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Alteração do nome civil: o que era exceção virou regra1

Em outra oportunidade, abordamos as diversas possibilidades de alteração


do nome civil, a partir da ideia de imutabilidade relativa
(http://genjuridico.com.br/2019/11/25/nome-civil-corolario-dignidade-humana/).
Ou seja, até então a doutrina e a jurisprudência entendiam que o nome civil, como
regra, não poderia ser alterado, exceto em hipóteses excepcionais.
Essa flexibilização, admitida, por exemplo, na hipótese de adoção,
casamento, dissolução da sociedade conjugal, abandono afetivo, cacofonia jocosa,
identidade de gênero, etc., agora passa a ser a regra em nosso ordenamento. Isso
porque, a Lei 14.382/2022, que entrou em vigor em 28 de junho de 2022, permite que,
após ser atingida a maioridade civil, o interessado requeira pessoalmente e
imotivadamente a alteração de seu prenome, independentemente de decisão judicial. Ou
seja, a via administrativa poderá ser utilizada sem que haja qualquer justificativa para a
alteração, bastando a vontade do requerente. De toda forma, essa alteração
extrajudicial poderá ser feita apenas uma única vez e, se houver suspeita de fraude,
falsidade, má-fé, vício de vontade ou simulação quanto à real intenção da pessoa
requerente, o oficial de registro civil fundamentadamente poderá recusar a retificação.
Nada impede que, em casos assim, o requerente recorra à via judicial.
A alteração legislativa modifica radicalmente o entendimento
jurisprudencial. A título de exemplo, no julgamento do REsp 1.728.039/SC, ocorrido
em 12/06/2018, a Terceira Turma do STJ inviabilizou a alteração do prenome Tatiane
por Tatiana. Segundo a Corte, a mera alegação de que a recorrente era conhecida
popularmente como Tatiana, e não Tatiane, não era suficiente para afastar o princípio
da imutabilidade do prenome, sob pena de se transformar a exceção em regra. Agora,
sem advogado ou justificativa, poderá a requerente valer-se do art. 56 da Lei de
Registros Públicos e solicitar, no próprio cartório, a modificação de seu prenome.
A dispensa de intervenção judicial para esse ato registral se coaduna com os
princípios da dignidade humana e da autonomia da vontade. A desjudicialização do
registro civil, como uma tendência no direito brasileiro, vem facilitar e desburocratizar

1
Tatiane Donizetti: disponível em: https://www.elpidiodonizetti.com/alteracao-do-nome-civil-o-que-
era-excecao-virou-regra/
determinados procedimentos, efetivando, em última análise, o direito da personalidade
consagrado no art. 16 do Código Civil.
Na tentativa de se garantir a segurança jurídica, o legislador dispôs que “a
averbação de alteração de prenome conterá, obrigatoriamente, o prenome anterior, os
números de documento de identidade, de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas
(CPF) da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, de passaporte e de título de
eleitor do registrado, dados esses que deverão constar expressamente de todas as
certidões solicitadas”.
Destaca-se que não há qualquer prazo para a alteração. Basta que o
interessado tenha atingido a maioridade. Após deferido o pedido, a alteração de nome
será publicada em meio eletrônico. Por meio eletrônico deve-se entender o jornal
devidamente matriculado junto ao Registro Civil de Pessoas Jurídicas competente (art.
122, I da Lei nº 6.015/73). Caso haja arrependimento, a nova alteração somente poderá
ser realizada com a intervenção judicial.
Outra alteração relevante refere-se à possibilidade de mudança de nome de
recém-nascido em até 15 (quinze) dias após o registro, caso não tenha havido consenso
entre os pais. Nesse ponto a legislação corrobora o entendimento da jurisprudência,
que já havia admitido a modificação na hipótese de quebra, por um dos pais, do acordo
sobre o nome a ser dado a filho. Assim, desrespeitado o consenso prévio entre os
genitores, com violação aos deveres de lealdade e de boa-fé, admite-se a alteração
administrativa, desde que observado o prazo decadencial indicado. Se ultrapassado o
lapso temporal previsto na nova lei, a ação judicial ainda poderá ser utilizada.
Também consolidando o posicionamento jurisprudencial (p. ex: REsp
1.873.918/SP e REsp 910.094/SC), a Lei 14.382/2022 permite que, em razão do
casamento, o sobrenome seja alterado a qualquer momento, assim como excluído,
independentemente do fim da sociedade conjugal.
Quanto ao sobrenome, a alteração administrativa será possível apenas para
acréscimo, exceto na hipótese de modificação de estado civil, em que se admite,
conforme visto anteriormente, a supressão sem a respectiva dissolução. De acordo com
o art. 57, a alteração extrajudicial do sobrenome poderá ser feita para: inclusão de
sobrenomes familiares; inclusão ou exclusão de sobrenome do cônjuge, na constância
do casamento; exclusão de sobrenome do ex-cônjuge, após a dissolução da sociedade
conjugal, por qualquer de suas causas; inclusão e exclusão de sobrenomes em razão de
alteração das relações de filiação, inclusive para os descendentes, cônjuge ou
companheiro da pessoa que teve seu estado alterado.
Também o enteado ou a enteada poderão requerer ao oficial de registro
civil que, nos registros de nascimento e de casamento, seja averbado o nome de família
de seu padrasto ou de sua madrasta. Para tanto deverá haver consenso entre os
envolvidos e justo motivo. Nesse caso, a legislação deve ser utilizada somente quando
não houver reconhecimento jurídico da filiação socioafetiva, circunstância na qual já se
admite a alteração do sobrenome.
Embora as modificações já estejam em vigor, alguns consideram
recomendável a expedição de futura recomendação pelo Conselho Nacional de Justiça.
No entanto, a ARPEN Brasil – Associação Nacional dos Registradores de Pessoas
Naturais, ao editar cartilha sobre o assunto, já deixou claro que, partir de agora, a
alteração de nome independe de motivação, podendo ser realizada diretamente no
RCPN e de forma imediata, não demandando qualquer regulamentação. Há
recomendação da referida Associação para que o cartório competente solicite, no
momento do requerimento, os seguintes documentos: a) Certidão de nascimento
atualizada; b) Certidão de casamento atualizada, se for o caso; c) Cópia do Registro
Geral de Identidade (RG); d) Cópia da Identificação Civil Nacional (ICN), se for o caso;
e) Cópia do Passaporte, se for o caso; f) Cópia do CPF; g) Cópia do Título de Eleitor; h)
Comprovante de endereço; i) Certidão do distribuidor cível do local de residência dos
últimos cinco anos (estadual/federal); j) Certidão de execução criminal do local de
residência dos últimos cinco anos (estadual/federal); k) Certidão dos tabelionatos de
protestos do local de residência dos últimos cinco anos ou, ao menos, consulta na
Cenprot, de abrangência nacional, visando a existência de protesto, sendo
recomendável exigir a apresentação das certidões em caso positivo; l) Certidão da
Justiça Eleitoral do local de residência dos últimos cinco anos; m) Certidão da Justiça
Militar, se for o caso.
Ainda não se sabe se essa será uma postura de todos os cartórios do país.
De toda forma, por se tratar de uma lei bastante inovadora, é certo que algumas
dúvidas serão sanadas apenas na prática.

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