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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC - SP

Isis Sanfins Schweter

Organização e imprensa estudantil no Instituto de Educação Sud Mennucci


(1952-1954)

MESTRADO EM EDUCAÇÃO: HISTÓRIA, POLÍTICA, SOCIEDADE

São Paulo

2015
Isis Sanfins Schweter

Organização e imprensa estudantil no Instituto de Educação Sud Mennucci


(1952-1954)

MESTRADO EM EDUCAÇÃO: HISTÓRIA, POLÍTICA, SOCIEDADE

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia


Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial
para obtenção do título de MESTRE em Educação: História,
Política e Sociedade, sob a orientação do Professor Doutor
Daniel Ferraz Chiozzini.

São Paulo

2015
Banca Examinadora

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________
Dedico este trabalho a meu pai, Paulo, ávido e inteligente
leitor (in memoriam) e à Vó Olívia, amiga querida.
AGRADECIMENTOS

Sinto alívio e gratidão por ter chegado este momento. Tenho imensa satisfação por
ter condições objetivas de escrever estas palavras.

Agradeço ao professor Daniel Ferraz Chiozzini, meu orientador, pela ajuda com a
definição do objeto a ser pesquisado, bem como por todos os apontamentos construtivos feitos
durante a pesquisa. Sem sua percepção complexa e inteligente, o texto não teria tido este
direcionamento.

Agradeço aos professores Mauro Castilho Gonçalves e Norberto Dallabrida, pela


leitura criteriosa e atenciosa do relatório de qualificação, e pelo auxílio nos caminhos da
conclusão deste texto. Em especial, ao professor Mauro, que em todo o tempo de curso me
auxiliou nas discussões sobre a problemática desta pesquisa nas disciplinas que foram
cursadas.

A Maria Ligia, minha mãe, pessoa maravilhosa, altiva e alegre, que sempre nos
ensinou que a educação e a formação profissional adequada de suas três filhas mulheres é de
importância primeira em nossas vidas.

Ao Tio Carlos, pelo apoio em momentos decisivos para que o projeto de fazer uma
pós-graduação se tornasse real. Obrigada meu querido por fazer as vezes de pai. Amo-te.

Ao Rodrigo, namorado, companheiro, amigo, que me ajudou a ter paciência e calma


em muitos momentos de aflição ao longo desses dois anos.

Ao amigo irmão José Maurício, pelas indicações de leitura, pela paciência, pela
escuta e por ter me incentivado a continuar os estudos no programa em Educação.

Aos meus amigos queridos, irmãos do coração: Susana, Ana Flávia, Guilherme e
Renata, pelo incentivo constante. Vocês são pessoas muito importantes para mim e fazem
minha vida se tornar mais leve e tranquila.

Agradeço ao pessoal de casa, pela paciência e ajuda em diversos momentos nestes


dois anos: Melissa, Isaac, Ana e André. Valeu!

Aos colegas do programa EHPS, pela força e escuta: Talita, Paula, Adriana,
Christiane, Eduardo, Jonathan, Marina. Obrigada pela descontração e pelas risadas.
À querida Betinha, pessoa maravilhosa e sempre pronta a ajudar a todos.

Aos professores do programa EHPS, que com dedicação e zelo me mostraram os


caminhos da pesquisa na área da educação.

Aos senhores entrevistados que gentilmente me cederam suas recordações sobre a


imprensa estudantil pesquisada: Luiz de Almeida Mendonça, Marly Therezinha Germano
Perecin e Gustavo Jacques Dias Alvim.

Aos funcionários e ao diretor da Escola Estadual Sud Mennucci. Às gentis senhoras


da limpeza, que me acompanharam nas visitas ao arquivo da instituição.

A Luciana de Almeida Tavares, pela revisão do texto.

Ao CNPQ – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – pelo


auxílio financeiro.

Agradeço a todos que, de uma ou outra forma, me incentivaram e me apoiaram nesta


empreitada. Tendo nascido em um meio onde a possibilidade de fazer uma pós-graduação
ainda é um intento distante, sinto-me satisfeita e agradecida por ter conseguido trilhar esse
percurso e por ter contado com o entendimento, incentivo e a paciência dos que me cercam.
Obrigada.

Aos espíritos protetores e amigos, pela luz e força nos momentos de aflição.
7

RESUMO

A pesquisa consiste em investigar a história da organização discente da Escola


Normal Sud Mennucci de Piracicaba, posteriormente denominada Instituto de Educação Sud
Mennucci. Essa organização criou um impresso estudantil, o jornal intitulado O Sud
Mennucci, que publicou textos elaborados pelos próprios alunos e que associavam a vida
escolar a temáticas variadas como currículo, produções literárias, cotidiano da escola, posição
ocupada pela instituição na cidade, lugar da mulher na sociedade, reivindicações por
melhorias nas condições da escola, entre outras. Em cerca de dois anos de duração, o jornal
publicou anúncios e passou a circular fora do espaço escolar. O objetivo esteve em
compreender a dinâmica de sociabilidade estabelecida entre os estudantes em torno da
articulação e produção de um jornal escolar entre os anos de 1952 a 1954, contribuindo para o
entendimento das práticas discentes no espaço temporal delimitado para esta pesquisa e da
cultura escolar da referida instituição. As fontes utilizadas foram exemplares do jornal O Sud
Mennucci e alguns exemplares de jornais locais. Também foram realizadas entrevistas com os
ex-alunos da instituição, participantes ou não dessas organizações, visando registrar a
memória que esses sujeitos construíram de sua trajetória discente e do impresso escolar.

Palavras-chave: Imprensa estudantil. Organização discente. Cultura escolar. Memória.


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ABSTRACT

The research consists in investigating the history of the students’ organization of the
Escola Normal Sud Mennucci de Piracicaba, later called the Instituto de Educação Sud
Mennucci. This organization created a student’s periodical, the paper entitled O Sud Mennucci
has published texts written by the students and which associatedschool life to various issues
such as curriculum, literary productions, the school routine, the position occupied by the
institution in the city, the place of women in society, demands for improvements in school
conditions, among others. In about two years’ duration, the newspaper published ads and
began to circulate outside school. The purpose was to understand the dynamics of sociability
established between the students around the articulation and production of a school newspaper
between the years 1952 to 1954, contributing to the understanding of the students practice in
the defined timeline for this research and the school culture of the institution. The sources
used were copies of the newspaper Sud Mennucci and some copies of local newspapers.
Interviews were also held with the alumni of the institution, participating or not in these
organizations with the objective of register the memory that these individuals built from their
students career and the school periodical.

Keywords: Student press. Student’s organization. School culture. Memory.


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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 12

1 A ORGANIZAÇÃO ESTUDANTIL E O IMPRESSO O SUD MENNUCCI 18

1.1 O Sud Mennucci e sua materialidade 25

1.2 A articulação dos estudantes e a rede de relações 31

1.3 O jornal O Sud Mennucci: sua finalidade e o fim do empreendimento 44

1.4 A caracterização do grupo de estudantes articuladores do impresso 47

2 A IMPRENSA ESTUDANTIL E O JORNAL O SUD MENNUCCI: ENTRE


57
PRESCRIÇÕES E PRÁTICAS

2.1 As prescrições relativas à imprensa escolar nas escolas secundárias normais 66

2.2 O impresso O Sud Mennucci: as práticas e as apropriações dos alunos 74

2.3 Os embates entre os ensinos clássico e científico: uma perspectiva das


91
práticas escolares no impresso O Sud Minucia

3 AS MEMÓRIAS DO GRUPO DE ALUNOS: FLUTUAÇÕES E


100
CONTRADIÇÕES NAS NARRATIVAS

3.1 Os ex-alunos do Sud Mennucci e suas trajetórias 103

3.2 Memórias sobre o empreendimento de produção do jornal O Sud Mennucci 107

3.3 A memória coletiva da instituição nas memórias individuais 121

CONSIDERAÇÕES FINAIS 129

REFERÊNCIAS 135

APÊNDICES 138
10

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Fotografia 1: Sud Menucci. 20

Fotografia 2: Loja anunciante do jornal O Sud Mennucci, a Concessionária GMC,


29
da família Guidotti&Cia.

Fotografia 3: Escola Estadual Sud Mennucci nos dias atuais. 127

Figura 1: Os cabeçalhos representando as duas fases do Jornal O Sud Mennucci


27
(exemplares 3 e 7 respectivamente).

Figura 2: Anúncios publicitários do Jornal O Sud Mennucci. 28

Figura 3: Anúncios publicitários do Jornal O Sud Mennucci. 28

Figura 4: O Corpo Editorial em suas duas fases (exemplares 3 e 7


30
respectivamente).

Figura 5: Nota sobre a sessão de posse do Grêmio Normalista. 33

Figura 6: Primeira página do exemplar número quatro, em que é anunciada a


39
transformação da Escola Normal em Instituto de Educação.
11

LISTA DE APÊNDICES

APÊNDICE 1 – Fontes documentais 138

APÊNDICE 2 – A materialidade do impresso O Sud Mennucci 140

APÊNDICE 3 – Principais assuntos do jornal O Sud Mennucci 141

APÊNDICE 4 – Diversidade e quantidade de anúncios no jornal O Sud Mennucci 148

APÊNDICE 5 – Entrevista de Gustavo Jacques Dias Alvim 152

APÊNDICE 6 – Entrevista de Luiz de Almeida Mendonça 162

APÊNDICE 7 – Entrevista de Marly Therezinha Germano Perecin 176


12

INTRODUÇÃO

A presente dissertação tem por objetivo investigar a história de um grupo de alunos em


torno da elaboração de uma imprensa estudantil da Escola Normal de Piracicaba,
posteriormente chamada Instituto de Educação Sud Mennucci, entre os anos de 1952 e 1954.
Pretende-se entender qual foi a relação estabelecida por este grupo em torno da articulação e
produção de um jornal escolar, intitulado O Sud Mennucci. O objetivo é compreender a
dinâmica de sociabilidade estabelecida entre os estudantes organizadores do impresso, com a
intenção de contribuir para o entendimento das práticas discentes no espaço temporal
delimitado e da cultura escolar da referida instituição.

A análise terá como foco o conteúdo do jornal e as memórias dos sujeitos que
participaram da elaboração do mesmo, buscando analisar como este grupo de alunos se
articulou em torno da elaboração do impresso discente. O jornal escolar será entendido aqui
dentro de um conjunto de práticas características da instituição pesquisada. Essa concepção
está presente nas novas perspectivas para o campo da história da educação, voltadas para a
História Cultural, buscando contemplar a cultura material escolar.

Esta pesquisa se relaciona diretamente com a experiência que tive como professora na
Escola Estadual Sud Mennucci, no ano de 2011. Uma das escolas mais antigas da cidade de
Piracicaba, instalada em um prédio centenário, próprio da arquitetura do final do século XIX,
a antiga Escola Normal, fundada em 1897, está consagrada na memória coletiva da cidade
como instituição de excelência, onde se encontravam os melhores alunos e professores
primários.

Ao elaborar um projeto de conclusão do curso de pós-graduação lato sensu em história


pela PUC-SP, entrei em contato com documentos presentes no então denominado “arquivo
morto” da escola estadual Sud Mennucci. Neste arquivo, encontrei vasta documentação acerca
dos alunos que passaram pela instituição, desde sua fundação, até o final da década de 1980.
Encontrei históricos escolares, e seis exemplares do jornal O Sud Mennucci, datados de 1952
e 1953.

Entrei no programa de Mestrado em Educação com a ideia para o projeto de pesquisa


de entender como se deu a atuação dos alunos na Escola Normal Sud Mennucci. Entretanto, a
partir das discussões feitas nas disciplinas cursadas no programa e pela análise das fontes
encontradas, o que me passou a chamar a atenção foi a articulação feita pelos alunos para
13

produzirem um impresso estudantil com o intuito de, a partir daí, compreender aspectos da
organização estudantil como um todo. Neste sentido, passei a perscrutar e conhecer os sujeitos
que compunham a produção do jornal.

Consegui entrar em contato com quatro ex-alunos articuladores do jornal. Um deles


me disponibilizou mais outros dois exemplares que acabaram por compor uma série linear de
oito exemplares, num recorte temporal que foi de 1952 a 1954. Ao longo da análise dos
jornais, o que me passou a chamar atenção foram os discursos dos alunos articuladores do
impresso em torno da produção do jornal e de outras questões, como reivindicações por
melhorias no espaço da instituição e ligações políticas deste grupo de alunos com outros
sujeitos do espaço extraescolar. Foi possível também perceber um discurso marcado por um
forte componente moralista.

A partir desta análise inicial das fontes, outros questionamentos foram levantados:
tentar compreender em que período temporal o jornal circulou; entender se o jornal cresceu
junto com a atuação deste grupo de alunos que o produziam e de que maneira se deu essa
progressão, com o objetivo de compreender como foi esse processo de crescimento do jornal e
da representatividade dos alunos por meio do mesmo. Num outro ponto, compreender como
se deu a circulação do jornal fora da escola, como esse processo foi viabilizado, visto que a
partir da análise das fontes, existiam anunciantes e assinantes do impresso fora do espaço
escolar. Neste sentido, esta questão remeteu à outra, que foi a tentativa de compreender como
se deu a atuação política do jornal na cidade de Piracicaba.

No primeiro semestre do curso de pós-graduação em educação também entrei em


contato com disciplinas que contribuíram para a conformação dos questionamentos da
pesquisa. A princípio, a ideia era compreender a atuação dos alunos como um todo dentro da
instituição1. Entretanto, à medida que os levantamentos bibliográficos referentes à história das
instituições escolares e da temática da imprensa foram sendo levantados e também pelas
orientações, percebi que o material que tinha em mãos, principalmente os exemplares do
jornal escolar O Sud Mennucci, serviam de fonte para compreender de que forma os alunos se
articularam para produzir um jornal dentro do espaço escolar. A análise do jornal foi se
revelando um ponto de partida singular para a pesquisa.

1
Havia o interesse, inclusive, de compreender a origem social dos alunos que frequentavam o educandário nos
anos 1950, por meio dos históricos escolares que foram encontrados. A ideia era compreender se os alunos que
frequentavam a escola vinham de camadas sociais das elites.
14

Ao trabalhar com as memórias, realizando as entrevistas num momento posterior,


consegui entrar em contato com mais três exemplares do jornal escolar, os números nove, dez
e onze, que estavam arquivados na casa de um dos ex-alunos. Analisando esses exemplares,
concluí que o tempo de circulação do jornal durou até dezembro de 1954. Desse modo, foi
possível delimitar com mais segurança o recorte temporal da presente pesquisa, que se
justifica pelo tempo de duração do impresso na escola, de 1952 a 1954, resultando em onze
exemplares, ao todo.

Ao longo da pesquisa, entrei em contato com uma prescrição elaborada pelos


integrantes do movimento da Escola Nova no Brasil em relação à produção de jornais
escolares nas escolas normais e secundárias. Trata-se da obra denominada Jornais Escolares,
de Guerino Casasanta, publicada em 1939 pela Biblioteca Pedagógica Brasileira. Nesta
investida do movimento, o autor fez um inquérito dos jornais escolares produzidos pelas
escolas mineiras ao longo da década de 1930. Num outro ponto, o autor dá todas as dicas
sobre como produzir um jornal nas escolas primárias, secundárias e normais. A partir daí, este
documento passou a ser encarado na pesquisa como a principal prescrição que circulou no
ambiente educacional na época em que os jornais foram elaborados e, ao longo da análise, foi
feita a relação entre essa normatização e as práticas colocadas pelo grupo de alunos ao
produzir o impresso escolar O Sud Mennucci. Esta obra serviu de guia para analisarmos os
usos sociais feitos pelos alunos por meio do impresso.

Trabalhar com a análise dos jornais escolares produzidos por um grupo de alunos na
cidade de Piracicaba direciona esta pesquisa para aspectos da cultura escolar da instituição
pesquisada. Marta de Carvalho discorreu sobre esse conceito e sobre o processo de renovação
no campo da história da educação, onde houve, no início dos anos 1990, uma “virada
epistemológica” para o campo da História. Os pesquisadores da educação, nesse processo, se
voltaram para outros aspectos do universo da escola que ainda não haviam sido investigados
nas pesquisas anteriores, como as práticas escolares de professores e de alunos e o cotidiano
da instituição (CARVALHO, 1998, p. 31-32).

Dentro desse processo de renovação, a temática da imprensa periódica educacional


aparece, com destaque para a produção de impressos estudantis. Autores como Catani e
Bastos (2002) mostraram a preocupação em divulgar pesquisas que tratam dessa temática,
visto que as mesmas apresentam dados para a compreensão do universo da escola e das
práticas educativas dentro das instituições. Entretanto, as autoras focam seu olhar para
impressos produzidos por professores ou por órgãos ligados ao Estado. Outra possibilidade de
15

abordagem nas pesquisas que tratam da imprensa educacional se relaciona com impressos
produzidos por alunos das instituições pesquisadas, como a pesquisa de Amaral (2002), que
trabalha com as diferenças ideológicas entre duas antigas escolas da cidade de Pelotas e, num
ponto de sua tese, trata das manifestações do corpo discente das duas instituições, mediante a
atuação dos grêmios escolares veiculados à produção de jornais, definidos pela autora como
impressos estudantis.

Sobre essas novas formas de abordagem, Amaral explica que a análise dos impressos
estudantis sugere a perspectiva de outro sujeito a ser investigado, o aluno. Dessa forma, abre-
se a possibilidade de trazer uma voz pouco escutada pelos pesquisadores, produzindo-se uma
nova roupagem à história das instituições escolares por meio dos impressos. Segundo a
autora: “[...] É o ator estudante que se manifesta, que registra, que inscreve a sua manifestação
através dos impressos, que passam a ser novas fontes e/ou objetos a darem visibilidade à
produção estudantil” (AMARAL, 2002, p. 120).

Pensar na articulação de um grupo de alunos – no Instituto de Educação Sud Mennucci


– para a elaboração de um impresso estudantil entre os anos de 1952 e 1954 significa fazer
emergir a voz de sujeitos pouco ouvidos nas pesquisas, os alunos. Nesta perspectiva de
análise da imprensa escolar estudantil, ocorre o desvendar das práticas dos sujeitos envolvidos
no processo educacional, dentro da cultura escolar da referida instituição.

Tema que se insere nas novas questões que foram lançadas pela Nova História
Cultural, que redesenharam os objetos e os métodos da história da educação. Novos temas
passaram a ser investigados pautados nas práticas culturais, seus sujeitos e seus produtos,
buscando compreender a perspectiva dos sujeitos dos processos investigados e as
representações que agentes determinados fizeram de si mesmos. Nesse processo, de acordo
com Carvalho (1998, p. 33), “a escola passa a ser concebida como um produto histórico da
interação entre dispositivos de normatização pedagógica e das práticas dos sujeitos que se
apropriam dela”.

Carvalho (2003) reflete também a respeito da preocupação colocada por Roger


Chartier em relação ao uso que os agentes fizeram dos modelos e objetos culturais colocados
no universo educacional, implicando indagar a materialidade desses modelos, dos dispositivos
de imposição desses modelos e das práticas que dele se apropriam. Neste sentido, o autor
atenta para os usos de determinado texto lido e suas apropriações na prática. Assim, nesta
pesquisa, a análise dos jornais escolares será feita a partir da noção de apropriação, definida
por Roger Chartier e movimentada por Marta de Carvalho no campo da história da educação,
16

visto que a obra de Guerino Casasanta foi encarada como uma das prescrições que havia na
época para a produção de jornais nas escolas brasileiras.

Dessa forma, a pesquisa torna-se relevante por, primeiramente, compreender a atuação


dos alunos num determinado período da história da educação e por relacionar as práticas dos
alunos dentro do espaço educacional – por meio do jornal escolar O Sud Mennucci – com as
normatizações que vigoravam na época referentes à produção de jornais escolares.

A partir destas considerações, foi possível dividir a presente dissertação em três


capítulos, de acordo com o objeto e com as preocupações de pesquisa. O primeiro capítulo
trata de apresentar o grupo de alunos, a organização que se articulou para produzir o jornal
escolar. O jornal e o Instituto de Educação serão analisados a partir da sua relação com uma
memória coletiva da instituição, construída tanto dentro quanto fora do espaço escolar.
Também será colocada em questão, por meio da análise da materialidade do impresso, a rede
de relações estabelecidas por esses alunos na defesa de seus interesses junto ao Instituto de
Educação. Além disso, por meio da análise do conteúdo do impresso, será analisado o
processo de finalização do empreendimento, no final do ano de 1954, quando o grupo de
alunos se despede dos leitores. Por fim, essa organização de alunos será discutida dentro de
algumas conceituações para agrupamento de alunos, como movimento estudantil e
associativismo, até a noção de rede de sociabilidade, entendida por Ângela de Castro Gomes
(1999).

O segundo capítulo buscou, primeiramente, discutir a temática da imprensa estudantil


dentro das pesquisas em história da educação. Num outro ponto, pretendeu verificar quais
eram as prescrições no contexto que os jornais do Instituto de Educação foram pensados e
produzidos. Por meio das providências que foram tomadas em relação à concepção, ao
desenvolvimento e à produção de impressos, pretendemos verificar como se deu o processo
de progressão do jornal e suas formas de atuação, tanto dentro quanto fora do espaço escolar,
analisando as apropriações que foram feitas no que se refere às normatizações que vigoravam
na década de 1950 para a produção de jornais escolares. Por fim, os textos colocados nos
jornais serão apresentados dentro dos embates prescritivos que existiam na época em relação
ao conteúdo do currículo nas escolas secundárias, como o ensino clássico e científico.

