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Aspectos Gerais e

Taxonomia dos Vírus

Prof. Me Carlos Júnior


Mestre em Biologia Parasitária - UFRN
História da Virologia
• Desde os primeiros registros de atividades
humanas surgiram evidências sobre a existência
das infecções virais.
• Início dos registros das doenças virais: civilizações
egípcias e greco-romanas.
• Mesopotâmia (1000 a. C.): leis descrevendo a
responsabilidade dos donos de animais domésticos
e consequentes obrigações caso seus animais
ficassem raivosos. → pesadas multas ou até morte.
História da Virologia
• Sec. XIX a. C.: Homero, na sua obra Ilíada, descreve a
personalidade “raivosa” do personagem Heitor e o
“cuidado” necessário em lidar com ele, referindo-se aos
cuidados dos donos de animais daquela época.

Conhecimento da natureza contagiosa das doenças e o


medo do contato com animais doentes para sua
propagação.
História da Virologia
• ~ Sec. XIX a. C.: hieróglifos egípcios:
- cidadão do povo com deformidade anatômica →
sequela da infecção causada pelo vírus da poliomielite;
- faraó Ramsés V com sequelas da varíola na face.
• Outras doenças conhecidas desde os tempos ancestrais:
caxumba, influenza, febre amarela (descrita desde a
descoberta na África pelos europeus).
• Febre amarela: possível responsável por dizimar as
tripulações dos grandes barcos comerciais → lenda do
navio-fantasma O Holandês Voador.
História da Virologia
• Sec. XVII: manipulação do vírus do mosaico da tulipa,
pelos holandeses.
• 1876: Adolf Meyer, químico alemão, deu nome à
doença do mosaico do fumo e comprovou sua natureza
infecciosa.

Inoculou plantas saudáveis com o sumo de plantas


doentes → reproduziu a mesma sintomatologia.

1º experimento demonstrando
doenças contagiosas em plantas
História da Virologia
• Dimitri Ivanowsky (1864-1920), cientista russo,
complementou o experimento de Meyer, filtrando o
sumo retirado das plantas doentes em filtro de
porcelana (retém bactérias).

1ª definição de vírus: vírus são


partículas filtráveis
História da Virologia
• Dimitri Ivanowsky (1864-1920), cientista russo,
complementou o experimento de Meyer, filtrando o
sumo retirado das plantas doentes em filtro de
porcelana (retém bactérias).
- Não cultivou em meio sintético;
- Possibilidade de uma bactéria ser a
causadora da infecção;
- Preferiu dizer que errou em não encontrar
um meio de cultivo para aquela “bactéria”;
- Possibilidade de uma toxina ser secretada
por essas “bactérias”.
História da Virologia
• Martin Beijerinck (1851-1931), microbiologista
alemão e amigo de Meyer, sem conhecer o
trabalho de Ivanowsky, também filtrou os sumos
das plantas e fez diluições seriadas.

Fluido vivo contagioso –


fluidum vivum contagiosum
História da Virologia
• Martin Beijerinck (1851-1931), microbiologista
alemão e amigo de Meyer, sem conhecer o
trabalho de Ivanowsky, também filtrou os sumos
das plantas e que
- Demonstrou fez diluições
os sumos eram capazes de
seriadas.
manter a infecciosidade, mesmo em diluições muito
baixas, com a mesma força de destruição do
original;
- Somente em tecidos vivos de plantas, nunca em
meios sintéticos;
- Descreveu esse patógeno como menor que uma
bactéria e incapaz de ser visualizado no
microscópio óptico.
História da Virologia
• 1898: Loeffler e Frosch foram os primeiros
pesquisadores a relatar o isolamento do
fluidum vivum contagiosum de animais, o
vírus da febre aftosa.
• 1898: Walter Reed, médico militar
americano, e sua equipe em Cuba,
estudando a febre amarela, fizeram o
mesmo em humanos.
História da Virologia
• Os achados de Meyer, Ivanowsky, Beijerinck,
Loeffler e Frosch, Walter Reed

Origem a um ciclo de 25 anos de debates sobre


se essas partículas eram sólidas ou líquidas.

