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GEOTECNIA APLICADA À
ESTABILIDADE DE ENCOSTAS E
TALUDES
2

Flávia Gonçalves Pissinati Pelaquim

GEOTECNIA APLICADA À ESTABILIDADE DE


ENCOSTAS E TALUDES
1ª edição

São Paulo
Platos Soluções Educacionais S.A
2021
3

© 2021 por Platos Soluções Educacionais S.A.

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reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio,
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
_________________________________________________________________________________________
Pelaquim, Flávia Gonçalves Pissinati
P381g Geotecnia aplicada à estabilidade de encostas e
Taludes / Flávia Gonçalves Pissinati Pelaquim, – São
Paulo: Platos Soluções Educacionais S.A., 2021.
44 p.

ISBN 978-65-89881-33-9

1. Resistência dos solos. 2. Tipos de movimentos de


massa. 3. Segurança a rupturas. I. Título.

CDD 624.151
____________________________________________________________________________________________
Evelyn Moraes – CRB 010289/O

2021
Platos Soluções Educacionais S.A
Alameda Santos, n° 960 – Cerqueira César
CEP: 01418-002— São Paulo — SP
Homepage: https://www.platosedu.com.br/
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GEOTECNIA APLICADA À ESTABILIDADE DE ENCOSTAS E


TALUDES

SUMÁRIO

Movimento de massa e fator de segurança___________________ 05

Métodos de equilíbrio limite __________________________________ 21

Análise de tensões, retaludamento e drenagem______________ 38

Empuxo e estruturas de contenção___________________________ 56


5

Movimento de massa e fator de


segurança.
Autoria: Flávia Gonçalves Pissinati Pelaquim
Leitura crítica: Petrucio José dos Santos Junior

Objetivos
• Definir e apresentar os diferentes sistemas de
classificação de movimento de massa.

• Descrever os mecanismos de deflagração dos


escorregamentos.

• Compreender a abordagem determinística do fator


de segurança e os diferentes níveis de segurança.
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1. Introdução

Em concordância com a Norma Brasileira ABNT NBR 11.682, publicada


em 2009 e atualmente sob revisão, referente à estabilidade de encostas,
podemos definir um talude como sendo qualquer superfície inclinada
em relação à horizontal que delimita a massa de solo, rocha ou outro
material empregado em obras de engenharia (por exemplo, minério,
escória, rejeito, etc.). Presentes em inúmeras obras, eles podem ser
naturais, por vezes simplesmente chamados de encosta, ou artificiais,
construídos pelo homem, abrangendo os taludes de corte e aterro
(compactados).

De uma maneira geral, os taludes são caracterizados pela sua


geometria e, para isso, algumas terminologias são utilizadas como
referência tanto para análise de cálculo quanto para identificação no
levantamento planialtimétrico. A Figura 1 sumariza os termos técnicos
mais utilizados nessa caracterização. Os taludes podem estar sujeitos
a instabilidade que levam a rupturas muitas vezes indesejadas. São
os chamados movimentos de massa. Após alinhar sucintamente os
termos e definições, é possível começar a estudar como tais movimentos
ocorrem, classificá-los e compreender os fatores deflagradores de
escorregamento de taludes.

Figura 1 – Nomenclatura utilizada para taludes

Fonte: elaborada pela autora.


7

2. Movimento de massa

Assim como outros materiais, o solo ou a própria rocha desagregada


sofrem uma ação contínua da gravidade. Uma vez dispostos em uma
condição topográfica de perfil inclinado, sob ação da gravidade, surge
uma componente perpendicular (gp) e paralela (gs) ao plano (Figura 2).
Caso a magnitude dos agentes resistentes, tais como coesão e atrito,
seja inferior à componente cisalhante atuante (gs), haverá instabilidade
e tendência de certo volume do material se deslocar em direção à
região mais baixa. Quando esse fenômeno acontece, damos o nome de
movimento de massa.

Figura 2 – Movimento de massa

Fonte: elaborada pela autora.

Comumente associados à instabilidade de encostas, existem diversos


sistemas de classificação dos movimentos de massa, os quais estão
baseados em critérios oriundos do tipo de material (rocha, solo, detritos,
etc.), cinética do movimento (velocidade, direção dos deslocamentos),
geometria das massas mobilizadas (tamanho e forma) e da modalidade
de deformação do movimento.
8

Segundo a classificação de Varnes (1978), mais empregada


internacionalmente, os movimentos são agrupados em quedas,
tombamentos, escorregamento, expansões laterais, corridas/
escoamento e complexos, que englobam a combinação de dois ou mais
tipos de movimento (Quadro 1).

Quadro 1 – Classificação dos movimentos de encosta

Fonte: Varnes (1978 apud GERSCOVICH, 2016, p. 16).

Quanto à velocidade, Varnes (1978 apud GERSCOVICH, 2016, p. 16)


subdivide os movimentos em: extremamente rápido, muito rápido,
rápido, moderado, lento, muito lento e extremamente lento (Tabela 1).

Tabela 1 – Classificação em relação à velocidade do movimento de


massa
Nomenclatura Velocidade
Extremamente rápido > 3 m/s
Muito rápido 0,3 m/min a 3 m/s
9

Rápido 1,5 m/dia a 0,3 m/min


Moderado 1,5 m/mês a 1,6 m/dia
Lento 1,5 m/ano a 1,6 m/mês
Muito lento 0,06 m/ano a 1,6 m/ano
Extremamente lento < 0,06 m/ano

Fonte: Varnes (1978 apud GERSCOVICH, 2016, p. 16).

Devido às características de formação geológica, morfológica, litológica,


entre outras, e condições climáticas particulares a que os materiais
estão sujeitos, é importante destacar que as classificações têm
aplicação regional. Nesse sentido, a classificação proposta por Augusto
Filho (1992) trata dos movimentos de massa sob a ótica da dinâmica
ambiental brasileira.

Tabela 2 – Características dos principais grupos de movimento de


massa
Processos Características de movimento, material e geometria
Vários planos de deslocamento (internos).
Velocidades muito baixas (cm/ano) a baixas e
decrescentes com a profundidade.
Rastejo ou fluência
Movimentos constantes, sazonais ou intermitentes.
Solo, depósitos, rocha alterada/fraturada.
Geometria indefinida.
Poucos planos de deslocamento (externos).
Velocidades médias (km/h) a altas (m/s).
Pequenos a grandes volumes de material.
Geometria e materiais variáveis.
Escorregamento Planares – solos pouco espessos, solos e rochas com um
plano de fraqueza.
Circulares – solos espessos homogêneos e rochas muito
fraturadas.
Em cunha – solos e rochas com dois planos de fraqueza.
10

Sem planos de deslocamento.


Movimentos tipo queda livre ou em plano inclinado.
Velocidades muito altas (vários m/s).
Material rochoso.
Quedas
Pequenos e médios volumes.
Geometria variável: lascas, placas, blocos, etc.
Rolamento de matacão.
Tombamento.
Muitas superfícies de deslocamento (internas e externas
à massa em movimentação).
Movimento semelhante ao de um líquido viscoso.
Desenvolvimento ao longo das drenagens.
Corridas
Velocidades médias a altas.
Mobilização de solo, rocha, detritos e água.
Grandes volumes de material.
Extenso raio de alcance, mesmo em áreas planas.

Fonte: Augusto Filho (1992 apud GERSCOVICH, 2016, p. 17).

Na Figura 3 estão ilustrados os principais tipos de movimento de massa.


11

Figura 3 – Tipos de movimento de massa

Fonte: traduzida e adaptada de USGS (2004).

2.1. Mecanismos de deflagração dos escorregamentos

Definidos por movimentos de massa rápidos, com superfície de ruptura


bem definida, os escorregamentos ocorrem no momento em que os
esforços cisalhantes mobilizados no maciço se igualam à resistência ao
cisalhamento do material, caracterizando a situação em que há ruptura
do talude, quando o fator de segurança (FS) atinge o valor unitário.
12

Nessa perspectiva, citam-se como fatores predisponentes aos


movimentos de massa, relativos a condicionantes geológicos e
geomorfológicos, as descontinuidades oriundas de fraturas de rochas,
significativas tanto em termos mecânicos quanto hidráulicos, as falhas e
orientação da foliação em maciço rochoso, as quais afetam a dinâmica
hidrológica, e as descontinuidades no solo, atuantes principalmente
quanto à distribuição das poropressões.

Em relação aos fatores deflagradores dos escorregamentos, estes


podem ser agrupados em duas ações: aumento da solicitação e redução
da resistência (Tabela 3).