O capítulo terceiro teve por objetivo analisar as memórias de três ex-alunos que
estudaram no Instituto de Educação Sud Mennucci, entre os anos de 1952 e 1954, à época da
publicação do jornal escolar, em relação ao empreendimento. A decisão de recorrer às
entrevistas se deu pelo fato de que somente os jornais escolares enquanto fontes não deram
17

conta de responder algumas questões que foram colocadas pela problemática de pesquisa.
Ademais, foi uma oportunidade ímpar de registrar o depoimento de sujeitos que estão em
idade avançada e poderiam possuir, como foi confirmado posteriormente, fontes escritas
adicionais que auxiliassem a pesquisa. Foram encontrados três ex-alunos, dois envolvidos
diretamente no empreendimento, Luiz de Almeida Mendonça e Gustavo Jacques Dias Alvim;
e Marly Therezinha Germano Perecin, ex-aluna da instituição nos anos em que o jornal foi
publicado e uma das responsáveis pela construção de uma memória idealizada da instituição.
Assim, dentro do respaldo teórico de Michel Pollack (1992) e Verena Alberti (2004),
analisou-se primeiramente a trajetória individual de cada um dos entrevistados, visto que as
memórias sobre esta experiência foram construídas de maneira individual. Num outro ponto
foram analisadas as memórias individuais – considerando suas flutuações e contradições –
sobre as questões colocadas nos dois primeiros capítulos deste trabalho.
18

1 A ORGANIZAÇÃO ESTUDANTIL E O IMPRESSO O SUD MENNUCCI

Surge o Sud Mennucci


De há muito planejávamos um órgão assim, que, qual incentivo do saber e
ao aluno de nossa escola, pudesse estar a seu lado; amigo humorista e
sempre pronto a servir. Encontrarão os colegas, nesse periódico modesto,
sempre um espaço a eles dedicado, no qual poderão publicar seus trabalhos,
quando bem classificados em aula, a critério do professor da matéria que o
mesmo se referir.
Dispomo-nos a pugnar pelo Educandário a que pertencemos e esperamos de
seu corpo docente e discente, todo apoio que temos certeza, dignar-se-ão de
nos prestar, como pessoas compreensivas e altruístas que são.
Esperamos seja “O Sud Mennucci” acolhido com consideração, pois
tentaremos, por seu intermédio, firmar as relações de amizade entre a
juventude normalista, dando combate à indiferença, ao separatismo e
isolacionismo que deparamos às vezes, não sem tristeza, na massa
estudantil. Pugnaremos pela união dos nossos num só coração, para que,
futuro a dentro, possa Piracicaba mostrar sempre o brilho de sua vontade e
de seu saber, continuando a doar, para o Brasil, homens que, satisfazendo
um Diógenes, não necessitariam de luz de sua lanterna para mostrar no
rosto a retidão do seu caráter e hombridade de suas ações.
Como trabalho estudantil que é tenderá este a transformar-se numa
publicação de caráter estritamente literário, recebendo então, as
colaborações que nossos professores se dignarem nos conceder. Por ora,
organizaremos aqui, somente contribuições de alunos, aceitando destes toda
observação criteriosa que vise nos trazer melhoras.
Que esta hora, pois, em que nasce “O Sud Mennucci”, seja de
entendimento; que nossos leitores fiquem satisfeitos e façamos jus ao nosso
intento que é o de primar pela harmonia, dando aos colegas algo que
necessitavam e esperamos seja recebido sem as críticas pejorativas tão
comuns no ignorante, no agitador e no indivíduo que, sem escrúpulos, sente
selvagem prazer em minar as bases de toda e qualquer nova realização.
É este nosso desejo sincero.
Amador Pedroso de Barros

Com essas palavras, um dos editores do impresso escolar denominado O Sud


Mennucci apresenta o editorial do primeiro exemplar do periódico produzido e publicado
pelos alunos do Instituto de Educação Sud Mennucci. Apresentando os objetivos e
motivações que levaram este grupo de alunos a elaborar o jornal escolar, Amador Pedroso de
Barros expõe as bases do que seria a finalidade de produzir um jornal impresso: unir a massa
estudantil, que, segundo ele, estava, naquele momento, sujeito ao isolacionismo; ter no
impresso um espaço reservado aos alunos para divulgar e expor os trabalhos bem
19

classificados em aula, com publicações de caráter estritamente literário; esperavam também


ter a contribuição dos docentes e discentes na produção do impresso.

Já nesta apresentação do jornal, o autor também expõe que a união dos estudantes
permitiria que Piracicaba pudesse mostrar “o brilho de sua vontade e de seu saber”
continuando a doar para o Brasil homens ‘iluminados’ pela luz de Diógenes. O filósofo grego
da Atenas Antiga perambulava pelas ruas com uma lamparina, durante o dia, alegando estar
procurando um homem honesto. No final do trecho citado, o aluno Amador Pedroso de Barros
defende que o objetivo da publicação do impresso, seria o de primar pela harmonia no
educandário. Tinha a esperança de que o jornal fosse recebido “sem as críticas pejorativas, tão
comuns no ignorante, no agitador e no indivíduo que, sem escrúpulos, sente selvagem prazer
em minar as bases de toda e qualquer nova realização”. O componente da honestidade aparece
aqui para justificar a perspectiva moralizadora do impresso2.

A ideia de os alunos do Instituto de Educação, por meio do jornal, mostrarem o “brilho


de sua vontade e do seu saber” remete a uma construção histórica da memória coletiva desta
instituição. A antiga Escola Normal, depois Instituto de Educação Sud Mennucci é lembrada
pelos habitantes da cidade de Piracicaba como espaço de excelência de educação 3, de onde
entravam e saíam os melhores alunos, a elite pensante da cidade. Esse discurso está presente
nos jornais locais da cidade4, nos discursos dos alunos organizadores do jornal, e também nas
memórias da Associação de ex-alunos da Escola Normal, que até hoje procura manter
consagrada essa memória idealizada da instituição.

O lugar ocupado pela instituição na memória coletiva é revelador do significado dessa


escola para a cidade e de tudo o que a ela está associado, inclusive o jornal escolar. De acordo

2
A perspectiva moralizadora, presente nos textos que alunos publicavam no jornal, será tratada ao longo da
dissertação com mais acuidade, visto que em todos os exemplares aparecem textos escritos pelos alunos, em que
“prescrevem” aos alunos leitores normas de conduta moral, em relação, por exemplo, à prática da cola por parte
dos mesmos, durante a época de provas.
3
No relatório de qualificação, a tese de doutorado intitulada Escola Complementar e Normal de Piracicaba:
formação, poder e civilidade (1987-1921) do pesquisador Tony Honorato, defendida pela Unesp de Araraquara,
foi indicada para dar maior fundamentação à ideia de a escola normal Sud Mennucci ter sido considerada na
memória coletiva uma instituição de excelência. Ao procurar o texto na biblioteca da faculdade, não consegui
encontrar nenhum exemplar desta obra. Após essa constatação, foi enviado um e-mail para o pesquisador,
solicitando um exemplar da obra para que pudesse ser incorporado ao texto. Entretanto, Honorato indicou que
não seria possível ceder o texto, visto que ele estava aguardando o mesmo ser publicado, não havendo, segundo
ele, a possibilidade de acesso.
4
Algumas páginas de jornal selecionadas em uma hemeroteca foram encontradas no arquivo da escola, onde se
encontram inúmeras notícias sobre a Escola Normal Sud Mennucci, posteriormente denominada Instituto de
Educação. Na primeira página da mesma, se encontra a informação de que foi “feita pelos alunos do Centro
Cívico em 1968”. A maior parte se refere às comemorações dos aniversários da instituição e outras mostram
notícias sobre a escola. Estas notícias eram publicadas pelos principais jornais locais da cidade de Piracicaba e
serão usadas ao longo do texto desta dissertação visando à compreensão das questões colocadas.
20

com Pollack (1992), a memória é um fenômeno construído social e coletivamente, submetido


a flutuações e mudanças constantes, mas que, entretanto, apresentam pontos invariáveis e
imutáveis, resultantes de um trabalho de organização e enquadramento destas invariáveis da
memória. Elemento que constitui identidade ao indivíduo e ao grupo, a memória é um
fenômeno construído, coletiva ou individualmente, no qual ocorre o trabalho de gravar,
recalcar, excluir, sendo resultado também de um trabalho de organização (POLLACK, 1992,
p. 203-204).

Fotografia 1: Sud Mennucci.

Fonte: Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba (IHGP).


Disponível em: www.ihgp.org.br, ihgp@ihgp.org.br, acesso em 26/01/2015.

Essa construção organizada da memória aparece em várias publicações relacionadas à


instituição. Os jornais locais da cidade de Piracicaba, em datas comemorativas de aniversário
da instituição, apresentam textos nos quais se revela este trabalho de construção da memória
coletiva da escola. Determinada edição do Jornal de Piracicaba, datada de 27 de março de
1953, exibe uma publicação referente à instituição, intitulada Brilham os alunos do Colégio
Estadual Sud Mennucci:
21

O Colégio Estadual, que funciona junto à Escola Normal “Sud Mennucci”, é


uma instituição que honra sobremaneira o ensino de nossa terra. O Curso
Ginasial e o Curso Científico da “Sud Mennucci” todos os anos, diplomam
turmas pequenas, é verdade, mas, turmas brilhantes, constituídas de alunos
realmente preparados para continuar seus estudos. São turmas que se
destacam pela qualidade e não pela quantidade. (JORNAL DE
PIRACICABA, 1953.)

Aqui o componente da qualidade do ensino que era ministrado no educandário aparece


como parte constitutiva da construção dessa memória coletiva sobre a escola piracicabana. A
notícia continua ressaltando o gabarito dos alunos que saíam dos cursos clássico e científico e
iam para as melhores universidades, como a Universidade de São Paulo, mostrando que os
alunos da escola Sud Mennucci diante da seletividade e a dificuldade para ingressar nestas
instituições de ensino superior, “brilharam sem dúvida”.

Em outra notícia, de primeira página, publicada no dia 21 de abril de 1953 – data do


aniversário da instituição e época em que o jornal dos alunos foi publicado –, depara-se
novamente com a construção de uma memória sobre a instituição:

A Escola Normal “Sud Mennucci”, comemora hoje o seu 56º aniversário de


fundação, marcando assim uma brilhante etapa dedicada a grandeza do
ensino paulista. O tradicional educandário de nossa cidade vem cumprindo
não só sua nobre missão de educar a mocidade, como também influindo
decisivamente para o nosso progresso. Da “Sud Mennucci” tem saído
inteligências luminares que honram o magistério e também outras profissões
liberais.
Nossa Escola Normal é, inegavelmente, um orgulho para nossa terra, um
motivo de esperança para a Pátria estremecida e, aos jovens, um incentivo
para as lutas do ensino imperecível. (JORNAL DE PIRACICABA, 1953.)

A ideia de a escola contribuir para o “progresso” da cidade e servir como “esperança


para a Pátria” faz parte de um discurso nacionalista presente no contexto da Primeira
República, no qual a instrução pública era vista como salvação da nação. A missão de educar
a mocidade cabia ao Sud Mennucci, sendo a escola considerada um “orgulho” para a cidade.

Esta perspectiva também está presente no material produzido pela Associação de ex-
alunos, anteriormente mencionada. Em impresso5 publicado pela associação, datado de 2007,
novamente esta construção está presente por meio de artigos de ex-alunos, que atualmente

5
O documento que se intitula Reunião Anual da Associação dos ex-alunos, ex-professores e amigos da Escola
“Sud Mennucci”, datado de 2007, está arquivado na Biblioteca da Escola Estadual Sud Mennucci. A publicação
foi elaborada por ex-alunos da instituição e integrantes desta associação.
22

fazem parte desta associação e que, de certa forma, legitimam essa memória consagrada. Um
desses artigos, escrito pela historiadora piracicabana Marly Therezinha Germano Perecin 6 –
também ex-aluna da instituição – narra a história da educação em Piracicaba, mostrando o
envolvimento e as articulações do Partido Republicano Paulista com as diversas iniciativas
educacionais na cidade. Por meio do discurso nacionalista republicano, a autora vai
descrevendo como ocorreu na cidade o processo de estabelecer e construir escolas primárias e
secundárias. Dentre essas iniciativas, destaca a história do Instituto de Educação Sud
Mennucci.

Num ponto do artigo, a autora afirma que, por conta do desenvolvimento urbano
iniciado na cidade a partir do início da República, que envolveu a abertura de ruas e a
construção de redes de esgoto, Piracicaba chegou, no ano de 1911, com 48 mil habitantes, se
tornando, segundo as palavras da autora, uma cidade “limpa, arborizada e dotada de praças
aconchegantes nas tardes de verão”. Neste contexto, Piracicaba passou a ser considerada a
segunda cidade paulista em número de escolas, contando com quarenta unidades, passando a
ser chamada de Ateneu Paulista7, aposto que, segundo ela, vem sendo repetido através dos
tempos (PERECIN, 2007, p. 22).

Sobre isso, a autora afirma:

A antiga boca do sertão, no século XVIII, havendo passado pela fase de


fronteira agrícola, no século XIX, surpreendia com o seu florescimento
cultural, fruto da expansão das escolas e da manifestação de sua jovem elite
pensante. (PERECIN, 2007, p. 23.)

A partir desse ponto, a autora passa a descrever o processo que culminou na


construção do prédio em que está instalada a escola até hoje, na rua São João, no centro da
cidade. Destaca a beleza e a grandiosidade de sua construção, que, segundo ela, apresentava
características de um palácio:

6
Marly Therezinha Germano Perecin é uma historiadora piracicabana que publicou vários textos dedicados à
história tradicional da cidade e, em particular, à história do Instituto de Educação Sud Mennucci. Seus textos –
que estão citados na dissertação – são representativos de uma história institucional, produzida no âmbito do
IHGP (Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba).
7
Perecin explica que Ateneu, em sentido lato, diz respeito à Academia, estabelecimento de ensino superior
dedicado às artes e à literatura. Também, segundo ela, é um termo de origem grega, Athénaion, templo de Atenas
na Grécia antiga, e lugar onde os literatos liam suas obras. Conclui afirmando que essas características refletiram
o processo de transformação experimentado por Piracicaba nas primeiras décadas do século XX, por isso o
adjetivo para a cidade.
23

Ninguém escapa ao impacto de sua grandeza interior, nem ao sortilégio de


sua beleza plástica, a criança, ou o desconhecido, que venham pela rua São
João, a meio do calor e da luminosidade do sol piracicabano. Todo aquele
que ascendeu as escadarias daquela acrópole, ao adentrar, queda-se,
perplexo, no Saguão. Mágica penumbra, ali, esconde formas e imagens, que
à dilatação das pupilas, se apresentam, paulatinamente, ao espectador
desavisado, insinuando-se em seu imaginário e despertando misteriosas
interrogações remanescentes de um passado, onde até as paredes falavam. –
Qual o desvendamento do mistério?
- Faça-se a luz! Ilumine-se a mente interior, afastem-se as trevas da
ignorância e da presunção! – Esta é chave do código ao desavisado forasteiro
que penetra o limiar, a ante-sala do “Ateneu Paulista”. (PERECIN, 2007, p.
26.)

Nesse sentido, a autora ressalta ainda que, passado um século da construção da Escola
Normal, datada de 1917, saíram daquela instituição grandes mestres do magistério secundário
e superior, “milhares de soldados anônimos da grandeza da Pátria”8 nas escolas primárias.
Percebe-se, por essa descrição, que a instituição pesquisada tem forte relação com a
construção da memória coletiva da cidade. A própria designação da cidade como Ateneu
Paulista mostra, de certa forma, essa imagem de cidade das escolas, sendo o Sud Mennucci o
local por excelência para a formação de professores em Piracicaba (PERECIN, 2007, p. 26).

De acordo com Peres (1997), Piracicaba, na década de 1950, era idealizada pelos
grandes feitos de suas elites, que permitia lhe exaltar uma “inteligência piracicabana”, capaz
de fazê-la romântica, culta e politizada9.

Outro indicativo de como a instituição foi rememorada, inclusive pelos diferentes


sujeitos que passaram por ela, surge num artigo de um periódico piracicabano de grande
circulação na cidade até os dias atuais, o Jornal de Piracicaba. Denominado A Escola Normal
de Piracicaba. O artigo foi escrito por Maria Celestina Teixeira Mendes Torres, historiadora e
ex-professora de História do Instituto de Educação Sud Mennucci à época da publicação do
impresso analisado nesta pesquisa10. Neste texto, datado de abril de 1985, Torres chama a
atenção dos leitores para a necessidade de restauração do velho prédio da Escola Normal.

8
A ideia de progresso e de grandeza da Pátria encontrada nos discursos da historiadora citada e também nos
textos dos alunos que escreviam no jornal mostra que o discurso republicano da instrução pública estava presente
e permaneceu, de certa forma, dentro da memória desses sujeitos, quando os mesmos se referem à antiga Escola
Normal e depois ao Instituto de Educação Sud Mennucci.
9
Para fazer essa colocação, a autora se refere às afirmações contidas no livro Síntese Urbana, da historiadora
Marly Therezinha Germano Perecin.
10
Ao longo da análise dos conteúdos dos jornais escolares pesquisados, é perceptível, em diversos exemplares, a
menção dos alunos à professora de história Maria Celestina Teixeira Mendes Torres, que inclusive ajudou os
alunos, entre os anos de 1952 e 1954, a criar um Centro de Estudos de História no Instituto. No exemplar de
24

A historiadora “relembra” com “emoção e saudade”, a Escola Normal Sud Mennucci.


Discorre sobre o hino da escola e elenca os nomes dos alunos formados professores nas
primeiras turmas que passaram pela instituição. Ressalta que, para a escola normal, muitos
estudantes de outras cidades foram atraídos para estudar, e foram esses que difundiram pelo
interior do estado de São Paulo “o gabarito de seus mestres e a eficiência de seus diretores e
funcionários”.

Lamenta o fato de que esta escola de grandes mestres e ilustres alunos estaria
abandonada, e não é mais a antiga Escola Normal. Nesse ponto, Torres (1985) relembra os
“tempos áureos” do Instituto de Educação:

Não é mais o antigo Instituto Sud Mennucci, com a sua fanfarra e seus
desfiles, suas belas exposições de Trabalhos Manuais, seu magnífico
“Orfeon”, suas belas exposições comemorativas de datas nacionais, ou ainda
as bibliotecas especializadas de Português, de Zelinda Carmona, de
Geografia, de Antônio Moraes Sampaio, do Clube de Ciências de Moacyr
Diniz, do Centro de Estudos de História, ou ainda de um jornalzinho
denominado “Sud Mennucci”, organizado e publicado por três Irmãos
Mendonça, com colaboração dos alunos do Ginasial e do Científico.
O Sud Mennucci dos Mendonça não será esquecido quando se fizer uma
história da Imprensa de Piracicaba. Nele se pode apreciar os “dons
literários” dos adolescentes daquela época, que faziam versos, contavam
piadas, e até artigos sobre fatos da História do Brasil eram capazes de
escrever. (TORRES, 1985.)

Nesta explanação da professora de História, lamentando e relembrando os bons


tempos da velha Escola Normal, identifica-se novamente a construção dessa memória coletiva
da instituição. Dentro desta construção, a menção ao jornal O Sud Mennucci aparece
relacionando-se com ela, no sentido de legitimar esse espaço como de excelência, onde as
atividades escolares eram frutíferas e organizadas pelos alunos do educandário.

A relação estabelecida entre escola e cidade foi ensaiada nesta pesquisa, e aprofundada
por Gonçalves (2003), que pretendeu analisar o papel da Igreja Católica – na cidade de
Taubaté, estado de São Paulo – nos campos cultural e educacional, nas décadas de 1950 e
1960. Dessa forma, procurou compreender as ações de sujeitos e instituições em permanente
tensão na luta pela hegemonia nos campos da cultura e da educação, disputados pela Igreja e
pelos setores leigos da sociedade. Utilizando conceitos advindos de Thompson, o autor

número seis, o maior deles, aparecem trabalhos dos alunos deste Centro sobre História do Brasil. Esta edição era
composta de páginas comemorativas do dia da Pátria. A direção do jornal frisa que todos os textos publicados ali
contaram com o auxílio da professora.
25

procurou verificar as tensões e conflitos envolvidos nessa competição. Para tanto, utilizou
como fontes a imprensa laica e católica da cidade, documentações sobre escolas católicas e
instituições leigas e também as vivências de sujeitos que se formaram professores nas diversas
escolas normais da cidade.

De acordo com o autor, a partir da década de 1950, na história da cidade, as demandas


educacionais e culturais aumentam, havendo a necessidade de se criar uma elite política e
letrada para pôr em prática o projeto de modernização conservadora em curso. É neste
contexto que se iniciam as disputas e tensões, passando a Igreja Católica local a aumentar sua
atuação por meio da imprensa – com o semanário O Lábaro – das escolas paroquiais, do
rádio, do cinema e da escola de formação de professoras. A Igreja, operando no espaço na
cidade, passou a incentivar o laicato a assumir posições políticas, morais e culturais.

É por esse meio que o autor verifica a atuação da hierarquia católica e laicato no
contexto de mudança da cidade de Taubaté, mostrando os setores dominantes lutando entre si
pela hegemonia no processo de conformação/configuração da cidade no momento em que a
mesma “pulsava”. Verifica que na cidade – esta encarada como questão, memória e
documento – “definiram-se espaços, desenharam-se atitudes, revolucionaram-se e se
mantiveram práticas” (GONÇALVES, 2003, p. 180).

Esta tese contribuiu para pensar posteriormente nas relações entre escola e cidade no
contexto da cidade de Piracicaba, tanto na década de 1950 quanto em momentos posteriores,
visto que a sua intelectualidade – composta também por ex-alunos do Instituto de Educação
Sud Mennucci que fizeram parte de alguma forma do empreendimento do jornal, como
Gustavo Jacques Dias Alvim e Marly Therezinha Germano Perecin – atuou e atua no espaço
da cidade, por meio da imprensa local, da universidade metodista e da própria escola
pesquisada resultando em redes ou espaços de sociabilidade, na defesa de seus interesses no
espaço da cidade.

1.1 O Sud Mennucci e sua materialidade

O ponto de partida para compreender a história deste jornal escolar é entender como
um determinado grupo de estudantes se organizou para produzi-lo e qual foi a relação
estabelecida entre esse grupo e o Grêmio da Escola Normal, depois Instituto de Educação Sud
Mennucci. O percurso trilhado aqui para responder a estas questões será iniciado pela análise
26

da materialidade do impresso. Pretendo verificar aqui em que medida esta perspectiva de


análise pode contribuir para encontrar respostas para esses questionamentos.