Fim do ciclo: experimentos de d’Herelle (pai da Virologia)


e micrografia eletrônica do vírus do mosaico do tabaco.
História da Virologia
• 1915: Felix d’Herelle, médico e bacteriologista
canadense, estudando surto de disenteria causado
por Shigella:
-Observou que a inoculação das fezes em meio
sintético para exames bacteriológicos provocava o
aparecimento de pontos circulares característicos
de lise bacteriana.
-Agentes causadores da lise: bacteriófagos e
deduziu que esses agentes eram partículas, e não
líquidos.
História da Virologia
• Felix d’Herelle → pai da Virologia
- Desenvolveu o primeiro método de quantificação
de vírus;
- Verificou que não havia recuperação dos vírus no
sobrenadante das diluições, após o contato;
- Descreveu a lise e liberação de partículas
infecciosas.
História da Virologia
• Início da década de 1920: noção de que os
agentes filtráveis eram constituídos de proteínas.
• 1927-1931: Vinson , Petre e Purdy-Beale provaram
a presença de proteínas nos agentes filtráveis.
• 1937: após cristalização do vírus mosaico do
tabaco e sua observação em ME, pôde-se
confirmar o que d’Herelle dizia:

“os vírus são sólidos geométricos precipitáveis”


História da Virologia
• 1948-1955: anos de transição: virologia estudada
em animal → ciência de laboratório
(desenvolvimento de cultura de células cancerosas
por Gey).

• 1955: início da Virologia Moderna, com um vírus


diferente sendo descrito a cada momento, após a
propagação do vírus da poliomielite nas células
cancerosas.
História da Virologia
• 1966: International Committee on Nomenclature of
Viruses (ICNV) – agrupar os vírus em um único
sistema, independente de outras formas biológicas
até então conhecidas.

• 1973: International Committee on Taxonomy of


Viruses (ICTV) – organização dos vírus em níveis
hierárquicos de ordem, família, subfamília, gênero
e espécie.
Fundamentos da
Virologia
• Muito pequenos, menores que as bactérias. Não
podem ser vistos por MO e passam através de
poros de filtros esterilizantes;
• Não podem ser cultivados em meio artificial, pois
são estruturas intracelulares que necessitam de
metabolismo celular ativo;
• Contêm somente um tipo de ácido nucléico como
código genético.
Fundamentos da
Virologia
• Definição de vírus:
“Estruturas subcelulares, com ciclo de replicação
exclusivamente intracelular, sem nenhum metabolismo ativo
fora da célula hospedeira.”
Vírion: partícula viral completa, composta de uma molécula de
ácido nucléico circundado por uma capa de proteína, podendo
conter açúcares e lipídios.

Função: levar o genoma viral para


dentro da próxima célula a ser infectada.
Fundamentos da
Virologia
• Morfologia dos Vírus:
- Unidade protéica: uma cadeia polipeptídica. Ex.: VP1
Fundamentos da
Virologia
• Morfologia dos Vírus:
- Subunidade estrutural ou protômero: uma ou mais
unidades protéicas, não idênticas, que se associam para
formar estruturas maiores denominadas capsômeros.
Fundamentos da
Virologia
• Morfologia dos Vírus:
- Unidade de montagem: grupo de subunidades ou de
protômeros que é formado durante a montagem do vírus,
no processo de síntese viral.
Fundamentos da
Virologia
• Morfologia dos Vírus:
- Capsômeros ou unidades morfológicas:
protuberâncias vistas nas superfícies dos vírus não-
envelopados, por ME; formam o capsídeo.

1. Molécula de RNA; 2. Capsômero; 3. Capsídeo.


Fundamentos da
Virologia
• Morfologia dos Vírus:
- Capsídeo: capa de proteína que envolve diretamente o
ácido nucléico.

1. Molécula de RNA; 2. Capsômero; 3. Capsídeo.


Fundamentos da
Virologia
• Morfologia dos Vírus:
- Core ou cerne: ácido nucléico viral + proteínas
envolvidas na replicação e a ele associadas.

core
Fundamentos da
Virologia
• Morfologia dos Vírus:
- Matriz protéica: estrutura de proteínas não-glicosiladas
presente em alguns vírus, localizada entre o envelope e
capsídeo. Funções: dar sustentação ao envelope viral e
servir de ancoragem para as proteínas virais de superfície.
Fundamentos da
Virologia
• Morfologia dos Vírus:
- Envelope: camada bilipídica proveniente da célula
hospedeira, que envolve certas partículas virais, onde se
encontram inseridas as glicoproteínas conhecidas como
peplômeros ou espículas virais.