Tabela 3 – Fatores deflagradores dos movimentos de massa


Ação Fatores Fenômenos geológicos/antrópicos
Erosão

Remoção de massa
Escorregamentos
(lateral ou da base)

Cortes

Peso da água de chuva, neve, granizo,


etc.
Aumento da
solicitação

Sobrecarga Acúmulo natural de material (depósitos)


Peso da vegetaçãoConstrução de
estruturas, aterros, etc.

Solicitações dinâmicas Terremotos, ondas, vulcões, etc.


Explosões, tráfego, sismos induzidos

Água de trincas
Pressões laterais
Congelamento
Material expansivo
13

Características inerentes
ao material Características geomecânicas do
(geometria, estrutura, material
Redução da resistência

etc.)

Ação do intemperismo, ocasionando


reduções na coesão e no ângulo de
atrito

Mudanças ou fatores Variação das poropressões


variáveis
Elevação do lençol freático

Infiltração de água em meios não


saturados

Fonte: Varnes (1978 apud GERSCOVICH, 2016, p. 29).

Em se tratando das condições climáticas brasileiras, marcadas por


períodos de chuva intensa, resultando na variação da pressão da água
nos poros, há o desenvolvimento de pressão neutra por elevação
no nível d’água, reduzindo a tensão efetiva e, consequentemente, a
resistência do solo, conforme princípio das tensões efetivas (σ’ = σ –
μ, em que σ’ representa a tensão efetiva, σ indica a tensão total e μ
representa a pressão neutra).

Além disso, o efeito da infiltração de água aumenta a saturação do


maciço de solo, isto é, os vazios são parcialmente preenchidos por água,
ocasionando sobrepeso e diminuição dos parâmetros de resistência,
principalmente da coesão aparente, em função da diminuição da sucção
matricial.

Ressalta-se também o efeito da atividade antrópica (ação do homem) no


processo de instabilização, mediante:
14

• Alteração da geometria do talude, por meio do descalçamento do


pé do talude (Figura 4(a)), cortes ou escavações, ou retaludamento
(Figura 4(b)), com aumento da inclinação.

• Remoção da cobertura vegetal.

• Vazamentos na rede de abastecimento e esgoto.

• Execução inadequada de aterros criando sobrecargas excessivas


(Figura 4(c)).

• Lançamento de lixo nas encostas e nos taludes.

Figura 4 – Processo de instabilização por atividades antrópicas

Fonte: Massad (2010, p. 88).

2.2. Identificação, investigação e tipos de solução para


os movimentos de massa

Inicialmente, é necessário definir as características de interesse na


identificação e descrição de movimentos de massa. Segundo Guidicini e
Niebli (1983), tais características são agrupadas em:

a. Características geométricas e morfológicas: natureza e estado


do material envolvido, extensão do movimento, inclinação da
superfície externa, dimensões de escorregamento, profundidade
de massa deslocada, direção da movimentação, aspecto
exterior, forma, volume e forma de manifestação, em que se
15

citam deformação plástica, abatimento, assentamento, colapso,


abaixamento e/ou desprendimento.
b. Características quanto a natureza e estado do material
envolvido: material rochoso (maciço, xistoso, estratificado,
fraturado, etc.), material incoerente (areias, siltes, detritos, lama),
material coerente (argilas não saturadas, argilas endurecidas,
etc.), estado do material da massa movimentada (sólido, líquido,
plástico, fragmentário).
c. Características estruturais: homogeneidade ou heterogeneidade
estrutural, presença de falhas.
d. Características mecânicas: propriedade da rocha entre
descontinuidades, previsão do comportamento para diferentes
solicitações.
e. Mecanismo de movimentação: início, evolução,
desenvolvimento, velocidade, duração, identificação do agente,
causa e forma de atuação.
f. Superfície de movimentação: presença ou ausência, natureza,
superfícies múltiplas, continuidade, etc.
g. Comportamento no tempo: periodicidade, frequência no local,
estágios de desenvolvimento.
h. Relações de mais movimento: coexistência, sucessão,
distribuição, densidade regional.
i. Consequência na área: efeito na morfologia local/regional,
implicações econômicas, mudança no regime de escoamento
superficial ou subterrâneo.

Conforme descrito no Manual de técnico de encostas (GEORIO, 1999),


posteriormente ao estudo dos aspectos geológicos e identificação e
classificação do movimento, faz-se necessária a caracterização geológica-
geotécnica para investigação do processo de movimentação de massa
e estudo dos tipos de solução, sendo mencionadas as comumente
adotadas na Figura 5.
16

Além dos levantamentos geológico/geotécnico, topográfico e


fotogramétrico, as investigações da subsuperfície podem ser realizadas
por métodos indiretos (geofísico, sensoriamento remoto) e/ou diretos,
com a utilização de poços, trincheiras, sondagem a trado, sondagem a
percussão e/ou sondagem rotativa, a fim de avaliar o comportamento
mecânico dos materiais em campo e coletar amostras para análises em
laboratório.

Figura 5 – Fases de diagnóstico

Fonte: adaptada de Georio (1999). Elaborada pela autora.

3. Definição do fator de segurança

Como visto até agora, os deslizamentos de terra geralmente ocorrem


por processos que desencadeiam o aumento das forças cisalhantes e/
ou a diminuição da resistência ao cisalhamento do solo. Na engenharia,
é frequente a necessidade de conhecer o nível de segurança de taludes
17

naturais, escavações e aterros (compactados), sendo que os principais


itens requeridos para esta análise são a resistência ao cisalhamento do
solo, a geometria do problema, o campo de poropressão e as condições
ambientais e de carregamento.

A análise de estabilidade de um talude pela abordagem determinística


pode ser exposta como uma análise quantitativa manifestada sob
a forma de um coeficiente ou fator de segurança (FS), estabelecido
com base nas características e propriedades do solo. O objetivo da
determinação do FS é analisar a possibilidade de ocorrência de falha ou
ruptura de um maciço de solo presente em taludes, seja ele natural ou
construído. Em geral, as análises são realizadas pela comparação das
tensões cisalhantes mobilizadas com a resistência ao cisalhamento. Com
isso, define-se um fator de segurança, conforme apresentado na Figura
6.

Figura 6 – Análise determinística de estabilidade de taludes

Fonte: elaborada pela autora.

No entanto, este valor não é diretamente utilizado por engenheiro


geotécnicos em projeto. Existe, para isso, o FS mínimo (FSmín) admissível,
18

ou seja, o valor mínimo a ser atingido varia em função do tipo de obra


e vida útil. No Brasil, este FSmín é regido pela NBR 11.682 (ABNT, 2009)
e depende, entre outros fatores, das consequências de uma eventual
ruptura em termos de perdas humanas e/ou econômicas (Quadro 2).

Quadro 2 – Nível de segurança e fatores de segurança mínimos para


escorregamentos conforme a NBR 11.682/2009 (ABNT, 2009)
NS desejado
Critérios
contraperdas humanas
Áreas com intensa movimentação e permanência
de pessoas, como edificações públicas,
residenciais ou industriais, estádios, praças e
ALTO
demais locais urbanos, com possibilidade de
elevada concentração de pessoas. Ferrovias e
rodovias de tráfego intenso.
Área e edificações com movimentação e
MÉDIO permanência restrita de pessoas. Ferrovias e
rodovias de tráfego moderado.
Áreas e edificações com movimentação e
BAIXO permanência eventual de pessoas. Ferrovias e
rodovias de tráfego reduzido.
NS desejado contra
danos materiais e Critérios
ambientais
Danos materiais: locais próximos a propriedades
de alto valor histórico, social ou patrimonial, obras
de grande porte e áreas que afetam serviços
ALTO essenciais. Danos ambientais: locais sujeitos
a acidentes ambientais graves, tais como nas
proximidades de oleodutos, barragens de rejeitos
e fábricas de produtos tóxicos.
Danos materiais: locais próximos a propriedades
MÉDIO de valor moderado. Danos ambientais: locais
sujeitos a acidentes ambientais moderados.
19

Danos materiais: locais próximos a propriedades


BAIXO de valor reduzido. Danos ambientais: locais
sujeitos a acidentes ambientais reduzidos.
NS contra perdas humanas

FATOR DE SEGURANÇA MÍNIMO


(FSmín)

NS contra Alto 1,5 1,5 1,4


danos Médio 1,5 1,4 1,3
materiais e
Baixo 1,4 1,3 1,2
ambientais
Nota: NS – Nível de segurança.

Fonte: NBR 11.682 (ABNT, 2009).

Assim, ao se deparar com um problema técnico acerca de encostas e


taludes, é importante que inicialmente se identifiquem quais fatores
estão originando a instabilização e, com base em resultados de
ensaios de campo e laboratório, seja feita uma análise de estabilidade
considerando os múltiplos cenários críticos, de maneira a avaliar o nível
de segurança por meio do fator de segurança (FS) e propor soluções,
caso seja necessário.