São onze os exemplares do jornal intitulado O Sud Mennucci. Pensado e elaborado por
alunos homens que também faziam parte do Grêmio Normalista, foi editado e produzido entre
os anos de 1952 e 1954, sem uma regularidade precisa, de acordo com os documentos
analisados. O primeiro foi editado em novembro de 1952. O segundo saiu em abril de 1953, o
terceiro uniu os meses de maio e junho de 1953. O quarto em agosto de 1953. O quinto em
setembro do mesmo ano e o sexto também uniu os meses de outubro e novembro de 1953. Os
exemplares sete e oito foram editados respectivamente, em abril e maio de 1954. O exemplar
de número nove foi editado em outubro de 1954 e os exemplares dez e onze – editados em um
mesmo exemplar – corresponderam aos meses de novembro e dezembro.

Em relação à regularidade das páginas dos exemplares encontrados e número das


mesmas, também não encontrei um padrão material que regularizasse sua produção. Os
exemplares de número um e dois tinham ambos seis páginas, foram produzidos em papel
jornal e tinham a dimensão de 30x45 cm. O exemplar de número três contava com sete
páginas. A partir deste exemplar, o impresso passa a ser produzido com papel couché, tipo de
papel especial, próprio para uso na indústria gráfica. Com melhor qualidade para impressão,
apresenta a superfície lisa e uniforme, facilitando a impressão dos formatos das letras. Passam
a apresentar a dimensão de 28x38 cm. Os exemplares de número quatro e cinco contam com
quatro páginas cada um. O exemplar de número seis, comemorativo de um ano do órgão,
conta com oito páginas. Os exemplares de número sete, oito, nove e dez/onze voltam a ter
quatro páginas cada um.

A partir da análise do estilo tipográfico, foi possível identificar a técnica de impressão


dos jornais, que estava em circulação na época em que o impresso foi produzido. Ao que tudo
indica, todos os exemplares foram compostos e impressos em Linotipo (linotype), impressora
antecessora da off set. Era a impressora mais acessível na época11.

Não foi possível identificar se a montagem de linotipo era feita manualmente (letra por
letra) ou por uma máquina de datilografar acoplada à impressora linotipo. Sobre esse aspecto

11
De acordo com BRITO (2010), a “máquina de impressão dispunha de uma caldeira contendo uma liga em
estado de fusão e um teclado em que cada tecla comandava a descida da matriz de cobre da letra correspondente.
Essas matrizes encontravam-se alojadas em uma série de tubos verticais e por atuação de ar comprimido eram
empurradas. Uma vez justapostas, umas ao lado das outras, matrizes de letras pretendidas de modo a formar uma
linha, abria-se a comunicação com uma caldeira ou crisol e o metal fundido espalhava-se sob a fila de matrizes,
solidificando-se numa peça única, linha bloco. Fazia-se então a composição linha a linha e não letra a letra, o que
quadruplicava a sua rapidez”.
27

da materialidade do impresso, Luca (2005) ressalta que é possível verificar por meio dela a
história da indústria gráfica no Brasil, examinando as condições técnicas de produção
impressa vigente em determinado contexto histórico12. Foram buscadas informações mais
precisas, nesse sentido, por meio de entrevistas, conforme será apontado no capítulo terceiro.

Nas primeiras páginas dos exemplares aparecem informações sobre o lugar em que os
mesmos eram produzidos, onde era feita a redação. Consegui identificar duas etapas. O
critério utilizado para identificar os onze exemplares em suas duas fases foi o local de
produção do impresso e o valor de venda dos exemplares.

Na primeira fase, observou-se que os primeiros seis exemplares foram produzidos na


rua Dom Pedro II, nº 1.291. O endereço da redação muda a partir dos exemplares de números
sete a onze, que passam a ser produzidos na rua Manuel Ferraz de Arruda Campos, nº 824.
Outro aspecto que muda do exemplar seis para o sete, é o valor de cada exemplar: segundo o
cabeçalho, o valor de cada jornal era de Cr$ 2,00 (dois cruzeiros), até o exemplar de número
seis. A partir do sétimo exemplar, o valor do jornal passa a ser veiculado no impresso por
meio de assinaturas, valendo Cr$10,00 (dez cruzeiros) anuais.

Figura 1: Os cabeçalhos representando as duas fases do Jornal O Sud Mennucci (exemplares 3 e 7,


respectivamente)

Fonte: Material fotocopiado pela autora.

12
Heloisa de Faria Cruz e Maria do Rosário da Cunha Peixoto, no texto Na oficina do historiador: conversas
sobre história e imprensa, também propõem, assim como Luca (2005), mostrar um repertório de procedimentos
teórico-metodológicos para a análise da fonte impressa, os jornais, sugerindo um roteiro de análise do material
produzido pela imprensa periódica. (Projeto História, São Paulo, n. 35, p. 253-270, dez. 2007.)
28

A presença crescente da publicidade nos impressos é outro aspecto que aparece na


comparação dos exemplares. O jornal tinha anunciantes com propagandas comerciais da
cidade. Estabelecimentos como: Concessionários – GMC – Oldsmobile – Opel, Móveis
Manfrinato, Farmácia São José, Casas Pernambucanas, Livraria e Papelaria do Brasil, Casas
Nely, Livraria Católica, Casas Khiel, Casa Passarela e Galeria dos Tecidos. Ao longo dos
exemplares, vai aparecendo uma diversidade maior de anunciantes. O número de anúncios
variou de acordo com o exemplar. Nos exemplares em que o número de páginas é maior,
aparecem mais anúncios13.

Figura 2: Anúncios publicitários do Jornal O Sud Mennucci.

Fonte: Material fotocopiado pela autora.

Figura 3: Anúncios publicitários do Jornal O Sud Mennucci.

Fonte: Material fotocopiado pela autora.

Após análise minuciosa dos anúncios contidos nos onze exemplares, dois aspectos me
chamaram atenção. Primeiro, a maior parte dos estabelecimentos comerciais anunciantes
estavam localizados nas ruas do centro da cidade de Piracicaba, em localidades próximas à
instituição. Outro ponto revelador e importante para a pesquisa: os anúncios contêm
informações sobre uma questão que atravessa a pesquisa em seu percurso, a ligação deste
grupo de alunos com os sujeitos políticos da cidade de Piracicaba. O primeiro anúncio que
mostra essa relação está presente na propaganda do consultório do Doutor Samuel de Castro
Neves, médico que, no ano da publicação deste exemplar (1953), era o prefeito da cidade pelo
Partido Trabalhista Brasileiro. Outro anúncio emblemático é o da Concessionária GMC de

13
Ver apêndice 4, sobre os anúncios e anunciantes do jornal O Sud Mennucci.
29

caminhões e carros de passeio de propriedade das empresas Guidotti& Cia. O senhor Luciano
Guidotti, dono da referida empresa, viria a ser prefeito da cidade no ano de 195514. Esta
propaganda aparece em todos os exemplares, sempre na primeira página, o que mostra a
relação dos alunos que produziam o jornal com os comerciantes da cidade, que, ao que tudo
indica, eram atuantes no cenário político local.

Fotografia 2: Loja anunciante do jornal O Sud Mennucci, a Concessionária GMC, da família Guidotti&Cia.

Fonte: Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba (IHGP).


Disponível em: www.ihgp.org.br, ihgp@ihgp.org.br, acesso em 26/01/2015.

Os impressos trazem informações sobre quem produzia o jornal. Acompanhando a


definição das fases colocada acima, os primeiros seis exemplares são acompanhados de um
quadro com os nomes dos organizadores do jornal e a função de cada um dentro da editoração
do mesmo. Do primeiro ao terceiro exemplar aparece o nome do diretor fundador, Luiz de
Almeida Mendonça, o secretário Joaquim de Almeida Mendonça, irmão do primeiro. Os
redatores eram Amador Pedroso de Barros, Antonio Sperandio e Sebastião de Almeida

14
As relações estabelecidas com os sujeitos políticos da cidade aparecem nos textos presentes nos exemplares.
Esse aspecto será retomado logo adiante, quando, na tentativa de caracterizar esse grupo de alunos, será
estabelecida essa relação, por meio das fontes, com figuras da política da cidade de Piracicaba.
30

Mendonça, o terceiro irmão. O redator auxiliar era Vicente Frasson. No segundo exemplar,
aparece um novo redator, Gustavo Jacques Dias Alvim. O restante do corpo editorial continua
sendo o mesmo. No sétimo exemplar, outros nomes aparecem na composição deste quadro.
Surgem outros redatores, como Antonio Sérgio Bergamin, Murilo Graner, Raul Nechar e
Valdemiro Carlos Sgabiero. Aparecem redatores do departamento social: Hilda Matos
Stractico, Theresa Watanabe, Michaela Novais e João Chaddad. Ao que parece, outros
sujeitos despontam no corpo editorial do jornal a partir do sétimo exemplar. Curioso perceber
que o quadro editorial não aparece no oitavo exemplar.

Figura 4: O Corpo Editorial em suas duas fases (exemplares 3 e 7 respectivamente).

Fonte: Material fotocopiado pela autora.

A partir dessas premissas feitas em relação à materialidade do impresso, é possível


chegar a algumas constatações. O jornal estabeleceu uma atuação política tanto dentro da
escola quanto fora dela, visto que existiam assinantes e anunciantes, alguns influentes, no
cenário político da cidade. Num outro ponto, foi possível apresentar os sujeitos organizadores
do jornal e os seus nomes. Essa análise permitiu delimitar o espaço social onde os alunos
31

circulavam na cidade, pelos endereços. Pôde-se verificar que os mesmos estabeleceram


contato com os comerciantes que possuíam estabelecimentos nas localidades vizinhas à
instituição, no centro da cidade. Os aspectos gráficos e as formas de impressão do jornal
mostram as condições em que foram produzidos os jornais.

1.2 A articulação dos estudantes e a rede de relações

Esta parte do capítulo pretende apresentar e definir o grupo que compôs a editoração e
articulação do impresso analisado. Também propõe discutir a dificuldade em associar este
grupo de estudantes em determinadas categorias de análise existentes na historiografia
educacional sobre o tema.

De acordo com os jornais, os alunos que participavam da produção do jornal também


faziam parte do Grêmio Normalista15 do Instituto de Educação Sud Mennucci. Um grupo
organizado, no contexto da década de 1950, se articulou e passou a produzir um jornal escolar
que tinha o mesmo aspecto material dos impressos periódicos que circulavam pelo espaço da
cidade de Piracicaba.

Esta informação se fundamenta em uma notícia veiculada no segundo exemplar


analisado, no qual se encontra uma nota mostrando a composição do Grêmio Normalista do
Instituto de Educação, datada de abril de 1953. Este espaço foi utilizado para noticiar a sessão
de posse da diretoria do Grêmio Normalista. Observando os nomes que compunham a nova
diretoria da agremiação, encontram-se os alunos articuladores do jornal O Sud Mennucci,
como Amador Pedroso de Barros (presidente), Vicente Frasson (1º secretário), Joaquim de
Almeida Mendonça (tesoureiro geral), Sebastião de Almeida Mendonça (1º tesoureiro) e
Gustavo Jacques Dias Alvim, orador do Grêmio.

Estes alunos eram justamente os sujeitos que compunham o corpo editorial do


impresso. Entretanto, dentro desta nota da sessão de posse, observam-se outros nomes que
não aparecem na organização do mesmo. Esta informação aponta para a afirmação colocada
acima, de que estes sujeitos se articularam em torno de um grupo de alunos que também
pertencia à estrutura de um Grêmio Normalista para compor um jornal escolar.

15
A relação da organização de alunos com o Grêmio Normalista será esclarecida no capítulo terceiro, no qual as
memórias registradas serão analisadas dentro das preocupações da presente pesquisa.
32

Este mesmo exemplar apresenta redigido o discurso do orador do Grêmio, Gustavo


Jacques Dias Alvim, destacando aspectos referentes ao desenvolvimento da escola, e revela o
que foi indicado no início como objetivo do jornal: “promover a união e a harmonia dos
estudantes”; discurso que também pode apontar para uma forma de atividade desta
organização discente:

Sem embargos, iniciamos este período de aulas mais alegres que nos anos
passados, pois nós, alunos atuais deste educandário, temos a satisfação de
ver quasi prontas mais quatro salas de aulas, o que vem suprir necessidades
que se faziam urgentes, e ao mesmo tempo concretizar um velho sonho dos
alunos.
Aí, nosso júbilo torna-se ainda maior, porque com o aparecimento destas
salas, surgirá também, simultaneamente, o ambicioso e esperado laboratório
de química.
Gustavo Jacques Dias Alvim

Aqui é exibida a referência a pedidos de construção de salas e articulações deste grupo


de alunos com outros sujeitos do espaço escolar e extraescolar para que os mesmos fossem
viabilizados. Pode-se colocar aqui a perspectiva desse grupo de alunos de usar um discurso
laudatório para apresentar inúmeras reivindicações – que de certa forma circulavam no
cotidiano da instituição – por melhorias no espaço do Instituto. Interessante ver que essas
reivindicações nunca eram acompanhadas de críticas à estrutura da instituição e aos seus
sujeitos, visto que o discurso era sempre “moderado”.
33

Figura 5: Nota sobre a sessão de posse do Grêmio Normalista.

Fonte: Material fotocopiado pela autora.

No primeiro exemplar, datado de novembro de 1952, na coluna denominada


Inovações, na primeira página do jornal, aparece a preocupação de Sebastião Almeida
Mendonça, tesoureiro do jornal, com o pedido, que já havia sido feito, para a construção de
novas salas de aula no espaço da Escola Normal. O trecho indicado acima, do aluno Gustavo
Jacques Dias Alvim, mostra que essa reivindicação feita foi, de certa forma, atendida:

Inovações
Há algum tempo foi planejada e pedida, a construção de oito salas para
nossa Escola. Foram-nos, porém, concedidas quatro, as quais, estando
34

divididas em grupo de duas (um grupo em cada lado do prédio principal),


destinar-se-ão a ser salas-ambientes.
Quanto às matérias a que servirão, só pudemos apurar dados referentes à
cadeira de Química.
O ideal da Diretoria da Escola seria dar a cada matéria um compartimento
especial, à guisa das sala de Geografia e Desenho, por exemplo; lugar onde
os professores teriam todos os meios adequados ao seu trabalho.
Uma das causas que moveram a construção das salas referidas, é o fato de
a nossa Escola, tornar-se em breve, Instituto de Educação, conforme os
planos já traçados.
Como vemos, nossa Escola progride.
Sebastião de Almeida Mendonça

Nesta coluna, o aluno Sebastião de Almeida Mendonça dá ao leitor algumas


informações sobre a reivindicação que foi feita para a construção de novas salas de aula. Não
se sabe aqui quem efetivamente pediu a construção das salas. Pois logo abaixo, o aluno cita
que a construção das salas foi um ideal da Diretoria da escola. Salienta ainda que uma das
causas da construção das salas seria o fato de que a Escola se tornaria, em breve, Instituto de
Educação16.

Entretanto, uma notícia publicada pelo Jornal de Piracicaba – um pouco antes destas
informações que o aluno Sebastião de Almeida Mendonça expõe – datada de abril de 1952,
mostra uma informação sobre a ampliação do prédio da Escola Normal. Numa matéria de
primeira página intitulada “Será ampliado o prédio da Escola Normal Sud Mennucci”, o
editorial do jornal mencionado noticia que o secretário da Viação e Obras Públicas, doutor
Nilo Andrade Amaral, autorizou a ampliação do prédio da Escola Normal de Piracicaba.
Segundo o jornal, a comunicação deste fato foi transmitida pelo prefeito da cidade, doutor
Samuel de Castro Neves, sujeito que, como já foi mencionado, anunciava no jornal. Ainda
segundo o jornal local, esta melhoria foi conseguida pelo deputado Valentim Amaral. De
acordo com o editorial, o espaço da instituição não era mais suficiente para atender os alunos
do ensino secundário:

16
Em novembro de 1952, a instituição ainda era uma Escola Normal, denominada Sud Mennucci. Somente em
abril de 1953, a escola passa a ser um Instituto de Educação, incorporando em sua grade novos cursos de
especialização e cursos voltados para os administradores escolares. Esse assunto será retomado logo adiante, já
que a transformação da escola em Instituto é veiculada em outro exemplar do impresso, o que mostra uma
articulação desses alunos com os outros sujeitos que faziam parte da instituição e que também estavam fora dela.
35

Há cerca de vinte anos que a Escola Normal está pequena demais para
Piracicaba. Há muitos anos que vimos armários cheios de material precioso
para o ensino de ciências, espalhados pelos corredores do edifício, porque as
salas respectivas foram transformadas em salas de aula. O Clube de Ciências
que tanto renome vem obtendo nos meios educacionais viveu ali espremido
em meia dúzia de metros quadrados, até que precisou sair, procurar outro
ambiente onde pudesse realizar a sua obra educativa. A administração luta
com as maiores dificuldades e suporta os maiores desconfortos, num
trabalho insano para manter o atual nível de ensino do tradicional colégio.

A preocupação com a ampliação do espaço da instituição advinha tanto do grupo de


alunos que produzia o jornal quanto dos políticos da cidade de Piracicaba. Utilizando os
jornais locais como fonte, a relação entre cidade e escola aparece, e também a relação entre
estes sujeitos que reivindicavam melhorias na cidade e os políticos locais da cidade. Essa teia
de relações pode contribuir para explicar a natureza desta organização de alunos em torno do
jornal O Sud Mennucci e seus objetivos com a publicação do mesmo.

No exemplar de número nove aparece novamente uma reivindicação por melhorias no


espaço do Instituto. Com o artigo intitulado “Nossa quadra”, a organização discente expõe
que, desde 1948, as direções do Grêmio da Escola Normal vinham falando em atijolar e
cimentar a quadra de esporte, mas não o faziam. Segundo o artigo, os iniciadores do
movimento para a melhoria da quadra de esportes, os diretores esportivos, não conseguiram
levar a termo o ideal. Neste sentido, a situação de precariedade da quadra Antônio Martins
Belmudes de Toledo é expressa no texto publicado no jornal. Por fim, os editores do jornal
lançam um apelo pela melhoria da quadra de esportes:

Lanço um apêlo à nova direção do grêmio, para que faça uma campanha pró-
melhoramento da nossa praça de esportes, pois ela atualmente é a mais velha
da cidade, porém a mais “avacalhada”. E que os estudantes do nosso
Instituto colaborem e se possível for também os senhores dignos professores
e diretores, pois a quadra também faz parte do nosso Estabelecimento. Só
assim, teremos o sonho dos estudantes do Instituto realizado e, ao mesmo
tempo, terá a ex-Escola Normal uma quadra apresentável, realmente!

Outro indício da natureza dos questionamentos deste grupo de alunos se apresenta no


terceiro exemplar, na primeira página, numa coluna que, pela primeira vez, aparece
denominada como editorial. Aqui não são externadas reivindicações, mas o registro da posse
do professor Francisco Godoy como vice-diretor da Escola. No exemplar de número dois,
novamente os alunos se referem aos administradores da instituição, quando fazem referências
36

“aos ilustres professores” agradecendo a acolhida do jornal por parte do diretor da escola à
época, Arlindo Rufato.

O exemplar de número quatro é fundamental para o entendimento do papel


desempenhado pelo jornal dentro deste grupo. Novamente, duas ligações políticas –
estabelecidas inclusive num espaço extraescolar – são apresentadas por parte dos sujeitos que
produziram o jornal. A primeira está presente no editorial17, em que os alunos denunciam o
brusco racionamento de energia elétrica na cidade. Segundo os membros do jornal, esta
“empresa imprevidente” não permitiu o anseio cultural dos alunos e do jornal18, causando,
com isso, o comprometimento da impressão do jornal:

Ninguém ignora que vivemos uma quadra brusca de racionamento de


energia elétrica, imposta por uma empresa imprevidente, quanto à tarefa de
caminhar passo a passo com o progresso da estimada Pátria.
Imprevidente, repetimos, e a acrescentamos – danosa – porque tolhe
diretamente o mínimo anseio cultural. Tanto assim que, nesse modesto
órgão, guardando as devidas proporções, é obrigado a se apresentar no
presente molde, justamente quando, a representar a expressão escrita dos
estudantes do nosso Instituto de Educação, devia circular de maneira
proeminente, senão festiva.
Antes de findarmos essas passageiras repulsas, a público, – visto como a
temos imorredoura, com rancor, no imo do entendimento – antes de
findarmos, precisamos pedir aos leitores que ponderem, que, quando a
imprensa, modesta por modesta, sente-se afogada por forças terceiras, é sinal
de que a derrocada da ordem ou do progresso, aligeira os passos...

O componente de denúncia dos problemas da cidade, como a questão do racionamento


de energia, aparece dentro das preocupações dos alunos. Segundo eles, o racionamento da
energia fez com que houvesse um atraso e uma diminuição do tamanho daquele exemplar.
Cecílio Elias Neto (2000)19, conta que no ano de 1953, “a Empresa Eléctrica, responsável

17
Interessante notar que, a partir do momento em que começam a aparecer os editoriais, os autores desses textos
que abriam o jornal não mais se identificam nominalmente. Acredito que, nestes textos sem nome, quem está
‘falando’ e se fazendo representar é justamente a organização estudantil. Este é um indício de que o jornal
passou a ter posições mais coesas e ganhou uma estrutura semelhante a um jornal da imprensa corrente.
18
No exemplar de número cinco, do mês de setembro de 1953, aparece uma nota intitulada “Centro de Estudos
de História”, na qual a redação do jornal noticia aos leitores que a presente edição não pode ser publicada com a
folha referente à comemoração do ‘7 de setembro’, devido à falta de energia elétrica na cidade quando da
impressão do referido exemplar. A folha só seria publicada no sexto exemplar.
19
Cecílio Elias Neto é um escritor piracicabano. Escreveu vários livros sobre as peculiaridades do regionalismo
da cidade, como o falar caipira, com o Dicionário Caipiracicabano Arco, Tarco, Verva, de 1987. Escreveu
também um livro de memórias no qual conta os fatos históricos determinantes na construção histórica da cidade.
Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba (IHGP), escreveu também um livro sobre as
articulações políticas na cidade entre os anos 1942 e 1989. Ambas as obras são introduzidas com textos de Marly
37

pelos serviços de transporte público, luz e água como que abandonara a cidade”. Conta ainda
que a empresa foi desapropriada pelo prefeito Samuel de Castro Neves.

