nem
todos os que lutam, vencem; e nem todos os que se esforçam por
isso, alcançam (Salmos 55:8, 1 Coríntios 9:24-26, 2 Timóteo 2:4-5).
O retorno de um desviado a Cristo
Em segundo lugar, falarei agora sobre o segundo tipo de
homem mencionado, a saber, o homem que começa a se
arrepender de seu desvio. Em seguida falarei algo sobre seu retorno
a Deus por meio de Cristo, e o modo como isso acontece.
Há duas coisas notáveis no retorno de um desviado a Deus
por intermédio de Cristo.
1. A primeira é que ele dá um segundo testemunho sobre a
verdade de todas as coisas faladas anteriormente.
2. Ele também dá um segundo testemunho sobre a
necessidade de se achegar a Deus por meio de Cristo.
1. Quando se arrepende, o desviado dá um segundo
testemunho sobre a verdade de que o estado do homem é
miserável por natureza, da vaidade deste mundo, da severidade da
lei, da certeza da morte e do terror do julgamento por vir. Em sua
primeira vinda ele declarou tudo isso, mas em sua segunda vinda
ele diz isso tudo com uma dupla confirmação da verdade. “É assim”
— ele disse em sua primeira vinda. “Verdadeiramente é assim” —
ele diz em segunda vinda. O desvio de um cristão se dá por meio da
persuasão sedutora de Satanás e da luxúria, os quais o enganam
ao persuadi-lo que ele estava enganado e de que não havia tal mal
nas coisas das quais ele fugia, nem tanto bem nas coisas para as
quais ele se apressava.
O diabo diz:
Volte, seu tolo. Volte para o sua vida anterior. Não sei qual foi a
loucura que o levou aos joelhos, e que lhe fez deixar os muitos
prazeres da concupiscência da carne e do bem do mundo os quais
são desfrutados por outros homens. Quanto à lei, à morte e a
imaginação do dia do julgamento, eles são meras ilusões criadas
para manter os ignorantes em sujeição.
Então o desviado responde: “Voltarei e verei se as coisas são
assim”. E ele, tolo como é, volta e encontra mil coisas para entretê-
lo. A consciência dele tornar-se adormecida, o mundo sorri, a carne
é doce, os comunheiros carnais o cercam com bajulação e tudo o
que pode ser desfrutado é apresentado a esse desviado para deixá-
lo acomodado. Porém, eis que ele passa a ver novamente sua
própria nudez e percebe que a lei está afiando o seu machado para
golpeá-lo. Quanto ao mundo, o desviado se dá conta que é fugaz
como uma bolha de sabão. Ele sente o cheiro do enxofre que Deus
espalhou dentro da habitação dele (Jó 18:15). “Ah” — diz ele —
“estou iludido, estou enredado. O modo como eu via as coisas
anteriormente era verdadeiro. Agora vejo novamente as que coisas
são assim. Então ele começa a desejar correr novamente para seu
primeiro refúgio. Ele diz “Ó Deus, estou arruinado, desviei-me da
sua verdade para as mentiras! A princípio acreditei em suas
verdades, mas depois, ao me desviar, cheguei a confirmar a
veracidade delas. Tem misericórdia de mim, ó Deus!”.
E é assim que o desviado dá um segundo testemunho quanto
à miserabilidade do estado humano, à severidade da lei, à futilidade
do mundo, à certeza da morte e ao horror do julgamento. Este
homem já tinha visto essas, mas voltou a vê-las.
É uma grande bênção quando um desviado se arrepende, ou
pelo menos deveria ser, para dois tipos de homens:
1. Para os eleitos que ainda não foram chamados.
2. Para os eleitos que foram chamados e que permanecem
firmes.
Os que ainda não foram chamados são levados a ouvi-lo e a
considerarem seu estado; os que já foram chamados são levados a
ouvi-lo e temerem cair. Contemple, portanto, o mistério da sabedoria
de Deus, e como ele deseja que os espectadores sejam advertidos
e levados a tomarem cuidado. Ele permitirá que alguns daqueles
que lhe pertencem caiam no fogo para convencer o mundo de que o
inferno é quente e para advertir a seus irmãos a acautelarem-se
para que não escorreguem. Tenho dito muitas vezes em meu
coração que esta foi a razão pela qual Deus permitiu que tantos
judeus crentes caíssem, a saber, para que os gentios tomassem
cuidado (Romanos 11:21). “Ó, irmãos!” — diz o apóstata
arrependido — “vocês viram como eu deixei meu Deus? Vocês
viram como me voltei para aquelas vaidades nas quais noutro tempo
eu vivia? Ah! Fui iludido, seduzido, enganado; até que descobri que
todas as coisas das quais fugi a princípio eram ainda piores quando
fui até elas pela segunda vez. Não se desviem, pois vocês estavam
certos ao renunciar seu antigo modo de viver; jamais tentem a Deus
uma segunda vez.
2. E quando, ao retornar, ele nos dá um segundo testemunho
de que o mundo e ele mesmo são como acreditava anteriormente,
então ele testifica, como nunca antes, que Deus e Cristo
permanecem os mesmos, como ele creu no início. Esse homem
recebeu uma prova inicial e uma prova posterior de sua convicção
do mal do mundo e da bondade de Deus. Recebeu uma prova ao
sentir e ver, tanto antes como depois de receber a graça divina.
Deus estabeleceu esse homem como uma testemunha, é como se
ele fosse dois homens, com dois testemunhos. Ele sabe o que é ser
alcançado pela graça e resgatado de seu estado natural, mas isso
todos os cristãos sabem tão bem quanto ele. Porém, ele também
sabe o que é ser resgatado do mundo, do diabo e do inferno, pela
segunda vez; e isso apenas alguns cristãos professos conhecem,
pois são poucos os que caem e tornam a se levantar (Hebreus 6:4-
8). Entretanto, esse homem voltou, logo, a boca profere exortações
tristes e terríveis que devem fazer com que o santo que estiver de
pé tome cuidado para que não caia. Assim, o desviado que se
arrepende é um homem raro, um homem de valor e inteligência a
quem os homens do mundo deveriam ouvir para que aprendessem
a temer ao Senhor Deus. Ele também é um homem de quem os
santos devem receber advertência, sabedoria e força para
permanecerem de pé; pelos males que ele sofreu ao desviar-se, os
santos devem aprender a servir ao Senhor com temor e a regozijar-
se com tremor (1 Coríntios 10:6-13; Isaías 51:11-13; Lucas 22:32).
Este homem recebeu também, pela segunda vez, uma prova
da bondade de Deus, em Cristo Jesus, para com ele; uma prova
que o cristão que permaneceu de pé não tem — e não ao dizer isso
não estou tentando aquele que está de pé a cair — mas o bem que
um desviado que se arrependeu recebeu das mãos de Deus, e da
mão de Cristo, é um bem duplo. Ele foi convertido duas vezes. Foi
resgatado do mundo, do diabo e de si mesmo duas vezes. Oh, que
graça! Uma e outra vez ele foi levado a conhecer a estabilidade da
aliança de Deus, a imutabilidade divina, a verdade certa e duradoura
da promessa de Deus em Cristo e a suficiência dos méritos de
Cristo.
O modo como um desviado retorna a Cristo
Agora falarei um pouco sobre o modo como esse homem veio
a Deus por meio de Cristo. Ele vem da mesma forma como o
pecador recém-despertado, pelos mesmos motivos e pelo
conhecimento das coisas que outrora já sabia (mas que havia
renunciado). Por outro lado, ele vem a partir daquilo que o pecador
recém-despertado não tem, a saber, a culpa de seu desvio, que é
uma culpa pior, mais grave e tenebrosa do que qualquer outra no
mundo. Ele também retorna acompanhado por medos e dúvidas que
surgem de outras razões e considerações que vão além das dúvidas
e medos do recém-despertado — dúvidas construídas sobre a vileza
de seu desvio. Ele também tem textos muito terríveis para
considerar, os quais olharão para ele com olhar muito mais severos
do que olham para aquele que é despertado pela primeira vez. Além
disso, como castigo por seu desvio, Deus parece retirar dele as
doces influências de seu Espírito, como se ele não mais o
permitisse orar ou se arrepender (Salmos 51:11), como se agora o
Senhor o afastasse de tudo e o abandonasse aos seus desejos e
aos seus ídolos — pelos quais ele deixou seu Deus para os seguir.
A multidão de suas iniquidades, como enxames de abelhas, o
assombrará em todos os lugares, não apenas pela culpa que
produzem, mas pela própria vileza e contaminação delas
(Provérbios 14:14). Ninguém conhece as coisas que assombram a
mente de um desviado; todos os novos pecados dele são
transformados em demônios falantes, os quais vociferam ameaças
contra ele em seu interior. Além disso, ele duvida da verdade de sua
primeira conversão. Consequentemente a considera com uma forte
suspeita de que não havia nada de verdadeiro em toda sua primeira
experiência. Isso também adiciona chumbo ao seu fardo e, quanto
aos sentidos e sentimentos, faz com que sua vinda a Deus por meio
de Cristo seja mais pesarosa e difícil.
Como a fidelidade de outros homens o aflige! Ao ver um servo
de Deus honesto, humilde, santo e fiel, ele sempre será ferido em
seu coração. Ele diz consigo mesmo:
Aquele homem teme a Deus e o segue fielmente; como os
anjos eleitos, ele manteve sua posição. Porém eu caí como
um demônio. O homem que honra a Deus edifica os santos,
convence e condena o mundo e se torna herdeiro da justiça
que vem pela fé. Mas eu desonrei a Deus, tropecei e
entristeci os santos, fiz o mundo blasfemar e, pelo que sei, fui
a causa da condenação de muitos!
São coisas como essas e outras semelhantes que ele traz
consigo. E elas o acompanharão e sempre lhe olharão na face;
falarão a ele sobre sua vileza e zombarão dele com desprezo
durante todo o caminho que ele percorrerá até se achegar a Deus
por meio de Cristo — eu sei o que digo! — isso torna sua vinda a
Deus por meio de Cristo ainda mais difícil para ele.
Além disso, ele pensa que os santos o evitarão, ficarão
receosos em relação a ele e hesitarão em voltar a confiar nele. Ele
receia que os crentes falarão a seu Pai sobre ele e farão intercessão
contra ele, assim como Elias fez contra Israel (Romanos 11:2), ou
como fizeram os homens que eram conservos daquele que pegou
seu irmão pela garganta (Mateus 18:31). A vergonha cobre seu
rosto durante todo o caminho pelo qual ele vem, ele não sabe o que
fazer. O Deus para o qual ele está se voltando é aquele a quem ele
menosprezou, aquele que foi preterido pela mais vil luxúria. E ele
tem consciência de que Deus sabe disso e que todos os seus
caminhos estão diante dele. O homem que está voltando a Deus
após haver se desviado pode contar histórias estranhas e, no
entanto, verdadeiras. Nenhum homem esteve na barriga de uma
baleia e saiu vivo, senão Jonas, o profeta que se desviou e se
arrependeu; por conseguinte, nenhum homem poderia dizer como
ele estava ali, ou o que sentiu, viu e o que se passou em seu
coração enquanto esteve lá, tão bem quanto o próprio Jonas.
A vinda do cristão sincero a Deus por meio de Cristo
Falarei agora sobre o terceiro tipo de homem, a saber, o
homem sincero e reto que vem a Deus por meio de Cristo. E
embora isso possa, em certo sentido, ser aplicável aos dois
primeiros, embora não possamos dizer que eles vêm a Deus em
sinceridade e retidão. Refiro-me agora àquele que já foi chamado a
crer e que possui uma boa medida de sinceridade e retidão dada
por Deus.
Este homem também vem a Deus por meio de Cristo; mas a
sua vinda deve ser distinguida, em sua essência, da vinda dos
outros dois. O outro vem pelo conhecimento do perdão, algo em que
o cristão justo e fiel crê consoladoramente e pelo ele
frequentemente é impelido a dar graças a Deus. Não estou dizendo
ele não tenha dúvidas ou que, às vezes, não tenha momentos de
hesitação; nem estou dizendo que o conhecimento de sua
reconciliação com Deus por meio de Cristo Jesus seja tão elevado,
firme, estável e constante que não possa ser abalado, ou que ele
não precisa ser desenvolvido. Explicarei o que quero dizer: Ele não
vem a Deus do mesmo modo como pecador não convertido vem;
ele não vem do mesmo modo que um desviado que retorna para
Deus após vaguear para longe de seus caminhos. Mas ele vem
como um filho, como alguém que pertence à família de Deus e que,
mesmo quando corrigido, não se apartou impiamente de seu Deus.
Então ele vem a Deus com aquela ousadia piedosa que é
própria apenas daqueles que andam com Deus (Romanos 5:2).
Nem todo aquele que for salvo fará ou será capaz de fazer isso —
por exemplo, os homens dos dois casos que foram tratados
anteriormente.
Ele se achega a Deus por meio de Cristo constantemente pela
oração, pela meditação e por todas as ordenanças. Portanto, ele faz
uso das ordenanças porque por meio delas, através de Cristo, ele
chega à presença de Deus (Salmo 27:4).
18. Ele vem a Deus por meio de Cristo, porque julga que Deus
é o único bem, a bem-aventurança, a felicidade que vale a pena ser
buscada. Ele crê que Deus é o único bem e bem-aventurança que
podem encher a alma até que ela transborde, que ele é aquele bem
e felicidade que são apropriados para o nosso coração, alma e
espírito. Portanto, Davi expressa sua vinda a Deus em suspiros,
sede e lágrimas, ao dizer: “Suspira a minha alma por ti, ó Deus! A
minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo; quando entrarei e me
apresentarei ante a face de Deus?” (Salmos 42:1-2). E mais uma
vez: “Irei ao altar de Deus, a Deus, que é a minha grande alegria”
(Salmos 43:4). E foi por isso que ele teve tantos ciúmes da
andorinha e do pardal, a saber, porque eles podiam ir ao altar de
Deus, onde ele havia prometido conceder a sua presença, enquanto
ele — creio eu — havia sido forçado a fugir devido à fúria e
perseguição de Saul. Ele diz:
A minha alma está desejosa, e desfalece pelos átrios do
Senhor; o meu coração e a minha carne clamam pelo Deus
vivo. Até o pardal encontrou casa, e a andorinha ninho para
si, onde ponha seus filhos, até mesmo nos teus altares,
Senhor dos Exércitos, Rei meu e Deus meu. Bem-
aventurados os que habitam em tua casa; louvar-te-ão
continuamente (Salmos 84:2-4).
Então, um pouco mais a frente ele diz: “Porque vale mais um
dia nos teus átrios do que mil. Preferiria estar à porta da casa do
meu Deus”, eu preferiria sentar na soleira da tua casa, “a habitar
nas tendas dos ímpios”, e então ele apresenta o motivo, “porque o
Senhor Deus é um sol e escudo; o Senhor dará graça e glória”
(Salmos 84:10-11).
A glória e a bondade arrebatadoras da presença de Deus são
coisas que o mundo não conhece e nem pode desejar saber o que
é.
Esses homens piedosos também se achegam a Deus por
outras razões, pois eles possuem muitos motivos para buscar a
Deus.
Preocupação com seu próprio estado
(1.) Eles vêm a Deus em busca de uma visão mais clara sobre
si mesmos, pois desejam saber o quão fracos são, pois quanto mais
sabem disso, mais tomam cuidado de suas almas, vigiam seus
caminhos e receiam tentar o seu Deus a deixá-los (Salmos 39:1-8).
(2.) Eles vêm a Deus por meio de Cristo em busca da
mortificação de suas concupiscências e corrupções; pois essas
coisas são uma chaga e uma praga para uma alma
verdadeiramente santificada. Tanto é assim que, se for necessário
para se livrar de tais concupiscências, um homem piedoso prefere
morrer do que viver. Foi isso que Davi quis dizer quando clamou:
“Cria em mim, ó Deus, um coração puro, e renova em mim um
espírito reto” (Salmos 51:10). E Paulo, quando disse: “Miserável
homem que eu sou! quem me livrará do corpo desta morte?”
(Romanos 7:24).
(3.) Eles vêm a Deus por meio de Cristo em busca de
renovação e fortalecimento de suas graças. As graças que os
piedosos receberam estão sujeitas à decadência, e eles são
sensíveis a isso. Eles não podem viver sem que sejam
continuamente supridos com a graça divina. Esse é o significado
dessas passagens: “retenhamos a graça” e “cheguemos, pois, com
confiança ao trono da graça, para que possamos alcançar
misericórdia e achar graça, a fim de sermos ajudados em tempo
oportuno” (Hebreus 12:28, 4:16).
(4). Eles vêm a Deus por meio de Cristo em busca de auxílio
contra as tentações com as quais possam se deparar (Mateus 6:13).
Eles sabem que toda nova tentação contém uma nova armadilha e
um novo mal, mas não sabem qual armadilha ou mal. Mas o seu
Deus sabe e pode livrá-los da tentação quando estiverem passando
por ela, assim como também pode impedir que passem por alguma
tentação.
(5.) Eles vêm a Deus por meio de Cristo em busca da bênção
sobre os meios de graça que Deus concedeu para o socorro da
alma e a edificação dela na fé, pois eles sabem que tanto o meio
quanto a bênção sobre ele procedem de Deus (2 Tessalonicenses
3:1). E eles são encorajados pelo que Deus disse: “Abençoarei
abundantemente o seu mantimento; fartarei de pão os seus
necessitados” (Salmos 132:15).
(6.) Eles vêm a Deus por meio de Cristo em busca do perdão
dos seus pecados diários (Salmos 19:12) e para que possam
permanecer à luz de sua face. Cristo sempre aceita a pessoa e os
serviços deles, e assegura uma resposta de paz da parte de seu Pai