Referências bibliográficas
ABNT. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 11.682: estabilidade
de encostas. Rio de Janeiro: ABNT, 2009.
AUGUSTO FILHO, O. Caracterização geológico-geotécnica voltada à estabilização
de encostas: uma proposta metodológica. In: CONFERÊNCIA BRASILEIRA SOBRE
ESTABILIDADE DE ENCOSTAS, 1992, Rio de Janeiro. Anais [...] Rio de Janeiro: v. 2, p.
721-733, 1992.
GEORIO. Manual de técnico de encostas. Rio de Janeiro: Fundação Instituto de
Geotécnica do Município do Rio de Janeiro, 1999.
20

GERSCOVICH, D. M. S. Estabilidade de taludes. 2. ed. São Paulo: Oficina de Textos,


2016. 192 p.
GUIDICINI, G.; NIEBLE, C. M. Estabilidade de taludes naturais e de escavação. 2.
ed. São Paulo: Blucher, 1984. 192 p.
MASSAD, F. Obras de terra: curso básico de geotecnia. 2. ed. São Paulo: Oficina de
Textos, 2010. 216 p.
USGS. UNITED STATES GEOLOGICAL SURVEY. Landslide Types and Processes.
2004. Disponível em: https://pubs.usgs.gov/fs/2004/3072/pdf/fs2004-3072.pdf.
Acesso em: 17 jan. 2021.
VARNES, D. J. Slope Movement Types and Processes. In: COMMITTEE ON LANDSLIDE
INVESTIGATIONS. Landslides, analysis and control: Special Report 176.
Denver, CO: National Academy of Sciences, 1978.p. 11-33. Disponível em: http://
onlinepubs.trb.org/Onlinepubs/sr/sr176/176-002.pdf. Acesso em: 18 jan. 2021.
21

Métodos de equilíbrio limite.


Autoria: Flávia Gonçalves Pissinati Pelaquim
Leitura crítica: Petrucio José Santos Junior

Objetivos
• Relacionar as superfícies de ruptura com as
características geomorfológicas do material.

• Compreender a estabilidade de encostas e taludes a


partir da teoria de equilíbrio limite e descrever seus
pressupostos.

• Apresentar diferentes métodos de cálculo de


equilíbrio limite e suas considerações no fator de
segurança.
22

1. Introdução

Quando falamos em projetos geotécnicos de encostas e taludes, um


dos tópicos mais importantes a se tratar é a análise de estabilidade
e os diferentes métodos de cálculo para determinação do fator de
segurança (FS) dessas obras. Cada método leva em consideração
algumas hipóteses de cálculo para a obtenção das potenciais superfícies
de ruptura e, consequentemente, diferentes procedimentos são obtidos.
Neste módulo, discutiremos a teoria de equilíbrio limite para análise de
estabilidade e os principais métodos para análise do fator de segurança.

2. Superfície de ruptura

Diferentes superfícies potenciais de ruptura podem ser formadas,


de acordo com as condições geomorfológicas do maciço, podendo
ser planares, circulares, em cunhas ou mistas, quando formada pela
combinação das descritas anteriormente.

Os escorregamentos planares, também denominados translacionais,


são caracterizados por um plano de fraqueza, descontinuidades, contato
solo-rocha e/ou estratificação (Figura 1 (A)), sendo comum em mantos
de solo coluvionar de pequena espessura, assentes em embasamento
de rocha. A forma de cunha ocorre quando as camadas de menor
resistência não são paralelas à superfície do talude e/ou quando os
planos de fraqueza se cruzam (Figura 1 (B)), sendo demarcada por
um ou mais planos. Já a superfície de ruptura tende a ser circular,
também designada por rotacional, na presença de solos relativamente
homogêneos (Figura 1 (C).
23

Figura 1 – Superfícies típicas de ruptura

Fonte: adaptada de Gerscovich (2016, p. 26-27).

Acrescenta-se que os escorregamentos rotacionais podem ser múltiplos,


quando mais de uma superfície de ruptura é mobilizada (Figura 2).
Nesse caso, eles podem ser denominados retrogressivos, quando a
sequência de movimentação se dá por descalçamento, evoluindo ao
longo do tempo no sentido da crista, ao passo que os progressivos se
dão por ação de sobrecarga.

Figura 2 – Escorregamentos rotacionais múltiplos

Fonte: Gerscovich (2016, p. 27).

Em se tratando dos escorregamentos por superfícies de ruptura mistas,


eles ocorrem mediante a presença de heterogeneidade do maciço, fruto
de diferentes materiais ou descontinuidades com menores resistências
(Figura 3).
24

Figura 3 – Superfícies de ruptura simples mistas

Fonte: adaptada de Gerscovich (2016, p. 28).

3. Método de equilíbrio limite

Para a determinação da estabilidade de taludes, naturais ou artificiais,


por meio do fator de segurança, há duas abordagens determinísticas:
análise de tensões e teoria do equilíbrio limite. Os estudos envolvendo
a análise de tensões são feitos com o auxílio de programas
computacionais, com base nos métodos de elementos finitos (MEF) ou
das diferenças finitas (MDF), enquanto o método de equilíbrio limite se
baseia em análises estáticas.

Nessa perspectiva, o equilíbrio limite se fundamenta na determinação


do equilíbrio de uma massa ativa de solo na iminência de ruptura,
responsável por causar a instabilidade no maciço. Para a aplicação desse
método, algumas premissas são assumidas:

• O comportamento do solo é rígido-plástico, ou seja, o material


rompe bruscamente, sem se deformar.

• Atribui-se uma determinada superfície potencial de ruptura, de


geometria qualquer, em que o solo acima da superfície é tido
como um corpo livre.
25

• Os cálculos de equilíbrio são realizados por equações da estática,


considerando que sejam válidas até a iminência de ruptura.

• Admite-se que o fator de segurança é constante ao longo da


superfície de ruptura, ou seja, todos os pontos da linha de ruptura
atingem ao mesmo tempo a resistência ao cisalhamento.

É importante pontuar que a hipótese de o comportamento do solo ser


rígido-plástico não permite que sejam consideradas as deformações e,
consequentemente, averiguar se elas se enquadram na faixa admissível
de projeto. Embora seja considerado estático, o processo é dinâmico e o
formato da superfície adotado é uma simplificação da realidade.

Ainda assim, o método de equilíbrio limite apresenta como vantagens a


simplicidade e precisão dos resultados, o que o torna uma ferramenta
tão importante no estudo de estabilidade de encostas e taludes.

Quanto à divisão da massa de solo potencialmente instável, os métodos


de equilíbrio limite podem ser classificados em:

• Método geral: as condições de equilíbrio são aplicadas a toda


massa de solo, em que seu comportamento é admitido como de
um corpo rígido.

• Método das fatias ou lamelas: a massa potencialmente instável é


segmentada em fatias e as condições de equilíbrio são aplicadas a
cada fatia isoladamente.

• Método das cunhas: a massa de solo é subdividida em zonas ou


cunhas, sendo aplicadas a cada zona isoladamente as condições de
equilíbrio.

Feitas as considerações a respeito do método e discutidas as


características geomorfológicas apresentadas pelos materiais e a relação
26

com os tipos de superfície comumente adotadas, pode-se tratar dos


principais métodos de equilíbrio limite.

3.1. Método do talude infinito

Um talude é designado infinito quando a relação entre sua extensão


e espessura for muito grande. Para esses casos, a linha potencial de
ruptura será paralela à superfície do terreno. Na Figura 4, é apresentado
o esquema de esforços envolvidos para análise de talude infinito sem
percolação, em que H é a espessura da massa instável, β é o ângulo de
inclinação do talude, L é o comprimento de uma fatia, W é o peso do
elemento delimitado por H e L, R é a força de reação ao peso, Na é a
força perpendicular ao plano potencial de ruptura, Ta é a força paralela
ao plano potencial de ruptura, que tende a mobilizar o escorregamento,
e Tr e Nr são as componentes da força R.

Figura 4 – Esforços atuando no talude infinito sem percolação

Fonte: Das e Sobhan (2014, p. 486).

Da razão entre os esforços resistentes e atuantes, de modo genérico, o


FS pode ser obtido conforme a Equação 1.
27

(Equação 1)

Em que: c é a coesão do solo, é o peso específico do solo, H é a


espessura da massa instável, é o ângulo de inclinação do talude e
é o ângulo de atrito interno do solo.

Considerando a presença ou não de água no perfil ou de sobrecarga,


o formulário a ser empregado de modo direto nas resoluções de
problemas envolvendo taludes infinitos, já considerando suas
particularidades, é apresentado no Quadro 1.