Sobre o problema de fornecimento de energia elétrica, Peres (1997) ressalta que a


década de 1950 foi considerada como um período de transformação no espaço urbano de
Piracicaba, visto que o setor industrial passou a ser uma atividade predominante na cidade.
Segundo ela, esse processo histórico foi idealizado por intelectuais e esteve repleto de tensões
para que houvesse a construção da ‘Piracicaba moderna’. Dentre essas tensões, a autora
aponta que, “os meios de transporte eram um fator desfavorável para a industrialização na
cidade, o serviço de água e esgoto e o fornecimento de energia elétrica eram precários, sem
apresentar ainda condições satisfatórias de abastecimento urbano” (PERES, 1997, p. 13).

Em notícia veiculada no impresso com o título de “Carta aberta aos leitores de O Sud
Mennucci”, a direção do jornal explica aos leitores a demora na publicação do referido
exemplar, datado de outubro de 1954. Segundo o texto, devido ao pleito de 3 de outubro, as
tipografias da cidade estavam sobrecarregadas de “serviços eleitorais”, sobretudo a que se
encarregava da feitura do órgão20.

O tom de denúncia usado especificamente nos textos mencionados anteriormente


mostra uma atuação e preocupação desses alunos com os problemas políticos e econômicos da
cidade. Aqui aparece a atuação política extraescolar deste grupo de alunos do Instituto de
Educação pesquisado, com um tom bastante distinto em relação àqueles utilizados para tecer
críticas internas à instituição.

A segunda forma de articulação dos alunos aparece na mesma primeira página do


quarto exemplar. A matéria toma quase toda a extensão da página e tem o título “Instituto de
Educação Sud Mennucci”. Os alunos saúdam a satisfação da “Piracicaba culta” pelo fato de a
Escola Normal ter se tornado Instituto de Educação em 7 de agosto de 1953. As relações dos
alunos com os professores e políticos locais surgem logo após as saudações:

Os alunos do nosso Estabelecimento, como toda a Piracicaba culta, devem, a


estas horas, estarem exultantes de satisfação, com o fato de a Escola Normal

Therezinha Germano Perecin, professora responsável pelas construções da memória histórica da cidade e da
instituição pesquisada. Devido à dificuldade em encontrar pesquisas sobre a história social e política da cidade,
utilizei essas duas obras no sentido de compreender, de maneira crítica, o cenário político, social e econômico de
Piracicaba.
20
Esta notícia colocada no impresso contribui para o entendimento, no capítulo terceiro da presente dissertação,
a respeito de como eram produzidos materialmente os exemplares do Sud Mennucci, utilizando a contribuição
das memórias coletadas.
38

“Sud Mennucci” ter se transformado em Instituto de Educação “Sud


Mennucci”.
Essa melhoria devemo-la à idéia do Prof. Argino da Silva Leite que, pela
imprensa, ensejou a oportunidade da medida que, na Assembléia, fez o
deputado Valentim Amaral tornar-se concreta.
Para uma visão rápida da extensão da medida, reproduzimos o trecho inicial
do texto de lei, em que o governador Lucas Garcez após a assinatura,
sancionando-a e promulgando-a.
Finalizando, queremos louvar o nobilíssimo ato do Dep. Valentim Amaral,
assim como, publicamente, reconhecer o expressivo interesse que tem o
professor Argino da Silva Leite pelas cousas tangentes à Escola, cuja cátedra
de Matemática, acha-se sob sua competente direção.

A notícia é saudada pelos editores do impresso. Os alunos informam que a medida só


foi possível graças à articulação do professor Argino da Silva Leite que, segundo os alunos,
atuando na imprensa, permitiu que a medida fosse votada na Assembleia, fazendo com que o
deputado Valentim Amaral21 tornasse a mesma concreta. Logo abaixo dessa notícia, um
trecho inicial da lei é reproduzido. Novamente, os alunos louvam a iniciativa do deputado e
do professor e acentuam que a medida só foi possível pela articulação desse deputado.

21
O deputado Valentim Amaral já apareceu no presente texto, nas notícias do jornal da cidade sobre a ampliação
do espaço da escola, ensejando a construção de novas salas de aula.
39

Figura 6: Primeira página do exemplar número quatro, em que é anunciada a transformação da Escola Normal
em Instituto de Educação.

Fonte: Material fotocopiado pela autora.


40

Neste ponto, é necessário mostrar quais eram os sujeitos que participavam da política
na cidade de Piracicaba. O deputado Valentim Amaral, articulador da medida que resultou na
lei para a escola normal de Piracicaba era um piracicabano que se elegeu deputado estadual
pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), em 1951. Era aliado do então prefeito de
Piracicaba, Samuel de Castro Neves, representando o mesmo partido. Era um fiscal de rendas,
além de advogado e oficial do exército, atividade da qual se afastara. Segundo Elias Neto
(2000), esse deputado era “pessoa chegada de Getúlio Vargas”, então presidente da
República. Também tinha relações profissionais com Jânio Quadros, prefeito de São Paulo
desde 1953, sendo Secretário de Finanças da Capital.

Samuel de Castro Neves, então prefeito da cidade, foi eleito em 1951 pelo PTB,
estabelecendo alianças políticas com o PSD e a UDN22. Era considerado, segundo Elias Neto
(2000), um poderoso líder do município, junto com outros sujeitos que o antecederam e que
ainda faziam parte das disputas políticas, as chamadas famílias aristocráticas da cidade, como
os Duarte Novais, os Pacheco, os Moraes Barros, os Ferraz de Camargo e os Dias Gonzaga,
este último tendo como representante Luiz Dias Gonzaga, “velho coronel do PRP”. Segundo
o autor, Samuel de Castro Neves e Luiz Dias Gonzaga faziam parte ainda de um “estruturado”
coronelismo na cidade. O autor acentua que os que seguiam estes sujeitos eram chamados de
“gonzaguistas” e “samuelistas”. Elias Neto (2000) afirma que a partir da candidatura de
Luciano Guidotti, em 1955, iniciou-se na cidade o rompimento político com essa antiga
estrutura oligárquica, herdada do partido republicano paulista na cidade. Isso porque Guidotti
fazia parte dos novos industriais da cidade, pertencendo a empresas do ramo automobilístico e
tendo, portanto, outros interesses políticos, importantes para a cidade naquele contexto
histórico.

Peres (1997) afirma que a década de 1950 representou um momento de transformações


econômicas e sociais para a cidade de Piracicaba, dentro de um contexto político maior,
caracterizado pelo governo de Getúlio Vargas, nacional-desenvolvimentista. Dessa forma, a
autora investigou como a cidade se comportou diante das mudanças socioeconômicas
nacionais e em que medida essas mudanças trouxeram outras questões para a cidade. Entende
que houve um grande crescimento do espaço urbano. Dentro desse processo de urbanização, o
desenvolvimento industrial se mostrou em curso na cidade de Piracicaba na época.

22
No exemplar de número sete, aparece uma lista de assinantes do jornal. Dentre os assinantes, está Francisco
Salgott Castillon, jovem engenheiro e vereador pela UDN.
41

A autora caracteriza esse período como um momento de desenvolvimento econômico,


no qual se estabeleceram indústrias ligadas à produção açucareira na cidade, como a Usina
Monte Alegre e a Codistil. Segundo ela, a indústria mecânica e siderúrgica cresceu de tal
forma que transformou a cidade de Piracicaba no maior centro latino-americano de
equipamentos para usinas, destilarias de álcool e aguardente, sendo considerada uma cidade
industrial, onde permeavam relações empresariais e governamentais. É neste contexto que
surgem na cidade as escolas técnicas de formação para o trabalho na indústria, como o SESI e
o SENAI no ano de 1954, com o objetivo de formar mão de obra específica para o trabalho
nas usinas (PERES, 1997, p. 34).

Em relação à estrutura política da cidade de Piracicaba, a autora afirma, sem muitos


detalhes, que, neste contexto de mudanças, a importância das elites agrárias da cidade vai se
modificando a partir dos anos 1940, na medida em que se intensificam as atividades urbano-
industriais. Sobre esse processo de mudança, o memorialista Cecílio Elias Neto ressalta que
“Piracicaba parecia não mais suportar o poder e domínio dos políticos do passado, da velha
herança dos ‘coronéis’ do antigo PRP”. Entretanto, destaca que com o surgimento de outras
atividades econômicas na cidade, as elites que antes eram agrárias, passam a se mostrar em
outra configuração, tendo destaque a figura do usineiro, que além de industrial, vai alargando
seu domínio econômico (PERES, 1997, p. 19-20).

É neste contexto econômico e político que os alunos atuam por meio do jornal, tanto
dentro quanto fora do espaço escolar. De certa forma, constituíram relações com o então
prefeito, Samuel de Castro Neves. Seus professores estabelecem relações de amizade com
deputados influentes do estado de São Paulo, como Valentim Amaral, grande conhecido do
prefeito Neves e braço direito do prefeito Jânio Quadros. A imprensa local também parece
atuar de acordo com os interesses desses sujeitos. O industrial e futuro prefeito da cidade,
Luciano Guidotti, anuncia a propaganda de sua loja em todos os exemplares do impresso. E o
mais interessante e curioso: o grupo de alunos articuladores do jornal está presente de alguma
forma dentro desta teia de relações e interesses na cidade de Piracicaba. Toma voz por meio
da divulgação das mudanças estruturais da Escola Normal, por exemplo.

Outro indício de articulação dos alunos com a política local aparece no exemplar de
número seis. No editorial da primeira página do impresso, que abarca os meses de outubro e
novembro de 1953, os alunos comemoram o aniversário de um ano de existência do jornal,
nas seguintes palavras:
42

Editorial
Não é sem justo orgulho que vemos comemorar, com esta edição, o primeiro
ano de existência do nosso órgão estudantil. Realmente, em outubro do ano
transato, estimulado pelo ideal de periodismo escolar, lançamos as bases
deste que, divulgado em novembro do mesmo ano, ora chega ao seu sexto
número.
Esclareçamos, para dissipar qualquer má interpretação, que essa folha não
recebe, de maneira alguma, auxílio financeiro de ordem política – condição,
aliás, infensa ao critério que rege sua Direção. Manda a verdade dizer que,
tão somente contamos, para a sua execução material, com a verba que
adquirimos, por intermédio do departamento de publicidade, das firmas
noivacolinenses23, cujos mentores, de elevado espírito comercial, associam
ao interesse publicitário o relevante mérito de uma cooperação cultural. A
esses recursos, a Direção deste jornal adiciona o excedente necessário à sua
feitura.
Isto posto, queremos agradecer a todos aqueles que moralmente nos
auxiliam: aos digníssimos diretores do Estabelecimento, à colenda
congregação de professores, aos estudantes – colaboradores em geral – e
ainda, aos anunciantes, elegendo-os, a todos, AMIGOS DE O “SUD
MENNUCCI”.

A afirmativa por parte da direção do jornal, de que os organizadores não recebiam


auxílio de ordem política para a feitura do impresso, indica que, de alguma maneira, essa
questão pode ter sido colocada em discussão pelos alunos dentro do espaço da instituição. De
qualquer forma, analisando os impressos com cuidado, puderam-se perceber possíveis
ligações dos alunos com a rede de políticos locais e da região do Estado de São Paulo. Até
aqui, não foi possível afirmar que os alunos realmente recebiam algum tipo de auxílio direto
de qualquer partido político da época. Entretanto, a rede de relações com os mesmos estava
estabelecida.

Em outra notícia veiculada no mesmo exemplar de número seis, a organização


estudantil narra a excursão realizada pelo Clube de Ciências, em 02 de outubro de 1953, para
a cidade de São Paulo. Quem dirigia o clube dentro do Instituto era o então professor Moacyr
Diniz24. Foi ele que acompanhou os alunos à excursão pela capital do estado. Os alunos,

23
A cidade de Piracicaba é chamada até hoje pelos memorialistas de “Noiva da Colina”. De acordo com Peres
(1997), esta seria uma construção da representação da cidade, na qual um poeta, Brasílio Machado, atribuiu esse
adjetivo à cidade e principalmente, ao rio que a corta ao meio. Escreveu um poema em que exaltou as belezas da
cidade, resultando na construção da imagem de Piracicaba como “Cidade Noiva”. Imagem que está presente na
memória coletiva da cidade. Ao que a documentação indica, esta imagem também estava presente no discurso
dos alunos da organização estudantil do Instituto.
24
Segundo o memorialista Cecílio Elias Neto (2000), no livro Memorial de Piracicaba (século XX), o professor
Moacyr Diniz tinha sido, na década de 1930, chefe da redação do jornal Gazeta de Piracicaba (que, após 1940,
passou a se chamar Diário de Piracicaba), mais precisamente em 1935. Curiosamente, este sujeito, ligado à
imprensa, se tornou professor dos alunos que organizaram um jornal escolar na década de 1950. Em momento
posterior, um dos articuladores do jornal pesquisado, o ex-aluno Gustavo Jacques Dias Alvim, se tornou
43

durante o dia, visitaram alguns museus e foram à Praça da República, no centro da cidade,
onde o professor que os acompanhava se encontrou com o deputado Valentim Amaral. Num
momento da excursão, os alunos fazem uma visita à Assembleia Legislativa de São Paulo,
agendada com o prefeito Jânio Quadros:

[...] Depois, fomos em visita ao prefeito paulista, Sr. Jânio Quadros, pois
tínhamos entrevista marcada com ele.
Dezesseis horas. Estamos na prefeitura. Chega o Exmo. Prefeito que é
apresentado pelo deputado piracicabano ao professor Moacyr Diniz e à
caravana do “Clube de Ciências”. Cumprimenta-nos mui cordialmente, o Sr.
Janio Quadros, dirigindo palavras de agradecimento pela visita.

Mais uma vez, uma rede de articulações políticas é apresentada pelos alunos do jornal.
O professor de ciências, que tinha amizade com o deputado Valentim Amaral, sujeito
“importante” para as modificações estruturais do Instituto de Educação, o convida para
participar com os alunos de uma excursão pela cidade de São Paulo, que tem como um dos
programas a visita ao prefeito Jânio Quadros.

Pode-se estabelecer aqui que os alunos teceram e mantiveram relações com os


membros da estrutura hierárquica da instituição, já que a referência a esses sujeitos aparecem
na maior parte dos exemplares. Primeiramente, com vários sujeitos do meio educacional e
político da escola, e depois, com sujeitos da cidade de Piracicaba, como industriais, políticos e
comerciantes locais.

Aqui é possível compreender parcialmente a dinâmica de sociabilidade que foi


estabelecida pelos organizadores do impresso, na qual eles foram compondo uma rede e
articulações de interesses para que suas reivindicações fossem atendidas ou para que suas
ideias fossem veiculadas num meio impresso, o jornal escolar.

jornalista e acadêmico, tendo defendido, pela PUC-SP, uma tese que virou livro, intitulada O Diário: a saga de
um jornal de causas. Este, hoje, é reitor da UNIMEP, Universidade Metodista de Piracicaba. Outra constatação
importante: a partir de 1968, quem passa a ser dono do jornal Diário de Piracicaba é justamente o memorialista
Cecílio Elias Neto, responsável também por contar a história política da cidade de Piracicaba.
44

1.3 O jornal O Sud Mennucci: sua finalidade e o fim do empreendimento

Esta parte do capítulo tem por objetivo a tentativa de responder uma questão que
perpassou a problemática da pesquisa: desvendar por quanto tempo o jornal circulou no
espaço do Instituto de Educação e na cidade de Piracicaba. Durante o processo de entrevistar
os ex-alunos que participaram do empreendimento da feitura do jornal, consegui, por meio de
um entrevistado, descobrir a existência de mais três exemplares, que fechavam o período de
duração e de circulação do impresso.

Dessa forma, no exemplar de número dez/onze25, datado de novembro de 1954, os


alunos articuladores do impresso, por meio de vários textos, se despedem do
empreendimento, discutem sobre o que deveria ter sido a sua finalidade e qual seria a
expectativa dos alunos em relação à continuidade da produção do impresso dentro do Instituto
de Educação Sud Mennucci. Assim, na primeira página do exemplar, aparece a coluna, escrita
pela direção26 do jornal, intitulada “Dos Fundos da Redação”, na qual o diretor, Sebastião de
Almeida Mendonça começa o texto discorrendo sobre os acontecimentos do ano de 1954 na
cidade de Piracicaba, como numa retrospectiva do ano que estava findando. Continua o texto
incluindo o jornalzinho nos acontecimentos:

Tudo isso vimos passar. E o nosso jornalzinho, o nosso “SUD MENNUCCI”


modesto, mais bem intencionado, viu passar tudo isso também. Mais ainda.
Viu até morrer o 1952, nascer o 1953, nascer o 1954, viver e talvez não
chegará a vê-lo morrer; talvez esse fim do ano vá acompanhar o nosso
féretro: o enterro desse órgão estudantil!
- Nem pensem nisso... Disse-nos certo dia um nosso amigo leal, que
arrematou a conversa fazendo-nos um ataque assim:
- Vocês não me digam que se julgam os únicos estudantes capazes de
fundarem, dirigirem e elaborarem um simples jornal escolar. Vão-me
desculpar, mas, se assim pensam, estão redondamente enganados. Qualquer
estudante fará algo igual ou melhor. Tanto que se vocês acham que o “SUD
MENNUCCI” vai morrer com a saída de seus últimos elementos desse
Instituto de Educação, erram; nosso jornal ressurgirá cada vez mais glorioso
e melhor.

25
O último exemplar, segundo o documento, abarca os números dez e onze, correspondendo aos meses de
novembro e dezembro, respectivamente.
26
Interessante notar que, a partir do nono exemplar, aparece já no cabeçalho a figura do diretor, que seria
Sebastião de Almeida Mendonça, e a figura do secretário, seu irmão, Joaquim de Almeida Mendonça.
45

No trecho, Sebastião de Almeida Mendonça escreve sobre a vida do jornal, seu tempo
de circulação e a perspectiva de seu fim, devido ao fim do curso para os empreendedores do
impresso no Instituto de Educação. Ressalta, contudo, que existia a possibilidade de outros
alunos dentro do educandário darem continuidade ao empreendimento. Assim, continua o
texto expondo que a notícia da possível continuidade confortaria o grupo de alunos
envolvidos na organização desta ‘modesta’ imprensa. Ao lado deste texto aparece um
pequeno aviso: “COLEGA, VOCÊ tem um dever a cumprir! Não deixe desaparecer o Sud”.

Na segunda página do referido exemplar aparece uma coluna, na qual três integrantes
que pertenciam ao grupo de alunos articuladores do impresso se despedem do
empreendimento:

Adeus, e muito obrigado!


Com a satisfação de haver cumprido o seu programa, O “Sud Mennucci”
agradece profundamente todo o apoio recebido durante sua existência,
principalmente aos diretores e professores do Estabelecimento; aos
assinantes e anunciantes, sem os quais, não transparece dúvida, não poderia
sair publicado este jornal.
De um modo geral, a todos aqueles que, seja com uma palavra de
encorajamento, seja com um trabalho de colaboração, nos auxiliaram –
dizemos: Adeus, e MUITO OBRIGADO!
Luiz de Almeida Mendonça
Sebastião de Almeida Mendonça
Joaquim de Almeida Mendonça

Nesta mensagem, os irmãos Mendonça27 se despedem do empreendimento e


agradecem a colaboração e apoio dos membros do espaço do Instituto, aos assinantes e
anunciantes que, juntos, fizeram com que o jornal tivesse a repercussão necessária para
‘viver’ durante os dois anos de sua duração.

Com um ar de despedida nos textos, aparece novamente na terceira página do mesmo


exemplar uma Carta de Despedida, na qual o grupo de alunos explica ao leitor o findar do
jornal, qual era o seu dever e fala também sobre a indiferença dos alunos do educandário

27
Interessante notar aqui que, a partir do nono exemplar, aparecem como organizadores e articuladores da feitura
do jornal os três irmãos da família Mendonça. Esta hipótese do protagonismo destes três alunos na ação deste
empreendimento será problematizada no terceiro capítulo desta dissertação, com o apoio da entrevista de Luiz de
Almeida Mendonça, diretor fundador do jornal escolar.
46

quanto a seu fim. Num outro ponto, trata das contrariedades que ocorreram para que o jornal
viesse a lume:

Caro leitor:
Digamos que este é o último número de “O Sud Mennucci”, afim de que
você saiba do que vamos tratar.
Para muitos, a nossa despedida não faz vir à tona o indício daquele estado
emotivo que tão bem se apodera dos que partem como dos que ficam. Deixa
de circular o jornalzinho, e a maioria dos jovens do educandário da Rua São
João é indiferente ao fato. Não faz mal. O “Sud” tem a consciência tranquila.
Teve um ideal, lutou por esse ideal e, após mil contrariedades, fechou as
portas de sua Redação. Mas não morreu: um ideal nunca morre, mesmo
quando frustrado. E agora, leitor amigo, permita-nos dizer-lhe qual a
finalidade deste humilde órgão estudantil.
Tudo que nasce tem seu papel a representar no mundo. O “Sud” veio para
criar um ambiente novo, desconhecido da quase totalidade das escolas do
Brasil, ambiente este com características importantes. Uma delas é oferecer
aos estudantes de bom gosto, os que realmente vem a escola para adquirir
cultura, oportunidade para exporem suas ideias de maneira a haver um
intercâmbio entre eles, desenvolvendo-se uma sólida amizade baseada em
princípios de bem, e que não existe senão em grupos de três ou quatro
rapazes ou moças. Isso permite aos professores conhecer melhor seus alunos,
estreitando-se o laço que une docentes àqueles que lhes foram confiados em
missão sublime. E muito mais.

