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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6

Cadernos PDE

OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE


NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
A IMPORTÂNCIA DA ELABORAÇÃO DE PERGUNTAS NO PROCESSO DE
LEITURA

Autor: Simone Terezinha Tauchert1


Orientador: Mônica Cristina Metz2

Resumo: Esse artigo tem como objetivo refletir sobre a importância das perguntas feitas pelo professor para a
produção de inferências que favoreçam o diálogo entre o texto e o leitor, a fim de levar o aluno a produzir um
novo texto a partir da sua interpretação. O trabalho é resultado da pesquisa-intervenção pedagógica realizada no
Colégio Estadual Sebastião Paraná, Ensino Fundamental e Médio, na cidade de Palmas, interior do Paraná, a
partir da qual pretendeu-se abordar o conceito de leitura interativa, entendida como um diálogo entre o leitor e o
autor, mediado pelas inferências realizadas a partir de perguntas realizadas pelo professor sobre o texto escrito.
Assim, o texto deixou de ser visto como um mero lugar de informações prontas a serem descobertas, sendo a sua
compreensão resultado da interação entre o conhecimento de mundo do leitor e a informação contida no texto.

Palavras-Chave: Leitura. Inferências. Leitor crítico.

1. INTRODUÇÃO:
A maioria dos alunos ingressa na segunda etapa do ensino fundamental com muitas
dificuldades de leitura e problemas ao interpretar um texto, não passando da fase de
decodificação textual. Além disso, quando se trabalha um texto, não conseguem interpretá-lo
sozinhos, sendo necessária a intervenção do professor facilitando a sua interpretação, pois
muitas vezes, não são autônomos suficientes para desembaraçar-se do emaranhado de letras
e palavras que se apresentam.
Essas dificuldades se dão, em grande parte, porque não tiveram atividades de leitura e
interpretação que os levassem a sentirem-se preparados para pensar sobre o texto,
interagirem com ele e, principalmente, levarem para seu cotidiano o que do texto
conseguiram entender. Ou seja, o processo de leitura não se concretiza em sua totalidade.
Com o intuito de sanar essas dificuldades, desenvolveu-se com os alunos do 6º ano do
Colégio Estadual Sebastião Paraná, em Palmas – PR, as atividades propostas no Projeto de
Intervenção Pedagógica sob o título “A importância da elaboração de perguntas no processo
de leitura”.
Através das atividades de leitura propostas, os alunos foram instigados a compreender
que há uma distinção entre “decodificar” um texto e “interpretar” um texto.
O desenvolvimento dessas atividades visou incentivar a formação de uma
comunidade de leitores, partindo de uma situação de encantamento que favoreça o

1
Professora PDE, formada em Letras Português, Licenciatura, pela FAFI Palmas-PR. Especialista em Letras
Português/Inglês, pela FAFI. Professora QPM, da rede estadual de ensino do Paraná, há 21 anos.
2
Professora da UNICENTRO, mestra em Letras pela UEM (2012) e licenciada em Letras Português e
Literaturas de Língua Portuguesa pela UNICENTRO (2008).
aprendizado, o desenvolvimento da capacidade de produzir inferências de modo que eles
consigam produzir novos conhecimentos.
Assim, fazer com que a leitura, dentro do ambiente escolar, seja um momento
prazeroso é o desejo de muitos professores que se preocupam com as habilidades de
leitura, interpretação e escrita de seus alunos.