Quadro 1 – Formulário para o cálculo de FS em talude infinito

Fonte: elaborado pela autora.


28

É válido mencionar que, para solos granulares (c’= 0), a primeira


parcela da equação será igual a zero, e o fator de segurança,
independentemente da altura, será calculado pela relação entre a
tangente do ângulo de atrito efetivo do solo e a tangente do ângulo de
inclinação do talude. O talude será considerado estável quando β < Φ’.

A espessura crítica (Hcr), isto é, a profundidade do plano em que ocorre o


equilíbrio crítico (FS = 1), pode ser calculada pela Equação 2:

(Equação 2)

3.2. Método de Culmann

O método de Culmann, aplicável à taludes finitos, tem como hipótese


uma superfície de ruptura plana passando pelo pé do talude, em que
a cunha assim definida é analisada quanto à estabilidade semelhante
a um corpo rígido que desliza por essa superfície. A solução é obtida a
partir da resolução do equilíbrio de forças que atuam na cunha (Figura
5).

Figura 5 – Esquema para cálculo do FS pelo método de Culmann

Fonte: adaptada de Das e Sobhan (2014, p. 491). Elaborada pela autora.


29

É importante dizer que não há noção prévia da inclinação da superfície


potencial de ruptura, sendo necessária a realização de tentativas, a fim
de identificar a condição mais desfavorável. O plano em que ocorrerá a
máxima tensão cisalhante será definido por um plano de inclinação em
que será mobilizada a coesão máxima, definido por Θcr. Assim, a altura
máxima do talude (hcr) para o equilíbrio crítico (c’d e Φ’d) será calculada
pela Equação 3.

(Equação 3)

Em que:

e (Equações 4 e 5)

3.3. Método do círculo de atrito

O método do círculo de atrito considera uma superfície de


escorregamento circular e avalia a estabilidade do solo situado
acima dessa superfície, tida como um corpo rígido (Figura 6). As
forças envolvidas são o peso da cunha (W), a força de coesão que é
desenvolvida ao longo da cunha (C) e a força de atrito (F). Na condição
de equilíbrio, essas três forças fornecem um polígono de forças fechado
ou convergem para um ponto.
30

Figura 6 – Esquema de abordagem para método do círculo de atrito

Fonte: Vilar e Bueno (2004, p. 79).

Por meio de um processo de tentativas, Taylor (1948 apud VILAR; BUENO


2004, p. 80) elaborou ábacos de estabilidade, com base no método
do círculo de atrito crítico, isto é, FS = 1. As hipóteses adotadas para
elaboração dos ábacos foram:

• Solo homogêneo e saturado.

• Superfície de ruptura circular.

• Resistência do solo pela envoltória de Mohr-Coulomb


( ).

Com base no equilíbrio de momentos, o autor definiu um parâmetro


intitulado fator de estabilidade (N), relacionado à condição de ruptura
(Equação 6).

(Equação 6)

Em que: c é a coesão do solo, é o peso específico do solo e H é a


altura do talude.

Para a determinação do fator de estabilidade por meio dos ábacos


(Figura 7), é necessário considerar a profundidade da superfície de
31

ruptura (DH) e diferentes inclinações do talude (β). Vale pontuar que


esse ábaco se aplica a situação em que Φ= 0º.

Para taludes com inclinação β < 54º, o método pode ser empregado para
o caso A (utilizar as curvas cheias) e caso B (válidas as curvas tracejadas
longas), indicados na Figura 7 (A). Em casos que não há a presença
de camada rígida (D = ∞), o fator de estabilidade é obtido pela linha
tracejada na Figura 7 (B).

Figura 7 – Definição do fator de estabilidade pelo método de Taylor

Fonte: Gerscovich (2016, p. 126).

A solução pelos ábacos de Taylor pode ser estendida para outras


condições, como situações em que o talude está totalmente submerso
e em caso de solos heterogêneos ou que possuem resistência variável
com a profundidade (Figura 8), em que os parâmetros geotécnicos
de cada camada são substituídos por valores calculados pela média
ponderada entre eles.
32

Figura 8 – Aplicação do método de Taylor para talude heterogêneo

Fonte: Gerscovich (2016, p. 128).

Em se tratando dos casos com Φ ≠ 0, é recomendada a utilização do


ábaco demonstrado na Figura 9.

Figura 9 – Aplicação do método de Taylor para c ≠ 0 e Φ ≠ 0


33

Fonte: adaptada de Gerscovich (2016, p. 130).

A solução se dá de maneira iterativa, pois inicialmente é atribuído


um FS1 e calculado o valor do ângulo de atrito crítico (Equação 7).
Com base nesses e em outros parâmetros geométricos e geotécnicos
disponíveis, determina-se cd e, consequentemente, o FS2 (Equação 8).
Na situação em que FS1 ≠ FS2, reinicia-se o procedimento, a fim de buscar
convergência da solução.

(Equação 7)

(Equação 8)

3.4. Método das cunhas

Diferentemente do método do círculo de atrito, em que se considera


a massa de solo como um todo, neste método, a superfície potencial
de ruptura é subdividida em cunhas, e o fator de segurança é obtido
pelo equilíbrio de forças verticais e horizontais. Para além do peso das
cunhas (W), tensão normal efetiva (N’), tensão cisalhante (S) e pressão
da água (U), há a presença de forças adicionais entre cunhas (Eij) e,
consequentemente, a inclinação do empuxo entre as cunhas (δ) (Figura
10).
34

Figura 10 – Equilíbrio de forças na cunha

Fonte: adaptada de Gerscovich (2016, p. 121).

Assumindo alguma hipótese de inclinação do empuxo entre as fatias, o


problema torna-se determinado e pode ser calculado por meio de um
processo iterativo:

• Assume-se um valor de inclinação do empuxo entre as cunhas (δ).

• Atribui-se um valor de FS.

• Constroem-se os polígonos de força para cada elemento.

• Determinam-se Eij e Eji.

• Se Eij ≠ Eji, repete-se o processo com outro valor de FS, até a


convergência da solução.
35

3.5. Métodos das fatias: Fellenius e Bishop simplificado

O princípio do método das fatias consiste em dividir a porção de


solo superior à cunha de cisalhamento em fatias ou lamelas e avaliar
as forças envolvidas. Os procedimentos de cálculo oriundos desse
princípio são mais empregados nas análises de estabilidades de taludes,
uma vez que não restringem as soluções a solos homogêneos, com
geometria única ou em condições específicas de análise (apenas em
termos de tensões totais ou efetivas). A metodologia de solução consiste
em subdividir o talude em fatias, verificar o equilíbrio de forças em
cada fatia e calcular o equilíbrio do conjunto por meio de formulário
específico (Figura 11).

Figura 11 – Análise da estabilidade por meio do método das fatias

Fonte: adaptada de Das e Sobhan (2019, p. 510). Elaborada pela autora.

Neste sentido, por meio do método de Fellenius (ou método sueco), o


equilíbrio das forças é feito da seguinte maneira (Equação 9):
36

(Equação 9)

Em que: c’ é a resistência devido à coesão da fatia de solo, Ln é a largura


da base da fatia de solo, é a altura média da fatia, Wn é o peso da
fatia, é a inclinação da fatia, é o ângulo de atrito interno do solo.

Outra possibilidade é utilizar o método de Bishop simplificado, conforme


a Equação 10.

(Equação 10)

Em que: c’ é a resistência devido à coesão da fatia de solo, Ln é a largura


da base da fatia de solo, é o peso da fatia, é o ângulo de atrito interno
do solo, an é a inclinação da fatia, .

Destaca-se que o método de Bishop simplificado é um método iterativo


que requer um FS inicial para sua solução. Por isso, recomenda-se
utilizar algum outro método, por exemplo, o de Fellenius, como ponto de
partida para determinar o primeiro FS.

Uma vez conhecidos os procedimentos de cálculo, cabe ao profissional


geotécnico discernir qual é aquele que melhor se encaixa em sua
avaliação em campo.
37

Referências bibliográficas
DAS, B. M.; SOBHAN, K. Fundamentos de engenharia geotécnica. 8. ed. São Paulo:
Cengage Learning, 2014. 632 p.
GERSCOVICH, D. M. S. Estabilidade de taludes. 2. ed. São Paulo: Oficina de Textos,
2016. 192 p.
VILAR, O. M.; BUENO, B. S. Mecânica dos solos. v. 2. Notas de Aula. Departamento
de Geotecnia, Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São
Carlos, 2004. Disponível em: https://www.docsity.com/pt/apostila-mecanica-dos-
solos-volume-2/5054109/. Acesso em: 24 jan. 2021.
38

Análise de tensões,
retaludamento e drenagem.
Autoria: Flávia Gonçalves Pissinati Pelaquim
Leitura crítica: Petrucio José dos Santos Junior

Objetivos
• Compreender o comportamento tensão versus
deformação do solo e as simplificações utilizadas
para análise e relacionar as condições críticas de
projeto com o tipo de análise, parâmetros e ensaios
de laboratório necessários.