Na carta, os alunos se referem às contrariedades que surgiram durante o tempo em que


o jornal circulou. Contrariedades que vinham inclusive dos colegas do educandário.
Continuam falando sobre a “finalidade do humilde órgão”, retomando de certa maneira os
objetivos que estavam presentes no primeiro exemplar (início do capítulo), que seriam os de
promover e criar um ambiente de imprensa dentro do Instituto, onde os alunos tivessem
espaço para expor suas ideias por meio de textos publicados no impresso, estabelecendo um
intercâmbio entre esses pensamentos, com a intenção maior de promover uma sólida amizade
entre os alunos, coisa que, ao fim do empreendimento, o grupo concluiu que não foi possível
com todos, visto que continuam a carta expondo que não falaram mais para não criar
inimizades. Finalizam o texto lamentando as falhas que ocorreram em alguns exemplares em
relação, por exemplo, aos erros de redação e tipografia, terminando da seguinte maneira:

[...] Meditando, quando você chegar aquele ponto que lhe explicará por que
meia dúzia de escolares não podem redigir um jornal, sabemos que nos
47

desculpará pela imperfeição. E ouça: “O Sud” não morreu. Se quiser tirá-lo


do sono, use “bastante” gente boa como você.

Neste ponto, foi possível concluir que o jornal durou dois anos, de 1952 a 1954,
justamente o período em que esse grupo de alunos permaneceu no Instituto de Educação Sud
Mennucci. É perceptível que o grupo tinha a expectativa de que o jornal passasse a ser
produzido por outros alunos que permanecessem no educandário. Até aqui, não foi possível
verificar se houve continuidade da produção do jornal na escola.

Foi possível constatar também, retomando o primeiro exemplar editado pelos alunos,
qual seria a finalidade de criar uma imprensa estudantil dentro do educandário, qual seja, a de
criar um espaço, o jornal, no qual os alunos pudessem expor suas ideias. Serviria também para
combater o separatismo e o isolacionismo presente na “massa estudantil”. Os alunos
verificam, entretanto, ao fim do empreendimento, que não foi possível concretizar este último
ideal, a não ser entre o grupo que compunha a produção do jornal. Verifica-se então a
presença de conflitos em relação à produção do jornal por parte dos colegas do espaço
escolar. Tensões estas que serão expostas mais adiante, ao longo da dissertação.

1.4 A caracterização do grupo de estudantes articuladores do impresso

A primeira referência oficial encontrada acerca da regulação da atividade dos Grêmios


Estudantis nas escolas secundárias e normais é de 1953. Por meio de um decreto, o segundo
governo Vargas criou a Divisão de Educação Extraescolar, com o objetivo de promover e
orientar atividades extraescolares. No artigo segundo do referido decreto, aparecem algumas
atribuições desta divisão que se referem às organizações estudantis, como os Grêmios
escolares. De acordo com o mesmo, a divisão extraescolar criada por Vargas teria por
objetivo manter contato direto com os estudantes, estabelecer e manter relações com
organizações e entidades estudantis, orientando, estimulando e assistindo as mesmas;
coordenar e auxiliar a formação de associações, grêmios e clubes literários, recreativos e
esportivos necessários à formação moral, intelectual e física dos estudantes e ao
desenvolvimento do espírito de organização, cooperação e fraternidade (IDELBRANDO,
2012, p. 23).
48

Idelbrando (2012) interpretou a referida prescrição como uma forma de controle do


Estado sobre os movimentos estudantis que envolviam alunos do ensino básico, visto que em
1948 havia sido criada a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), organização
que vinha se engajando no movimento estudantil ao lado da União Nacional dos Estudantes
(UNE) e questionando as diretrizes do sistema educacional. O referido decreto teria por
objetivo estabelecer certo controle sobre as organizações estudantis.

Nesta pesquisa, a concepção de mobilização discente aparece dentro da perspectiva da


historiografia, que entende as organizações de estudantes como movimentos de contestação
da ordem estabelecida, e que, em nenhum momento, caracteriza estas agremiações ou
organizações sob outro prisma. Seria o caso de pensar no outro lado da história destas
organizações. Pensar em articulações que, por outro lado, não contestaram nenhum aspecto da
estrutura das instituições em que estavam envolvidos. A organização discente investigada
nesta pesquisa estabeleceu relações amistosas com a diretoria e os professores do Instituto
Sud Mennucci, de acordo com as fontes escritas, os jornais estudantis. Não questionaram, nas
páginas dos impressos, os aspectos da estrutura de organização da escola. Entretanto,
reivindicaram, à sua maneira, melhorias da estrutura física deste espaço escolar. Todas as
atividades publicadas no jornal pelos sujeitos deste agrupamento de alunos mostram uma
relação diferente com os outros atores presentes no espaço escolar. O viés contestatório
aparece, no entanto, quando associado a uma atuação política extraescolar dos alunos, dentro
do espaço da cidade de Piracicaba.

Neste sentido, convém caracterizar este grupo de alunos dentro da discussão colocada
entre três conceitos presentes na historiografia da educação. O conceito de movimento
estudantil, relacionado à formação da união brasileira dos estudantes secundaristas, construída
por uma corrente da historiografia, já mencionada acima. O conceito de associativismo
estudantil ou discente, referente à formação de Grêmios Estudantis. Logo após, pretendo
discutir a conceituação do que se entende por rede e lugar e (loci) de sociabilidade,
componente conceitual importante para compreender o grupo de alunos do Instituto de
Educação Sud Mennucci.

A primeira corrente mencionada categoriza movimento estudantil como proposta de


movimento de luta dentro da classe de estudantes. Esta visão da história do movimento
estudantil se assenta na memória construída sobre a União dos Estudantes Secundaristas
49

Brasileiros, a UBES28. Segundo essa construção, a UBES foi criada em 1948, com a
finalidade de liderar as lutas estudantis no nível secundário, na defesa das causas em favor dos
secundaristas. Segundo os autores, os estudantes atuaram nas décadas de 1950 em torno de
campanhas nacionalistas, como a do petróleo. Atuaram também dentro dos contextos de luta
do movimento estudantil da década de 1960 e 1970, em meio à ditadura militar, sendo
auxiliados pela e em parceria com a União Nacional dos Estudantes (UNE).

Ao contar a história do movimento estudantil no ensino secundário, os autores


começam a exposição explicando as origens do movimento no Brasil. Segundo eles, os
secundaristas, movidos pelo desejo de mudança, entraram em ação por meio dos Grêmios
Estudantis, que, a princípio, na década de 1930, eram recreativos, de lazer e de cultura.
Caracterizaram a ação destes grêmios como entidades politizadas que se articulavam por meio
dos esportes, como o futebol e a natação (MARQUES e CINTRA, 2009, p. 23).

Entretanto, ao longo da década de 1930 e 1940 o movimento passou a ser mais


politizado e engajado, e, segundo os autores, mostrando uma expressão de rebeldia. Neste
contexto, os alunos se envolveram em manifestações contra a ditadura do Estado Novo. Neste
sentido, os autores ressaltam que, nesse movimento de luta, foram criadas entidades
municipais que se aglutinaram e, em 1948, deram origem à UBES. Segundo os autores, suas
articulações tinham como ponto de partida os grêmios estudantis. Logo, as atividades e ações
dos alunos extrapolaram as paredes desses grêmios (MARQUES e CINTRA, 2009, p. 36).

Neste ponto, ocorre nos discursos dos autores uma ligação direta entre o Grêmio
Estudantil e a ascensão do movimento estudantil de luta, indicando que este se origina e é
promovido por aquele. Não se considera a articulação de grêmios estudantis em torno de
outras questões, tanto dentro quanto fora do espaço escolar, que não estivessem
necessariamente ligadas a questões de uma militância combativa no plano extraescolar. Esta
visão, entretanto, acaba não dando conta de explicar as formas de organização dos alunos
dentro da instituição escolar, mostrando uma visão unívoca que só considera a história de
articulação dos alunos a partir da perspectiva de luta, estabelecendo ligação direta com a
UNE, instituição muito conhecida pelo embate com a ditadura militar no Brasil.

28
A bibliografia utilizada para essa descrição do movimento estudantil colocada neste trabalho se pauta em um
documento editado pelos próprios articuladores atuais do movimento estudantil secundarista no Brasil. O livro se
intitula UBES: Uma rebelião consequente, e foi escrito por Raysa Marques e André Cintra (MARQUES e
CINTRA, 2009). Publicação que teve por objetivo, segundo os autores, passar a limpo a trajetória de lutas da
UBES, contando a história desse movimento. Nesse sentido, se justifica o caráter tendencioso desta fonte.
50

Em relação ao conceito de associativismo, existem autores que definem organização


de alunos sob outro prisma. Christófaro (s/d) analisa em seu artigo as ações de associativismo
estudantil, criadas em Minas Gerais nos cursos superiores, que se voltaram a prestar auxílio
aos estudantes pobres entre 1912 e 1936 na cidade de Belo Horizonte, onde se localizavam as
Faculdades de Direito, Medicina, Odontologia e Farmácia. Neste sentido, a autora analisa
diversas associações estudantis nesse recorte temporal, como a Fundação Afonso Penna
(1912), a Fundação Barão do Rio Branco (1912), a Associação Universitária Mineira (1929-
1931) e a Caixa do Estudante Pobre Edelweis Barcellos (1932-1936). Para conceber a
pesquisa, a autora utiliza como fontes os estatutos das universidades e os jornais locais da
cidade de Belo Horizonte.

Essas associações se direcionavam para a formação social do estudante. Utilizavam-se


de dispositivos de inserção na sociedade e criavam ligações entre os estudantes e
compromissos de honra, constituídos pelos empréstimos concedidos pela assistência e
também pela preocupação em desenvolver o aluno do ponto de vista moral, intelectual e
psíquico. Neste ponto, a autora passa a fazer considerações sobre os primórdios do
associativismo estudantil, destacando a formação de fundações de assistência dentro das
faculdades mineiras, baseadas na atividade filantrópica.

Por meio da análise das revistas destas fundações, a autora percebe a articulação dos
estudantes para criar associações que atendessem às suas reivindicações e oferecessem auxílio
àqueles que não tinham recursos para continuar os estudos. Iniciativas de assistência
acadêmica isoladas nas diversas faculdades analisadas pela autora indicaram que os
representantes dos cursos por intermédio dos centros acadêmicos passaram a se articular,
buscando uma assistência generalizada, com a formação da Confederação Universitária
Acadêmica. Christófaro (s/d) conclui o artigo ressaltando que as associações estudantis
agiriam como vínculo de formação de sujeitos que viriam a atuar positivamente na sociedade,
conforme uma moral estabelecida e como forma de um biopoder sobre a vida dos estudantes
enquanto estes frequentassem os cursos superiores. Portanto, ao analisar as relações entre
estudantes, professores e sociedade nas três décadas, pode-se perceber que havia elementos
que apontavam para a existência de redes de sociabilidade entre esses sujeitos.

Caracterizando outra forma de associativismo, Silva (2009), no terceiro capítulo de


sua pesquisa, analisa os sete números da Revista Excelsior, publicação do Grêmio Normalista
“Vinte e Dois de Março” entre os anos de 1911 e 1916, buscando verificar a trajetória
editorial do impresso na cidade de São Carlos, interior do estado de São Paulo. Segundo
51

afirma, a revista literária e pedagógica foi criada com o objetivo de estreitar o vínculo dos
alunos com a sociedade. Por meio da análise das atas do Grêmio Normalista, o autor constata
que a formação da associação, junto com a ideia da publicação da revista, não partiu da
iniciativa dos alunos, mas sim do diretor da escola na época, João Chrysostomo Bueno de
Reis Filho. Ainda por meio das atas do que ele chama de associação discente, aparece a
Diretoria Geral da Instrução Pública participando de maneira indireta das decisões do grêmio,
por meio do financiamento dos primeiros números da revista. O autor conclui, ao fim de sua
análise, que a formação do grêmio estudantil foi uma construção tutelada pela direção da
escola, portanto, sem autonomia em relação às suas decisões.

No que se refere ao grupo de estudantes analisado em minha pesquisa, os alunos


fazem menção, a todo tempo, à diretoria e aos professores do Instituto. Entretanto, até aqui,
não foi possível afirmar que este jornal, composto por tal grupo de alunos que, de alguma
forma, fazia parte da estrutura do Grêmio Normalista, tenha sido caracterizado como um
espaço de tutela dos professores e diretores dentro da hierarquia da instituição. Essa questão
será discutida e esclarecida ao longo da dissertação, no capítulo terceiro.

Outro autor que contribui para essa análise é Dallabrida (2012), que investiga as
práticas escolares cotidianas, como aulas, rituais escolares, formas de sociabilidade e modos
de associativismo de três colégios catarinenses de ensino secundário – o Colégio Catarinense,
o Colégio Coração de Jesus e o Instituto de Educação Dias Velho – nos anos de 1950. Em
alguns destes modos de associativismo analisados pelo autor, era comum estas formas
estarem ligadas à formação de Grêmios Estudantis ou associações de estudantes. No caso do
Colégio Catarinense – de padres jesuítas de origem alemã, voltados para a formação de uma
elite masculina – Dallabrida ressalta que o associativismo estudantil nesta instituição tinha
longa tradição, estando ligado a associações católicas de cunho devocional e social, como as
congregações marianas. As também chamadas pelo autor de organizações estudantis ou
associações eram, a partir de 1940: a Associação Desportiva Colegial, o Grêmio Cultural
“Padre Schrader”, o Clube Pan-Americano Colombo, a Juventude Estudantil Católica e o
Grêmio Oratório “Vieira”. O autor considera que a última associação citada tenha sido criada
com o intuito de formar oradores e declamadores, no sentido de preparar os homens da elite
para a vida pública (DALLABRIDA, 2012, p. 175).

Segundo o autor, as organizações estudantis:


52

[...] proporcionavam aos alunos a aquisição de habilidades socialmente


distintas, como a capacidade de trabalho em grupo, de planejamento e
execução de projetos, o exercício da liderança política e o treinamento da
declamatória e de oratória. Da mesma forma, a existência de jornais
estudantis concorria para boa parte dos estudantes terem um treino na arte da
escrita, que exigia trabalhos gramaticais e trabalho sistemático e criativo.
(DALLABRIDA, 2012, p. 176.)

Interessante notar aqui que esta associação descrita pelo autor, pautada na instituição
de clubes e grêmios escolares, que envolvia a produção de jornais pelos alunos em conjunto
com o corpo docente da instituição, tinha, como descrito no caso acima, um propósito
definido: formar homens de elite para a vida pública.

Em outros casos, essas associações tinham finalidade filantrópica, como é o caso do


modo de associativismo do Colégio Coração de Jesus, de cunho católico, voltado para a
formação da elite feminina catarinense. O Clube de Sociologia “Tristão de Ataíde”, a
Juventude Escolar Católica (JEC) e a “Liga da Bondade” proporcionavam práticas de
sociabilidade cuja finalidade era incitar entre as alunas a adesão aos princípios católicos,
desenvolvendo o espírito de solidariedade e filantropia. As ações dessas associações eram
divulgadas pela revista produzida pelas alunas, chamada Pétalas. Esse colégio, segundo
Dallabrida, contava com outras associações estudantis, como o Grêmio Cultural Rui Barbosa
e o Grêmio Joaquim Nabuco. (DALLABRIDA, 2012, p. 179-180.)

Outro conceito que advém da ideia de associativismo descrita acima é o de rede de


sociabilidade, presente em obras de historiadores e historiadores da educação brasileira.
Conceituação que envolve também a noção dos lugares de sociabilidade, definição importante
para situar o grupo de estudantes estudado nesta pesquisa. Dentro das discussões feitas até
aqui, a ideia de rede de sociabilidade aparece como a mais pertinente para caracterizar o
objeto pesquisado, esse agrupamento de alunos que faziam parte do Grêmio Normalista do
Instituto de Educação Sud Mennucci entre os anos de 1952 e 1954. Algumas ressalvas devem
ser feitas no sentido de que, como será visto adiante, as pesquisas que abordam a questão das
redes de sociabilidade desenvolvem o conceito a partir de articulações feitas entre intelectuais
de diferentes lugares do país.

Warde (2003), em artigo que pretendeu compreender o itinerário da formação de


Lourenço Filho, analisou as cartas enviadas pelo educador para Anísio Teixeira, quando o
mesmo esteve em viagem pelos Estados Unidos, na década de 1920, com o objetivo de relatar
53

a ele as novas experiências educacionais da educação norte-americana, dentro do


empreendimento dos educadores da Escola Nova.

Para entender o itinerário de formação deste educador, a autora considera os laços de


sociabilidade e as redes intelectuais e políticas na qual Lourenço Filho se envolveu durante
sua trajetória. Entre ele e os republicanos reformistas, como Oscar Thompson, Sampaio Dória
e Almeida Júnior foram estabelecidos laços considerados como redes de relações e lugares
com os quais o próprio educador e pedagogista havia entrado em contato durante seu
itinerário. Outro aspecto que a autora considera para compreender a trajetória de Lourenço
Filho são os espaços de sociabilidade nos quais o mesmo relacionou-se, como os ambientes
editoriais, os espaços institucionais, como a Faculdade de Direito e a Escola Normal da Praça.
Lugares onde o educador recolheu experiências que determinaram sua formação (WARDE,
2003, p. 20-21).

Para Warde (2003), a ideia de associar o itinerário de formação deste intelectual às


redes de relações sociais mostra a originalidade e a fertilidade deste enquadramento para
estudos sistemáticos dos intelectuais da educação. Para a autora, é interessante considerar os
intelectuais como “coletivos” que se organizam, funcionando por meio de redes, pois estas
apontam para as singularidades das regras que regem esses grupos.

Sobre isso, a autora afirma:

Pensar os intelectuais como coletivos que se organizam e funcionam em


rede, aponta, de um lado, para a singularidade das regras que o regem.
Tornar-se membro de uma rede intelectual, por exemplo, não se impõe como
lei sobre o indivíduo que pode decidir dela participar ou não. De outro lado,
pensar os intelectuais em rede – por oposição à imagem de um cipoal de
indivíduos cujos caminhos se cruzaram por força do acaso – aponta para a
existência de regras de inclusão e exclusão, de pertença ou de oposição.
(WARDE, 2003, p. 26.)

Menezes (2006) também trabalha com o conceito de rede de sociabilidade. Em sua


pesquisa de mestrado, visou recompor as trajetórias de um grupo que se formou ao longo da
segunda metade do século XIX, em torno das ideias apresentadas no Almanaque Literário de
São Paulo. Grupo que, segundo ele, se constituiu por complexas redes de sociabilidade no
interior de diversos microclimas que abrigaram sua atuação pública, como a relação do grupo
com grandes líderes da propaganda republicana paulista. Neste sentido, o autor tenta
recuperar os itinerários individuais de seus integrantes e entender o modo como os mesmos se
54

inseriram nos chamados microclimas, que seriam a Academia de Direito de São Paulo, os
jornais Gazeta de Campinas, a Província de São Paulo e o Partido Republicano Paulista. O
autor justifica que o aporte teórico respondeu pela experimentação do conceito de “estruturas
de sociabilidade”, categoria engendrada pelo historiador francês Jean-François Sirinelli, pela
noção de duas variáveis: a noção de rede de socialização e a noção de microclimas29.

Outra referência para o trabalho de Menezes foi o livro de Angela de Castro Gomes,
denominado Essa Gente do Rio... Modernismo e Nacionalismo, no qual a autora buscou
compreender a atuação dos intelectuais cariocas na cidade do Rio de Janeiro, antiga capital
federal. Intelectuais que, para Gomes, foram entendidos como os que viviam e teciam redes
de sociabilidade na cidade, destacadamente nos anos 1930. Nesse sentido, procurou captar a
ambiência sócio-político-cultural da cidade, para então mapear a dinâmica de articulação de
seus vários grupos de intelectuais, reunidos em lugares de sociabilidade por eles legitimados,
para o debate e a propagação de suas ideias e propostas de intervenção na sociedade. Assim, a
autora procurou concentrar sua atenção na lógica de constituição de seus grupos, pretendendo
mapear as ideias, valores e comportamentos que alicerçaram a formação desses grupos de
intelectuais (GOMES, 1999, p. 10).

Para tal, trabalhou com dois periódicos produzidos por dois grupos de intelectuais
formalmente organizados, que participaram de maneira direta dos debates literários travados
desde a segunda metade dos anos de 1920 até a primeira metade da década de1940: o grupo
que criou a revista Festa, e o grupo que fundou a Sociedade Felipe D’Oliveira e publicou seu
boletim, Lanterna Verde. A autora trabalhou com a ideia de que esses dois grupos se
envolveram numa luta político-cultural, o que revelou posições de parte da intelectualidade
carioca (GOMES, 1999, p. 20-21).

Em relação ao que ela descreve como “lugares de sociabilidade” dos intelectuais


cariocas, a autora chama atenção para os diferentes ambientes em que esses intelectuais se
inseriam na época, como casas, cafés, livrarias e associações culturais. Espaços onde os
mesmos se organizavam para construir e divulgar propostas modernistas, que defendiam a
questão da identidade nacional e a modernidade possível de ser vivida no país (GOMES,
1999, p. 11).

Sobre a definição dos conceitos de rede e de lugares de sociabilidade, a autora ressalta:


29
A ideia de rede de sociabilidade e dos microclimas, proposta por Sirinelli, será desenvolvida mais adiante
neste capítulo, a partir da apropriação feita por Angela de Castro Gomes em seu livro Essa Gente do Rio...
Modernismo e Nacionalismo (1999). Tais definições servirão de base para a presente pesquisa e também
ofereceram subsídios para a pesquisa de Menezes (2006).
55

A noção de lugar de sociabilidade é, assim, central para o trabalho e está


sendo tomada em dupla dimensão. De um lado, aquela contida na ideia de
“rede”, que remete às estruturas organizacionais, mais ou menos formais,
tendo como ponto nodal o fato de se constituírem em lugares de aprendizado
e de trocas intelectuais, indicando a dinâmica do movimento de fermentação
e de circulação de ideias. De outro, aquela contida no que a literatura
especializada chama de “microclimas”, que estão secretados nas redes de
sociabilidade intelectual, envolvendo as relações pessoais e profissionais de
seus participantes. Ou seja, se os “espaços de sociabilidade são
“geográficos”, são também “afetivos”, neles se podendo e devendo captar
não só vínculos de amizade/cumplicidade e de competição/hostilidade, como
igualmente a marca de uma certa sensibilidade produzida e cimentada por
eventos, personalidades ou grupos especiais. Trata-se de pensar em uma
espécie de “ecossistema”, onde amores, ódios, projetos, ideais e ilusões se
chocam, fazendo parte da organização da vida relacional. (GOMES, 1999, p.
20.)