2. LEITURA
2.1 O que é leitura
Ler, entendido convencionalmente como receber, tirar, transmitir conhecimentos,
possui outro sentido que há muito supera o pensamento inicial de que leitura é o que acontece
quando uma pessoa olha para um texto qualquer e atribui sentido aos símbolos gráficos nele
inseridos.
A partir dos estudos sobre o processo de leitura, essa concepção se expandiu em
direção a uma visão mais interativa e dinâmica. Hoje, a leitura é vista como uma atividade
dialógica, um processo de interação que se realiza entre o leitor e o autor, mediado pelo texto,
estando todos os elementos envolvidos situados em um determinado momento histórico-
social.
Segundo Terzi (2002, p. 15), “a leitura é uma atividade complexa devido aos múltiplos
processos cognitivos utilizados pelo leitor ao construir o sentido de um texto, já que ela não se
dá linearmente, de maneira cumulativa, em que a soma do significado das palavras
constituiria o significado do texto”.
A leitura deve ser entendida, então, como um processo ativo e dinâmico, pois o “texto
tem um potencial de evocar significado, mas não tem significado em si mesmo” (MOOR et
al., 2001, p. 160).
Pode se dizer, então, que o texto e o leitor são duas entidades físicas necessárias para
que o processo possa ocorrer. Todavia, é a interação entre o texto e o leitor que constitui
realmente a leitura.

2.2 A leitura crítica

Como qualquer outra instituição social, a escola reflete as condições gerais da vida da
comunidade em que está inserida, portanto, torna-se evidente que causas externas a ela
interferem de forma decisiva na determinação desse resultado.
Para Antunes (2003, p. 27),
essa preocupação já ultrapassou os muros das universidades e vem se tornando uma
das preocupações gerais, (...) já está na boca de muitos a crítica de que a escola não
estimula a formação de leitores, não deixa os alunos capazes de ler e entender
manuais, relatórios, códigos, instruções, poemas, crônicas, resumos, gráficos,
tabelas, artigos, editoriais e muitos outros materiais escritos.

Mas, não se pode esquecer também que fatores internos à própria escola interferem na
qualidade e na relevância desse resultado, pois os professores ainda desenvolvem:

 Atividades de leitura centradas nas habilidades mecânicas de decodificação


da escrita, não havendo leitura, pois não há “encontro” com ninguém do outro lado
do texto;
 Atividades sem função, sem interesse, desvinculada dos diferentes usos
sociais que se faz da leitura atualmente;
 Atividade puramente escolar, convertida em momentos de treino, de
avaliação e em oportunidade para futuras cobranças;
 Atividades de leitura cuja interpretação se limita a recuperar os elementos
literais e explícitos presentes na superfície do texto (ANTUNES, 2003, p. 27-
28).

O professor deve levar em consideração que em qualquer texto há, naturalmente,


coisas não explicitadas, isto é, vazios a serem preenchidos com informações prévias do
leitor, derivado do seu próprio conhecimento de mundo. Dessa forma, o sentido do texto não
está apenas no texto, não está apenas no leitor. Está no texto e no leitor, pois está em todo
material linguístico que o constitui e em todo conhecimento que o leitor já tem do
objeto de que trata o texto. A leitura tem assim, a dinâmica de qualquer outro encontro: seu
sentido é o de agora e o de antes (ANTUNES, 2003, p. 78).
Por isso, um texto apresentado pelo professor não deve ser desvinculado do mundo do
seu aluno, da sua realidade, do contexto em que ele está inserido e, sobretudo, o professor
deve convencê-lo das vantagens de saber ler e de poder ler:

É preciso, antes de mais nada, centrar o nosso olhar e a nossa atenção sobre a
realidade social e brasileira, buscando o desvelamento dos seus modos de
convivência, existência e sobrevivência. Isto porque a leitura (...) cumpre
propósitos e finalidades de comunicação entre os homens que interagem em
sociedades específicas (SILVA, 1998, p. 21).

Conforme Silva (1998) após a ditadura e a redemocratização do Brasil, a leitura crítica


encontra sua principal razão de ser nas lutas pela transformação da realidade brasileira, que
levem o cidadão a compreender as raízes históricas e a buscar, concretamente, uma sociedade
onde os benefícios do trabalho produtivo e da riqueza nacional não sejam privilégios somente
de uma minoria.
Numa sociedade dividida em classes, qualquer meio de comunicação (aqui também
entra a escrita) pode servir como propósito de alienação ou de liberdade.