• Caracterizar a técnica de estabilização de encostas e


taludes em solo por meio da alteração da geometria.

• Descrever as variáveis relevantes no


dimensionamento hidráulico e apresentar os
dispositivos usuais de drenagem.
39

1. Introdução

Ao tratar de projetos geotécnicos de encostas e taludes e sua análise de


estabilidade, é importante que se tenham em mente conceitos básicos
sobre o comportamento do solo, suas condições críticas e influência nos
parâmetros de resistência ao cisalhamento.

Neste contexto, a água tem um relevante papel nas análises e no


processo de instabilização do maciço de solo, sendo importante estudar
sua captação e seu escoamento de maneira segura e eficaz, por meio
dos dispositivos de drenagem.

Nos próximos itens, serão discutidas as análises de tensões aplicadas à


estabilidade de taludes e a técnica de retaludamento. Além disso, serão
apresentados alguns conceitos fundamentais de hidrologia voltados ao
dimensionamento hidráulico e dispositivos usualmente utilizados para
drenagem superficial e profunda.

2. Análise de tensões

Inicialmente, é importante entender que pressupostos quanto ao


comportamento do solo (por exemplo, se eles se comportam como
elástico-linear ou rígido-plástico) são estabelecidos de maneira a
simplificar as análises e permitir uma solução analítica. Dito isso, na
Figura 1 é apresentada a relação tensão versus deformação tipicamente
demonstrada pelos solos, em que é possível observar uma relação não
linear.
40

Figura 1 – Comportamento tensão versus deformação

Fonte: Gerscovich (2016, p. 43).

Nesse sentido, o módulo de deformabilidade ou de elasticidade,


ou módulo de Young (E), caracterizado pela inclinação da curva,
é afetado pelo nível de tensão e trajetória de tensão, isto é, fases
de carregamentos e descarregamentos resultam em diferentes
respostas mecânicas. Posteriormente à etapa de descarregamento,
são observadas duas parcelas de deformação, sendo uma recuperável
(elástica) e outra não recuperável ou permanente (plástica), fazendo com
que o solo se comporte como um material elastoplástico (GERSCOVICH,
2016).

A Lei de Hooke dita o comportamento tensão-deformação para


materiais isotrópicos, elásticos lineares. Embora o solo não se comporte
com essas características, são assumidas algumas simplificações,
fazendo com que o conceito seja bastante utilizado na prática,
principalmente em função do nível de deformação admissível em
projeto e condições de solicitação.
41

A aplicação da Lei de Hooke está vinculada a três constantes elásticas:


módulo de deformabilidade (E), módulo cisalhante (G) e coeficiente
de Poisson (ν). O coeficiente de Poisson define a razão entre as
deformações em eixos ortogonais (Equação 1, para a condição
axissimétrica), e o módulo cisalhante (G) se dá em função de E e
(Equação 2) (GERSCOVICH, 2016).

(Equação 1)

(Equação 2)

Em que: é o coeficiente de Poisson, e são as deformações características


do solo nos eixos ortogonais, considerando a condição axissimétrica.
Para a condição 2-D plana, em vez da componente , é utilizada
ou , em função do plano de interesse.

Cada componente de deformação gerado por tensão normal ( ) pode


ser calculado conforme esquema indicado na Figura 2, em função do
eixo de solicitação, e a deformação total, denominada deformação
volumétrica ( ), calculada pela Equação 3.
42

Figura 2 – Determinação das deformações oriundas de tensão


normal

_[ ]
_[ ]
_[ ]

Fonte: adaptada de Gerscovich (2016, p. 42).

(Equação 3)

Para o caso de deformações geradas por tensões cisalhantes (τij),


conhecidas por distorção angular (γij), o esquema de cálculo está
indicado na Figura 3, demonstrando a deformação cisalhante ocorrendo
no plano XZ.

Figura 3 – Determinação das deformações oriundas de tensão


cisalhante

Fonte: adaptada de Gerscovich (2016, p. 43).


43

Conhecidas as formulações para análise da tensão versus deformação,


agora é possível tratar de alguns aspectos fundamentais relacionados
a esse tópico, como o critério de ruptura adotado, tipo de análise e
trajetória de tensões.

2.1. Resistência ao cisalhamento

A resistência ao cisalhamento de solos está associada ao imbricamento


dos grãos e resistência entre partículas, a qual é dependente do atrito
entre os grãos e da existência e magnitude de ligações físico-químicas
entre partículas (coesão).

Ao se dimensionarem diversas obras geotécnicas, como aterro,


taludes, barragens, estruturas de contenção, é importante estabelecer
um critério de ruptura para o material e, consequentemente, obter
parâmetros associados à sua resistência ao cisalhamento.

Todavia, a definição de ruptura não é algo trivial, ela é um estado


de tensões arbitrário, determinada pela curva tensão-deformação,
conforme o critério adotado. Em geotecnia, conforme explicado por
Guidicini e Nieble (1983), é comum adotar o critério de Mohr-Coulomb,
que lineariza a envoltória de resistência de Mohr, e a ruptura é
dependente da combinação de tensões normal e cisalhante em que a
tensão de cisalhamento é máxima (Equação 4).

(Equação 4)

A partir de ensaios, é possível obter as curvas de tensão versus


deformação e, consequentemente, construir o círculo de Mohr e
determinar a envoltória de resistência (Figura 4). Vale ressaltar que,
após a condição de pico, associada à máxima tensão cisalhante, o
material passa por uma reorganização do contato entre as partículas,
44

denominada condição residual, com diferentes e inferiores parâmetros


de resistência (c’ e Φ’).

Figura 4 – Determinação da envoltória de ruptura de Mohr-Coulomb

Fonte: Gerscovich (2016, p. 83).

Outro ponto relevante durante a análise de tensão versus deformação


é quanto à condição crítica de projeto, a qual pode ocorrer ao final
da construção ou em longo prazo. Ao final da construção, tem-se a
condição não drenada, em que as poropressões desenvolvidas não
foram dissipadas (tensões totais), ao passo que, em longo prazo, os
excessos de poropressão já foram dissipados, isto é, foram transferidos
da água para os sólidos do maciço (tensões efetivas).

Devido à resistência ao cisalhamento dos solos serem originárias da


tensão nos grãos, o estudo de estabilidade em termos de tensão efetiva
se mostra a forma mais correta. Na Tabela 1 estão descritos os ensaios
de laboratório comumente realizados para obtenção dos parâmetros de
resistência considerando a situação crítica da obra e o tipo de análise,
em que c’, φ’ representam os parâmetros de intercepto coesivo e ângulo
de atrito efetivos, u é a poropressão atuante, u0 é a poropressão inicial e
Δu é o acréscimo de poropressão gerada.
45

Tabela 1 – Parâmetros e ensaios em solo saturado

Nota: CU – ensaio adensado, não drenado; UU – ensaio não adensado, não drenado; CD –
ensaio adensado drenado.

Fonte: Gerscovich (2016, p. 97).

2.2. Retaludamento

Frente à avaliação da estabilidade de encostas e taludes por meio do


equilíbrio limite e/ou análise de tensões, algumas soluções para conter
a instabilização de taludes e/ou assegurar sua estabilidade ao longo do
período de projeto se fazem necessárias.

Entre as obras de estabilização de taludes, o retaludamento, devido à


sua simplicidade e eficácia, é uma das mais utilizadas. Muitas vezes, a
simples alteração da geometria do talude já assegura sua estabilidade.

Essa técnica consiste em um processo de terraplanagem, no qual a


geometria do talude original é alterada por cortes e aterros, realizando
um jogo de pesos, de maneira a aliviá-los junto à crista e acrescentá-
46

los junto ao pé do talude, de maneira a contribuir com a parcela de


resistência.

Nesse ponto, pode ser feito tanto a suavização da inclinação (Figura 5)


quanto a redução da altura do talude total com a criação de taludes
intermediários mais baixos (Figura 6).

Vale pontuar que a utilização dessa solução carece de análise minuciosa,


em razão da remoção da camada vegetal existente para realização de
cortes, exploração de jazidas e exposição de superfície susceptível aos
processos de erosão e infiltração de água, além da possibilidade da
interceptação do lençol freático.