A definição da autora para o conceito de rede e lugares de sociabilidade parte,


portanto, de duas dimensões: a primeira, que entende a “rede” como um conjunto de
estruturas organizacionais que servem também de lugares de troca e circulação de ideias. A
outra dimensão que tem que ser levada em conta diz respeito aos “microclimas” presentes
nessas redes de sociabilidade, compostos por espaços de sociabilidade “afetivos”, onde se
devem captar vínculos entre os sujeitos que compõem o grupo.

Dentro desta perspectiva de rede de sociabilidade entendida por Gomes, é possível


pensar na caracterização conceitual do grupo de alunos que compunha a organização do jornal
O Sud Mennucci. Desta forma, procuramos entender este agrupamento a partir da articulação
dos alunos para produzir um jornal escolar, e compreendê-lo, ainda, como um grupo
organizado para a discussão, troca e circulação de ideias dentro de um lugar de sociabilidade,
o Instituto de Educação Sud Mennucci, na cidade de Piracicaba.

Os microclimas presentes nessa rede seriam os espaços de sociabilidade afetivos


estabelecidos pelo grupo que se organizou para produzir o impresso. Entender determinados
espaços da cidade de Piracicaba como espaços de sociabilidade demandaria pensar o Instituto
de Educação Sud Mennucci como parte de um conjunto que envolvia professores, alunos,
políticos e empresários. Também implica em compreender como foram estabelecidas as
articulações entre o grupo que produziu o jornal O Sud Mennucci, e os comerciantes que
anunciavam a publicidade de seus estabelecimentos no impresso, além de entender, também,
como foi possível ser estabelecida essa relação. Nessa rede, o lugar ocupado pela escola é
56

estratégico, sendo alvo de preocupação da “elite pensante” da “Atenas Paulista”, e espaço de


formação de uma nova elite que buscava se modernizar.

Por fim, cabe mencionar algumas constatações iniciais que pudemos estabelecer neste
primeiro momento. Em primeiro lugar, foi possível compreender, pela análise material das
fontes, que o jornal pesquisado estabeleceu uma atuação política tanto dentro quanto fora do
espaço escolar. Como já foi destacado aqui, existiam anúncios e anunciantes no jornal escolar
que eram influentes no cenário político da cidade. Pôde-se também apresentar ao leitor os
sujeitos que compunham este grupo de estudantes. Por meio da análise da materialidade, foi
delimitado o espaço social onde os alunos circulavam, e por meio dos aspectos gráficos
entendemos de maneira ligeira as condições de produção do impresso.

Além de observarmos, como já mencionado, que o grupo de alunos do Sud Mennucci


utilizava o jornal como espaço de reivindicações, e que o mesmo grupo mantinha uma rede de
sociabilidade com sujeitos de dentro e de fora do espaço escolar, percebemos também que
este grupo tinha uma atuação política em Piracicaba. No impresso eram feitas denúncias de
problemas da cidade, como a falta de energia elétrica, por exemplo. O grupo de estudantes,
portanto, articulava relações não só com os membros da instituição, os professores, como
também com outros sujeitos de fora da instituição, como comerciantes, industriais e políticos
locais, tencionando que seus reclames e reivindicações fossem atendidos. Aparece dentro
desta teia de relações especificamente o contato dos alunos com um deputado para que seus
interesses fossem atendidos. Por meio dessa análise, foi possível compreender um pouco a
dinâmica de sociabilidade estabelecida por esses sujeitos, que será retomada nos capítulos
posteriores.
57

2 A IMPRENSA ESTUDANTIL E O JORNAL O SUD MENNUCCI: ENTRE


PRESCRIÇÕES E PRÁTICAS

Neste capítulo, pretendemos discutir a tônica das pesquisas que tratam de imprensa
estudantil dentro da instituição escola, verificando o que tem sido discutido nesse âmbito.
Num outro ponto, analisaremos quais eram as prescrições que circulavam no meio
educacional no contexto em que os jornais escolares do Instituto Sud Mennucci foram
pensados e produzidos, e quais foram as providências tomadas no âmbito institucional
referente à produção de impressos escolares. Tencionamos examinar, ainda, como se deu o
processo de progressão do jornal e suas formas de atuação, tanto dentro quanto fora do espaço
escolar, analisando as apropriações que foram feitas em relação ao processo normativo que
vigorava na década de 1950, época em que o impresso foi publicado30. A ideia aqui é verificar
os usos sociais dos regulamentos que existiam na época em relação aos impressos estudantis,
na tentativa, sobretudo, de desvendar as apropriações, o uso particular, original e inventivo
das normas e prescrições que estavam em voga na época para a produção de jornais escolares.

Os autores que estudam a história da educação dentro dessa perspectiva vêm se


dedicando à história da imprensa de educação e ensino, destacando a produção de impressos
estudantis. Nos últimos anos, têm crescido as pesquisas que utilizam como fonte a imprensa
periódica educacional, as quais se encontram em diversas publicações e artigos acadêmicos
dedicados ao tema.

Catani e Bastos (2002), na apresentação do livro Educação em Revista31, mostram a


preocupação em divulgar pesquisas que tenham privilegiado como fonte a imprensa periódica
educacional, materiais que contêm dados importantes para entender o universo da escola, as
práticas sociais instauradas dentro da instituição, as práticas educativas, a efetivação das
políticas públicas, e as questões ideológicas presentes na organização do impresso.

30
Para fazer essa análise, será utilizado o respaldo teórico de Roger Chartier (1990) e as considerações de
Carvalho (1998) sobre a relação entre prescrição e prática escolar, dentro dos novos estudos que se voltam para
os objetos e fontes da história cultural. Outro trabalho que faz essa relação em sua análise é o de Rosa Fátima de
Souza (2008), que também será discutido nesta parte do trabalho.
31
O livro organizado por Denice Barbara Catani e Maria Helena Camara Bastos se intitula Educação em
Revista: a Imprensa Periódica e a História da Educação, volume organizado no sentido de divulgar pesquisas
em forma de artigos, que envolvem o tema da imprensa periódica educacional. Importante destacar que, mesmo
havendo uma definição de imprensa escolar que envolva, de certa maneira, a produção de impressos pelos
alunos, a maioria das pesquisas divulgadas nesta coleção trata de impressos produzidos pelos professores ou pela
direção das instituições pesquisadas, e não pelo corpo discente das mesmas.
58

Dessa forma, as autoras mostram a importância do estudo da imprensa periódica


educacional:

[...] Com a preocupação de avaliar a política das organizações, as


preocupações sociais, os antagonismos e filiações ideológicas e as práticas
educativas, a imprensa periódica educacional – feita por professores para
professores, feita para alunos por seus pares ou professores, feita pelo Estado
ou outras instituições (sindicatos, partidos políticos, associações e Igreja),
contém e oferece muitos dados básicos para a compreensão da História da
educação e ensino. (CATANI e BASTOS, 2002, p. 05)

Neste sentido, as autoras citam Pierre Ognier, pesquisador francês, que entende a
imprensa educacional como um testemunho vivo dos métodos e concepções pedagógicas de
um determinado contexto histórico e da ideologia moral, social e política de um grupo. Os
impressos, nesta perspectiva, tornam-se um veículo para compreender o cotidiano educacional
e pedagógico de um setor ou de um grupo social a partir da análise dos discursos veiculados e
dos temas debatidos no impresso, dentro e fora do universo escolar. (CATANI e BASTOS,
2002, p. 05)

Antonio Nóvoa (2002), pesquisador da Universidade de Lisboa, ao elaborar um


repertório analítico, elenca as razões para analisar a imprensa enquanto fonte para a história
da educação. Segundo o autor, primeiramente, a imprensa se caracteriza por ser um meio para
compreender a multiplicidade do campo educativo, revelando as múltiplas facetas do
processo, numa perspectiva interna ao sistema de ensino. É também o melhor meio para
compreender as dificuldades de articulação entre teoria e prática dentro do universo
educacional. Os impressos educacionais permitem – do ponto de vista do autor – compreender
que o discurso educativo se constrói com base em diversos atores, como professores, pais,
alunos, associações e instituições. Por fim, define a imprensa como o lugar de uma regulação
coletiva, visto que a elaboração de um periódico é envolvida por debates e discussões,
polêmicas e conflitos, pela questão do diálogo com os leitores, pelas reivindicações junto aos
poderes públicos, pelos editoriais de abertura (NÓVOA, 2002, p. 12-13).

Trabalhar com a questão da articulação dos alunos do Sud Mennucci associada à


elaboração, publicação e circulação de um jornal escolar permite compreender o discurso dos
sujeitos envolvidos no processo de elaboração e construção de uma organização de estudantes
59

complexa, que não possuía um modelo ou estrutura pré-definida32. Também possibilita que se
entendam as cisões e os conflitos de natureza política presentes nos jornais estudantis, no
sentido de ver a particularidade da história da instituição no período abordado – a década de
1950.

Com base em um levantamento bibliográfico de pesquisas desenvolvidas nas


universidades brasileiras que utilizam a imprensa como tema no campo da história da
educação, fizemos um mapeamento no qual se sobressaíram duas abordagens distintas. A
primeira abordagem, mais comum nas pesquisas encontradas, foca a análise nos impressos –
revistas e jornais – produzidos por professores das instituições ou por órgãos pertencentes ao
Estado. A segunda abordagem, que nos interessa sobremaneira para a presente análise, trata
dos impressos – jornais e revistas – produzidos por alunos das instituições pesquisadas.

Um exemplo bastante emblemático de pesquisas situadas no âmbito da primeira


abordagem mencionada é o de Carvalho e Toledo (1995). As autoras analisaram duas revistas
pedagógicas – o Boletim da Educação Pública e a Escola Nova – interpretadas como
estratégias de intervenção no sentido de remodelar as práticas escolares, nas reformas de
Lourenço Filho, Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira. O objetivo do artigo foi delimitar o
lugar do impresso nas iniciativas de reforma escolar das décadas de 1920 e 1930, na tentativa
de pôr em evidência a relação entre concepções pedagógicas e estratégias editoriais, trazendo
à discussão as regras pedagógicas que regularam a produção, a circulação e o uso escolar dos
materiais impressos que os articuladores fizeram editar ou distribuir. As autoras constataram
que os reformadores utilizaram estratégias editoriais com características comuns, oriundas das
afinidades e dos princípios que nortearam as reformas, centradas em um programa de reforma
da sociedade por meio da reforma da escola.

Nesta direção, as autoras analisaram a estratégia da rede de constituição dos impressos


tomando por base a produção de referências bibliográficas nas revistas editadas pelas
providências da reforma, as quais eram destinadas ao uso dos professores. São analisadas no
artigo três estratégias editoriais. A publicação do Boletim de Educação Pública, pela reforma
Fernando de Azevedo do Distrito Federal; a edição deste Boletim, em nova versão, pela
reforma Anísio Teixeira e a publicação da revista Escola Nova, como órgão da Diretoria de
Instrução Pública de São Paulo, por iniciativa de Lourenço Filho (CARVALHO e TOLEDO,
1995, p. 73-74).

32
Para entender melhor a discussão sobre a natureza dessa organização estudantil, ver o primeiro capítulo da
presente dissertação.
60

Este artigo contribui para exemplificar a tônica das pesquisas, na área da história da
educação, que utilizam impressos como fonte de pesquisa. A produção e a edição de
impressos foram pensadas e produzidas por intelectuais ligados ao movimento da Escola
Nova, que, de acordo com as autoras, marcaram presença no mercado editorial, como autores,
tradutores e organizadores de coleções destinadas aos professores. Impressos, portanto,
produzidos por um grupo determinado dentro de um espaço educacional33, com o papel de
disseminar novos princípios e práticas educacionais34.

Em relação à segunda forma de abordagem – aquela que trata de periódicos


produzidos pelos alunos das instituições –, existem pesquisas que privilegiam a participação
discente. São pesquisas que complementam o percurso iniciado no capítulo primeiro, no
sentido de compreender a cultura escolar na qual esses jornais surgiram. Porém, a ênfase é
voltada para os impressos e não para os estudantes e suas redes de sociabilidade.

Amaral (2003) procurou analisar em sua tese os aspectos que sustentaram as


diferenças ideológico-educacionais entre duas antigas escolas da cidade de Pelotas, no Rio
Grande do Sul: o colégio Gonzaga, de ensino católico, e o Colégio Pelotense, de ensino laico,
criado pela Maçonaria. O significado e os desdobramentos desta disputa no contexto
sociocultural da cidade é a principal questão que norteia sua pesquisa. Assim, para comprovar
sua hipótese, a autora, no quarto capítulo do trabalho, analisou as manifestações do corpo
discente das duas instituições junto à cidade de Pelotas, mediante a atuação de grêmios
escolares veiculados à produção de jornais, definidos pela autora como impressos estudantis.
Também, em várias partes do trabalho, a autora utiliza como fonte os depoimentos de ex-
alunos para entender o conflito ideológico presente.

Em relação à utilização de impressos estudantis para compreender as práticas escolares


de ambas as instituições em sua pesquisa, a autora concluiu: “De maneira geral, é possível
observar nos impressos os valores, costumes e interesses que balizaram as relações dos

33
Ao analisar mais adiante as prescrições que foram tomadas em relação à produção de jornais escolares por
parte dos alunos das instituições de ensino secundário e normal, será feita a relação com o movimento dos
educadores da Escola Nova. Pois foram os mesmos que publicaram, por meio da Biblioteca Pedagógica
Brasileira, um livro destinado à formação de professores, denominado Jornais Escolares, de Guerino Casasanta,
publicado em 1939, quando o mesmo era instrutor público do estado de Minas Gerais. Neste livro, como será
abordado posteriormente, o autor dá as dicas sobre como fazer um jornal escolar nas escolas de ensino
secundário e normal.
34
Nesta mesma linha de análise, existem outros autores que tratam desta temática: Maria Helena Camara Bastos
com As Revistas Pedagógicas e a Atualização do Professor: A Revista de Ensino do Rio Grande do Sul; Cyntia
Pereira de Souza com A Educação pelas Leituras: Registros de uma Revista Escolar (1930-1960) e Julieta B.
Ramos Desaulniers com A Formação via Impresso. Estes três artigos compõem a coleção já citada, organizada
por Denice Barbara Catani e Maria Helena Camara Bastos, em 2002, denominada Educação em revista: A
Imprensa Periódica e a História da Educação.
61

estudantes, bem como os reflexos das apropriações feitas a partir da cultura escolar das
instituições” (AMARAL, 2003, p. 314).

Ainda discutindo a importância dos impressos estudantis em investigações da cultura


escolar no campo da história da educação, Amaral (2002), ressalta a importância de que seja
ampliada a visão sobre essa temática através dos periódicos estudantis que podem servir como
fonte ou objeto das pesquisas em história da educação. Explica que os impressos estudantis
não têm recebido a devida atenção dos pesquisadores, visto que, segundo ela, ocorre uma
dificuldade em encontrar exemplares dos mesmos nos arquivos das escolas, principalmente
impressos produzidos pelos alunos (AMARAL, 2002, p. 123).

Sobre essas novas formas de abordagem, Amaral explica que a análise dos impressos
estudantis sugere a perspectiva de outro sujeito a ser investigado, o aluno. Dessa forma, abre-
se a possibilidade de trazer uma voz pouco escutada pelos pesquisadores, produzindo-se uma
nova roupagem à história das instituições escolares por meio dos impressos. Segundo ela: “É
o ator estudante que se manifesta, que registra, que inscreve a sua manifestação através dos
impressos, que passam a ser novas fontes e /ou objetos a darem visibilidade à produção
estudantil” (AMARAL, 2002, p. 120).

Ao mapear os impressos estudantis que serviram como fonte de investigação da


cultura escolar dentro das pesquisas em história da educação, a autora constata que os
periódicos estudantis encontrados eram produzidos pelos grêmios de alunos das escolas 35. A
esse respeito, a autora ressalta:

[...] é interessante salientar a profusão de impressos estudantis que


circularam em várias cidades brasileiras entre as décadas de 1930 e 1960. A
explicação para tal fato deve ser buscada no contexto brasileiro da época, em
que é crescente a participação social e política dos estudantes. Ressalta-se,
também, que neste período a imprensa ainda representava um espaço
fundamental como meio de comunicação social. Ela esteve aí, talvez como
em nenhuma outra época, a serviço de interesses das mais diversas
instituições e grupos sociais. (AMARAL, 2002, p. 123.)

Camargo (2000) procurou resgatar as práticas escolares do Instituto Joaquim Ribeiro,


na cidade de Rio Claro, no estado de São Paulo, nas décadas de 1930 a 1950. Para fazer o

35
Já foi discutido no primeiro capítulo que os alunos que produziram o jornal Sud Mennucci entre os anos de
1952 e 1954 se destacaram dentro da estrutura do Grêmio Normalista. Neste sentido, convém destacar que o
impresso não se caracterizou como uma expressão das ideias do Grêmio como um todo, visto que somente
alguns alunos que faziam parte do Grêmio participavam da elaboração e produção do jornal.
62

percurso de sua investigação, baseou-se na memória construída pelos jornais locais sobre o
cotidiano da instituição. Utilizou como fontes de pesquisa fotografias, jornais produzidos
pelos alunos, livros, documentação administrativa da escola e entrevistas com ex-alunos e ex-
professores. Os jornais dos alunos, segundo a autora, foram considerados como fonte
privilegiada na investigação. Considera os periódicos, além de fontes, também objeto da
investigação, interessando analisá-los enquanto suportes materiais de múltiplos discursos, se
configurando como dispositivo das práticas escolares.

A autora conclui ressaltando que o principal mérito da pesquisa foi ter empregado
fontes pouco exploradas em história da educação. A contribuição trazida no percurso da
investigação foi a abordagem da forma fragmentária que configurou a cultura escolar do
Colégio Ribeiro. O trabalho montou-se por um conjunto de flashes sobre a vida escolar,
construídos a partir do recorte que privilegiou a análise destes materiais.

Outra pesquisa que contribui para delimitar o tema imprensa estudantil – já citado no
capítulo um – nas pesquisas em história da educação é o de Silva (2009). Com o objetivo de
compreender os aspectos do campo educacional entre os anos de 1911 a 1923, na cidade de
São Carlos como um todo, e especificamente na escola normal lá instalada, o autor procurou
entender como se configurou o habitus professoral, e compreender a importância e a
manutenção de duas revistas da escola normal. Uma delas era a revista Excelsior, publicada
por uma associação discente, o Grêmio Normalista da instituição. Segundo o autor, a revista
circulou no espaço educacional entre 1911 e 1916. Na pesquisa, os periódicos foram tomados
como fonte privilegiada de análise. Este movimento do campo educacional, dado pela criação
e manutenção dos periódicos educacionais, foi caracterizado pelo autor como um movimento
para a configuração do habitus professoral para o aluno-mestre (Silva, 2009, p. 11)36.

No terceiro capítulo de sua pesquisa, o autor analisa os sete números da Revista


Excelsior, publicação do Grêmio Normalista Vinte e Dois de Março, entre os anos de 1911 e
1916, buscando verificar a trajetória editorial do impresso. Segundo afirma, a revista literária

36
Silva (2009) ressalta, na introdução de sua pesquisa, que para a realização do trabalho contou com os
resultados alcançados pelo projeto intitulado Escritos dos Alunos: a revista Excelsior (1911-1939), realizado
entre 2005 e 2006, sob a orientação da Dra. Ana Clara Bortoletto Nery, na Faculdade de Educação da UNESP de
Marília. Outro grupo de pesquisa importante liderado pela professora é o Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a
Formação do Educador - GEPEFE, na linha “Formação de Educadores: memórias e perspectivas”, que se vincula
ao projeto integrado intitulado “Biblioteca Histórica da Escola Normal de Piracicaba: cultura pedagógica e
circulação de impressos”. Dentro das perspectivas do projeto, ocorreu recentemente a organização dos livros da
biblioteca da Escola Estadual Sud Mennucci, antiga Escola Normal e Instituto de Educação, instituição
pesquisada por mim. Nesta seara, Ana Clara verificou a presença do livro de Guerino Casasanta, Jornais
Escolares – livro já citado anteriormente e que se refere às prescrições que foram feitas em relação aos
impressos escolares – no catálogo de livros organizado por esse grupo de pesquisa.
63

e pedagógica foi criada com o objetivo de estreitar o vínculo dos alunos com a sociedade. Por
meio da análise das atas do Grêmio Normalista, o autor constata que a formação do grêmio,
junto com a ideia da publicação da revista, não partiu da iniciativa dos alunos, mas sim da
diretoria da escola, do diretor da escola na época, João Chrysostomo Bueno de Reis Filho.
Ainda por meio das atas do que ele chama de associação discente, aparece a Diretoria Geral
da Instrução Pública participando de maneira indireta das decisões do grêmio, por meio do
financiamento dos primeiros números da revista. O autor conclui percebendo que a formação
do grêmio estudantil foi uma construção tutelada pela direção da escola, portanto, não
autônoma em relação às suas decisões37.

Recorrer à análise da imprensa dos estudantes do Instituto de Educação, entre os anos


de 1952 a 1954, insere esta pesquisa na temática das práticas escolares dentro da definição de
cultura escolar, pensada pelos historiadores da educação. É preciso expor agora as
singularidades desta imprensa pesquisada, e dos objetivos propostos por esta análise. As
pesquisas apresentadas aqui contribuem para mostrar a tônica dos trabalhos que estão sendo
feitos no âmbito desta temática.

Desta maneira, antes de partir para a análise da relação entre prescrições e práticas
dentro da imprensa escolar pesquisada nesta dissertação, é necessário recorrer ao referencial
teórico proposto por Marta de Carvalho (1998) em relação à cultura escolar. Segundo a
autora, a partir da década de 1980, ocorreu uma “virada epistemológica” no campo da história
da educação, quando os pesquisadores passaram a se preocupar com outros aspectos que
constituíam o universo da escola. Essa mudança permitiu um aumento considerável nos
objetos, fontes e perspectivas de análise. Neste sentido, os historiadores da educação se
voltaram para aspectos da instituição escolar que não eram abordados nas análises anteriores,
como as práticas escolares, o cotidiano da instituição, as práticas de professores e alunos,
enfim, para a cultura da escola e a sua constituição histórica (CARVALHO, 1998, p. 31-32).