nos corações deles — pois essa é a vida de suas almas. Além das
que podem ser mencionadas aqui, existem muitas outras coisas
semelhantes a estas pelas quais o homem sincero e justo se
achega a Deus.
Preocupação com a igreja e com os outros
(1.) Este homem também se achega a Deus para suplicar pelo
avanço do reino de Cristo, que ele sabe que nunca acontecerá até
que o anticristo pereça e que o Espírito seja mais abundantemente
derramado sobre nós desde o alto. Portanto, ele também clama a
Deus pela queda do primeiro e pelo derramamento do último.
(2.) Ele se achega a Deus para clamar pela reunião de seus
eleitos; pois é uma aflição para ele pensar que tantos daqueles por
quem Cristo morreu continuam em um estado de inimizade contra
ele (Salmos 122:6).
(3.) Ele se achega a Deus para que um espírito de unidade
seja derramado entre os crentes, pois em seu coração há uma
grande preocupação contra as divisões.
(4.) Ele se achega a Deus para orar pelos magistrados para
que Deus os leve a fazer aquilo que promoverá o bem de sua igreja
— isto é, “odiarão a prostituta”, “a colocarão desolada e nua”,
“comerão a sua carne” e “a consumirão no fogo” (1 Timóteo 2:1;
Apocalipse 17:16).
(5.) Ele se achega a Deus para implorar que apresse aquele
grande e glorioso dia da vinda de nosso Senhor Jesus, pois ele
sabe que Cristo nunca será exaltado, como deve ser, até aquele dia;
e também sabe que até aquele dia a igreja de Deus nunca será
como deveria ser (Apocalipse 22:20).
(6.) Mas o principal significado, se assim posso dizer, deste
grande texto é o seguinte: que aqueles que se achegam a Deus por
meio de Cristo são os mesmos que através de Cristo chegam a
deleitar-se em Deus pela fé e espiritualmente aqui, e por uma visão
clara e pela certeza de que se deleitará ainda mais nele no outro
mundo. Esse é o grande propósito da alma ao vir a Deus por meio
de Jesus Cristo, e ela vem a ele por meio de Jesus Cristo porque
não ousa vir por si mesma e porque o próprio Deus fez de Cristo o
novo e vivo caminho. Em Cristo, o Pai se encontra com aquele que
lhe agrada, e a alma com aquele que a salva. Em Cristo, há a justiça
e méritos abundantes que podem justificar o ímpio. Não importa
quão vazio alguém seja, em Cristo há uma plenitude de mérito que é
apresentada continuamente a Deus por meio dele para minha
obtenção daquilo que careço, seja sabedoria, graça, o Espírito
Santo ou qualquer outra bênção.
Ao tratar sobre esse assunto busquei abordar as coisas nesta
ordem para aprofundar seus pensamentos, aumentar a convicção
de seu espírito, despertar-lhe para Deus e mostrar os bons sinais da
graça — onde ela está, onde ela é abusada e onde estão buscando
por ela.
Inferências dessa vinda a Deus por meio de Cristo
Agora farei mais alguns inferências sobre esse ponto com fiz
como já fiz com aqueles que o precederam. Acabei de lhe falar
sobre o homem que se aproxima de Deus; mencionei o modo como
ele vem e o seu estado de espírito quando ele vem. Assim,
podemos inferir o seguinte:
Primeira inferência
Segundo o reto juízo, aquele que vem a Deus por meio de
Cristo não é tolo. De fato, os mundanos o consideram tolo, pois as
coisas que procedem do Espírito de Deus são loucura para eles.
Mas se ele for avaliado segundo um julgamento correto será visto
que ele não é tolo.
Portanto, agora ele busca e se envolve com toda a sabedoria.
Ele escolheu se preocupar com a própria fonte de sabedoria. Cristo
é a sabedoria de Deus, e o caminho para o Pai por meio de Cristo é
o maior dos mistérios. Escolher andar nesse caminho é fruto da
maior sabedoria. Portanto, aquele que se preocupa com isso não é
um tolo (Provérbios 18:1; 1 Coríntios 1).
Evitar sua própria ruína seria um sinal de tolice? Os homens
prudentes preveem o mal e se escondem, mas o tolo prossegue em
seus caminhos e sofre o mal (Provérbios 18:8, 27:12). Ora, esse
homem prevê o maior de todos os males, o pecado, e também
prevê a condenação da alma ao inferno, devido ao pecado; e então
foge para Cristo, que é o refúgio que Deus providenciou para os
pecadores arrependidos. Isso é algo que evidencia alguém que é
tolo? Se é, então que Deus torne tolos a mim e a você, que lê estas
linhas, pois assim seremos mais sábios do que todos aqueles que
são considerados sábios segundo a sabedoria deste mundo. Seria
um sinal de tolice nos reconciliarmos com nosso adversário com
quem estamos em dívida antes de ele nos entregar ao juiz?[6] Esse
é um ato da mais alta sabedoria.
Quem é tolo, aquele que escolhe para si o que é duradouro ou
aquele cujas melhores coisas perecerão um dia? Pecadores, “antes
que as vossas panelas sintam o calor dos espinhos [antes que se
deem conta de seu estado], como por um redemoinho os arrebatará
ele, vivo e em indignação” (Salmos 58:9). Mas esse homem se
precaveu; como a tartaruga, ele traz um casco nas costas, tão forte
e sólido, que ele não teme nem mesmo se uma carroça passar por
cima dele. O Senhor é sua rocha, seu escudo, seu refúgio, sua torre
alta, na qual ele habita continuamente.
O mordomo injusto foi um tolo ao se precaver para o futuro?
Por providenciar amigos para recebê-lo em suas casas caso outros
lhe fechassem as portas (Lucas 16:8-9)? Assim também não é um
tolo aquele que conseguir outra casa para morar antes que a morte
lhe feche as portas deste mundo.
Assim como aquele que vem a Deus por meio de Cristo não é
um tolo, ele também não é esse também não é mesquinho. Há uma
geração de homens neste mundo que considera possuir as maiores
capacidades, embora a grandeza de seus desejos não se eleve
acima das coisas terrenas. Se eles podem, com sua astúcia e
política adquirir um grande terreno, que tesouro eles reputam haver
obtido para si mesmos! Enquanto isso, o homem do texto acampou-
se ao redor do céu, descobriu o caminho para entrar na cidade
celestial e está decidido, com a ajuda de Deus, a se apropriar dela.
A Terra é algo desprezível aos olhos desse homem; e ele considera
a grandeza e os esplendores terrenos como nada mais do que
bolhas de espuma. Ninguém senão Deus é o fim último de seus
desejos, e ninguém senão Cristo é o meio para cumprir seu fim — é
isso que esse homem estima. Ora, nenhuma companhia é aceitável
para tal homem, exceto o Espírito de Deus, Cristo e seus anjos, e os
santos, coerdeiros com ele. Todos os outros homens e coisas, ele
os trata como se lhe fossem estranhos, como um peregrino os
trataria. A mente desse homem voa mais alto do que a águia ou a
cegonha nos céus. Ele medita nas coisas que estão acima e na
glória delas, e pensa no que está por vir.
Entretanto, como já lhe mostrei o que ele não é, deixe-me agora
dizer-lhe o que ele é.
(1.) Ele é um homem preocupado com sua alma imortal.
Embora a alma possua grande valor, a maioria das pessoas quase
não pensa a respeito dela. A maior parte das pessoas negligencia
suas almas enquanto se importam com todas as outras coisas.
Porém, este finalmente veio a entender que sua alma tem mais valor
do que o mundo, portanto ele se preocupa com sua alma. As
preocupações com a alma são preocupações da mais alta natureza,
são preocupações que emergem de pensamentos muito profundos
e importantes. Aqueles que nunca se preocuparam com suas almas
também nunca souberam se entregar a pensamentos grandes e
profundos. Ora, o homem que vem a Deus por meio de Cristo é
alguém que está ocupado com as preocupações da alma.
(2.) Ele é um homem cujo espírito está inclinado às coisas
espirituais, pois uma inclinação carnal não pode se adequar e se
deleitar nessas coisas: “Porquanto a inclinação da carne é inimizade
contra Deus, pois não é sujeita à lei de Deus, nem, em verdade, o
pode ser” (Romanos 8:7). Ele é o homem que Deus atraiu e o
mantém próximo, enquanto todos os outros vão para ondem
querem, como animais selvagens. Se os pássaros pudessem falar,
certamente diriam que aqueles que são mantidos na gaiola são de
temperamento diferente daqueles que percorrem o ar e sobrevoam
os campos e bosques. E se pássaros domesticados pudessem falar
ao demais, eles diriam que desfrutam de boa comida, enquanto
aqueles outros vivem de minhocas e vermes. Eles também diriam
que vivem onde existem as melhores coisas e que seus
companheiros são os homens. Além disso, eles aprendem algumas
notas e podem cantar certas melodias, as quais outros pássaros
desconhecem. Assim é com o homem cujo espírito está sujeito a
Deus, ele está reconciliado com Deus não apenas porque as
diferenças foram removidas, mas porque foi estabelecida uma
unidade de coração. Ninguém conhece as doces alegrias que Deus
concede àquele homem e nem que notas e melodias Deus o ensina
a cantar. Davi disse: “E pôs um novo cântico na minha boca, um
hino ao nosso Deus; muitos o verão, e temerão, e confiarão no
Senhor” (Salmos 40:3).
Segunda inferência
Há quem venha a Deus por meio de Cristo? Portanto, há quem
creia em um mundo por vir. Nenhum homem procura por aquilo em
que não crê. A fé deve preceder sua vinda a Cristo. Sua vinda é o
fruto de sua fé. Aquele que vem deve crer antes de poder vir, por
isso é dito: “Andamos por fé” — isto é, nos achegamos a Deus por
meio de Cristo pela fé (Hebreus 11:7; 2 Coríntios 5:7). E, portanto,
podemos concluir duas coisas a partir disso:
1. A fé é forte e vigorosa.
2. Aqueles que não vêm a Deus por meio de Cristo não têm fé.
A fé é forte e vigorosa, seja ela verdadeira ou falsa.
(1.) Uma falsa fé é capaz de fazer grandes coisas. Ela pode
fazer com que os homens sigam acreditando em mentiras,
defendendo-as e se posicionando a favor delas, e tudo isso para a
condenação de suas almas: “Deus lhes enviará a operação do erro,
para que creiam a mentira”, para sua própria condenação (2
Tessalonicenses 2:11-12). Por isso é dito que há homens que fazem
da mentira o “seu refúgio”. Por quê? Porque eles “confiam na
mentira” (Jeremias 28:15). Quando um homem crê em uma mentira
e deposita sua fé nela, ele é capaz de fazer grandes coisas, pois a
fé é muito forte. Suponha que você esteja a cerca de 30 quilômetros
de casa, e então algum homem lhe informe que sua casa pegou
fogo, e que sua esposa e seus filhos estão lá dentro. Se você de
fato acreditar nisso, mesmo que nada seja verdade, essa mentira
afetará seu espírito como se fosse uma notícia verdadeira. Quantos
há no mundo cujo coração Satanás encheu com a crença de que
eles estarão em bom estado e condição quando partirem para outro
mundo? E eles são levados a viver de acordo com tal esperança
mentirosa de que tudo ficará bem com eles, e assim são impedidos
de buscar aquilo que verdadeiramente os fará bem-aventurados. O
homem está naturalmente apto e desejoso de ser enganado e,
portanto, uma fé sem fundamento é mais convincente para ele. A
ilusão ajudará a confirmar uma falsa fé, bem como a vaidade e a
ociosidade de espírito. Também há no homem a disposição de
confiar nas coisas sem examinar o fundamento e a razão para tal.
Satanás não hesitará em induzir e encorajar que você creia em uma
mentira, pois ele sabe que isso será um meio para levá-lo até
àquele fim que ele deseja para você. Portanto, que os homens se
acautelem contra uma fé falsa e mentirosa!
(2.) Mas se uma fé falsa é tão forte, o que diremos daquela
que é verdadeira? Que força existe em uma fé que é gerada pela
verdade, dirigida pela verdade, alimentada pela verdade e
preservada pela verdade de Deus? Essa fé tornará as coisas
invisíveis em visíveis; não de modo ilusório, mas substancial: “Ora, a
fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das
coisas que se não veem” (Hebreus 11:1). A verdadeira fé carrega
consigo uma evidência da certeza daquilo em que crê, e essa
evidência é a infalível Palavra de Deus. Existe um Deus, um Cristo,
um céu — e a fé declara tudo isso, pois a Palavra de Deus assim o
diz. O caminho para esse Deus e para esse céu é por meio de
Cristo, pois a Palavra de Deus assim o diz. Se eu não correr para
esse Deus por meio desse Cristo, esse céu nunca será minha
porção, pois a Palavra de Deus assim o diz. Portanto, crer dessa
forma faz o homem vir a Deus por meio de Cristo. O fato de crer
assim, então, é que o leva para longe deste mundo, que o faz
desprezá-lo e concede a vitória sobre ele:
Porque todo o que é nascido de Deus vence o mundo; e esta
é a vitória que vence o mundo, a nossa fé. Quem é que
vence o mundo, senão aquele que crê que Jesus é o Filho de
Deus? Este é aquele que veio por água e sangue, isto é,
Jesus Cristo; não só por água, mas por água e por sangue. E
o Espírito é o que testifica, porque o Espírito é a verdade (1
João 5:4-6).
Agora, se for verdade que a verdadeira fé é tão forte a ponto
de fazer com que um homem deixe seu comodismo e venha a Deus
por meio de Cristo, então podemos inferir que aqueles que não vêm
a Deus por Cristo não têm fé. O homem é tolo a ponto de acreditar
nas coisas e não procurar por elas? Alguém pode crer em coisas
grandes, mas não se preocupar com elas? Quem acharia uma
pérola e, mesmo assim, não a consideraria digna de fazê-lo se
abaixar? Creia que você é o que você é; creia que o inferno é o que
ele é; creia que a morte e o julgamento estão chegando, como de
fato estão; e creia que o Pai e o Filho são exatamente como eles
são descritos na Palavra, pelo Espírito Santo — e então será
impossível permanecer acomodado em seus pecados. Você não
poderá ficar parado. A fé é forte demais. A fé está fundamentada na
voz de Deus e no ensino de Deus, encontrados em sua Palavra. E é
do agrado de Deus que pela loucura da pregação sejam salvos
aqueles que creem; pois crer faz com que se aproximem de coração
e abracem o que a Palavra lhes apresenta, pois passam a ver as
coisas como elas realmente são.
Deus fala à alma do homem, e o homem não deveria
acreditar? o homem deveria acreditar em Deus e não fazer nada a
respeito disso? Isso é impossível. “A fé vem pela pregação, e a
pregação, pela palavra de Cristo”.[7] E sabemos que quando a fé
vem, ela purifica o coração de tudo o que é contrário a Deus e à
salvação da alma.
Assim, então, aqueles homens que estão à vontade em uma
conduta pecaminosa, ou que não vêm a Deus por meio de Cristo, é
porque não possuem fé e, portanto, deverão perecer com os
incrédulos e abomináveis (Apocalipse 21:8).
O mundo inteiro está dividido em dois tipos de homens —
crentes e incrédulos. Os piedosos são chamados de crentes; e isso
porque eles deram crédito às grandes coisas do evangelho de Deus.
Esses crentes são referidos em nosso texto como aqueles que vêm
a Deus por meio de Cristo, pois aqueles que creem virão; pois o vir
é fruto da fé como hábito ou, se preferir, é a fé na prática. No
entanto, a fé deve ter um princípio na alma antes de poder ser
colocada em ação.
Portanto, isso evidencia que aqueles que não vêm, não têm fé,
não são crentes, não pertencem à família da fé e serão condenados:
“Quem não crer será condenado” (Marcos 16:16).
Não lhe servirá de nada dizer: Eu creio que existe um Deus e
um Cristo, visto que sua atitude demonstra que você está mentindo
ou que sua fé é pior do que falsa. Você diz: “Mas o objeto da minha
fé é verdadeiro”. Eu respondo:
O objeto da fé dos demônios também é verdadeiro; pois eles
acreditam que há um Deus e um Cristo, mas sua fé, quanto ao seu
princípio e prática, é totalmente diferente da fé salvífica que é
mencionada em nosso texto, que é fé pela qual os homens se
achegam a Deus por meio de Cristo. Portanto, você está enganado,
ó preguiçoso! Se não vem a Deus por meio de Cristo, então você
acaba por declarar abertamente que sua fé é vã: “Apascenta-se de
cinza; o seu coração enganado o desviou, de maneira que já não
pode livrar a sua alma, nem dizer: Porventura não há uma mentira
na minha mão direita?” (Isaías 44:20).
Terceira inferência
Há quem venha a Deus por meio de Cristo? Então infiro a
partir disso que o mundo vindouro é melhor do que este. Tão melhor
que vale a pena renunciar a este mundo por aquele que há de vir
enquanto vamos a Deus por meio de Cristo. Ainda que tivéssemos
uma boa vida neste mundo valeria a pena deixar tudo pelo mundo
por vir. Pois o homem que vem a Deus por meio de Cristo escolheu
o mundo que é infinitamente bom, um mundo incomparável.
Estamos certos disso, pois está escrito que aquele que vem a Deus
por meio de Cristo fez a melhor escolha, visto que escolheu uma
cidade que tem fundamentos (Hebreus 11:10). Há várias coisas que
evidenciam claramente que aquele que vem a Deus por meio de
Cristo fez a melhor escolha do mundo.
1. Deus recomenda o mundo por vir, mas despreza este (2
Tessalonicenses 1:5-6). Portanto, aquele é chamado de “reino de
Deus”, mas este é chamado de “mundo mau”