Figura 5 – Retaludamento com abrandamento da inclinação do


talude

Fonte: adaptada de DER-SP (1991, p. 188).


47

Figura 6 – Retaludamento com redução da altura do talude

Fonte: adaptada de DER-SP (1991, p. 190).

3. Drenagem

Os sistemas de drenagem superficial e profunda, além de contribuírem


para a estabilização, são elementos obrigatórios nos projetos, visto
que a água é um dos principais agentes de instabilização de taludes.
A previsão de sua captação e o direcionamento da água se fazem
necessários em diversos projetos de construção civil, inclusive em obras
que envolvem taludes.

Os elementos de drenagem têm por objetivo a retirada de parte da água


de percolação no interior do maciço, captando-as e direcionando-as para
local conveniente. Trata-se de um dos procedimentos mais eficazes e
mais empregados na estabilização da maioria dos taludes.

O dimensionamento hidráulico dos dispositivos de drenagem é


dependente da estimativa da vazão de contribuição, função de
parâmetros como área de captação, características geométricas,
precipitação de projeto, condições superficiais, etc. Com base na
48

comparação entre a velocidade admissível e a velocidade de escoamento


calculada, é possível dimensionar os dispositivos.

O cálculo da vazão de contribuição pelo método racional (Equação 5) é


o procedimento comumente adotado, em virtude de sua simplicidade e
por fornecer resultados adequados.

(Equação 5)

Em que Q é a máxima vazão de contribuição (m³/s), c representa o


coeficiente de escoamento superficial, em função da geometria e
condições de cobertura superficial, A descreve a área de captação
(hectare) e i a intensidade de precipitação (mm/h), segundo o tempo de
concentração. A definição da intensidade de precipitação (i) demanda
registros pluviométricos e análises estatísticas considerando as
especificidades regionais das chuvas brasileiras.

Baseado em uma equação genérica que relaciona a intensidade de


chuva, tempo de duração e frequência de ocorrência (Equação 6),
denominada equação IDF – intensidade, duração e frequência, pode-se
determinar a intensidade de precipitação (mm/h) com base no período
de retorno (TR) e tempo de duração da precipitação (min).

(Equação 6)

Os coeficientes k, a, b e c da equação podem ser obtidos em Festi (2007)


ou com a instalação do software livre Plúvio 2.1, que fornece esses
parâmetros para diferentes regiões do Brasil, com base na estação mais
próxima, localidade em que a obra será executada ou coordenadas
geográficas.
49

O tempo de duração da chuva que corresponde à situação crítica de


projeto será igual ao tempo de concentração, isto é, tempo necessário
para que toda a área de captação contribua para a vazão total de
projeto. Na Equação 7, é apresentada a formulação de Ribeiro (1961
apud GEORIO, 1999, p. 6), baseada na experiência brasileira.

(Equação 7)

Em que t é o tempo de concentração (min), p é a porcentagem decimal


da área da bacia que possui cobertura vegetal, S é a declividade média
(m/m) e L é a distância média a ser percorrida pela partícula de água ao
longo do talvegue (km).

O tempo de recorrência a ser utilizado vai depender do tipo e da


complexidade da obra e da natureza de ocupação, conforme Tabela 2.

Tabela 2 – Tempo de recorrência


Tempo de
Tipo de obra Natureza de ocupação recorrência
(anos)
Residencial 2
Comercial 5
Áreas com edifícios de serviço
5
Microdrenagem público
Aeroportos 2-5
Áreas comerciais e artérias de
5-10
tráfego
Áreas comerciais e residenciais 50-100
Macrodrenagem
Áreas de importância específica 500
Fonte: Tucci et al. (1995 apud GEORIO, 1999, p. 8).

Finalmente, o coeficiente de escoamento superficial, c, representa a


relação entre os volumes escoados e precipitados e é dependente da
50

geomorfologia, distribuição de chuva e ocupação do solo. Na Tabela 3


são sugeridos valores, válidos para tempos de recorrência de cinco a dez
anos.

Tabela 3 – Coeficientes de escoamento superficial

Fonte: Tucci et al. (1995 apud GEORIO, 1999, p. 8).

Agora que foram descritos os principais aspectos relacionados ao


cálculo da vazão de contribuição, a qual é utilizada no dimensionamento
hidráulico dos dispositivos, serão abordadas as soluções mais utilizadas
para drenagem.

3.1. Drenagem superficial

A drenagem superficial tem como premissa captar as águas superficiais


e conduzi-las para local adequado, a fim de evitar fenômenos de erosão
dos taludes e reduzir a infiltração da água nos maciços de solo. Na
51

Figura 7 estão demonstrados os principais dispositivos de drenagem


superficial.

Figura 7 – Dispositivos de um sistema de drenagem superficial

Fonte: DER-SP (1991, p. 228).

Nesse sentido, podem-se citar como principais dispositivos de drenagem


superficial:

• Canaletas longitudinais de berma: são construídas no sentido


longitudinal das bermas dos taludes, com a finalidade de coletar as
águas pluviais que escoam em suas superfícies.
52

• Canaletas transversais de berma: são construídas no sentido


transversal das bermas e têm por objetivo evitar que as águas da
chuva que atingem a berma escoem longitudinalmente.

• Canaletas de crista: são construídas em proximidade à crista


do talude de corte, com o intuito de interceptar o fluxo de água
resultante da área a montante.

• Canaletas de pé: são construídas próximo à base do talude, a fim


de coletar as águas provenientes da superfície do talude. Além
disso, esses dispositivos previnem a ocorrência de erosão no pé do
talude.

• Canaletas de pista: são construídas na lateral das pistas, com a


finalidade de captar as águas pluviais provenientes da pista.

• Saídas d’água: são canais construídos para captar as águas


provenientes das canaletas e encaminhá-las para drenagens
naturais ou bueiros.

• Escadas d’água: construídas em forma de degraus, sua função


é coletar e conduzir as águas interceptadas pelas canaletas, de
maneira que não atinjam velocidades de escoamento elevadas.

• Caixa de dissipação: em geral de concreto, são caixas construídas


nas canaletas e extremidades das escadas d’água, a fim de dissipar
a energia hidráulica das águas coletadas.

• Caixa de transição: são caixas, geralmente de concreto,


construídas nas canaletas e nos locais em que ocorrem mudanças
bruscas de direção de escoamento, assim como na união de
canaletas. Também possibilitam a dissipação de energia e
direcionam o encaminhamento das águas.
53

3.2. Drenagem profunda

A drenagem profunda tem como propósito reduzir a água infiltrada no


maciço, a fim de reduzir a vazão de percolação e efeitos oriundos do
desenvolvimento de pressão neutra.

Um dos métodos mais utilizados são os drenos sub-horizontais, também


denominados drenos horizontais profundos – DHP, comumente de
pequeno diâmetro e executados em grande quantidade. A Figura 8
exemplifica essa solução. Vale observar o detalhe executivo (Figura 8 (C)),
em que a extremidade interna é perfurada e revestida com geotêxtil,
com a finalidade de impedir a colmatação e o carreamento de partículas.

Figura 8 – Estabilização de talude por drenagem profunda

Fonte: adaptada de DER-SP (1991, p. 240).

Além disso, podem ser executados drenos enterrados, denominados


trincheiras drenantes, com o propósito de coletar a água percolada pelo
maciço e conduzi-la até o local de captação, assim como filtros e drenos
granulares ou em geossintéticos. Vale ressaltar que a retirada de água
54

interna do maciço está relacionada, impreterivelmente, com obras de


drenagem superficiais.

Referências bibliográficas
DER-SP. DEPARTAMENTO DE ESTRADAS DE RODAGEM DO ESTADO DE SÃO PAULO.
Manual de geotecnia: taludes de rodovias: orientação para diagnóstico e soluções
de seus problemas. São Paulo: Instituto de Pesquisas Tecnológicas, 1991. 388 p.
Disponível em: http://www.der.sp.gov.br/WebSite/Documentos/Geotecnia.aspx.
Acesso em: 2 fev. 2021.
FESTI, A. V. Coletânea das equações de chuva do Brasil. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO
DE RECURSOS HÍDRICOS, 17, 2007, São Paulo. Anais [...]. São Paulo: ABRHidro,
2007. Disponível em: https://www.abrhidro.org.br/SGCv3/publicacao.php?
PUB=3&ID=19&SUMARIO=267. Acesso em: 2 fev. 2021.
GEORIO, P. Manual de técnico de encostas. v. 2. Rio de Janeiro: Fundação Instituto
de Geotécnica do Município do Rio de Janeiro, 1999.
GERSCOVICH, D. M. S. Estabilidade de taludes. 2. ed. São Paulo: Oficina de Textos,
2016. 192 p.
GUIDICINI, G.; NIEBLE, C. M. Estabilidade de taludes naturais e de escavação. São
Paulo: Blucher, 1983. 217 p.
55

Empuxo e estruturas de
contenção.
Autoria: Flávia Gonçalves Pissinati Pelaquim
Leitura crítica: Petrucio José dos Santos Junior

Objetivos
• Definir empuxos de terra e demonstrar a teoria de
cálculo de Rankine e suas considerações.