Por isso, é fundamental reforçar a necessidade das práticas de leitura crítica nas
escolas: Não fazer isto pode significar a manutenção do ad infinitum da
consciência ingênua junto aos professores e estudantes; e pior: pode significar,
a longo prazo, um embotamento ou cancelamento da capacidade crítica pela
ausência de espaços concretos para colocá-la em prática (SILVA, 1998, p. 24).

Conforme Silva (1998) é através da leitura crítica que o sujeito abala o mundo das
certezas, principalmente as certezas das classes dominantes. Mas a escola precisa ter essa
concepção, ela precisa ter isso como filosofia, pensar que tipo de cidadão quer para a
sociedade e ter consciência de que esse tipo de leitura não aparece automaticamente.
É no interior desse conjunto que Silva (1998) descreve que a leitura crítica precisa ser
ensinada, incentivada e dinamizada no sentido de que os estudantes desenvolvam atitudes de
questionamento perante os materiais escritos, desde as séries iniciais e que “caso o professor
não construa em sala de aula uma atmosfera de confiança e abertura, que alimente a discussão
e o debate, muito dificilmente aquelas competências serão praticadas pelo coletivo dos
estudantes” (SILVA, 1998, p. 29).
Um leitor crítico, além da sensibilidade e da capacidade de julgamento, não se
descuida de refletir e transformar as suas ideias em outro texto: o seu próprio texto.
A presença de leitores críticos na sociedade atual é uma necessidade imediata, de
forma que os processos de leitura e os de ensino de leitura devem estar diretamente ligados à
transformação da sociedade, pois leitores ingênuos, pessoas impassíveis diante das
contradições sociais e acostumadas à ótica convencional de perceber os fatos, muito
provavelmente permanecem felizes em exercer sua cidadania “de meia-tigela” a bem daqueles
poucos que detêm os privilégios (SILVA, 1998, p. 33).
A escola precisa formar leitores que vão além das linhas de um texto (não somente
leiam as entrelinhas e muito menos as linhas), mas que adentrem no texto a fim de refletir
sobre os aspectos da situação social a que esse texto remete: “mais especificamente, o leitor
crítico deseja compreender as circunstâncias, as razões e os desafios sociais permitidos ou não
pelo texto” (SILVA, 1998, p. 34).
O professor tem o dever de ajudar o aluno a construir uma ideia positiva da leitura e
dos poderes que ela permite ao cidadão e, em cada situação particular da sala de aula, deve
explicitar os objetivos de toda atividade de leitura, o que quer e/ou aonde quer chegar com
aquela atividade, convocando o aluno a ler o texto, de forma a despertar-lhe o interesse por
fazê-lo bem, e não uma mera atividade corriqueira, sem função.
Teberoski (2003, p. 18) afirma que “um leitor que se torna crítico traz consigo as
virtudes da responsabilidade, do equilíbrio, da perspicácia e do comedimento”.
O ideal seria que o aluno perceba que “nenhum texto é neutro, que por trás das
palavras mais simples, das afirmações mais triviais, existe uma visão de mundo, um
modo de ver as coisas, uma crença. Qualquer texto reforça ideias já sedimentadas ou propõe
visões novas” (ANTUNES, 2003, p. 82).
Conforme Fonseca & Fonseca (apud ANTUNES, 2003, p. 82), “é importante que não
esqueçamos que a linguagem é uma das formas de atuar, de influenciar, de intervir no
comportamento alheio, que outros atuam sobre nós usando-a e que igualmente cada um de
nós pode usar para atuar sobre os outros”.

2.3 As etapas dos processos de leitura

Tendo a Psicolinguística como base para compreender a leitura, Menegassi (1995)


afirma que o processo de leitura possui quatro etapas: a decodificação, a compreensão, a
interpretação e a retenção.
Implementou-se a proposta de intervenção pedagógica dentro das etapas dos processos
de leitura, conforme o que se expõe a seguir.