As perspectivas e questões lançadas pela História Cultural redefiniram e redesenharam


os métodos e objetos da História da Educação. Nesta reconfiguração, o objeto “escola” é
desnaturalizado. Novos temas dão origem a novos campos de pesquisa, que se articulam em
torno de investigações pautadas nas práticas culturais, seus sujeitos e seus produtos. A ênfase

37
Em relação a esta pesquisa, verifica-se constantemente que os alunos se dirigem aos professores e aos
diretores do Instituto, seja para parabenizá-los ou agradecê-los por ajudarem nas atividades do impresso.
Entretanto, o impresso não pode ser considerado como espaço de tutela dos professores, como na pesquisa
citada. Essa informação será esclarecida no capítulo terceiro da presente dissertação, no qual as memórias
mostrarão contradições no que diz respeito à natureza dessa relação.
64

na materialidade das práticas e de seus objetos produziu um novo modo de interrogar as


fontes. É neste sentido que a história da educação passa a buscar a perspectiva dos sujeitos
dos processos investigados, trabalhando com as representações que agentes determinados
fazem de si mesmos, de suas práticas, das instituições – a escola – e dos processos que a
constituem (CARVALHO, 1998, p. 33).

Sobre essa mudança de perspectiva, a autora afirma:

A escola passa a ser concebida como produto histórico da interação entre


dispositivos de normatização pedagógica e práticas dos agentes que se
apropriam dela. Com os conceitos de forma e culturas escolares, são postas
em foco as práticas constitutivas de uma sociabilidade escolar e de um
modo, também escolar, de transmissão cultural. Mas também são focalizados
os dispositivos que normatizam tais práticas: dispositivos de organização do
tempo e do espaço escolar, dispositivos de normatização dos saberes a
ensinar e das condutas a inculcar. Nesta reconfiguração, a História da
Educação se especializa em uma pluralidade de domínios – história das
disciplinas escolares, história da profissão docente, história do currículo,
história do livro didático, etc. (CARVALHO, 1998, p. 33.)

Nessas considerações, observa-se a interação entre os dispositivos normativos e as


práticas dos agentes que se apropriam das mesmas. Dessa forma, o foco na relação entre
prescrições e práticas é colocado em evidências nas pesquisas. Neste processo de
reconfiguração do campo, aparecem outros domínios que são levados em consideração pelos
pesquisadores, como a história do currículo, e a história das práticas principalmente em
relação às prescrições e às normatizações colocadas em movimento pelos intelectuais que
pensaram a educação ao longo da história.

Nesse processo de reconfiguração do campo de pesquisa em história da educação,


Carvalho (2003) atenta ainda para a preocupação colocada por Roger Chartier em relação aos
usos que determinados agentes fizeram dos modelos e objetos culturais colocados dentro do
universo educacional. O que implicou em indagar sobre a materialidade desses modelos e
seus dispositivos de imposição quando apropriados pela prática. É deste modo que, segundo a
autora:

[...] a antiga história das ideias pedagógicas se reconfigura, distanciando-se


do que é considerado intento descabido: estudar ideias desencarnadas das
práticas dos agentes que a produzem ou das formas impressas que as põem
em circulação. Uma delas é a história do impresso e de seus usos
65

pedagógicos – abrangendo investigações sobre livros de usos pedagógicos,


manuais escolares, imprensa periódica especializada em educação,
bibliotecas escolares, coleções dirigidas a professores, etc. apesar da
diversidade de objetivos e de referenciais teóricos que marcam seus estudos,
em todos eles predomina a ênfase nos suportes materiais de produção,
circulação e apropriação dos discursos e dos usos pedagógicos.
(CARVALHO, 2003, p. 261.)

Neste ponto, a autora procurou relacionar os conceitos de produção, circulação e


apropriação de impressos teorizados pelo historiador Roger Chartier, com as novas
perspectivas de pesquisa em história da educação, que se movimentam para análises
referentes à história dos impressos e de seus usos pedagógicos pelos diferentes agentes
situados no universo educacional. Como no caso da presente pesquisa, que se trata de uma
investigação a respeito da produção, circulação e apropriação dos discursos veiculados nos
impressos produzidos no universo escolar; ou seja, a análise de uma imprensa estudantil
produzida por alunos de um Instituto de Educação, encarada como prática escolar e cultural
dos alunos, e um manual, encarado como prescrição voltada para os professores, sobre como
deveria ser produzido um jornal escolar. Aqui aparece a relação entre as prescrições e as
práticas analisadas, que será feita por meio da análise de impressos de naturezas diferentes e
que circularam no espaço educacional.

Sobre a teoria das práticas como representação nas pesquisas em história da educação,
os pesquisadores têm recorrido ao “mundo das representações”, pensado pelo pesquisador
francês Roger Chartier. Segundo o autor, as representações do mundo social são sempre
determinadas pelo interesse dos grupos que a produzem e, por consequência, as percepções do
social não são de forma alguma discursos neutros, pois produzem estratégias e práticas
(sociais, escolares, políticas) que tentam impor uma autoridade à custa de outros grupos
(CHARTIER, 1990, p. 17).

As representações do mundo social definidas pelo autor podem se referir às


prescrições escolares, por exemplo, que são geralmente determinadas por grupos que a
produzem. As práticas seriam as percepções do social, que nem sempre são neutras e que
dependem da recepção dos sujeitos que fazem parte do ambiente escolar. Referindo-se à
história da leitura na Europa, o autor considera que, aplicada a teoria da leitura proposta por
ele, é necessário considerar nas abordagens o ato de ler do sujeito como uma relação entre o
texto, este apresentado como abstração, e o leitor. Este último se apropria do texto de
maneiras socialmente variáveis, inclusive historicamente. Dessa forma, a leitura não pode ser
66

encarada como algo concreto, mas sim subjetivo e apropriado de maneiras distintas, de acordo
com a representação do real feita por aquele sujeito ou por uma coletividade (CHARTIER,
1990, p. 24-25).

Sobre a noção ou conceito de apropriação, definida por Chartier, e movimentada por


Marta de Carvalho no campo da história da educação, o autor atenta para os usos originais de
determinado texto lido e suas apropriações na prática. Sobre isso, o autor ressalta:

[...] a ênfase sobre as apropriações culturais também nos permite ver que os
textos ou as palavras destinadas a configurar pensamentos e ações nunca são
inteiramente eficazes e radicalmente aculturadores. As práticas de
apropriação sempre criam usos ou representações muito pouco redutíveis aos
desejos ou às intenções daqueles que produzem os discursos e as normas.
(CHARTIER, 1990, p. 233-234).

Nesta perspectiva, a necessidade de compreender como os sujeitos se apropriam ou


fazem uso das normas – de maneira original e inventiva – consideradas como configurações
textuais prescritas, é um campo de interesse dos pesquisadores da história da educação que
utilizam o conceito de cultura escolar para compreender o universo da escola. O estudo da
imprensa em suas diferentes configurações, como já foi abordado aqui, se insere nestes novos
objetos descritos por Carvalho (1998), segundo os quais, o foco nas práticas dos sujeitos que
participaram da história das instituições pesquisadas passa a ser considerado nas pesquisas
que tratam deste tema.

2.1 As prescrições relativas à imprensa escolar nas escolas secundárias e normais

Este ponto do trabalho tem por objetivo fazer um mapeamento das prescrições que
estavam em voga no contexto em que os jornais dos alunos do Sud Mennucci foram
produzidos. Para tanto, serão apresentadas ao leitor providências que foram tomadas pelos
educadores do movimento da Escola Nova, por meio de um livro publicado pela Biblioteca
Pedagógica Brasileira, na coleção Atualidades Pedagógicas, no ano de 1939, denominado
Jornais Escolares, no qual Guerino Casasanta, inspetor público, faz um inquérito dos jornais
escolares encontrados por ele na década de 1930 na região de Minas Gerais. Por outro lado, o
67

autor também dá as dicas sobre como os alunos das escolas secundárias e normais poderiam
produzir um jornal38.

Com o intuito de situar o lugar de produção desta prescrição descrita acima, é


necessário recorrer ao trabalho de Toledo (2001), no qual a autora objetivou traçar o perfil da
coleção Atualidades Pedagógicas, da Companhia Editora Nacional, por meio do
recenseamento dos títulos e autores, temas e tradutores, pretendendo compreender os critérios
propostos para a sua constituição. Após isso, procurou recompor os projetos específicos para a
coleção como estratégia editorial dos educadores do movimento da Escola Nova para a
circulação de livros pedagógicos. Segundo a autora, quem esteve à frente do projeto da
Coleção até o ano de 1946, foi o educador Fernando de Azevedo. Atualidades Pedagógicas
era uma das séries constitutivas da Biblioteca Pedagógica Brasileira, idealizada por esse
educador em 1931. Dentro desta série analisada pela autora, foram publicados 31 volumes
entre os anos de 1931 e 1939.

Segundo a autora, a série Atualidades Pedagógicas era uma das séries publicadas pela
Companhia Editora Nacional entre os anos de 1930 e 1939, juntamente com as séries Livros
Didáticos, Iniciação Científica, Brasiliana e Atualidades Pedagógicas. Interessante perceber
que, além do volume Jornais Escolares, é possível constatar que outros livros chegaram aos
alunos do Sud Mennucci na década de 1950, como o livro científico de Afrânio Peixoto
denominado Noções de História da Educação, e o livro A Instrução e o Império, de Primitivo
Moacyr. Isso porque no exemplar seis do jornal O Sud Mennucci, os alunos publicam textos
referentes à história do Brasil, nos quais estes livros aparecem como referência bibliográfica.

Segundo Toledo (2001), era depositado na Biblioteca o sentido de “renovação


cultural” pelo editor, tendo como proposta selecionar títulos e autores necessários para o novo
leitor brasileiro. A missão da mesma era pedagógica, devendo renovar a cultura, oferecendo
ao leitor os elementos necessários para sua formação. Tinha também uma missão cívica no
sentido de estimular o desenvolvimento da cultura nacional e ao mesmo tempo, estimular o
público leitor a compreender e apreciar essa cultura. A própria editora se apresenta como
agência educadora da nação (TOLEDO, 2001, p. 68).

38
Existe um indício de que os alunos do Sud Mennucci tenham entrado em contato com esta obra. A professora
Dra. Ana Clara Bortolleto Nery, pesquisadora que organizou a biblioteca pedagógica da Escola Estadual Sud
Mennucci afirmou, de maneira informal, que esta obra fez parte do acervo da biblioteca. Até aqui, ainda não se
constatou em que ano essa obra passou a fazer parte da biblioteca da instituição. O que é importante ressaltar é
que mesmo que estes alunos não tenham entrado em contato com este livro, o mesmo se insere, de certa maneira,
no campo das prescrições voltadas para os alunos, sendo encaradas como normas referentes a este tema entre as
décadas de 1930 e 1940.
68

Sobre a proposta e o objetivo da Biblioteca Pedagógica Brasileira, e os ideais da


Escola Nova presentes neste projeto idealizado por Azevedo, Toledo (2001) afirma:

O ambicioso programa da B.P.B. – de larga ofensiva de renovação cultural –


é uma espécie de síntese das propostas preconizadas pelo grupo de
educadores, do qual Azevedo fazia parte, que pretendia reformar a cultura
realizando ampla reforma educacional que atacasse dois pontos
fundamentais: a modificação da mentalidade das novas gerações das classes
média e alta, por meio de uma educação mais realista cujos fins seriam o de
formar a consciência nacional, preparando melhor as elites do país; educar as
classes populares para que encontrassem meios mais racionais de viver,
elevando seu nível econômico, moral e intelectual, dando-lhes a
possibilidade de participar da circulação das elites dirigentes do país. A
solução educacional seria o modo mais racional de gerar transformações
necessárias para o país. (TOLEDO, 2001, p. 68.)

Neste sentido, a proposta de formar a Biblioteca e as coleções com as diferentes séries


temáticas, se configurava como uma estratégia editorial dos educadores do movimento da
Escola Nova. Para esses educadores e intelectuais, o preparo da nova mentalidade da
sociedade brasileira dependia da modificação da escola. Renovar a escola significava
substituir os velhos métodos de ensino por uma vasta cultura científica. Nesta investida
inovadora do movimento, a formação dos professores para uma nova escola com uma nova
cultura era a principal preocupação (TOLEDO, 2001, p. 68-69).

Nesse caso, os livros editados pela Biblioteca tinham por função, segundo as palavras
de Carvalho (1997), criar dispositivos de regramento das práticas escolares, das leituras e dos
discursos, servindo para a homogeneização das práticas dentro do espaço escolar. Segundo
Toledo, os projetos políticos relativos à educação neste período davam importância ao
controle sobre a escola pela preparação de novos professores. Renovar as práticas com novos
professores significava produzir um novo tipo de cidadão dentro do âmbito da escola.
Renovar a cultura escolar significava renovar a escola normal (TOLEDO, 2001, p. 175).

É neste espectro de proposições para a educação no período que a obra Jornais


Escolares foi publicada em 1939, pela Biblioteca Pedagógica Brasileira, na Coleção
Atualidades Pedagógicas. Livro voltado para os professores das escolas públicas, de nível
secundário e normal, onde o autor Guerino Casasanta explica as vantagens e motivações para
se produzir um jornal estudantil no ensino secundário e também nas escolas normais. Sobre os
objetivos esperados na produção de jornais escolares pelos alunos, Casasanta acentua:
69

O jornal, como atividade, está colocado entre as instituições escolares


destinadas a auxiliar a tarefa da educação. Como todas elas, o jornal tem por
objetivo vitalizar os trabalhos, imprimir-lhes movimento, cooperar para que
os programas tenham a eficiência educativa que deles se espera. O professor
age por meio dessas instituições, desenvolvendo aquelas qualidades de que a
criança necessita para o presente e para o futuro. Atendendo a suas
tendências lúdicas, satisfazem o impulso construtor, apuram a curiosidade,
despertam a atenção. As matérias, em regra, não possuem nenhuma ação
educativa, transformam-se, através dessas atividades, em instrumentos de
vida, agindo na formação de hábitos mentais e nas atitudes que hão de fazer
da criança um elemento eficiente no meio em que vive. (CASASANTA,
1939, p. 37.)

A produção do jornal daria movimento aos programas tendo por objetivo alcançar a
eficiência educativa, aliado ao papel do professor neste projeto, que desenvolveria as
qualidades necessárias para o educando. Por meio do jornal, as matérias seriam vivificadas,
no sentido de transformar a ação da criança em seu meio. Desse modo, a obra se insere dentro
das conceituações e métodos da Escola Ativa ao descrever o valor da produção do jornal
escolar por parte dos alunos. A autora procurou fazer um inquérito sobre os jornais
produzidos pelos alunos encontrados pela Biblioteca ao longo da década de 1930 no estado de
Minas Gerais.

Num outro ponto, Casasanta enumera os valores do jornal como atividade


extraescolar39 nas instituições escolares, dentre eles, “preparar o indivíduo para viver numa
democracia; tornar o indivíduo guia de si mesmo; ensinar o valor da cooperação; despertar o
interesse do educando pela escola; despertar no educando os sentimentos de ordem e
legalidade”. Expõe outras vantagens de se produzir um jornal na instituição, ressaltando que o
mesmo alimenta o espírito coletivo da escola, promovendo a cooperação e a união dos seus
membros. Após isso, Casasanta expõe a importância do destaque à publicidade no jornal40,
tida como um incentivo que vinha entusiasmar os alunos. Segundo o autor, o jornal “une a
escola à sociedade”, pondo-a a par de sua vida e de suas realizações. Como importância, o
jornal leva aos pais e aos ex-alunos as notícias da escola (CASASANTA, 1939, p. 39-40).

Além dos já citados, Guerino Casasanta assinala mais alguns valores da produção do
jornal escolar pelos alunos. Neste momento, o autor cita a opinião de algumas personalidades
39
A ideia de atividade extraescolar, segundo o autor, está presente no livro de Mac Bown, intitulado Extra
Curricular Activites. Casasanta nos informa que o professor Delgado de Carvalho sintetizou os valores dessa
atividade em seu livro Sociologia Educacional.
40
Importante ressaltar que estes últimos aspectos colocados pelo autor em relação à atividade de se produzir um
jornal estão presentes nos impressos do Instituto de Educação, visto que, como já foi discutido anteriormente, em
todos os exemplares existiam anúncios e anunciantes, mostrando que o jornal estabeleceu relação direta com a
sociedade piracicabana, extrapolando os muros da escola.
70

do movimento da Escola Nova no Brasil, como o educador Delgado de Carvalho: “O jornal


escolar vai repercutir no desenvolvimento de certas qualidades ‘que as matérias de ensino não
incentivam em pequena escala, como a iniciativa, a liderança, as características pessoais, as
habilidades’.” (Delgado de Carvalho). (CASASANTA, 1939, p. 41).

Continua ressaltando que o jornal deve estabelecer o intercâmbio entre as escolas;


registrar a história da escola; propagar a escola, atraindo para ela o interesse da população.
Este jornal, nas palavras do autor, deve ser educativo, traduzindo-se num meio onde o aluno
pode indicar seus anseios, as suas tendências e aptidões (CASASANTA, 1939, p. 41).

Num outro ponto, o autor dá todas as dicas de como produzir um impresso estudantil
nas escolas secundárias e normais, desde a escolha do nome aos vários tipos de jornal que
poderiam ser produzidos pelos alunos, dentre eles o jornal impresso. Aqui discute que, na
impossibilidade de os alunos produzirem um jornal impresso na escola, o impresso pode
ocupar um espaço no jornal da localidade, por meio de seções dentro daquele impresso.
Entretanto, ressalta que o ideal seria que o jornal fosse composto na própria escola. Sobre essa
possibilidade, o autor ressalta:

O jornal impresso desenvolve grandemente a vida da escola, pelas atividades


que os alunos têm de executar dentro e fora dela. O ideal seria que a
iniciativa, partindo dos alunos, se desenvolvesse através de um projeto,
método que é como sabemos, rico em associações úteis. Por meio dele, o
jornal escolar daria ensejo a variados estudos, observações e pesquisas, que
centuplicariam o seu valor. (CASASANTA, 1939, p. 72.)

Aqui, o autor aponta que – de acordo com sua investigação – uma desvantagem de se
produzir jornais impressos nas escolas secundárias é que o professor tem que fazer quase
tudo, sendo a participação do aluno mínima. Não deixa de ser, entretanto, uma situação real e
concreta que favorece a expansão das tendências e aptidões da criança.

Mais adiante, Casasanta passa a discorrer sobre a produção de jornais escolares


impressos dentro das escolas normais. Afirma que, como se tratam agora de alunos
adiantados, a manutenção e a motivação para produzi-lo assumem aspectos diferentes. Neste
ponto, o papel do professor será o de companheiro, que terá a função de coordenar os
movimentos dos alunos. O jornal, nas escolas normais, deveria “proporcionar a oportunidade
de se praticar lições de metodologia, dentro de uma atividade coletiva, visando o
71

desenvolvimento integral do indivíduo e sua educação moral”41 (CASASANTA, 1939, p. 83).


Sobre isso, ressalta Guerino: “[...] Numa escola normal, onde os interesses e ideais se acham
em via de consolidação, nos grandes interesses e ideais humanos, o jornal será ponto de
partida, sugestão, impulso para uma magnífica obra educativa” (CASASANTA, 1939, p. 85).

Numa outra parte do livro, o autor discorre sobre como os jornais escolares devem ser
organizados, indicando como fazê-lo42. Ressalta primeiramente que o jornal é do aluno,
devendo ser o meio de expressão de sua mentalidade, no qual o mesmo exercita um conjunto
de forças, por meio da linguagem escrita (CASASANTA, 1939, p. 97-98).

O jornal, conforme as prescrições, deveria se dedicar, principalmente, a divulgar


notícias da escola, sendo as publicações de caráter literário características de revista, não de
jornal. Essas notícias devem ser feitas de acordo com o interesse dos leitores. Em relação às
notícias elogiosas, o autor afirma que o “elogio extemporâneo” deve ser banido dos jornais
(CASASANTA, 1939, p. 101).

Por meio das técnicas do americano Mac Bown (livro: Extracurricular Activities),
Casasanta aconselha que a organização do jornalzinho deveria ser feita por meio de seções,
como a seção de esportes; a seção dos sociais, na qual se registram os aniversários e outros
acontecimentos referentes à vida social dos alunos, sendo um bom meio de se cultivar a
sociabilidade dos mesmos; outra seção seria dedicada aos humorismos com os companheiros
da escola, constando de anedotas, caricaturas e trocadilhos. Além dessas seções, deverá haver
uma parte dedicada a perguntas, charadas e palavras cruzadas (CASASANTA, 1939, p. 106-
109).

Em relação às fontes de notícias, estas deveriam ser escolhidas pelos alunos de acordo
com o interesse dos leitores. Se o jornal possuir anúncios e assinantes, segundo Casasanta, é
justo que os alunos-redatores procurem assuntos que interessem a seus leitores em geral, e a
alguns em particular, como comerciantes e industriais (CASASANTA, 1939, p. 113-114).

41
A ideia de atingir o todo, o desenvolvimento integral do indivíduo por meio da ação educativa realizada, nesse
caso, pela produção de um jornal escolar, visando à educação, inclusive moral do indivíduo, está presente nos
preceitos dos educadores do movimento da Escola Nova no Brasil. De acordo com essa concepção, nas palavras
de Guerino Casasanta, o jornal constitui um fim, dentro de um movimento que é submetido ao “pensamento, a
satisfação intelectual e moral”. Também é possível verificar, por meio do impresso, uma determinada concepção
de “desenvolvimento integral” do indivíduo, no caso do aluno. Nas páginas do jornal O Sud Mennucci, o
professor aparece como “companheiro” dos alunos. Estas peculiaridades do impresso, enquanto prática proposta
pelos alunos do Sud Mennucci, por meio do jornal, serão expostas mais adiante neste capítulo.
42
Aqui percebo que as dicas que são dadas para que se produza um jornal escolar se voltam para professores das
escolas primárias. O autor vai discorrendo e citando exemplos de composições de jornais advindas justamente de
escolas primárias mineiras. Ao longo do livro, o autor não cita nenhuma produção de jornal de alunos mais
adiantados, como é o caso do objeto da presente pesquisa.
72

Atenta para os títulos das notícias, que, segundo ele, devem ser uma síntese das
notícias colocadas no jornal. Em outro ponto, ressalta que a diretoria do jornal tem sua
importância e motiva os alunos a estudarem o sistema eleitoral, incentivando a prática
consciente do voto. Segundo Casasanta, os jornaizinhos devem ter diretores e redatores, sendo
que os nomes dos responsáveis devem constar do cabeçalho. Essa ação, segundo o autor,
atribui responsabilidade aos alunos (CASASANTA, 1939, p. 117-118).