Espículas localizadas na superfície do


envelope
Propriedades Gerais
dos Vírus
• Classificação Internacional dos Vírus proposta pelo ICTV –
baseada nas propriedades estruturais:
- Morfologia; - Propriedades biológicas;
- Propriedades físico- - Ordem viral;
químicas; - Família e subfamília viral;
- Proteínas; - Gênero viral;
- Lipídios e carboidratos; - Espécie viral.
- Replicação viral e
organização gênica;
- Propriedades antigênicas;
Propriedades Gerais
dos Vírus
• Classificação Internacional dos Vírus proposta pelo
ICTV – Morfologia:
- Tamanho e forma do vírion;
- Presença ou não de glicoproteínas;
- Presença ou não de envelope;
- Simetria estrutural do capsídeo.
Propriedades Gerais
dos Vírus
• Classificação Internacional dos Vírus proposta pelo ICTV –
Propriedades físico-químicas:
- Massa molecular do vírion; nucleotídicas, presença de
- Coeficiente de sedimentação; elementos repetidos no genoma,
- Estabilidade a variações de pH, presença de isômeros do ácido
calor, íons divalentes, detergentes nucléico, taxa de G + C do
e radiação; genoma e presença de terminais
- Tipo e tamanho do ácido nucléico Cap ou poli(A), no RNAm.
(DNA ou RNA);
- Tipo de fita do ácido nucléico
(dupla ou simples, circular ou
linear), polaridade do ácido
nucléico, número de sequências
Propriedades Gerais
dos Vírus
• Classificação Internacional dos Vírus proposta pelo
ICTV – Proteínas:
-Número, tamanho e atividade de proteínas estruturais
e não-estruturais;
-Sequência de aminoácidos, tipo de glicosilação,
fosforilação, miristilação (adição do ácido miristílico,
um ácido graxo com 14 carbonos, no resíduo N-
terminal da glicina de uma cadeia polipeptídica), e
estrutura tridimensional da proteína.
Propriedades Gerais
dos Vírus
• Classificação Internacional dos Vírus proposta pelo
ICTV – Lipídios e Carboidratos:
- Composição e teor dos lipídios e açúcares
existentes.
Propriedades Gerais
dos Vírus
• Classificação Internacional dos Vírus proposta pelo
ICTV – Replicação Viral e Organização Gênica:
- tipo de ácido nucléico,
- estratégia de replicação,
- número e posição das sequências de leitura aberta (open read frames
– ORF – sequência de DNA compreendida entre um códon de início
(ATG) da tradução e um códon de terminação, descontando as
sequências que correspondem aos íntrons, no caso de haver),
- características da transcrição e tradução,
- processamento pós-traducional,
- sítio de acúmulo de proteínas virais,
- sítio de montagem, maturação e liberação da partícula viral.
Propriedades Gerais
dos Vírus
• Classificação Internacional dos Vírus proposta pelo
ICTV – Propriedades Antigênicas:
- Relações sorológicas obtidas de centros de
referência.
Propriedades Gerais
dos Vírus
• Classificação Internacional dos Vírus proposta pelo
ICTV – Propriedades Biológicas:
- Hospedeiro natural,
- Modo de transmissão na natureza,
- Vetores,
- Distribuição geográfica,
- Patogenicidade,
- Tropismo,
- Patologias e histopatologias.
Propriedades Gerais
dos Vírus
• Classificação Internacional dos Vírus proposta pelo
ICTV – Ordem Viral:
Ordens virais representam agrupamentos de famílias
de vírus que compartilham características comuns.
Sufixo: virales
- Mononegavirales (famílias Paramyxoviridae,
Rhabdoviridae e Filoviridae)
- Nidovirales (familias Coronaviridae e Arteviridae)
- Caudovirales (famílias Myoviridae, Siphoviridae e
Podoviridae)
Propriedades Gerais
dos Vírus
• Classificação Internacional dos Vírus proposta pelo
ICTV – Família e Subfamília Viral:
Famílias virais representam agrupamentos de gêneros
de vírus que compartilham características comuns e
distintas de outros membros de outras famílias.
Sufixo de família: viridae.
Sufixo de subfamília: virinae
Propriedades Gerais
dos Vírus
• Classificação Internacional dos Vírus proposta pelo
ICTV – Gênero Viral:
Gêneros representam agrupamentos de espécies de
que compartilham características comuns e distintas
de outros membros de outros gêneros.
Sufixo: virus.
Propriedades Gerais
dos Vírus
• Classificação Internacional dos Vírus proposta pelo
ICTV – Espécie Viral:
Para os vírus são mais difíceis de definir.
“A espécie viral é definida como uma classe constituída de
uma estirpe de replicação com um nicho ecológico
particular.” – van Regenmortel (1991).
Enfatiza-se as diferenças genômicas ou estruturais, físico-
químicas ou sorológicas.
O nome é acompanhado do termo “vírus” (Ex.: Poliovírus
1)
Taxonomia dos Vírus
• Nomenclatura oficial
- Família, subfamília, gênero e espécie: 1ª letra
da palavra maiúscula e em itálico.