2.3.1 A decodificação na implementação do projeto


“A decodificação resulta do reconhecimento dos símbolos escritos e da sua
ligação com um significado, o que implica pensar na existência de dois níveis de
decodificação: uma primária (ou fonológica) e um secundário, ligado à compreensão”,
na qual inicia-se o processo de apreensão de significados. (MENEGASSI, 1995)
Com base nesses estudos, iniciaram-se as atividades com os alunos fazendo uma
sondagem através de perguntas orais sobre seus conhecimentos a respeito de gatos, tais como:
 Quem, de vocês, gosta de gatinhos?
 Como os gatos reagem nas mais diferentes situações?
 Como eles se comportam diante de seus donos?
 O que costumam comer?
 Têm amigos?
 Esses gatos são mimados pelos seus donos?
 Há gatos que não têm donos. Então, onde vivem?
 Como podemos chamá-los?
 Eles têm oportunidade de serem bajulados?
 Como se alimentam? Do que se alimentam?
 Têm amigos?
E as questões foram surgindo a partir da necessidade em diferenciar os dois tipos de
gato, denominados, então, de “gatinho do apartamento” e “gatos da rua”.
Os próprios alunos foram discorrendo sobre suas experiências com esse animalzinho e
passaram a analisar a vida deles dentro e fora de um apartamento, suas possibilidades de
amizades, aventuras, vida mansas e vida difícil, alegrias e tristezas. Era como se o animal
fosse um ser humano: com pensamentos, preferências, atitudes, desejos.
Enquanto essa conversa inicial se desenrolava, imagens de diversos e variados gatos
eram reproduzidas na tv pendrive, mas sem chamar a atenção dos discentes para elas.
Portanto, esse recurso foi utilizado somente na forma visual, sem comentários a respeito das
mesmas.
Na etapa seguinte, os alunos foram direcionados ao salão do colégio e a canção
História de uma gata (Luiz Enriquez/Sérgio Bardotti/Chico Buarque) pode ser ouvida.
Entregou-se a cada aluno, a letra da canção com espaços em branco no papel sulfite e as
fichinhas com as palavras a serem utilizadas para o preenchimento.
A atividade foi desenvolvida, enquanto a música tocava repetidamente, com muito
entusiasmo pelas crianças, pois se trata de uma canção divertida e fácil de ser memorizada.
Quando esta etapa concluiu-se, a letra da canção foi exposta na tela do projetor para
atividades variadas de leitura e eles, então, puderam fazer as correções necessárias.
Um clipe com a representação teatral dos Saltimbancos Trapalhões cantada por
Lucinha Lins foi projetado na tela, a fim de esclarecer onde foi veiculado, por quem, por qual
razão e também para que os alunos pudessem ter uma visualização da história/canção, visto
que até agora os mesmos só haviam tido contato com a escrita.
Na sala de aula, os educandos receberam um caderninho, onde seriam registrados e
coladas todas as atividades da implementação, de forma a ficarem todas unidas num mesmo
material para a exposição dos trabalhos futuramente e a primeira atividade (da colagem das
fichinhas) foi, neste momento, inserida neste caderno.
Deve-se lembrar de que estas questões são de Decodificação, que é a primeira fase do
processo de leitura, em que o aluno reconhece os símbolos escritos e pode perfeitamente lê-
los, pronunciá-los. É necessário esse reconhecimento para que possa relacionar esses símbolos
aos seus significados e, a partir daí, seja possível iniciar o processo de compreensão textual.
Portanto, as questões são feitas superficialmente e as respostas são facilmente encontradas na
letra da canção proposta, as quais se citam abaixo:
 Onde a gata vivia?
 O que ela comia?
 O que os donos costumavam dizer a ela?
 Qual era o veneno que os donos costumavam passar no bichano?
 Se ela se comportasse bem, o que ela recebia em troca?