(Gálatas 1:4). Visto que Deus fez os dois mundos, então podemos
concluir que ele é o mais capaz de julgar qual dos dois é o melhor.
Então eu o encaminho para o julgamento de Deus sobre questão o
qual você pode encontrar nas Escrituras da verdade: “O céu é o
meu trono, e a terra o estrado dos meus pés” (Atos 7:49). Espero
que você entenda que há uma diferença aqui. O Senhor é o Deus
daquele mundo, o diabo é o deus e príncipe deste. Portanto, nisso
também transparece a diferença que há entre eles.
2. Aquele mundo e aqueles que são considerados dignos dele
serão todos eternos; mas não será assim com o mundo presente,
nem com os seus habitantes. A Terra com as suas obras será
queimada, e os homens que pertencem a ela perecerão da mesma
maneira (2 Pedro 3). “Porém Israel será salvo pelo Senhor, com
uma eterna salvação; por isso não sereis envergonhados nem
confundidos em toda a eternidade” (Isaías 45:17). Este mundo, junto
com aqueles que o amam, acabarão nas chamas de um inferno de
fogo; mas o mundo vindouro não se desvanecerá (1 Pedro 1:3-4).
3. Os melhores confortos do mundo presente são misturados
com sofrimentos ou maldições; mas no mundo vindouro não haverá
sofrimento ou maldição alguma. Não haverá mais maldição, e
quanto aos sofrimentos, todas as lágrimas serão enxugadas dos
olhos dos que ali habitarem. Ali não haverá nada além de deleites
arrebatadores e santos, e a alegria não cessar. Lá não haverá
nenhuma partícula de pecado. “Na tua presença há fartura de
alegrias; à tua mão direita há delícias perpetuamente” (Salmos
16:11).
4. Lá os homens serão como anjos, “porque já não podem
mais morrer” (Lucas 20:35-36). Contemplarão a face de Deus e de
seu Filho e serão inundados em sua alegria para sempre.
5. Lá os homens estarão longe de toda miséria e saberão que
será totalmente impossível que qualquer coisa como tristeza, dor,
doença ou descontentamento os aflija novamente.
6. Lá os homens serão recompensados por Deus pelo que
fizeram e sofreram em obediência à sua vontade e por causa de
Cristo. Ali eles serão apascentados em paz e vestidos com
consolação eterna.
7. Todos os habitantes do mundo por vir serão e é assim que
serão proclamados lá. Eles também serão coroados com coroas de
vida, glória, alegria eterna e benignidade: “Naquele dia o Senhor dos
Exércitos será por coroa gloriosa, e por diadema formosa, para os
restantes de seu povo” (Hebreus 2:7; Isaías 28:5, 35:10; Salmos
103:4). Ora, se aquele mundo por vir, embora nada mais possa ser
dito sobre ele nestas poucas linhas, não for infinitamente melhor do
que o mundo presente, então estou equivocado quanto às minhas
considerações. Mas o homem que vem a Deus por meio de Cristo
está satisfeito pois está certo de que o mundo por vir é infinitamente
superior e este. E se todo o caminho que ele devesse percorrer até
chegar lá estivesse coberto de brasas, ainda assim, ele escolheria,
com a ajuda de Deus, percorrer esse caminho ao invés de ter sua
parte com os que perecem.
Quarta inferência
Se houver um mundo por vir, se o caminho para ele for seguro
e bom e se Deus está lá para ser desfrutado por aqueles que vêm a
ele por meio de Cristo — então isso demonstra a grande loucura da
maioria dos homens. Loucura no mais alto grau, pois eles se
recusam a vir a Deus por meio de Cristo para que sejam herdeiros
do mundo vindouro. A característica que Salomão atribui a eles está
correta: “O coração dos filhos dos homens está cheio de maldade, e
que há desvarios no seu coração enquanto vivem, e depois se vão
aos mortos” (Eclesiastes 9:3). O louco fica concentrado naqueles
objetos que o entretém ou em qualquer outra coisa, exceto naquilo
em que ele deveria estar, e o mesmo acontece com aqueles que
não vêm a Deus por meio de Jesus Cristo. O louco não tem ouvidos
para ouvir nem seu coração recebe os bons conselhos dos que
estão em seu juízo perfeito, assim acontece também com aqueles
que não vêm a Deus por meio de Cristo. Um louco se interessa mais
por palhas e penas, com as quais se enfeita, do que por todas as
pérolas e joias do mundo; e aqueles que não vêm a Deus por meio
de Cristo se interessam mais pelas fugazes bolhas de espuma desta
vida do que pela honra que o homem sábio herdará, diz Salomão:
“Os sábios herdarão honra, mas os loucos tomam sobre si
vergonha” (Provérbios 3:35). Que vergonha ver as joias de Deus
serem ignoradas, ainda mais por aqueles que pensam que ninguém
é mais sábio do que eles. Sei que os sábios deste mundo irão
zombar de nós por pensarmos que eles estão loucos. Na verdade,
quanto mais sábio alguém é aos olhos deste mundo, mais tolo ele é
sobre os assuntos de Deus; e quanto mais obstinadamente eles
permanecem nesse caminho, mais loucos se fazem.
Quando Salomão se entregou a desvios, ele disse que se
entregou à loucura e à estultícia (Eclesiastes 1:17, 2:12). E quando
ele buscou saber o que o homem é desde a queda, ele saiu em
busca da insensatez e da loucura (Eclesiastes 7:25-29). E não é dito
que quando os judeus se iraram contra Jesus, por causa do bem
que ele fez no sabbath, que isso se deu por eles estarem tomados
pela loucura? Não será que Paulo também, no período em que se
opunha a Cristo, ao evangelho e aos seus adeptos, não nos diz
claramente que ele alcançou o mais alto grau de loucura?[8] “E,
excessivamente enlouquecido contra eles, até nas cidades
estranhas os persegui” (Atos 26:11, trad. lit.). Ora, se perseguir os
cristãos como Saulo fez é uma loucura excessiva, então quantos
hoje devem ser considerados excessivamente loucos, ainda que se
considerem os únicos homens sóbrios? Eles agem segundo o que
pensam ser correto e passam a se opor à sua própria felicidade,
acalentar e nutrir serpentes em seus próprios corações, escolher
para si os caminhos da morte e da condenação. Eles se ofendem
contra aqueles que se esforçam para tirá-los do abismo em que
estão, e preferem mentir e morrer ali do que irem a Deus por meio
de Cristo para que possam ser salvos da ira por meio dele. Eles
estão tão loucos que consideram que o homem mais sóbrio, piedoso
e santo é de fato o louco. Eles consideram que quanto alguém
busca sinceramente a vida, mais louco ele é; quanto mais alguém
possuir o Espírito, mais louco ele é; quanto mais alguém desejar
promover a salvação dos outros, mais louco ele é. Mas isso não é
um sinal de uma loucura do pior tipo? Contudo, há muitos desses
loucos e também são loucos todos aqueles que durante sua vida
preferem viver segundo o que eles mesmo julgam ser correto e se
recusam a virem a Deus por meio de Cristo, e permanecem assim
mesmo enquanto a porta está aberta e o cetro de ouro da graça do
Deus bendito é estendido para eles (João 10:20, Atos 26:24). Essa
é a quarta inferência.
Quinta inferência
Uma outra inferência que podemos fazer a partir deste texto é
que o fim que Deus trará aos homens será conforme o fato de virem
ou não a ele por meio Cristo. Aqueles que vêm a Deus por meio de
Cristo se abrigaram e se refugiaram; mas aqueles que não vêm a
Deus por meio de Cristo ficam expostos à tempestade que haverá
no último dia. Naquele dia o vento e tempestade serão tão fortes
que arrebatarão os que estiverem confiando em si mesmos: “Virá o
nosso Deus, e não se calará; um fogo se irá consumindo diante
dele, e haverá grande tormenta ao redor dele. Chamará os céus lá
do alto, e a terra, para julgar o seu povo” (Salmos 50:3-4). Ora,
naquele dia qual será a porção daqueles que tiverem se recusado a
vir a Deus por meio de Cristo? Ninguém senão Deus sabe qual será
a recompensa dos incrédulos.
Escrever e pregar são coisas vãs para tais pessoas; que os
homens digam o que quiserem ou puderam para as persuadir e
dissuadir de sua negligência de virem a Deus, tudo isso será inútil,
pois eles estão decididos a não darem um passo. Eles provocarão a
Deus para verem se ele é tão fiel a si mesmo e à sua Palavra a
ponto de condená-los ao fogo do inferno por se recusarem a ouvir e
obedecer à voz daquele que fala do céu.
Mas essa é apenas uma tentativa desesperada. Várias coisas
declaram que Deus está determinado a condená-los:
1. A forca está pronta — o inferno está preparado para os
ímpios.
2. Os anjos que pecaram já estão acorrentados e presos ao
julgamento daquele dia, não obstante sejam, no que diz respeito à
sua criação, mais elevados e maiores do que os homens (2 Pedro
2:4). Que os pecadores, então, cuidem de si mesmos.
3. O juiz está preparado e designado, e executará a pena
daqueles que se recusaram vir a Deus, e isso não é nada bom para
eles, pois então lhes dirá: “E quanto àqueles meus inimigos que não
quiseram que eu reinasse sobre eles, trazei-os aqui, e matai-os
diante de mim” (Lucas 19:27).
Mas que surpresa será para aqueles que agora se achegam a
Deus por meio de Cristo quando verem a si mesmos no céu,
verdadeiramente salvos e em plena possa da vida eterna. Pois o
que é a fé em comparação com a posse? A fé é misturada com
muitos medos, é muito combatida e, às vezes, parece estar
completamente extinta — como ela poderá levar alguém para o
céu? Por isso é dito que Deus será admirado naqueles que agora
creem, pois creram no testemunho enquanto estavam aqui; naquele
dia, eles se admirarão daquilo em que criam enquanto estavam no
mundo (2 Tessalonicenses 1:10). Eles também se admirarão ao
pensar, ver e contemplar o que a fé lhes concedeu, enquanto os
demais, por se recusarem a vir a Deus por meio de Cristo, beberão
suas lágrimas misturadas com enxofre ardente.
O arrependimento não será encontrado no céu entre aqueles
que vieram a Deus por meio de Cristo. Porém, o inferno é o lugar do
arrependimento tardio; é ali onde as lágrimas irão se misturar com o
ranger de dentes, enquanto os condenados pensaram em quão
loucos e miseráveis eles foram ao se recusarem a se achegarem a
Deus por meio de Jesus Cristo.
Então seus corações e lábios estarão cheios de falas como:
“Senhor, senhor, abre-nos a porta”. Mas a resposta será: “Vocês me
deixaram do lado de fora, ‘sendo forasteiro, não me hospedastes’;
além disso, vocês se recusaram a virem a meu Pai por meio de
mim, portanto agora vocês devem se apartar de meu Pai por meio
de mim” (Mateus 25).
Aqueles que não serão salvos por Cristo, deverão ser
condenados por Cristo — nenhum homem pode escapar de um dos
dois. Eles podem recusar o primeiro, mas não podem evitar o
segundo. Então aqueles que não querem vir a Deus por meio de
Cristo terão ócio e tempo o suficiente, se é que posso chamar isso
de tempo, para considerarem o que fizeram ao se recusarem a vir a
Deus por meio de Cristo. Eles meditarão fervorosamente sobre
essas coisas, seus pensamentos estarão inflamados por conta
disso, mas será tarde demais; em cada pensamento haverá uma
ferroada, a qual, como uma flecha de aço, os ferirá continuamente.
Então eles abençoarão aqueles que antes desprezavam e
elogiarão aqueles que haviam desprezado. Ali o homem rico
desejará trocar de lugar com o pobre Lázaro, embora outrora,
enquanto estava no mundo, ele tenha preferido sua própria
condição. O dia do julgamento será a pior coisa para aqueles que
são justos segundo suas próprias opiniões; eles não serão mais
capazes de interpretarem a realidade de forma distorcida. Depois
daquele dia, eles nunca mais irão trocar o amargo pelo doce, as
trevas pela luz, ou o mal pelo bem. Sua loucura então
desaparecerá. O inferno será a casa da confusão do incrédulo, e lá
Deus irá ensinar-lhes uma lição devido a todas as fraudes e
zombarias em que eles se envolveram neste mundo, mas não para
seu proveito ou benefício; o abismo que Deus colocou e fixou entre
o céu e o inferno impedirá que recebam algo além de males (Lucas
16: 23-26).
Mas que alegria será para aqueles que verdadeiramente são
piedosos quando naquele diz pensarem que vieram a Deus por
meio de Cristo! Foi misericórdia dele que os motivou primeiramente
a irem, foi por sua felicidade que eles continuaram vindo; mas a
glória divina é o motivo por terem vindo a Deus por meio de Cristo.
Eles foram a Deus porque ele é tudo! — tudo que é bom,
essencialmente e eternamente bom. Eles foram a Deus! — o
oceano infinito do bem. Eles foram a Deus amigavelmente, por meio
da reconciliação; mas os outros homens viram a Deus para receber
sua ira, pois não vieram a ele por meio Jesus Cristo. Ah como que
desejaria imaginar ou escrever mais poderosamente a você sobre o
estado de felicidade daqueles que vêm a Deus por meio de Cristo.
Assim, eu dos três pontos que foram mencionados
anteriormente, a saber, 1. Sobre a intercessão de Cristo. 2. Sobre os
benefícios dessa intercessão. 3. Sobre as pessoas que são
beneficiadas por essa intercessão.
4
A Certeza da Salvação de Todo
Aquele que Sinceramente Vem a
Deus por Meio de Cristo