Exemplos de Terminologia
Família Poxviridae Herpesviridae Picornaviridae
Subfamília Chordopoxvirinae Alphaherpesvirinae –
Gênero Orthopoxvirus Simplexvirus Enterovirus
Espécie Vírus vacínia Herpesvírus humano 2 Poliovírus 1
Taxonomia dos Vírus
• Nomenclatura vernacular ou informal:
- Família, subfamília, gênero e espécie: não
precisam ser escritos em maiúscula ou itálico.
- O nome não precisa estar com os sufixos
referentes.
- Ex.: “a família picornaviridae, o gênero
enterovírus, etc.”
Tipos de Estruturas Virais
e suas Características
• Capsídeo:
- Simetria helicoidal;
helicoidal
- Simetria icosaédrica;
- Complexa (pseudo-simetria).

icosaédrica complexa
Tipos de Estruturas Virais
e suas Características
• Envelope: aquisição por brotamento. Requer
direcionamento de proteínas virais (espículas) para
uma membrana celular (sítio de brotamento) e
posterior interação entre proteínas virais
intracitoplasmáticas com as proteínas virais
inseridas na membrana.
Tipos de Estruturas Virais e
suas Características
• Ácido nucléico viral:
- Fita dupla; - Genoma do tipo DNA: fita
- Fita simples; dupla ou fita simples.
- Circular;
- Linear. - Genoma do tipo RNA de fita simples:
polaridade positiva (corresponde ao
- Genoma único RNAm) ou polaridade negativa
(apenas uma fita); (complementar ao RNAm).
- Genoma
* RNA de fita dupla, segmentado; RNA que
segmentado. utiliza forma intermediária de DNA no processo
de replicação.
Terminologia
• Proteínas não-estruturais: proteínas codificadas
pelo genoma e traduzidas somente durante a
replicação viral.
• Proteínas estruturais: proteínas que compõem a
estrutura da partícula.
• Nucleocapsídeo: capsídeo + ácido nucléico
• RNA genômico Ácido nucléico que se encontra
• DNA genômico na partícula viral madura (vírion).
Infecções Subvirais
Causadas por agentes infecciosos ainda mais
simples e menores que os vírus:
• Vírus Satélites:
• Virusóides;
• Viróides;
• Vírus Defectivos;
• Príons.
Infecções Subvirais
• Vírus Satélites: Possuem ácido nucléico “incompleto”,
necessitando de um outro vírus para completar seu ciclo
replicativo.

Ex.: Vírus associados ao adenovírus (AAV), que necessitam


de uma co-infecção com um adenovírus ou herpesvírus para
ter sua replicação efetivada.
Infecções Subvirais
• Virusóides:
- Situados em um nível abaixo dos vírus satélites;
- Associados aos vírus de plantas e, até o momento, não
foram encontrados em humanos;
- Possuem pequenos genomas que não codificam para suas
próprias proteínas, mas as adquirem de um vírus helper
(auxiliar), replicando no citoplasma com o seu auxílio.
Infecções Subvirais
• Viróides:
- Geralmente apresentam genomas maiores que os
virusóides e causam doenças em plantas.
- Também não codificam proteínas, mas podem replicar seu
genoma independentemente do vírus helper.
- Replicam-se no núcleo da célula com o auxílio das
proteínas celulares, sem que em nenhum estágio façam a
síntese de DNA ou proteínas.
Infecções Subvirais
• Vírus defectivos ou partículas defectivas
interferentes (defective interfering - DI):
- São produzidas por muitos vírus com genoma de RNA e
alguns vírus DNA quando existe alta multiplicidade de
infecção (quando se inocula grande quantidade de vírus na
célula hospedeira).
- Possuem genomas incompletos (defectivos), replicam-se
somente se outro vírus completo infectar a mesma célula.
- Importância: estabelecem infecções persistentes pois
alteram o curso da infecção, interferindo na replicação
completa da partícula.
Infecções Subvirais
• Príons:
- Agentes subvirais inteiramente diferentes dos elementos
descritos anteriormente, pois se compõem somente de
proteínas, sem nenhum resquício de ácido nucléico, e muito
resistentes à inativação por processos físicos ou químicos.
- Capazes de modificar outras proteínas celulares saudáveis
em proteínas doentes.
- Sua destruição só ocorre se o material contaminado for
incinerado.
- Ex.: Scrapie, Doença da vaca louca, kuru.
Um aspecto interessante
das doenças causadas por
príons é que são ao
mesmo tempo de caráter
hereditário e transmissível.
O gene da proteína PrP
está presente no
cromossomo do
hospedeiro.
De alguma forma não
compreendida, a proteína
PrP é convertida da
isoforma celular benigna
para uma forma
patogênica resultando a
doença degenerativa.
É possível que outras
doenças degenerativas
tenham esse mesmo
padrão.

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