2.3.2 A compreensão
As próximas questões a serem resolvidas nas aulas seguintes são as de Compreensão,
para as quais os alunos apresentaram um pouco mais de dificuldades, sendo necessário
frequentemente auxiliá-los no processo.
A Compreensão é a segunda das fases do processo e está diretamente ligada à
Decodificação. Na Compreensão, o aluno é capaz de captar a temática, os tópicos principais
do texto, de conhecer as regras sintáticas e semânticas da língua, de conhecer as regras
textuais, de depreender a significação de palavras novas, afinal, ele faz inferências. O leitor
retira do texto as informações, a temática e as ideias principais que ele oferece, mas, em
contrapartida, ele precisa ter conhecimento prévio do assunto e, para tanto, as questões de
decodificação já haviam sido corrigidas oralmente por alunos voluntários nas aulas anteriores.
As questões foram as seguintes:
 Por que ela foi barrada na portaria?
 Como os donos a tratavam?
 Como ficou a vida depois que ela saiu do apartamento?
 Que tipo de comida quer dizer: “um bom filé ... de gato”?
 Ao conviver com os gatos de rua, como ela passa a se comportar?
 Em nossa convivência familiar, quem costuma utilizar a expressão: "Fique em casa,
não tome vento!”? O que eles (elas) querem dizer com isso?
Para resolver as questões de Compreensão, foi necessário auxiliar na produção de
inferências, com o intuito de auxiliá-los no que fosse preciso e esclarecendo dúvidas, mas
nunca dando-lhes a resposta, visto que, seria a partir da compreensão individual que eles
chegariam a própria interpretação da letra da canção, sem as inferências da professora
proponente.
2.3.3 A interpretação
Um enunciado motivador abriu as atividades de Interpretação, que também lhes foram
entregues para serem coladas, a seu tempo, no caderno individual: “Agora, demonstre que
você é esperto e responda estas:”
 Enquanto estava morando no apartamento, seus donos faziam algumas exigências.
Pense e respondam, quais eram?
 O que você acha que ela realmente queria?
 Quem manda nela no início da história?
 E quem manda nela depois que ela sai do apartamento?
 Você acha que ela realmente se arrependeu de ter saído por isso quis voltar?
 Por que a gata diz: “eu sou mais eu, mais gata” ?
 E os gatos de rua eram felizes? Justifique:
 Será que ela foi infiel aos seus donos quando resolveu ir para a rua com os outros
gatos?
 Qual é o tema (assunto) dessa canção?
Outras duas atividades em forma de tabela foram desenvolvidas para auxiliar na
produção textual, juntamente com uma questão que gerou um grande debate na turma:
“Depois que ficou livre, você acha que ela ficou mais feliz? Por quê?”
Na teoria da compreensão como inferência, esta será sempre atingida mediante a
participação decisiva do leitor numa ação colaborativa. A língua é vista como uma atividade
interativa e não como um instrumento. Acredita-se que a atividade inferencial é natural e
intuitiva.
É importante o professor perceber que o tipo de pergunta que ele faz e a maneira
como ela é empregada influenciam no desenvolvimento de leitura e direcionam a
compreensão do texto.
As inferências funcionam como hipóteses coesivas para o leitor compreender o texto,
são estratégias ou regras embutidas no processo. As condições textuais, pragmáticas,
cognitivas e outros fatores (conhecimento do leitor, gênero e forma de textualização)
influenciam na compreensão, por isso ela é complexa, pois envolve “não apenas
fenômenos linguísticos, mas antropológicos, psicológicos e factuais” (MARCUSCHI, 2008,
p. 249).
Ao expressarmos nosso entendimento sobre um texto estamos também produzindo
um novo texto. Para Solé (1998, p. 279), “nós sabemos que no dia-a-dia ninguém vive
respondendo a perguntas sobre textos e sim falando sobre eles, resumindo-os, reportando-os
ou opinando. Por que não se dedicar a essas tarefas na vida real?”
Durante o desenvolvimento das atividades interpretativas, os alunos não receberam
auxílio nas respostas, somente algumas reflexões e leitura de entrelinhas foram discutidas na
sala de aula e, imediatamente, a produção de texto a respeito de tudo o que havíamos
estudado/comentado/debatido foi proposta, com o intuito de levar os alunos à compreensão de
que há uma distinção entre decodificar um texto e interpretar um texto, pois é na
interpretação que o leitor expande sua leitura, permitindo que ocorra a ligação dos conteúdos
do texto com o seu conhecimento prévio (ou sua leitura de mundo).
A interpretação é a fase do processo de leitura onde o leitor utiliza sua capacidade
crítica, o momento que ele faz julgamentos sobre o que leu. Quando ocorre a interpretação, o
leitor expande seus conhecimentos e amplia suas informações, reformula seus conceitos e
esquemas sobre a temática do texto, indo além do que já há em sua bagagem cultural.
Uma questão feita pela professora, oralmente, desencadeou uma reflexão na turma: “E
você? Gostaria de ser o (a) gatinho (a) do apartamento ou da rua?” Cada aluno posicionou-
se perante as respostas dos demais e, individualmente, produziram (a partir de toda essa
análise e reflexão) um texto narrativo, contando o desfecho da história da gatinha da canção.