Chegamos agora em nosso quarto e último ponto: Demonstrar a


certeza dos benefícios da intercessão de Cristo. “Portanto, pode
também salvar perfeitamente os que por ele se achegam a Deus,
vivendo sempre para interceder por eles” (Hebreus 7:25).
O fato de Cristo viver para sempre é a certeza daqueles
que se achegam a Deus por meio dele
A certeza daqueles que vão a Deus por meio de Cristo de que
receberão o benefício de serem salvos é expressa da seguinte
maneira: “Vivendo sempre para interceder por eles”. A contínua
intercessão de Cristo é um sinal seguro da salvação daqueles que
vão a Deus por meio dele.
Já falamos sobre o que é a sua intercessão e por quem ela é
feita, também já tratamos sobre o motivo dela ser bem-sucedida e
prevalecer; mas falaremos agora sobre a razão dela ser eficaz. E
essa razão, como o apóstolo sugere, reside em sua continuidade:
“Vivendo sempre para interceder por eles”.
O apóstolo também dá muita importância à continuidade do
sacerdócio de Cristo em outros lugares dessa epístola, por exemplo,
ao dizer que ele permanece um sacerdote perpetuamente, “Tu és
sacerdote eternamente”. Ele “tem um sacerdócio perpétuo”
(Hebreus 7:3, 17, 21, 24) e vive “sempre para interceder”.
Ora, o texto demonstra a razão pela qual ele tão
continuamente versa sobre sua durabilidade, a saber, pois é pela
imutabilidade desse sacerdócio que somos efetivamente salvos:
“Portanto, pode também salvar perfeitamente os que por ele se
achegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles”.
Em primeiro lugar, a durabilidade de sua intercessão prova que
a aliança na qual aqueles que se achegam a Deus por meio de
Cristo participam e estão comprometidos não é abalada, quebrada
ou invalidada por qualquer de suas fraquezas e enfermidades.
Cristo é um sacerdote de acordo com sua aliança e a leva em
consideração ao desempenhar todos os seus atos de mediação;
enquanto essa aliança permanecer em vigor, a intercessão de Cristo
terá valor. Por isso, Deus alega a seguinte razão para remover o
antigo sacerdócio: “Não permaneceram naquela minha aliança”
(Hebreus 8:9), isto é, nem os sacerdotes nem o povo. Portanto os
primeiros foram expulsos do sacerdócio e o povo perdeu seu status
de igreja (Hebreus 7:6-9). Agora, na aliança pela qual Cristo atua
como sacerdote a nosso favor, ele também desempenha nossa
parte, sendo, de fato, o Cabeça e Mediador do corpo; portanto,
Deus jamais irá considerar que essa aliança foi quebrada, ainda que
venhamos a pecar, se Cristo Jesus, nosso Senhor, for achado no
desempenho daquilo que, por lei, é exigido de nós. Portanto, ele diz:
“Se os seus filhos deixarem a minha lei, e não andarem nos meus
juízos, se profanarem os meus preceitos, e não guardarem os meus
mandamentos, então visitarei a sua transgressão com a vara, e a
sua iniquidade com açoites…”. Mas seus pecados não anularão a
minha aliança com meu amado, nem farão com que eu os rejeite
para sempre: “Não quebrarei a minha aliança, não alterarei o que
saiu dos meus lábios… A sua semente durará para sempre, e o seu
trono, como o sol diante de mim” (Salmos 89:30-36). Portanto, é
claro que a aliança permanece firme para nós enquanto Cristo
permanecer firme diante de Deus.
Entretanto, ele não apenas é nosso Mediador por aliança, mas
ele mesmo é nossa condição para com Deus. Ele é considerado
“uma aliança do povo”, isto é, aquilo que o Deus santo, por lei,
exigia de nós (Isaías 42:6). Além disso, ele é considerado nossa
justiça ou retidão, que responde ao que a lei exige de nós. Ele se
apresenta diante de Deus como nosso representante. Então, se
alguém me perguntar por que o sacerdócio de Cristo é perpétuo, eu
respondo, pela aliança; pois a aliança pela qual ele é feito sacerdote
permanece com força total. Se alguém perguntar se a igreja está
envolvida nessa aliança, eu respondo, sim, contudo, de um modo
que todos os aspectos e detalhes dela, os quais dizem respeito à
vida e morte eterna, são colocados sobre os ombros de Cristo e é
somente ele quem os executa. Ele é o Senhor, nossa justiça, e o
Salvador do corpo, para que meus pecados não sejam capazes de
quebrar a aliança, antes, apesar deles, a aliança de Deus
permanece firme com Cristo para sempre. E a razão disso é que
nenhuma falha pode ser encontrada em Cristo, que é a pessoa que
apertou a mão do Pai e entrou em acordo com ele em nosso lugar e
a nosso favor; para realizar aquilo que deveríamos ter realizado, de
modo que pudéssemos comparecer diante de Deus por meio de
Cristo.
Que o próprio Deus entende esse assunto dessa maneira fica
evidente pelo fato de que ele também, por seu próprio ato, concede
e imputa a nós aquele bem que nunca fizemos, aquela justiça que
nunca praticamos. E, por outro lado, transmite nossos pecados a
Cristo, não apenas como alguém que poderia oferecer satisfação
por eles, mas que poderia removê-los, tanto de nós como da vista
de Deus, de forma que nunca mais pudéssemos ser acusados para
a morte e condenação por causa deles (Romanos 4:1-5). Os textos
das Escrituras provam isso de forma tão abundante, que apenas um
mulçumano, judeu ou ateu poderiam negá-lo. Além disso, o
mandamento de Deus para que os homens creiam em seu Filho
para a justiça é uma prova suficiente disso, e a razão desse
mandamento constitui uma prova ainda maior, a saber: “Àquele que
não conheceu pecado, o fez pecado por nós; para que nele
fôssemos feitos justiça de Deus” (2 Coríntios 5:19-21). É nisso que
se fundamenta a proclamação de Deus ao ressuscitar Cristo dentre
os mortos: “Seja-vos, pois, notório, homens irmãos, que por este se
vos anuncia a remissão dos pecados. E de tudo o que, pela lei de
Moisés, não pudestes ser justificados, por ele é justificado todo
aquele que crê” (Atos 13:38-39).
Se isso for verdade, como de fato o é, então aqui reside
grande parte da conclusão anunciada em nosso texto: “Vivendo
sempre para interceder por eles”, e por meio disso é demonstração
a certeza da salvação daquele que se achega a Deus por meio dele,
visto que ele “vive sempre para interceder por eles”. Pois se Cristo
Jesus é feito sacerdote segundo a aliança e então permanece como
a própria aliança é permanente, e se seu sacerdócio é imutável
(dado que a aliança é eterna), então o homem que por meio dele se
aproxima de Deus certamente deverá ser salvo. Pois se a aliança, a
aliança da salvação, não for quebrada, então ninguém pode
demonstrar um só motivo pelo qual aquele que vem a Cristo deve
ser condenado, ou por que o sacerdócio de Jesus Cristo viria a
cessar. Portanto, após o apóstolo haver falado sobre a excelência
de sua pessoa e sacerdócio, ele passar a mostrar que o benefício
da aliança de Deus permanece conosco, ou seja, que a graça deve
ser comunicada a nós por causa de seu sacerdócio, e que Deus não
mais se lembraria de nossos pecados e iniquidades (Hebreus 8:10-
12, 10:16-22). Ora, se a aliança, da qual o Senhor Jesus é Mediador
e Sumo Sacerdote, traz em sua essência não apenas a graça e a
remissão de pecados, mas a promessa de que seremos
participantes dessas coisas através do sangue de seu sacerdócio —
pois este é o meio pelo qual essas coisas são comunicadas a nós —
então por que não devemos ter ousadia não apenas para nos
achegarmos a Deus por meio dele, mas também para entrarmos “no
santuário, pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo caminho”?
Em segundo lugar, além disso, esse sacerdócio, quanto à sua
imutabilidade, é confirmado a ele “com juramento por aquele que lhe
disse: Jurou o Senhor, e não se arrependerá; Tu és sacerdote
eternamente” (Hebreus 7:21). Parece-me que este juramento é para
a confirmação da aliança, como foi dito anteriormente por Paulo aos
Gálatas (Gálatas 3:15-17), enquanto discorria a respeito do
estabelecimento que essa aliança recebeu da parte de Cristo, por
meio do sacrifício que ele ofereceu a Deus em nosso favor — sim,
ele fala da confirmação mútua do Pai e do Filho. Ora, uma vez que,
por essa aliança, ele se posiciona e permanece como sacerdote, e
visto que “Jurou o Senhor, e não se arrependerá; tu és sacerdote
eternamente”, assim então é confirmada a certeza da salvação
daquele que vem a Deus por meio de Cristo.
Por meio de seu juramento o Senhor confirma a imutabilidade
de seu conselho para Cristo, e para nós nele (Hebreus 6:16-18),
bem como o fato de que ele é totalmente imutável em suas
resoluções para “salvar perfeitamente os que por ele se achegam a
Deus”. E isso também mostra que essa aliança, e a promessa de
remissão de pecados, é firme e imutável. E vale a pena notar a
forma e a natureza desse juramento: “Jurou o Senhor, e não se
arrependerá”. É como se ele tivesse dito: “Eu me comprometo para
sempre a fazer aquilo que jurei”, ou, “Eu determino que isso jamais
será revogado”, e isto é, “Tu és sacerdote eternamente”. Visto que o
sacerdócio de Cristo permanece por meio de aliança e que a aliança
de seu sacerdócio é confirmada por esse juramento, não poderia ser
de outra forma, senão que aquele que se achega por meio dele a
Deus deve ser aceito por este último; pois se alguém vier por si
mesmo poderia rejeitado devido à multidão de seus pecados ou pela
falta de mérito no sacrifício que o representou e intercedeu por ele
diante do propiciatório. Mas qualquer que seja a razão especificada,
a consequência recai mais duramente sobre o sacrifício de Cristo do
que sobre qualquer outra coisa, e também sobre a aliança e,
finalmente, sobre o próprio Deus, o qual jurou, e não se arrepende,
que ele é um sacerdote para sempre. Eu menciono essas coisas
para lhe mostrar quão perigosas são as conclusões que se seguem
de um conceito que diz que alguns dos que se achegam a Deus por
meio de Cristo não serão salvos, mesmo que ele “viva sempre para
interceder por eles”.
Além disso, o juramento do Senhor, e a forma como ele foi
feito, estabelece o sacerdócio de Cristo de maneira imutável, e
declara que, quanto à excelência de seu sacrifício, Deus é
eternamente satisfeito com a eficácia e os méritos dele; e que ele
jamais lhe negaria qualquer coisa que ele venha a pedir, por causa
daquilo que Cristo sofreu. Pois esse juramento não apenas mostra a
firme resolução de Deus de manter sua parte da aliança, ao dar a
Cristo aquilo que lhe foi prometido, mas também declara que o
sangue de Cristo é capaz de salvar qualquer pecador do julgamento
divino, e que Deus jamais fará com que Cristo deixe de interceder,
não importa quão pecadores sejam aqueles por quem ele intercede,
ele permanecerá sempre intercedendo por eles: “Portanto, pode
também salvar perfeitamente os que por ele se chegam a Deus,
vivendo sempre para interceder por eles”.
Em terceiro lugar, essa imutabilidade do sacerdócio de Cristo
depende também de própria vida dele: “Este, porque permanece
eternamente, tem um sacerdócio perpétuo” (Hebreus 7:24). Embora
isso não fique evidente à primeira vista, essas palavras oferecem o
fundamento para o nosso texto: “Este, porque permanece
eternamente, tem um sacerdócio perpétuo. Portanto, pode também”,
isto é, por seu sacerdócio imutável, “salvar perfeitamente os que por
ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles”
(Hebreus 7:24-25).
A vida de Cristo, então, é o fundamento da duração de seu
sacerdócio e, por conseguinte, o fundamento da salvação daqueles
que se achegam a Deus por meio dele: “Seremos salvos pela sua
vida” (Romanos 5:10). Por isso, em outra passagem, a vida de
Cristo é mencionada de maneira tão enfática — o poder de uma
vida incorruptível. “Que não foi feito [sacerdote] segundo a lei do
mandamento carnal, mas segundo a virtude da vida incorruptível”
(Hebreus 7:16). Uma vida incorruptível é, então, uma coisa
poderosa; e de fato, duas coisas são muito consideráveis nela:
1. Que ela está acima da morte e, portanto, acima daquele que
tem o poder da morte, o diabo.
2. Que ela o capacita a ser o último a permanecer em sua
própria causa e, então, ter a última palavra.
1. Falaremos sobre a primeira coisa e, para melhor
compreendê-la, mostraremos de que vida o apóstolo aqui fala; e
então sobre como ela se torna tão proveitosa tanto ao seu ofício de
sacerdócio quanto a nós.
Que tipo de vida é o fundamento do seu sacerdócio? É a vida
ressurreta, sua própria vida resgatada do poder da sepultura; uma
vida que havíamos perdido, enquanto ele era nosso Fiador, mas ele
a recuperou, pois é o Capitão da nossa salvação: “Dou a minha vida
para tornar a tomá-la… Este mandamento recebi de meu Pai” (João
10:17-18). É a vida que uma vez foi declarada como o preço da
redenção do homem, a qual foi tomada ou recuperada novamente,
como o símbolo ou verdadeiro efeito da redenção que Cristo
consumou em sua morte. Por isso, é dito novamente: “Pois, quanto
a ter morrido, de uma vez morreu para o pecado; mas, quanto a