• Apresentar os principais tipos de estrutura de


contenção e variáveis relevantes na escolha da
solução.

• Compreender a rotina de dimensionamento de


muros de arrimo.
56

1. Introdução

Ao analisar situações em que é preciso manter uma diferença de nível


na superfície do terreno, podemos nos deparar com situações em
que o fator de segurança relacionado à estabilidade dos taludes está
abaixo do mínimo prescrito por norma. Neste caso, se as opções de
estabilização do maciço por meio de retaludamento, proteção superficial
e implantação de dispositivos de drenagem não forem suficientes para
assegurar o nível de segurança necessário, devemos fazer uso de outras
soluções, como a execução de estruturas de contenção.

Neste tema, conheceremos a classificação, os critérios para escolha e


demonstrar os principais tipos de obras de contenção disponíveis. Para
isso, começaremos falando a respeito da solicitação horizontal que o
solo faz sobre as estruturas em contato com ele, denominada empuxo
de terra, como calcular esses esforços e as considerações necessárias
para cada caso. Vamos nessa!

2. Empuxo

Os empuxos de terra podem ser entendidos como esforços internos


ao maciço de solo, provocados por tensões horizontais que são
desenvolvidas devido à interação solo-estrutura, ou seja, o empuxo
é a resultante da distribuição das tensões horizontais que atuam em
uma estrutura de contenção. Nesse sentido, a determinação de sua
magnitude é fundamental para obras de contenção, como muro de
arrimo, cortinas, parede diafragma, entre outras.

O empuxo no repouso se baseia na condição geostática, em que as


tensões iniciais são oriundas do peso próprio do maciço. Admitindo
uma distribuição de tensões bastante simplificada, em que se considera
a superfície do terreno horizontal, subcamadas horizontais e pouca
57

variação nas propriedades do solo na direção horizontal, não existirão


tensões cisalhantes atuando nos planos horizontal e vertical de um
elemento infinitesimal e as tensões nesses planos serão as principais.

Com base em um semiespaço infinito com superfície horizontal


(Figura 1), pode-se determinar a tensão efetiva horizontal (σ’h) a
partir da relação entre a tensão efetiva vertical (σ’v) e o potencial de
deformabilidade do solo, expresso pelo coeficiente de empuxo no
repouso (k0), em que as deformações laterais são nulas (εh=0), conforme
demonstrado na Equação 1.

Figura 1 – Condição geostática

Fonte: adaptada de Gerscovich et al. (2016, p. 10).

(Equação 1)

Na Tabela 1, são fornecidos alguns valores típicos do coeficiente de


empuxo no repouso, em função do tipo de solo. Vale pontuar que o
valor de k0 é influenciado pelo ângulo de atrito do solo, índice de vazios
e razão de pré-adensamento, entre outros parâmetros geotécnicos do
solo, podendo variar entre 0,3 e 3.
58

Tabela 1 – Valores típicos do coeficiente de empuxo no repouso, em


função do tipo de solo

Tipo de solo k0
Areia fofa 0,55
Areia densa 0,40
Argila de alta plasticidade 0,65
Argila de baixa plasticidade 0,50
Nota: parâmetros e ensaios em solo saturado.

Fonte: Gerscovich et al. (2016, p. 11).

Outra forma de estimar o valor de k0 é a partir de correlações empíricas,


existindo diversas formulações estabelecidas com base em condições
particulares e para tipos de solos diferentes. Uma das mais utilizadas é
a equação simplificada de Jaky (1944 apud GERSCOVICH et al., 2016, p.
12) – Equação 2, que leva em consideração o ângulo de atrito do solo,
passível de ser aplicada a areias e argilas normalmente adensadas.

(Equação 2)

Além do empuxo no repouso, existem casos em que há interação solo-


estrutura por meio de forças horizontais, as quais são denominadas
empuxo ativo e empuxo passivo. No caso ativo, o paramento é
rotacionado a favor do terreno e faz com que o solo mobilize sua
máxima resistência frente a um pequeno deslocamento e provocando
um alívio da tensão horizontal (σ’ha). Já no empuxo passivo, o paramento
é rotacionado contra o terreno e a mobilização da máxima resistência
ocorre às custas de um maior deslocamento, causando um aumento da
tensão horizontal (σ’hp).

Uma dica para identificar a natureza do empuxo é observar a tendência


de deslocamento da estrutura de contenção. A Figura 2 exemplifica os
59

três possíveis casos de empuxos em relação a um muro de arrimo: (a)


empuxo no repouso, (b) empuxo ativo e (c) empuxo passivo. Destaca-
se que o empuxo ativo age no mesmo sentido do deslocamento da
estrutura, ao passo que o empuxo passivo atua no sentido contrário.

Figura 2 – Tipos de empuxo no solo

Fonte: Das e Sobhan (2014, p. 408).

Quando essas solicitações atingem um valor mínimo (caso ativo) ou


máximo (caso passivo), o solo é considerado no equilíbrio plástico, em
que todos os pontos estão na iminência de ruptura, e o problema pode
ser resolvido com base nas teorias de estado de equilíbrio limite.
60

Os deslocamentos relativos entre solo e muro para mobilizar os estados


ativo e passivo são de complexa determinação e dependem do tipo
de solo, parâmetros geotécnicos, trajetória de tensões, entre outras
particularidades. Ainda assim, a título de exemplificação, na Figura 3,
pode ser observada a relação entre o movimento de um muro rígido
em relação à altura do retroaterro, em que se pode notar que, para
mobilizar o estado ativo, são necessárias pequenas movimentações, da
ordem de 0,1% a 0,4% da altura do muro, ao passo que o estado passivo
demanda movimentações da ordem de 1% a 4%.

Figura 3 – Variação do coeficiente de empuxo em função do


movimento de translação do muro

Fonte: Clough e Duncan (1991 apud GERSCOVICH et al. 2016, p. 21).

Fundamentado nesses conceitos, serão abordados a seguir os


procedimentos para determinação dos empuxos de terra por meio do
método de equilíbrio limite, baseado na teoria de Rankine, com suas
respectivas considerações.
61

2.1. Formulação de Rankine

A teoria de Rankine admite que o deslocamento da estrutura em contato


com o solo mobiliza os estados-limite de plastificação no maciço, em que
a cunha tenta se deslocar sobre o restante do maciço e sobre ela são
empregadas análises de equilíbrio de corpos rígidos.

Para isso, fazem-se uso de algumas hipóteses, sendo elas:

• O solo é considerado homogêneo e isotrópico.

• A superfície do terreno é plana.

• A ruptura acontece sob o estado plano de deformação e ocorre em


todos os pontos do maciço concomitantemente.

• O atrito entre o paramento da estrutura de contenção e o solo


é assumido nulo, em que não existe mobilização de resistência
no contato solo-muro. Com isso, a direção do empuxo de terra é
paralela à superfície do terreno.

• A face posterior do muro de contenção é vertical.

As equações para determinação dos coeficientes de empuxo ativo (ka),


passivo (kp) e crítico (kac, kpc ), tensões horizontais a ( e ) e planos
de ruptura da teoria de Rankine, considerando a situação mais genérica,
estão retratadas na Tabela 2.
62

Tabela 2 – Equações e planos de ruptura da teoria de Rankine

Fonte: adaptada de Das e Sobhan (2014, p. 417). Elaborada pela autora.

Determinadas as tensões horizontais atuantes, o empuxo total será


calculado pela integral de distribuição desses esforços, conforme
demonstrado nas Equações 4 e 5, para o empuxo ativo (Ea) e empuxo
passivo (Ep), em que o diagrama de tensões será triangular e ponto
de aplicação, caso o maciço seja homogêneo e não haja sobrecarga
aplicada ao terreno, será a profundidade de 2/3 da altura.
63

(Equação 4)

(Equação 5)

Tratando-se de solos coesivos, maciços de solo com presença de nível


d’água (NA) e/ou sobrecarga uniforme, em ambas as equações de
empuxo, é acrescentada uma parcela dessas solicitações, conforme
exemplificado na Tabela 3.

Tabela 3 – Esquema de cálculo dos empuxos ativo e passivo

Fonte: elaborada pela autora.