2.3.4 A retenção
Nessa última etapa, o aluno deve ser capaz de reter as informações trabalhadas nas
etapas anteriores e aplicá-las: fazendo analogias, comparações, reconhecendo o sentido de
linguagens figuradas ou subtendidas, e o principal, aplicar em outros contextos refletindo
sobre a importância do que foi lido fazendo um paralelo com seu cotidiano, aprendendo com
isso, a fazer suas próprias análises críticas.

A última etapa no processo de leitura (...) é a retenção, que diz respeito ao


armazenamento das informações mais importantes na memória de longo prazo. Essa
etapa pode concretizar-se em dois níveis: após a compreensão do texto, com o
armazenamento da sua temática e de seus tópicos principais; ou após a interpretação,
em um nível mais elaborado. (MENEGASSI, apud MENEGASSI; CALCIOLARI,
2002, p. 83).

Novos textos foram produzidos, agora, narrativos, pois os educandos já haviam


perpassado pelas três primeiras fases do processo de leitura: decodificação, compreensão e
interpretação. Esses textos também fizeram parte do caderno do aluno.
A atividade do portfólio (a história contada somente em imagens) foi proposta com a
intenção de tornar a aula mais lúdica, pois não devemos nos esquecer de que a turma está na
faixa etária dos 11-12 anos e, felizmente, ainda se interessam por atividades artesanais, onde a
criatividade e a alegria tornam o ambiente de sala de aula mais divertido e prazeroso.
Segundo o dicionário on-line, temos como significado de portfólio “Agrupamento de
várias obras artísticas, fotos, utilizado para a divulgação de algum trabalho.”

Para esclarecer: (...) É um sistema de registros muito desenvolvido na área da


educação, com o objetivo de acompanhar o desenvolvimento de todos os alunos. É
um registro muito importante porque faz com que pais e professores acompanhem o
desenvolvimento das crianças, para poder controlar e verificar os conhecimentos
adquiridos (Dicionário online).

Durante essa atividade, os alunos ficaram eufóricos e os resultados foram


enriquecedores o que estimulou ainda mais o interesse pelos ensaios para a apresentação do
teatro, este inspirado no texto de um aluno (selecionado após criteriosa leitura pela
professora) inclusive pelas demais atividades que viriam na sequência, as quais se referiam ao
texto Os Meninos do Chafariz (Julio Emílio Braz).
O teatro foi apresentado para todas as turmas no período matutino, bem como para a
equipe pedagógica e diretiva da escola, os quais proferiram grandes elogios para os alunos e
puderam perceber o quanto as atividades referentes à interpretação foram de suma
importância para a turma, visto que os alunos deixavam transparecer suas conclusões.
Para iniciar as atividades a respeito do texto de Julio Emilio Braz projetou-se na TV-
pendrive, inicialmente, imagens com meninos brincando em chafarizes das grandes cidades e,
aproveitando a oportunidade, fez-se uma referência ao chafariz da nossa, analisando e
discutindo sobre seus lares, suas famílias, alimentações, higiene, bem como suas fisionomias
nas imagens (sentimentos, sensações, alegrias, liberdade).
Após este debate, projetou-se um fragmento do texto “Os Meninos do Chafariz” no
Datashow e cada aluno fez sua leitura silenciosamente. As inferências dos alunos foram sendo
mencionadas automaticamente, já havendo uma compreensão do que foi lido, inclusive o que
estava implícito no texto, portanto, os alunos passaram, inconscientemente, da fase da
decodificação para a compreensão.
Todos os demais exercícios (decodificação, compreensão, interpretação) tornaram-se
simples de serem resolvidos.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao desenvolver a oficina destinada exclusivamente aos professores do referido colégio