viver, vive para Deus” (Romanos 6:10). Ele vive à medida que
agradou a Deus que ele morresse por nossos pecados e que, ao
fazer isso, ele mereceu a vida. Se essa vida de Cristo é uma vida
merecida e ganha em virtude da morte que ele sofreu, como é dito
claramente em Atos 2:24, e se essa vida é o fundamento da
imutabilidade desse aspecto de seu sacerdócio, como já vimos,
então segue-se que esse segundo aspecto de seu sacerdócio, que
é chamado aqui de intercessão, é baseado nas demonstrações da
virtude do seu sacrifício, a qual consiste em ter dado a sua vida com
o propósito de tornar a tomá-la.
É dessa forma, então, que ele desempenha esse aspecto de
seu sacerdócio, isto é, não em virtude de um mandamento carnal,
mas pelo poder de uma vida incorruptível, pelo poder de uma vida
resgatada da morte e eternamente exaltada acima de tudo aquilo
que poderia prejudicá-la, pois “tendo sido Cristo ressuscitado dentre
os mortos, já não morre; a morte não mais tem domínio sobre ele”
(Romanos 6:9). Consequentemente, Cristo usou sua vida, a qual ele
tornou a tomar após sua morte, para consolar João quando este
desmaiou diante da visão da glória vitoriosa que ele teve de Cristo
por ocasião de suas visões em Patmos: “E eu, quando o vi, caí a
seus pés como morto; e ele pôs sobre mim a sua destra, dizendo-
me: não temas; eu sou o primeiro e o último; e o que vivo e fui
morto, mas eis aqui estou vivo para todo o sempre. Amém. E tenho
as chaves da morte e do inferno” (Apocalipse 1:17-18). Por que
razão Cristo mencionaria sua vida com o fim de confortar João, se
ela não o beneficiasse? Mas seu benefício não consiste meramente
em ser vida, mas uma vida que foi entregue por seus pecados e
tomada de volta para sua justificação, uma vida perdida para o
redimir e vida ganha para o salvar; como também o nosso texto
afirma: “Portanto, pode também salvar perfeitamente os que por ele
se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles”.
Além disso, é ainda mais evidente que o fato de Cristo ter
tomado sua vida de volta representou a morte e a destruição do
inimigo de seu povo; e para demonstrar isso, ele acrescenta: “Eis
aqui estou vivo para todo o sempre. Amém. E tenho as chaves da
morte e do inferno”. É como se ele tivesse dito: “Eu tenho poder
sobre eles, pois os venci, como um conquistador”. Assim, Cristo tem
o domínio da vida, pois agora ele é o Príncipe da vida, ele vive para
sempre. Amém. Por isso também é dito que ele “aboliu a morte, e
trouxe à luz a vida e a incorrupção pelo evangelho” (2 Timóteo
1:10). Ele aboliu a morte por sua morte; foi por meio disso que
Cristo destruiu aquele que tinha o poder da morte, isto é, o diabo, e
trouxe a vida — uma expressão muito enfática. Trouxe de onde? De
Deus, que o ressuscitou dos mortos; e trouxe a luz, para que
possamos enxergar, pela palavra do evangelho da verdade.
Assim, então, a vida que ele agora possui é uma vida que uma
vez foi entregue como o preço de nossa redenção; uma vida que ele
tomou novamente como o efeito do mérito de sua entrega; uma vida
pela virtude da qual a morte, o pecado e a maldição são derrotados;
e, portanto, uma vida que está acima de todas essas coisas para
sempre. Essa é a vida que ele vive — essa vida merecida,
comprada, vitoriosa — e da qual ele desfruta enquanto vive para
sempre para interceder por nós.
Esta vida, então, é o fundamento e argumento contínuo para
com Deus em favor daquele que vêm a ele por meio de Cristo, de tal
forma que não é necessário fazer outro tipo de intercessão, mas
somente mostrar para Deus que ele vive. A vida de Cristo evidencia
que sua ira pelos pecados daqueles que se achegam a Deus por
meio dele já está satisfeita. Testifica, além disso, que a morte, o
túmulo e o inferno são derrotados por ele para o benefício dos que
lhe pertencem, pois vive e possui as chaves da morte e do inferno.
Porém, ele acrescenta à sua vida de méritos uma intercessão ou um
argumento dessa vida meritória por meio da oração pelos seus e
contra todos aqueles que procuram destruí-los, uma vez que estes
também já estão derrotados por sua morte, e que realidade
encorajadora temos aqui para todos os que se achegam a Deus por
meio dele, com esperança da vida eterna.
2. Falaremos brevemente sobre o segundo ponto, a saber, que
sua vida o capacita a sempre ser o último em sua própria causa e,
então, ter a última palavra, e que isso lhe serve como vantagem
para alcançar seu objetivo.
Qual é a causa disso, senão a morte que Cristo sofreu quando
estava no mundo, a qual possui mérito suficiente para livrar do
inferno ou, como diz o texto, para salvar todos os que por ele se
achegam a Deus, salvando-os perfeitamente? Ora, se houvesse
alguma falha nessa causa, por que razão ele viveria? Ele vive pelo
poder de Deus para conosco, para o nosso benefício, pois ele vive
para fazer intercessão em nosso favor e contra Satanás, que é
nosso acusador (2 Coríntios 13:4). Além disso, ele vive diante de
Deus e para Deus, e isso após ter entregado sua vida para nos
resgatar. O que poderia resultar mais claramente disso, senão que
ele fez uma restauração em favor daquelas almas por cujos
pecados ele sofreu no madeiro? Portanto, uma vez que seu Pai lhe
concedeu sua vida e favor, e porque ele morreu por nossos
pecados, não podemos pensar em outra coisa senão na vida que
ele agora vive e a vida que ele recebeu como o efeito do mérito de
seus sofrimentos por nós.
Deus é justo, mas Cristo vive no céu! Deus é justo, mas Cristo,
nossa páscoa, vive ali — não há nada que nossos inimigos possam
fazer para nos prejudicar!
Entretanto, observe que embora o desígnio de Satanás contra
nós, em seu esforço contínuo para nos acusar diante de Deus e
prevalecer contra nossa salvação, possa parecer se restringir a
esses propósitos, na verdade tais desígnios também se opõem à
própria vida de Cristo, para que seu sacerdócio seja totalmente
frustrado e, consequentemente, para que Deus também seja
considerado injusto, por aparentemente receber aqueles cujos
pecados não foram satisfeitos e cujas almas ainda estão sob o
poder do diabo. Pois aquele que se opõe à pessoa por quem Cristo
intercede, se opõe a Cristo e aos seus méritos; e quem se opõe à
intercessão de Cristo, se opõe a Deus, que o fez sacerdote para
sempre. Veja, portanto, como a causa de Deus, a de Cristo e a das
almas que por ele se achegam a Deus estão interligadas — elas
fazem parte do mesmo propósito. Perverta um, e você perverterá
todos. Arruíne aquela alma, e você arruinará seu intercessor.
Arruíne-o, e você arruinará até mesmo aquele que o fez sacerdote
para sempre. Pois nosso texto não coloca restrições: “[Cristo] pode
salvar perfeitamente os que por ele se achegam a Deus”. Ele não
diz que Cristo pode salvar de vez em quando, ou que pode salvar os
pecadores que cometeram uma categoria inferior de pecados, mas
sim que ele pode salvar todos aqueles que se achegam a Deus por
meio dele, não importa quão grandes sejam suas transgressões,
como fica claro a partir da palavra que ele usa: “perfeitamente”.
“[Cristo] pode salvar perfeitamente”. Mas se ele não é capaz de
salvar perfeitamente, então por que o Rei o enviou? Por que Deus o
libertou da morte e o deixou ascender aos céus? Por que o Pai o
admitiu em sua presença? Por que seu Deus o tornou Senhor sobre
todo o seu povo e entregou todas as coisas nas mãos dele?
Mas ele vive para sempre e é aceito como intercessor, aliás, é
ordenado por Deus para interceder; portanto, ele “pode salvar
perfeitamente os que por ele se achegam a Deus”. Logo, ele vive
para realizar sua obra como Mediador para o benefício daqueles por
quem ele faz intercessão — dado que, segundo a justiça, ele vive
para Deus e seu julgamento. Cristo vive para sempre para fazer
intercessão, o que significa isso senão que ele deve viver e
sobreviver a todos os seus inimigos; pois ele deve viver, e reinar, até
que todos os seus inimigos sejam colocados debaixo de seus pés (1
Coríntios 15:25). Suas próprias intercessões permanecerão até que
todos pereçam. Pois o diabo e o pecado não viverão para sempre a
nos acusar. Está chegando a hora em que o devido curso da lei terá
um fim e todos os culpados serão condenados. Mas mesmo depois
disso, Cristo nosso sumo sacerdote viverá, e também suas
intercessões; sim, e também todos aqueles por quem ele faz
intercessão, visto que se achegam a Deus por meio dele.
Agora, se ele vive e sobrevive a todos, se sua intercessão tem
a última palavra e se ele também pleiteia em suas orações um
mérito suficiente diante de um Deus justo, contra um adversário
mentiroso, malicioso, acusador e invejoso, então ele conduzirá sua
causa para si mesmo e para seu povo, para a glória de Deus e para
a salvação deles. Assim, então, sua vida e intercessão deverão
prevalecer, pois não há como ser diferente. Esta não é, então, uma
demonstração clara como o sol de que aqueles que se achegam a
Deus por meio de Cristo serão salvos, visto que ele vive para
sempre intercedendo por eles?
Em quarto lugar, a duração da intercessão de Cristo é baseada
em uma aliança entre Deus e ele, em um juramento e em sua vida
e, portanto, é baseada também na validade de seus méritos. Isso foi
sugerido anteriormente de maneira sucinta, mas uma vez que é um
elemento essencial para a durabilidade de sua intercessão,
falaremos um pouco mais sobre isso.
A intercessão de Cristo serve para que aqueles por quem ele
morreu com plena intenção de salvar sejam ser conduzidos para a
herança que comprou para eles. Ora, sua intercessão não deve,
quanto à sua largura e comprimento, ir além de seus méritos, pois
ele não pode orar por aqueles por quem não morreu. Na verdade,
se levarmos em consideração a extensão de sua morte, então
devemos proceder com cuidado, pois sua morte é suficiente para
salvar o mundo inteiro. Mas suas intercessões são mantidas dentro
de um compasso mais estreito. O altar das ofertas queimadas era
muito maior do que o altar do incenso, que era uma figura da
intercessão de Cristo (Êxodo 27:1, 30:1; Apocalipse 8:3). Mas sua
intercessão é feita por aqueles por quem ele morreu com plena
intenção de salvá-los, portanto, ela deve estar fundamentada na
validade de seus sofrimentos. E, de fato, sua intercessão nada mais
é do que apresentar a Deus o que ele fez por nós enquanto esteve
no mundo e então pleitear o valor disso para nossa salvação. O
sangue da aspersão é o seu discurso meritório (Hebreus 12:24). É
pelo valor de seu sangue que Deus nos concede a graça e a vida
eterna; portanto, as intercessões de Cristo também devem ser
ordenadas e governadas pelo mérito: “Por seu próprio sangue,
entrou uma vez no santuário, havendo efetuado [por meio dele] uma
eterna redenção” para nossas almas (Hebreus 9:12).
Agora, se foi pelo seu sangue que ele entrou lá, então é pelo
seu sangue que ele deve interceder ali. Seu sangue abriu o caminho
para sua entrada lá, e é seu sangue que deve abrir caminho para
nossa entrada ali. Contudo, devemos ser cuidadosos para não
cometermos equívocos aqui, pois seu sangue abriu caminho para
ele, como sacerdote, interceder; e seu sangue abre caminho para
nós, como redimidos por ele, para que possamos ser salvos. Isso,
então, mostra suficientemente o valor do sangue de Cristo, que vive
para sempre para fazer intercessão por nós; pois o mérito de seu
sangue dura por todo o tempo em que ele intercede, e por todos
aqueles por quem ele vive para fazer intercessão. Quão precioso é
o sangue de Cristo e quão duradouros são seus méritos!
Enquanto intercede, Cristo pleiteia o seu sangue, por causa da
justiça, para calar a boca do inimigo e também para nos encorajar a
ir a Deus por meio dele. A justiça, visto que é da essência de Deus
ser justo, deve contribuir para a salvação do pecador; mas como
isso poderia acontecer, uma vez que está escrito: “No dia em que
dela comeres, certamente morrerás” (Gênesis 2:17), a menos que
uma satisfação plena tenha sido oferecida pelo pecado e que ela
tenha sido aceita pelo Deus poderoso. De outro modo, o inimigo
jamais abandonaria sua objeção contra nossa salvação. Mas agora
Deus declarou que nossa salvação é baseada na justiça, derivando
os seus méritos a partir do sangue. E embora Deus não precisasse
ter dado seu Filho para morrer por nós a fim de nos salvar e, assim
calar a boca do diabo, contudo essa maneira de nos salvar fez
essas duas coisas e, portanto, está declarado que somos
“justificados gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há em
Cristo Jesus. Ao qual Deus propôs para propiciação pela fé no seu
sangue, para demonstrar a sua justiça pela remissão dos pecados
dantes cometidos, sob a paciência de Deus; para demonstração da
sua justiça neste tempo presente, para que ele seja justo e