Vale pontuar que os diagramas devido à presença do nível freático e a


sobrecarga uniforme são retangulares, tendo seu ponto de aplicação
da resultante a 1/2 da altura da camada em que atuam. No caso de
solos estratificados, caso não haja sobrecarga, a primeira camada terá
64

um diagrama triangular e as camadas subjacentes à primeira terão as


anteriores como sobrecarga uniforme.

Outra metodologia bastante utilizada para o cálculo de empuxo se


dá pela teoria de Coulomb, que, entre outras considerações, admite
a possibilidade da existência de atrito solo-muro e inclinação para o
paramento da contenção, porém não fornece a posição da resultante do
empuxo, como na formulação de Rankine.

3. Estruturas de contenção

Quando se deseja manter uma diferença de nível na superfície


do terreno e o espaço disponível não é suficiente para realizar
o desnível por meio de taludes, ou quando se desejam realizar
aberturas no terreno natural, para diversas aplicações, sem o risco
de desmoronamento do terreno, fazem-se uso de estruturas de
contenção, as quais podem ser temporárias (escoramentos de valas) ou
permanentes (muro de arrimo, por exemplo).

Essas estruturas são projetadas para resistir aos empuxos de terra e/


ou água, cargas estruturais e quaisquer outros esforços induzidos por
estruturas adjacentes ou equipamentos.

A escolha do tipo de estrutura de contenção leva em consideração a


altura da estrutura, natureza, geometria e características do solo do
reaterro e solo de fundação, cargas atuantes, condições do nível d’água,
equipamentos e mão de obra disponíveis, espaço disponível para
construção, nível de deformações aceitáveis, estética, particularidades
da obra e análise de custo, entre outros.

Existem diversos tipos de contenção, que podem ser classificados em


obras de contenção com e sem reaterro. No primeiro grupo, podem ser
mencionados:
65

• Muros de gravidade: são obras cuja estabilidade é devida apenas


ao seu peso próprio, podendo ser executadas em diferentes
materiais, como concreto ciclópico (Figura 4 (a)), blocos pré-
moldados de concreto, alvenaria de pedras (Figura 4 (b)), pneus,
sacos de solo-cimento, etc.

• Muros de gabião: são estruturas formadas pela superposição de


gaiolas em malha metálica, com formato de caixa, preenchidos por
pedras que apresentam dimensões compatíveis com a abertura
da malha (Figura 4 (c)). Essa solução é capaz de suportar grandes
deformações e apresentam boa drenagem.

• Muros do tipo crib wall: são estruturas de vigotas pré-moldadas


de concreto ou madeira, montadas em um arranjo de “fogueira”,
com o preenchimento dos espaços internos com solo granular
compactado (Figura 4 (d)).

• Muros de flexão: são muros em concreto armado, geralmente sob


as formas de L (Figura 4 (e)) ou T invertido.

• Muros de flexão com contrafortes: são estruturas em concreto


armado dotadas de contrafortes para elevar a rigidez do muro
(Figura 4(f)).

• Solo reforçado: são estruturas em que ocorre a inclusão de


elementos com elevada resistência à tração nas camadas de solo
compactado, sendo as soluções mais comuns em terra armada,
com elementos metálicos, e os geossintéticos (Figura 4 (g)).

Figura 4 – Representação dos diferentes tipos de obras de


contenção com reaterro
66

Fonte: adaptada de Gerscovich et al. (2016).

Como exemplo das estruturas de contenção sem reaterro, têm-se:

• Cortinas de estacas-prancha: são estruturas formadas por


estacas-pranchas adjacentes, cravadas no terreno e que permitem
a conexão entre elas por meio de engates laterais, formando uma
cortina (Figura 5 (a)).
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• Cortinas de estacas justapostas: são estruturas constituídas


por estacas justapostas de concreto, escavadas por processo
rotativo e moldadas in loco, utilizando-se revestimento metálico
ou lama bentonítica. A parede final pode ser composta por estacas
espaçadas, adjacentes ou secantes (Figura 5(b)).

• Solo grampeado (soil nailing): é um sistema de contenção


utilizado em cortes, em que são empregados chumbadores
para estabilizar uma determinada massa de solo e tratamento
superficial da face em concreto projetado, associado a um sistema
de drenagem (Figura 5 (c)).

• Paredes diafragma: são estruturas contínuas, executadas em


concreto armado, em que a concretagem se dá em módulos ou
painéis antes do início da escavação (Figura 5 (d)).

• Cortinas atirantadas: são estruturas compostas por placas de


concreto que são ancoradas no terreno por tirantes, os quais
permitem a transferência de esforços de tração para o interior
do maciço. Os tirantes podem ser de fios, barra ou de cordoalha
(Figura 5 (e)).

Figura 5 – Representação de diferentes tipos de obras de contenção


sem reaterro
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Fonte: (a) Bittencourt (2021); (b) https://br.pinterest.com/pin/314337248990559611/.


Acesso em: 26 abr. 2021. (c; e) Mikos (2017); (d) https://www.universidadetrisul.com.br/
etapas-construtivas/execucao-de-parede-diafragma. Acesso em: 26 abr. 2021.

3.1. Muros de arrimo

Dentre os diferentes tipos de estruturas de contenção existentes,


os muros de arrimo são estruturas corridas de contenção de face
vertical ou quase vertical, apoiadas em fundação rasa ou profunda.
Sua utilização é comum e necessária em diferentes tipos de obras,
podendo ser executados em diversos tipos de materiais. A terminologia
empregada está descrita na Figura 6.

Figura 6 – Terminologia adotada para muros de contenção


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Fonte: Gerscovich et al. (2016, p. 193).

O dimensionamento dessas estruturas parte inicialmente de um pré-


dimensionamento geométrico, em que são assumidas medidas da seção
com base na altura do muro (Figura 7).

Figura 7 – Pré-dimensionamento para muros de: (a) gravidade; (b)


flexão; (c) flexão com contrafortes

Fonte: Gerscovich et al. (2016, p. 207).


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Em seguida, são definidos os esforços atuantes, os quais podem ser


determinados com base na teoria de Rankine. Além disso, é importante
que se considerem efeitos advindos do método construtivo, tais como
esforços horizontais ocasionados pela ação dos equipamentos de
compactação, etc.

A próxima etapa é a verificação de estabilidade do muro (Figura 8).


Corresponde às possibilidades de haver um deslizamento ao longo da
base do muro (deslizamento), um giro do muro em torno do seu pé
(tombamento), causa de instabilidade no solo de fundação devido à
resultante de tensões na base do muro (capacidade de carga) e análise
da estabilidade global, a qual visa verificar outras possibilidades de
ruptura não tratadas nas verificações anteriores. Além disso, há a etapa
de análise interna que leva em consideração as especificidades de cada
tipo de solução. No caso do emprego de solos reforçados, na análise de
estabilidade interna também são especificados os espaçamentos entre
reforços e os comprimentos dos reforços.

Figura 8 – Análise de estabilidade dos muros

Nota: (a) deslizamento; (b) tombamento; (c) capacidade de carga do solo de


fundação; (d) estabilidade global; (e) estabilidade interna.

Fonte: Palmeira (2018, p. 228).


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Caso o fator de segurança mínimo não seja atendido para uma ou mais
verificações, realiza-se alteração da geometria do muro e reinicia-se o
processo de verificação, até que sejam cumpridos os requisitos mínimos
de segurança em todas as análises.

Referências bibliográficas
BITTENCOURT, D. M. A. Estruturas de contenção: conceitos fator fluxo. Aula 21
– Geotecnia II, PUC Goiás, 2021. Disponível em: http://professor.pucgoias.edu.br/
SiteDocente/admin/arquivosUpload/17430/material/GEO_II_10_Estruturas%20
de%20conten%C3%A7%C3%A3o%20e%20Fator%20de%20Fluxo.pdf. Acesso em: 26
abr. 2021.
DAS, B. M.; SOBHAN, K. Fundamentos de engenharia geotécnica. 8. ed. São Paulo:
Cengage Learning, 2014. 632 p.
GERSCOVICH, D. M. S.; DANZIGER, B. R.; SARAMAGO, R. Contenções: teoria e
aplicações em obras. 2. ed. São Paulo: Oficina de Textos, 2016. 319 p.
MIKOS, A. P. et al. Manifestações patológicas decorrentes em solo grampeado e
cortina atirantada. In: SIMPÓSIO PARANAENSE DE PATOLOGIA DAS CONSTRUÇÕES,
2., 2017. Curitiba. Anais... Curitiba: Centro Politécnico UFPR, 2017, p. 537-546.
PALMEIRA, E. M. Geossintéticos em geotecnia e meio ambiente. São Paulo:
Oficina de Textos, 2018. 294 p.
72

BONS ESTUDOS!

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