– fase inicial do projeto de intervenção – destacou-se que o papel do professor é fundamental
no processo de leitura e interpretação, deixando claro que somente textos e questões
“interpretativas” de livros didáticos devem ser muito bem analisados, pois depara-se
frequentemente com questões que não passam da fase da compreensão.
É importante o professor perceber que o tipo de pergunta que ele faz e a maneira como
ela é empregada influenciam no desenvolvimento de leitura e direcionam a
compreensão do texto. Nesse sentido, deve-se ter cuidado com o uso demasiado dos
livros didáticos, que, conforme ensina Vieira-Abrahão (1992, apud MENEGASSI, 1998, p.
46), trazem os textos já interpretados: “O professor, nesse sentido, assume o papel de
intermediário, uma vez que ele serve de mediador entre o livro didático e os alunos”.
Assim, o aluno fica à espera das direções que o professor oferecerá, para realizar a leitura
do texto. Nessas perguntas livrescas, os alunos constroem um conceito pré-determinado
através das perguntas utilizadas pelo professor em sala de aula, que se diferenciam das
perguntas empregadas no dia a dia, criando-se assim, um padrão próprio, artificial,
comum somente à escola.
Destaca-se, ainda, que durante o desenvolvimento das atividades, principalmente as
referentes à canção História de uma gata, professores da rede estadual de ensino, das mais
variadas cidades do Paraná, contribuíam diariamente, através do GTR (Grupo de Trabalho em
Rede) com suas indagações e elucidações a respeito do tema, pois se encontravam com as
mesmas angústias e ansiavam por soluções. Nesse sentido, a troca de ideias e experiências
enriqueceu o trabalho, o que proporcionou a oportunidade de conhecer outras realidades e
fazer novas amizades.
A saber, Os Grupos de Trabalho em Rede (GTR) constituem uma atividade do
Programa de Desenvolvimento Educacional - PDE, que se caracteriza pela interação virtual
entre os professores PDE e os demais professores da Rede Pública Estadual, com os objetivos
de (...), viabilizar novos espaços de estudo e discussão sobre as especificidades da realidade
escolar, incentivar o aprofundamento teórico-metodológico nas áreas de conhecimento,
através da troca de ideias e experiências sobre as áreas curriculares (Cf. o site da Secretaria de
Educação do Estado do Paraná: diaadia. pr.gov.br).
Citam-se dois exemplos considerados de suma importância no desenvolvimento do
GTR. São contribuições de duas professoras (a primeira da cidade de Marialva e a segunda de
Palmas, cujos nomes não serão mencionados, porém suas palavras estão transcritas na
íntegra): “A partir da leitura de seu projeto pude perceber que ele vem ao encontro de minhas
preocupações com o trabalho com a leitura. Tive oportunidade, aqui em Marialva, de
participar como ouvinte, em um outro colégio, de um curso em que MENEGASSI apresentou
as fases de leitura e falou sobre a elaboração de perguntas. Foi um curso pequeno em que ele
apresentou rapidamente os conceitos. Fiquei bastante interessada e percebi que muitas vezes,
apesar de amar a leitura e entender que ela é de suma importância para o desenvolvimento
do indivíduo, muitas vezes não consigo passar da fase de compreensão com meus alunos.
Penso que a partir desses conceitos o ideal é levar o aluno a percorrer as fases até que tenha
autonomia para interpretar verdadeiramente um texto, quando ele poderá pensar sobre ele,
concordando ou discordando de suas ideias a partir de sua individualidade.”
“Acredita-se que na prática docente todo o professor tanto realiza questões de
compreensão, aquelas que trabalham as frases e ideias escritas no texto, como também de
interpretação, as que promovem a subjetividade, levando o aluno à inferência crítica e
conclusiva. Há que se considerar que, muito além da compreensão, necessário se faz que em