justificador daquele que tem fé em Jesus” (Romanos 3:24-26).
Portanto, temos aqui também um fundamento da intercessão de
Cristo, o sangue que ele derramou por nós anteriormente.
E para que você veja isso de modo ainda mais claro para seu
consolo, observe que Deus, ao ressuscitar a Cristo e para mostrar o
valor do seu sangue, o ordenou a pedir os gentios por sua herança
e os confins da terra por sua possessão (Salmos 2:8). Seu sangue,
então, possui valor suficiente para fundamentar sua intercessão, e
há mais valor em seu sangue do que Cristo irá pleitear ou usar em
favor dos homens por meio de sua intercessão. Não tenho nenhuma
dúvida de que há virtude suficiente no sangue de Cristo, se fosse da
vontade do Deus Todo-Poderoso, para salvar as almas do mundo
inteiro. Entretanto, esse é o sangue de Cristo, o sangue dele
próprio; e ele pode fazer o que quiser com o que é seu. Esse
também é o sangue de Deus, e ele também pode restringir seus
méritos ou aplicá-los como achar melhor. Mas a alma que se achega
a Deus por meio de Cristo encontrará e sentirá a virtude de seu
sangue, pois ela é a alma que será salva pelo valor do sangue de
Cristo, o qual vive para sempre para interceder por ela. Ora, visto
que a intercessão de Cristo está fundamentada em uma aliança, em
um juramento, em uma vida e na validade de seus méritos, então
ela deve necessariamente ser bem-sucedida e triunfar sobre tudo
que se opuser a ela. Portanto, é assim que última parte de nosso
texto demonstra que aquele que se achega a Deus por meio de
Cristo será salvo, visto que ele “vive sempre para interceder por
eles”.
Inferências a partir da certeza dos benefícios da
intercessão de Cristo
Em primeiro lugar, portanto, infiro que as almas salvas por
Cristo estão, em si mesmas, em uma condição muito deplorável.
Quão terrível é o estado de um pecador antes dele ser eternamente
salvo! Cristo teve que morrer por nós e o Espírito da graça ser
concedido, mas isso não é tudo, Cristo também deve viver para
sempre para interceder por nós. Aquilo que ele faz por todos, ele
também o faz por cada um. Ele intercedeu por mim antes de eu
nascer para que no tempo, na data determinada, eu viesse a existir.
Depois disso, ele também fez intercessão por mim para que eu
fosse liberto do inferno enquanto eu não havia sido regenerado até
o momento do meu chamado e conversão. Além disso, ele intercede
para que a obra agora iniciada em minha alma possa ser
aperfeiçoada, não apenas até o dia de minha morte, mas até o dia
de Cristo, isto é, até que venha o julgamento (Filipenses 1:6). Assim
como ele começou a me salvar antes de eu existir, ele continuará a
me salvar quando eu morrer e partir deste mundo, e nunca deixará
de me salvar até que me coloque diante de sua face para sempre.
A condição deplorável a que o pecado nos levou é evidenciada
pelo fato de ser necessário todo esse trabalho para nos salvar. Ó,
quão dificilmente o pecado sai de uma alma após a haver
contaminado! O sangue tira a culpa e a graça inerente enfraquece a
corrupção, mas a sepultura é o lugar em que haverá uma separação
perfeita e final entre os salvos e o pecado (Isaías 38:10). Não que o
túmulo em si tenha a capacidade de nos purificar do pecado, mas
Deus nos conduzirá até o túmulo, e quando Satanás imagina ter nos
destruído, então Deus, pela sua misericórdia, nos fará brilhar como
o sol e semelhantes aos anjos. Cristo, durante todo esse tempo,
vive sempre para interceder por nós.
Em segundo lugar, portanto, infiro que, assim como Satanás
pensou ter atingido seu objetivo no princípio, quando contaminou
nossa natureza e levou nossas almas à morte, assim também ele é
terrivelmente avesso à ideia de nos perder e de permitir que seus
cativos legítimos escapem de suas mãos. Ele arde em seu furor
contra nós, cheio do fogo da malícia, isso é evidente pelo seguinte:
1. Ele se enfureceu não apenas em sua tentativa inicial contra
nossos primeiros pais, mas principalmente quando o Libertador veio
ao mundo. Satanás planejou a morte de Cristo desde quando este
era uma criança; ele o odiava desde seu berço e o perseguiu
enquanto ele ainda estava na barriga (Mateus 2). Quando Jesus
atingiu uma idade mais madura e começou a manifestar sua glória,
o quão astuciosamente a antiga serpente, chamada o diabo e
Satanás, trabalhou para que o mundo não fosse atraído por ele? Ele
possuiu pessoas com seus demônios, dedicou-se à ira e ao engano,
operou seus milagres através de seus poderes e pelos seus
demônios; calou os profetas e procurou subverter o governo que foi
ordenado por Deus. E, não contente com tudo isso, Satanás
perseguiu Cristo até a morte, e não descansou até que seu sangue
fosse derramado por terra como se fosse água. Tão insaciável era
sua malícia, que ele ordenou aos soldados para que inventassem
mentiras sobre ele a fim de negar sua ressurreição e, desse modo, e
isso se tornou uma pedra de tropeço para os judeus até hoje (João
10:20, 7:12; Mateus 9:34; João 7:52; Lucas 23:2; Mateus 28:11-15).
2. Quando Jesus ascendeu a Deus, e foi colocado fora de seu
alcance, então ele se engajou em fazer guerra contra o povo de
Deus (Apocalipse 12). Quantos horrores e terrores, problemas e
tentações, a igreja de Deus tem enfrentado desde aquele dia até
agora! Tampouco ele se satisfaz com perseguições e problemas
gerais, mas ele também assombra os espíritos dos cristãos com
blasfêmias e aflições, com trevas e medos terríveis, às vezes para
desviá-los de seu propósito e, frequentemente, para encher a igreja
de clamores.
3. No entanto, sua malícia reside em sua perseguição e sua
audácia o levará a tentar o próprio Deus a rejeitar a mediação de
seu Filho ou rejeitar aqueles que se achegam a ele por meio de
Cristo em busca de misericórdia. E esta é uma, dentre muitas, das
razões pelas quais Cristo vive “sempre para interceder por eles”.
4. E ainda que não possa arruinar os salvos, contudo, Satanás
não pode se conter, mas busca causar-lhes aflição e perplexidade,
assim como fez com Cristo, desde o dia em que eles se convertem
até o dia em que são recebidos acima na glória.
Em terceiro lugar, portanto, infiro que o amor de Cristo aos
seus é um amor infinito e resoluto, e é necessário que seja assim.
Se Cristo tivesse nos abandonado, quem mais teria empreendido
uma tarefa como a da salvação do pecador? É verdade o que está
escrito sobre ele: “Não faltará, nem será quebrantado, até que
ponha na terra a justiça…”. Se ele não tivesse feito de seu “rosto
como um seixo”, a grandeza dessa obra certamente o teria
intimidado em sua mente (Isaías 42:4, 50:6-7).
Considere o que é o pecado do qual eles devem ser salvos.
Depois, considere o diabo e a maldição dos quais eles devem ser
salvos. E então facilmente concluiremos que Cristo merece
plenamente o nome de Maravilhoso, e seu amor verdadeiramente
excede o nosso entendimento.
Considere também o meio pelo qual essas almas são salvas,
isto é, pela morte de Cristo e pela perda da luz da face de seu Pai.
Não me deterei para falar sobre a incomparável oposição dos
pecadores que ele suportou contra si mesmo, a qual não poderia
deixar de ser uma grande dor ou, como ele mesmo disse, uma
aflição de coração. Mas nada disso o impediu ou poderia impedir.
Junte tudo isso à intercessão eterna de Cristo por nós e à
eficácia dela para com Deus em nosso favor; ao número infinito de
vezes que nós, por nossos pecados, o provocamos a nos
abandonar, ao invés de interceder por nós; e às muitas vezes em
que ele deve repetir sua intercessão pelo fato de que repetimos as
nossas falhas, e então esse amor ultrapassa o nosso entendimento
e nos deixa maravilhados. O que o Senhor Jesus viu ou vê em nós
que levou assumir todo esse cuidado, sofrimento e custos para nos
salvar? O que ele receberá de nós com isso, senão uma pequena
ninharia de agradecimento e amor? Pois essas coisas são assim e
sempre serão, quando comparadas com o amor e a bondade infinita
e indizível de Cristo para conosco.
Ó, quão indignos nós somos desse amor! Quão pouco
pensamos sobre ele! Mas, sobretudo, os anjos poderiam se
surpreender ao ver quão pouco somos afetados por aquilo que
fingimos saber. Mas nem mesmo isso pode levar Cristo a nos riscar
do livro no qual estão todos os nomes daqueles por quem ele faz
intercessão a Deus. Vamos render graças a ele por isso.
Em quarto lugar, infiro que aqueles que serão salvos se
achegaram a Deus por meio de Cristo, mesmo quando o diabo e o
pecado tiverem feito tudo o que podiam para tentarem impedi-lo.
Isso fica evidente a partir do fato de que a luta agora é para saber
quem será o senhor de tudo, Satanás, o príncipe deste mundo, ou
Cristo Jesus, o Filho de Deus. Quem pode reivindicar legitimamente
os eleitos de Deus, aquele que os acusa de seus pecados, ou
aquele que derramou o sangue de seu coração como o preço de
redenção por eles. Quem, então, os condenará, visto que Cristo
morreu e intercede por eles? Observem, anjos, como o Pai repartirá
ao Filho “a parte de muitos” e como “com os poderosos repartirá ele
o despojo; porquanto derramou a sua alma na morte, e foi contado
com os transgressores; mas ele levou sobre si o pecado de muitos,
e intercedeu pelos transgressores” (Isaías 53:12). Antes que esse
mundo termine, a graça de Deus e o sangue de Cristo farão uma
obra admirável entre os filhos dos homens! Eles ficarão
maravilhados com Deus por seu Cristo, e serão miraculosamente
atraídos a Cristo: “Eis que estes virão de longe, e eis que aqueles
do norte, e do ocidente, e aqueles outros da terra de Sinim” (Isaías
49:12).
Eis que virão todos aqueles da terra de Sinim! Isso denota as
multidões que se achegarão a Deus por meio de Cristo até o fim do
mundo — a saber, quando o anticristo for lançado para dentro do
abismo. Então as nações virão, serão salvas e andarão na luz do
Senhor. Mas que encorajamento haveria para os pecadores
procederem assim, se o Senhor Jesus, por sua intercessão, não
fosse capaz de salvar “perfeitamente” aqueles que se achegam a
Deus por meio dele?
Em quinto lugar, a partir disso infiro novamente que aqui há um
fundamento para a confiança daqueles que se achegam a Deus por
meio de Cristo. Aqui há um fundamento para que nossa confiança
seja sustentada até o fim, visto que temos tal sumo sacerdote e
intercessor como Jesus Cristo. Quem seria capaz de desonrar
Jesus por duvidar que todos os demônios no inferno seriam
incapazes de desencorajá-lo por meio de todas as suas artimanhas?
Ele é um fundamento aprovado, um alicerce seguro. Um homem
pode entregar confiantemente sua alma nas mãos de Cristo, e não
temer, pois ele a levará a salvo para casa. Em Cristo, há uma
plenitude infinita de capacidade, amor e fidelidade àquelas pessoas
que lhe foram confiadas, a qual assegura a salvação perfeita de
suas almas. Ele tem sido um Salvador durante esses últimos quatro
mil anos — dois mil antes da lei, mais dois mil no tempo da lei —
além dos mil e seiscentos anos em que ele, em sua carne,
continuou a fazer intercessão por aqueles que se aproximam de
Deus por meio dele. No entanto, ainda está para vir o dia, na
verdade, nunca chegará, em que ele poderá ser acusado de
qualquer falha ou negligência na salvação de qualquer um daqueles
que a qualquer momento se achegou a Deus por meio dele. Veja,
então, que fundamento temos aqui para confiarmos que Cristo nos
salvará perfeitamente, visto que nos achegamos a Deus por meio
dele e que ele vive para sempre para interceder por nós. Deixe-me,
então, honrá-lo por colocar em sua cabeça a coroa pela obra que
ele realizou em meu favor e por crer que ele é capaz de salvar
“perfeitamente os que por ele se chegam a Deus, vivendo sempre
para interceder por eles”.
Em sexto lugar, deduzo também que Cristo deve receber a
glória de nossa salvação para sempre. Ele a realizou, ele a
completou. “Tributai ao Senhor, ó famílias dos povos, tributai ao
Senhor glória e força” (1 Crônicas 16:28). Não faça sacrifícios às
suas próprias invenções, não dê glória à obra de suas próprias
mãos. Pegue suas reformas, suas obras, suas boas ações e toda a
glória de seus feitos e lance-as aos pés deste Sumo Sacerdote e
confesse que a glória pertence a ele: “Digno é o Cordeiro, que foi
morto, de receber o poder, e riquezas, e sabedoria, e força, e honra,
e glória, e ações de graças” (Apocalipse 5:12). “E nele pendurarão
toda a honra da casa de seu pai, a prole e os descendentes, como
também todos os vasos menores, desde as taças até os frascos”
(Isaías 22:24). A obra de nossa redenção realizada por Cristo é tão
maravilhosa que não nos falta motivos para bendizer, louvar e
glorificar a Jesus Cristo. Santos, glorifiquem a Jesus Cristo em seu
corpo e em suas almas, aquele que nos comprou por bom preço, e
glorifiquem ao Deus e Pai por meio dele (1 Coríntios 6:20).

Aplicação
Primeira Aplicação
Permita-me exortá-lo a estudar essa e outras verdades acerca
de nosso Senhor Jesus Cristo. O ofício sacerdotal de Cristo é a
primeira e principal coisa que nos é apresentada no evangelho, a
saber, como ele morreu por nossos pecados e se entregou na cruz
para que a bênção de Abraão chegasse até nós por meio dele (1
Coríntios 15:1-6; Gálatas 3:13-16). Entretanto, pelo fato de que esse
seu ofício sacerdotal está dividido em duas partes e porque uma
delas — a saber, a de sua intercessão — deve ser realizada por nós
dentro do véu e, assim, longe de nossa vista, temos a tendência de
esquecê-la. Nós nos satisfazemos com a sua morte como sacrifício;
mas não nos interessamos suficientemente por nosso Arão,
enquanto ele entra no santuário para aspergir o propiciatório com
sangue em nosso favor. Deus me guarde de que uma única sílaba
do que falo seja escrita, ou interpretada por outros, como se eu
procurasse diminuir o preço que Cristo pagou por nossa redenção
enquanto esteve neste mundo. Entretanto, visto que sua morte é o
preço de nossa redenção, e sua intercessão é o seu ato de pleitear
o valor dela na presença de Deus contra Satanás — há glória a ser
encontrada nisso e devemos buscar por ele no lugar santo.
A segunda parte da obra dos sumos sacerdotes que
ministravam segundo a lei possuía grande glória e santidade. Isso
fica evidente a partir do fato de que foram providenciadas vestes
sagradas para ministrarem dentro do véu, e que era ali que estava o
altar em que eles ofereciam incenso e era ali também que estava o
propiciatório e os querubins da glória, que eram figuras dos anjos,
que amam estar continuamente contemplando e observando a
administração dessa segunda parte do sacerdócio de Cristo na
presença de Deus. Pois embora eles próprios não sejam as pessoas
que estão imediatamente envolvidas nessa intercessão como nós,
não obstante, a sua administração é realizada com tanta graça,
glória, sabedoria e eficácia que é o próprio paraíso para os anjos
contemplá-lo para desfrutar de seu cheiro suave e doce memorial,
perfumes revigorantes para o coração, os quais exalam
continuamente do propiciatório até o “alto” onde Deus está e para
admirar o quão eficaz e glorioso isso é para o propósito para o qual
foi designado. Aquele que não se maravilha com a graça de Deus
possui um grande defeito em sua fé e perde muitas das coisas boas
que, de outra forma, poderia desfrutar. Portanto, sejam diligentes em
seu estudo dessa parte da obra que Cristo desempenha no
cumprimento de nossa salvação. E as cerimônias da lei podem ser
de grande ajuda para você quanto a isso, pois embora elas estejam
fora de uso agora, contudo, o significado delas é permanece quanto
à sua riqueza, e através delas muitos cristãos foram grandemente
instruídos. Portanto, aconselho que você leia os cinco livros de
Moisés frequentemente; sim, leia e releia, e não perca a esperança
de entender algo da vontade e da mente de Deus neles, mesmo que
agora você chegue a pensar que tais significados estejam fora de
seu alcance. Não se preocupem, mesmo que vocês não possuam
comentários e exposições da Bíblia. Persistam em orar e ler, pois
um pouco de Deus é melhor do que muito dos homens.
Além disso, o que vem dos homens é incerto e frequentemente
anulado e refutado por outros homens; mas o que vem de Deus é
fixado como um prego em um lugar bem firme. Sei que há tempos
peculiares de tentação, mas falo agora sobre o curso comum do
cristianismo. Não há nada que permaneça conosco senão aquilo
que recebemos de Deus; e a razão pela qual os cristãos de hoje
estão tão perdidos quanto a algumas coisas é porque eles estão
acomodados com o que sai da boca dos homens, e não examinam
o que ouvem ou se põem de joelhos diante de Deus buscando saber
dele a verdade das coisas. As coisas que recebemos das mãos de
Deus vêm a nós como gravadas pela cunha divina, e embora velhas
em si mesmas, são novas para nós. Velhas verdades são sempre
novas para nós, se vierem exalando o cheiro do céu. Não falo isso
para que as pessoas venham a desprezar seus ministros, mas para
mostrar que hoje em dia há tanta ociosidade entre aqueles que se
dizem cristãos a ponto de, por um lado, impedi-los de buscarem
diligentemente pelas coisas divinas e, por outro, os levar a
buscarem as coisas que não são seladas pelo Espírito para
testemunharem à consciência. Observem a grande decadência que
hoje pode ser vista entre nós, e esse estranho abandono da verdade
que uma vez professamos.
Segunda Aplicação
Assim como eu o incentivo a se dedicar a um estudo sério e a
buscar essa grande verdade, eu também o encorajo a
diligentemente buscar torná-lo proveitoso para você mesmo e para
os outros. O desejo de conhecer a verdade por causa do
conhecimento não provém de uma disposição graciosa da alma; e
comunicar a verdade com o desejo de receber elogios e vanglória
também é um desvio da simplicidade piedosa. Mas buscar
aprofundar aquilo que conheço para o meu próprio bem e para o
bem dos outros é próprio do verdadeiro cristianismo. Ora, as
verdades recebidas podem ser aprofundadas para o meu proveito e
para os outros das seguintes maneiras:
1. Essas verdades podem ser aprofundadas com relação a
mim mesmo quando busco o poder que pertence a essas noções da
verdade que recebi. Toda noção real da verdade possui um poder, a
noção é a casca, mas o poder é a poupa e a vida. Sem este último,
não traz nenhum benefício para mim e nem para aqueles para quem
eu a comunico. É por isso que Paulo disse aos coríntios: “Mas em
breve irei ter convosco, se o Senhor quiser, e então conhecerei, não
as palavras dos que andam ensoberbecidos, mas o poder. Porque o
reino de Deus não consiste em palavras, mas em poder” (1
Coríntios 4:19-20). Busque, então, o poder daquilo que você
conhece, pois é o poder que lhe beneficiará. Agora, isso não será
obtido senão por meio de oração fervorosa e muita dependência de
Deus; também não deve ser admitido que seu coração esteja
sobrecarregado com os cuidados e preocupações deste mundo,
pois tais coisas o deixarão infrutífero.
Cuidado para não desprezar o pouco que você tem; um bom
aproveitamento do pouco é a melhor maneira de fazer com que
esse pouco prospere e que mais lhe seja dado: “Quem é fiel no
pouco, também é fiel no muito; quem é injusto no pouco, também é
injusto no muito” (Lucas 16:10).
2. Essas verdades também podem ser aprofundadas com
relação aos outros. Você pode fazer isso de duas formas:
(1.) Esforce-se para instruí-los em seus corações através de
sãs palavras e por expor todas as coisas a eles com o respaldo da
autoridade das Escrituras.
(2.) Esforce-se para ser o exemplo daquilo que você busca
ensinar para eles, mostrando-lhes através de sua vida a paz e os
efeitos gloriosos que essas verdades exercem sobre sua alma.
Por último, que essa doutrina lhe conceda ousadia para se
achegar a Deus. Jesus Cristo está intercedendo no céu? Então, seja
um homem de oração na terra, tenha coragem para orar. Pense
assim consigo mesmo: “Vou me achegar a Deus, pois diante de seu
trono o Senhor Jesus está pronto para entregar minhas petições a
ele, Cristo ‘vive sempre para interceder por mim’”. Esse é um grande
encorajamento para nos achegarmos a Deus por meio de orações e
súplicas em favor de nós mesmos e por meio de petições em favor
de nossa família, nossos próximos e nossos inimigos .