todas as situações das diferentes disciplinas se proceda a interpretação, para que o aluno
seja capaz de contextualizar o que lê, o que vê, o que vive com o mundo que o rodeia. Assim,
contextualizar permite a ratificação daquilo que o aluno aprende, porque faz a conexão entre
os conhecimentos, transformando este de mero espectador a protagonista hábil para criar
soluções em si mesmo e no contexto onde se insere. Ilustra-se o que se afirma, quando se faz
menção a Paulo Freire: “Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades
para a sua própria produção ou a sua construção”.
Desenvolver atividades que conduzam o aluno a ir além de meros espectadores, mas a
realizar uma verdadeira interpretação textual é função de cada professor, independente da
disciplina que ministra. Se isso realmente acontecesse, os professores de Língua Portuguesa
não seriam os únicos a ter dificuldades em desenvolver atividades, desde as mais corriqueiras
até as que exigem um pouco mais de raciocínio.
Todo esse estudo, desenvolvimento das atividades e interação com os demais
profissionais da área, leva, portanto, à conclusão de que o professor precisa, urgentemente,
repensar seu direcionamento em relação às atividades de interpretação textual, pois ele
necessita ter o conhecimento de que compreender não é o mesmo que interpretar, que ambas
são apenas duas das fases do processo de leitura e que uma não existe sem a outra.
É do professor o compromisso de rever seus conceitos ao utilizar o livro didático como
a principal fonte de instrução, de conhecimento, de atividades propostas em sala de aula; que
os textos a serem analisados em suas aulas devem sempre estar relacionados ao interesse da
faixa etária e da realidade dos alunos.
Também deve partir do docente a iniciativa da leitura, pois quando os educandos
percebem que o professor está sempre envolvido com um livro, estes também se interessam e
inicia-se um processo de interação aluno/livro-leitura/professor, numa forma inteligente de
incentivar a leitura na sala de aula, sobretudo, em casa.
O professor precisa perceber que suas inferências facilitam a compreensão, no entanto,
deve tomar cuidado para não impor a sua opinião. Precisa antes de tudo, conduzir o aluno a
sua própria interpretação para que este consiga ter sua opinião formada e poder defendê-la.
Desenvolver atividades a partir dessa concepção permitiu perceber como as aulas se
tornaram mais interessantes e atrativas, criativas, prazerosas e, acima de tudo, o quanto os
alunos tiveram a oportunidade de elevar seus próprios conhecimentos acerca dos mais
diversos temas/assuntos, pois, somente com a possibilidade que o PDE (Programa de
Desenvolvimento Educacional), ofertado pelo Governo do Paraná, proporcionou, atualmente,
desenvolvem-se as aulas de leitura sob esse prisma.
Isso traz motivação para dar continuidade aos trabalhos, pois se pensa que somente
quando um professor é comprometido, ele é capaz de realizar grandes transformações na
sociedade.

4. REFERÊNCIAS

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Editorial, 2003.

CABRAL, L.S. Processos psicolinguísticos de leitura e a criança. Letras de Hoje. 17-20,


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Curitiba: Positivo, 2004.

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psicolinguística. Porto Alegre: Sagra: DC Luzzatto, 1996.

LOPES – ROSSI, Maria Aparecida Garcia (org.). Gêneros discursivos no ensino de


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MAGALHÃES, I. (org.). As múltiplas faces da linguagem. Brasília: UNB, 1996.

MARCUSCHI, Luiz A. Produção textual: Análise de gêneros e compreensão. São


Paulo: Parábola Editorial, 2008.

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