A editora O Estandarte de Cristo é fruto de um trabalho que


começou a ser idealizado por volta do início de 2013, por William e
Camila Rebeca, com o propósito principal de publicar traduções de
autores bíblicos fiéis. Fizemos as primeiras publicações no dia 2 de
dezembro de 2013 (publicação de 4 eBooks). De lá para cá já são
quase 5 anos e centenas de traduções de autores bíblicos fiéis,
sobre diversos temas da Fé Cristã.

Somos uma editora de fé cristã batista reformada e confessional.


Estamos firmemente comprometidos com as verdades bíblicas
fielmente expostas na Confissão de Fé Batista de 1689.

OEstandarteDeCristo.com
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O Estandarte de Cristo

Um Guia para a Oração Fervorosa - A.W. Pink


❝ A oração particular é o teste de nossa sinceridade, o indicador de nossa
espiritualidade, o principal meio de crescimento na graça. A oração particular
é a única coisa, acima de todas as demais, que Satanás busca impedir, pois
ele bem sabe que, se ele puder ser bem sucedido neste ponto, o cristão
falhará em todos os outros... Por mais desesperado que seja o nosso caso,
maior é nossa necessidade de orar, se a graça em nós está fraca, a contínua
negligência em orar a fará ainda mais fraca, se nossas corrupções são fortes,
a omissão em orar as fará ainda mais fortes. ❞ A.W. Pink
[1] Nota de tradução: Na versão bíblica usada por John Bunyan, a versão King
James, consta: “faz intercessão a Deus contra Israel” (maketh intercession to God
against Israel).
[2] Cf. Efésios 3:15.
[3] Versão usada pelo autor.
[4] Nota de tradução: A referência é à crença de que Nicolau, que a princípio foi

um dos sete diáconos (Atos 6:1-6), tornou-se o fundador da heresia dos nicolaítas
descrita em Apocalipse 2:6, 15.
[5] Nota de tradução: Luz interior ou luz de Cristo é a presença divina que os

quakers acreditam que ilumina e guia a alma.


[6] Cf. Mateus 5:25.
[7] Romanos 10:17, versão do autor.
[8] Nota de tradução: John Bunyan refere-se à passagem de Lucas 6:6-12, que

relata como no sabbath Jesus curou um homem que tinha a mão direita mirrada.
A tradução inglesa usada pelo autor descreve a reação dos fariseus que
presenciaram esse milagre, dizendo que, “they were filled with madness”,
traduzido literalmente: “eles ficaram cheios de loucura”. A ACF o traduz como, “e
ficaram cheios de furor” (Lucas 6:11).

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