Ao se produzir um jornal na escola, deve ser dada especial atenção aos repórteres, que
teriam o encargo de recolher o material destinado à publicidade no impresso. Segundo ele, as
reportagens escolhidas pelos alunos mantêm o jornal e a escola vivos, transformando o
mesmo numa miniatura da grande imprensa. Em relação ao aspecto do jornal, o autor deixa
claro que a sua apresentação material é importante, e que os alunos podem estabelecer
associações com a beleza e a perfeição por um meio educativo, o jornal (CASASANTA,
1939, p. 123-124).

Por fim, Casasanta ressalta a importância do financiamento do jornal. Os recursos


financeiros para a manutenção do jornal devem ser angariados pelos alunos e pelos
professores. Neste ponto, o autor considera que esse seria o primeiro problema para a
produção do impresso: a maneira pela qual o jornal seria custeado. Nesta parte da descrição
das dicas de como produzir um jornal, além de descartar a questão do financiamento para a
produção do mesmo como um problema, o autor afirma que, raramente, o jornal alarga o seu
âmbito para fora da escola. Entretanto, como já destacado anteriormente no que se refere ao
jornal O Sud Mennucci, os alunos responsáveis por este impresso levaram suas relações para
fora dos muros da escola, fazendo um uso particular e original da prescrição proposta por
Guerino Casasanta.

Logo em seguida, o autor fala sobre os anúncios e as formas como eles devem ser
colocados no jornalzinho. Sobre o intercâmbio dos jornais produzidos com outras escolas, que
se deu efetivamente, segundo o autor, nas escolas mineiras, o autor afirma que o jornal deve
estabelecer um vasto intercâmbio entre as escolas. O mestre professor pode tirar partido,
desenvolvendo o “espírito da camaradagem” entre seus membros (CASASANTA, 1939, p.
126-129).

As indicações relativas à obra de Guerino Casasanta colocadas aqui servirão de


suporte para o cotejamento entre as providências que foram tomadas no âmbito de produção
de jornais nas escolas entre os anos de 1930 e 1940 e os usos sociais colocados em prática
73

pelos alunos do Instituto de Educação Sud Mennucci entre os anos de 1952 e 1954 ao
produzir o jornal escolar.

Outra forma de prescrição referente à maneira como um aluno deveria ser formado,
ainda dentro dos preceitos da Escola Nova, se encontra no trabalho de Braghini (2005), no
qual a autora procurou fazer uma análise dos discursos dos educadores brasileiros dos anos
1950 publicados na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos – RBEP. Tal estudo se propôs
a compreender como os educadores definiam a qualidade do ensino secundário oficial
existente à época, e o que os mesmos propunham como padrão para o bom funcionamento
desse ramo de ensino.

Dentre as providências que foram descritas em relação ao que era considerado “bom”,
“de qualidade” nas escolas secundárias, estava a caracterização do que deveria ser o aluno
moderno. Alvo da reforma do ensino secundário, o aluno era o ser humano que seria o
“homem de ação” e “futuro cidadão”. Segundo as palavras da autora, “o aluno era o fim da
educação moral, que deveria ser formado para cooperar para o fim comum” (BRAGHINI,
2005, p. 103-104).

Dentro desta concepção, a autora cita um documento de Penteado Júnior, de 1948, no


qual o educador apresenta um Sistema normativo para a orientação cívico moral do
adolescente43. Neste trabalho, o autor discute as possibilidades de se firmar no aluno uma
consciência “autônoma”, sendo a escola o ambiente para a livre-cooperação do aluno, onde o
mesmo pudesse receber o aprendizado da autonomia. A partir das características de sua
juventude – de sua personalidade em formação e sua vitalidade –, as escolas deveriam formar
a personalidade do aluno, por meio do dever da responsabilidade, da cooperação e da
iniciativa (BRAGHINI, 2005, p. 104).

A proposta, segundo a autora, seria conceder a esse aluno, um governo semiautônomo


na escola, uma espécie de minigoverno ou sistema cívico, no qual o jovem, além de ficar
ouvindo as aulas, aprenderia os caminhos da responsabilidade, participando da administração
da escola. Esta seria uma forma de ensino prático, voltado para a democracia e para a ação. O
ensino semiautônomo se daria também pela organização de grêmios estudantis. Ambas as
atividades atenderiam às aspirações da adolescência (BRAGHINI, 2005, p. 104).

43
O educador Penteado Júnior, segundo Braghini (2005), apresentou esse documento no 3º Congresso Nacional
de Estabelecimentos Particulares de Ensino, no ano de 1948.
74

O fato de os alunos terem se organizado para produzir um jornal dentro do Instituto de


Educação mostra de certa maneira, a concretização da proposição de “aprender os caminhos
da autonomia e da responsabilidade” e da livre cooperação para um determinado fim. Esta
prescrição advinda da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos mostra que este discurso de
autonomia, cooperação e iniciativa, dentre as características da juventude escolar brasileira,
estava presente entre os intelectuais da educação nessa época.

2.2 O impresso O Sud Mennucci: as práticas e apropriações dos alunos

Este capítulo tem por objetivo investigar inicialmente uma relação entre as prescrições
que foram tomadas para que impressos fossem produzidos nas escolas e as práticas
desenvolvidas pelos alunos do Sud Mennucci. Essa relação será estabelecida por meio da
análise dos textos presentes nos onze exemplares publicados pela organização estudantil entre
os anos de 1952 e 1954. A ideia é compreender como se deu a progressão dos assuntos e
interesses do impresso e identificar de que maneira os alunos fizeram usos particulares das
providências que estavam em voga para a produção de jornais escolares. Interessante ressaltar
aqui que a prescrição de Casasanta sobre como produzir jornais escolares foi um “guia” para
analisar o jornal O Sud Mennucci, na tentativa de compreender sua estrutura e atuação dentro
do espaço escolar e também sua progressão.

Posteriormente, dentro desta mesma análise, será estabelecida – por meio dos textos
publicados pelos alunos – a discussão sobre o embate travado entre o ensino clássico e
científico nas escolas secundárias à época da publicação do jornal escolar. De alguma forma,
esse embate estava presente nos textos publicados pelos alunos no jornal. Essa discussão
também se dará tendo como pano de fundo os embates entre o ensino clássico e científico,
principalmente por meio das providências tomadas pelo ministro Gustavo Capanema em
1942.

Primeiramente, é necessário discorrer, por meio dos textos presentes no jornal, sobre
as motivações que levaram os alunos a se envolverem no empreendimento de produzir um
jornal dentro do Instituto de Educação Sud Mennucci entre os anos de 1952 e 1954. No
exemplar de número um, datado de novembro de 1952, foi possível identificar, com base no
discurso de um aluno, a motivação que levou os alunos a se articularem para produzir O Sud
75

Mennucci. Na coluna intitulada “Crônicas do Templo”44, o aluno Diogo Gil expõe tais
motivos ao leitor. Ressalta que em outras épocas os alunos já haviam tentado se articular no
sentido de produzir jornais, denominados pelo autor de Castro Alves e Estudante. Em seguida,
explicita que:

Quase todos os colégios, que conheço, possuem seu jornal onde despejam
seu estro e seu conhecimento, aprimorando muitos pensamentos,
satisfazendo-lhes a aspiração do campo mais amplo onde agirem. Imitemo-
los. Isso é utilíssimo, mais ainda necessário.

Aqui se encontra uma pista a respeito da motivação que teria levado os alunos do
Instituto de Educação a empreenderem a feitura do órgão. A informação de que existiam
outras instituições que produziam jornais, e que a própria instituição pesquisada já havia
entrado nesta empreitada, mostra que a prática de produzir jornais estudantis na década de
1950 e até mesmo em momento anterior, era, segundo a voz dos estudantes, uma prática
comum nas escolas. Talvez os alunos tenham seguido essa prática ao entrar em contato com
outros impressos produzidos por outros institutos ou colégios da região de Piracicaba e,
inclusive, podem ter usado os mesmos como modelo. Aqui, a ideia do intercâmbio entre
jornais de diferentes instituições proposto por Guerino Casasanta aparece como uma
possibilidade para explicar a afirmação do aluno de que em outros colégios também eram
produzidos jornais.

Ao fazer uma análise minuciosa dos principais assuntos contidos nos onze exemplares
do jornal O Sud Mennucci, pôde-se criar algumas categorias45 para analisar o conteúdo do
mesmo, como a presença de textos literários e científicos produzidos e editados pelos alunos
no impresso; as seções humorísticas e sociais; as seções que tratavam das notícias sobre o
cotidiano da escola e outra que editava trabalhos dos alunos feitos em aula46.

Notou-se, no decorrer da análise dos jornais, a presença de um discurso nacionalista


republicano nos textos produzidos pelos alunos, ao tratar dos diferentes assuntos citados,
dentro das categorias que foram criadas. Os mesmos também exprimiam em suas falas
normas de conduta moral tanto do professor como do aluno. Os alunos, por meio dos textos

44
O título dessa coluna, denominada “Crônicas do Templo”, mostra uma perspectiva republicana da educação
presente no discurso dos alunos, que via a escola normal como o “templo do saber”. Essa discussão já foi
exposta no capítulo primeiro e as características desse discurso serão retomadas mais adiante novamente.
45
Conferir quadro sobre os assuntos principais no Apêndice 3.
46
Importante frisar que não havia uma ordem que regulasse o lugar onde as notícias eram colocadas. Não existia
um padrão que regulasse a organização das mesmas. Em cada exemplar, as seções eram dispostas de maneira
diferente.
76

que escreviam, discorriam sobre a finalidade da educação e o papel do professor nesse


processo. Aparecem vários pontos de crítica por parte dos alunos aos coladores ou
“decalcadores”, aqueles que colavam nas provas.

Em relação a uma possível progressão do impresso, verifica-se, em meio aos


diferentes assuntos tratados, a presença de relações entre a organização estudantil e os
diferentes sujeitos políticos da cidade de Piracicaba, como apontado no capítulo primeiro. Tal
rede de sociabilidade foi estabelecida pelos alunos para que tivessem atendidas suas
reivindicações por melhorias no espaço escolar. Outro ponto interessante já verificado é a
presença de anunciantes e assinantes do jornal, mostrando que o mesmo extrapolou os muros
da escola, estabelecendo relações estreitas com os comerciantes e políticos locais da cidade de
Piracicaba.

Verifica-se, assim, que em alguns pontos, a estrutura de O Sud Mennucci se


aproximava da indicada pelo educador mineiro Casasanta. O jornal cumprindo o papel de
participar da formação moral do aluno também está presente. Os alunos expõem perspectivas
de conduta moral em todos os exemplares, preocupação esta dos educadores do movimento da
Escola Nova.

Entretanto, os diversos textos publicados no jornal mostraram formas originais de


apropriação das indicações de Casasanta. A princípio, como consta no primeiro exemplar,
datado de 1952, a intenção dos alunos ao publicar o jornal era propiciar a união dos estudantes
por meio do impresso, sendo este o lugar onde os alunos pudessem se manifestar. Outra
finalidade da produção do impresso, segundo os alunos, seria publicar textos de caráter
literário, contando com a contribuição dos colegas nas publicações e com a ajuda dos
professores. O aluno Amador Pedroso de Barros expõe neste trecho qual seria o caráter das
publicações do jornal:

Como trabalho estudantil que é tenderá este a transformar-se numa


publicação de caráter extritamente literário, recebendo então, as
colaborações que nossos professores se dignarem nos conceder. Por ora,
organizaremos aqui, somente contribuições de alunos, aceitando destes toda
observação criteriosa que vise nos trazer melhoras.

Neste exemplar inaugural, o aluno Amador Pedroso de Barros ressalta o caráter


literário do conteúdo do jornal e, nesse ponto, se distancia de uma das prescrições de Guerino
Casasanta, que em um ponto da exposição das finalidades do que seria um jornal escolar,
77

ressalta que o mesmo deveria, primeiramente, destacar as notícias importantes para a escola.
Como já mencionado, Casasanta afirma ainda que publicações literárias eram próprias de
revista e não de jornais. No entanto, o aluno considera a participação e colaboração dos
professores do Instituto para a publicação dos textos no impresso, conforme as prescrições
que estavam em voga. A relação dos alunos com os professores aparece na maioria dos
exemplares do jornal.

Em todos os exemplares do jornal O Sud Mennucci observam-se notícias sobre o


cotidiano da escola, característica do jornal que segue as orientações de Casasanta referentes à
forma como os jornais deveriam ser organizados, dando destaque às notícias da instituição.
No exemplar de número dois, na primeira página, o aluno Diogo Gil discorre no texto
intitulado “Isto é que é trabalhar”, sobre as dificuldades que os alunos dos cursos pré-normal e
do 2º profissional viviam quando iam dar aulas na cidade de Piracicaba à época, mais
precisamente em abril do ano de 1953. Sobre a dificuldade de chegar às escolas rurais para
ministrar aulas, exclama o aluno:

Que sacrifício!
Faz-se mister realizar longas caminhadas através de êrmas estradas, envoltas
na escuridão da noite e ladeadas por densos matagais, cheios de ruídos, de
vultos... oh, os ruídos, os vultos, como maltratam a coragem da gente.

Em outro ponto, dentro deste mesmo exemplar, Gustavo Jacques Dias Alvim, aluno
que fazia parte do grupo organizador do impresso, na coluna intitulada Mas, que Grêmio!...,
narra um sonho que teve sobre um grêmio idealizado por ele, dinâmico e com atividades
esportivas, sendo por ele mesmo considerado como a mais completa associação da cidade,
com projeções cinematográficas apropriadas para a juventude normalista; os seus membros
trabalhando pelo seu bom funcionamento:

Dava gosto, oh! Se dava ver tanta gente trabalhando para um nobre ideal: - a
boa formação do caráter da mocidade estudante da Escola Normal, dando-
lhe divertimentos sadios, horas de lazer bem aproveitadas, boas leituras e
conferências, desenvolvimentos físicos e intelectual.
[...] Havia sonhado com um Grêmio Normalista frutífero e atrativo. E que tal
o tornássemos assim? Respondam os novos dirigentes do Grêmio e os nossos
caros colegas. Lembre-se, o Grêmio Normalista é nosso.
78

A narrativa do sonho com um Grêmio mais participativo e dinâmico indica que este
era, na realidade, um sonho dos alunos articuladores do jornal O Sud Mennucci, mas que não
estava sendo realizado como o esperado47. Este trecho do impresso revela problemas e
acontecimentos cotidianos que ocorriam no espaço escolar do Instituto de Educação.

No nono exemplar, dentre os assuntos cotidianos, o aluno Murilo Graner escreve


algumas considerações sobre o diploma, sua função e o que significava ter o mesmo na época.
Acentua no texto que o que atrasa o progresso do nosso país é o alto valor atribuído ao
diploma. Para Murilo, muitos estudantes estudavam somente para ter o diploma, e “mostrando
o indivíduo um pedaço de papel rabiscado estava admitido com ou sem capacidade num
setor”, sendo as escolas, neste contexto, consideradas fábricas de diplomas. Neste sentido, o
aluno denuncia:

Ouve-se constantemente comentários sobre fulanos e beltranos que


compram professores em todas as espécies de escolas. E tudo isso nessas
fábricas, onde a farra é monumental. E com isso mesmo caminhamos
para o dia (já estamos nos encontrando com o aroma não muito distante
do desditoso) em que entraremos no consultório de um desses fulanos
para confiar-lhe o nosso organismo, para o dia em que atravessaremos
pontes construídas por esses beltranos. Aplaudimos, pois, a nossa
evoluída indústria desses papeis maravilhosos que garantem sombra e
água fresca a muito infeliz.

O aluno destaca aqui um ponto interessante do cotidiano das escolas à época – década
de 1950 – quando a “indústria de diplomas” citada permitia que alunos desinteressados
conseguissem adquiri-lo sem muito esforço. Assim, Murilo temia, em seu texto, o tipo de
profissional que poderia surgir desse mecanismo que ocorria no meio educacional.

A preocupação com a finalidade da produção textual – expressa nos livros publicados


à época – em relação com a educação também aparece nos textos contidos no jornal. No
exemplar de números dez/onze, no texto intitulado “O comércio com os livros e a educação”,
o aluno Valdemiro discorre sobre a finalidade de escrever e o comércio de livros. Neste ponto,
o aluno faz uma crítica à produção dos livros didáticos, que, segundo ele, estava marcada pela
superficialidade da escrita, minimizando alguns assuntos relevantes. Em outro ponto do texto,

47
Importante destacar um ponto que já foi trabalhado no primeiro capítulo da presente dissertação: os alunos que
se articularam para produzir o jornal O Sud Mennuci se destacaram dentro da estrutura do Grêmio Normalista do
Instituto. Nem todos os alunos do Grêmio faziam parte da organização do jornal. Esse talvez seja um dos
motivos das inúmeras críticas que recebiam de outros alunos da instituição em relação ao empreendimento do
referido impresso.
79

o aluno vê a “corrupção da escrita” na imprensa diária e no comércio livresco da cidade de


Piracicaba:

Escrever, hodiernamente tornou-se uma profissão fácil e rendosa, em que


não cogita o escritor na difusão de ideias produtivas, fazendo circular sem
escrúpulo algum por entre as veias da sociedade e principalmente da
mocidade pouco avisada suas ideias errôneas e banais, que são vermes da
corrupção. Nos próprios livros didáticos, que juntamente com os educadores
deveriam consolidar as bases da educação, notamos na maioria das vezes a
superficialidade com que o autor discorreu sobre este ou aquele assunto,
dando a prova cabal de sua pouco ou nenhuma erudição, ou do que é ainda
pior de sua falta de responsabilidade em face dos destinos das novas
gerações e do Estado, numa palavra, dando prova evidente de sua falta de
Educação.

Assuntos cotidianos aparecem na seção dos sociais, com notícias sobre os


aniversariantes do mês; sobre a eleição da rainha do Instituto de Educação; sobre o
aniversário do Clube de Ciências e sobre a inauguração do cinema da cidade. Esta seção era
idealizada por Guerino Casasanta em suas providências sobre a forma de organização do
impresso.

Outra dica do educador mineiro que aparece em todos os exemplares do jornal O Sud
Mennucci é a seção dos humorismos ou humorísticas, na qual os alunos editavam palavras-
cruzadas, charadas, curiosidades, ditados populares, trocadilhos e paródias. Nos dois
primeiros exemplares apareceram colunas de humor que tinham nomes, como “O
Rocambole”, “Oito minutos”. A partir do terceiro exemplar a coluna passa a ser denominada
“Dez minutos”. Em alguns exemplares aparecem reportagens humorísticas, com alunos
repórteres do humor.

Constando do exemplar de número cinco, a Galeria de Ditados:

“Na terra de cegos, quem tem um olho enxerga.”


“Quem odeia o feio, horrível lhe parece.”
“Um homem prevenido vale por um estudante, em véspera de exame.”
“A borracha vai tanto à carteira vizinha, que um dia lá fica.”

Em todos os exemplares do jornal existia, no mesmo espaço destinado aos


humorismos, a seção denominada Cartas Serenas, onde um aluno escrevia para os leitores.
80

Segue um trecho desta seção, que se encontra no exemplar de número quatro, endereçado a
Dona Moça:

Dona Moça prezadíssima:


A você garota do século dois xis da era atômica e época da humilhação à lua,
dos dias de café solúvel e problemas insolúveis, que se equilibra, coitadinha,
sobre um par de saltinhos 7/2; que procura infiltrar-se em tudo que toca à
atividade máscula, tornando-se mais livre, mais moderna, enfim, mais
desfeminada e consumada paraíba; que fuma, bebe, joga Pif-Pad e futebol,
luta jiu-jitsu, Miss, mademoiselle, etc., etc., e que, entretanto, não acerta o
tempero de uma salada, labuta no preparo de umas batatas fritas, e quando o
irmãozinho de colo chora não sabe se dar-lhe a mamadeira, pô-lo no berço
ou enfiá-lo em baixo da cama; a você garota do após-guerra e pré-guerra,
peço vênia para meia dúzia de palavrinhas, para desabafo do coração e alívio
da consciência. São rogos, mui sinceros, na realidade.

O aluno Zezinho Franco continua sua carta, discorrendo sobre o lugar da mulher na
sociedade. Para ele, as moças estavam se desviando de suas funções de mãe e esposa para
seguir “a moda” do uso do luxo e do “abuso de certas liberdades” próprias do universo
masculino, como fumar, beber e praticar esportes. Numa perspectiva de caráter moral em
relação ao papel da mulher, acompanhada de uma expressão característica de um discurso
nacionalista, o aluno termina fazendo uma pergunta à Dona Moça, que se respondida da
maneira correta por ela, estaria ajudando no “progresso da Nação”:

Uma última perguntinha: ao invés de estar aí perdendo tempo com “Grande


Hotel”, “Cinderela”, “Idílio” e sei lá que mais idiotices, porque não se instrui
em como educar um filho, em como cuidar de um lar, preparando para
formar-se perfeita mamãe-coisa rara, muito rara, hoje em dia?

No exemplar de número nove, no espaço dedicado aos humorismos, na coluna “Dez


Minutos”, os editores do jornal fazem uma piada em tom de humor sobre o autoritarismo do
professor à época, e as consequências da falta de disciplina no Instituto de Educação:

- Zero! Gritou o professor.


- Ai! Gritou o aluno.
- Quem gritou ai? Perguntou o professor.
- Eu. Respondeu o aluno.
81

- Então outro zero. Gritou o professor.


- Então outro ai. Gritou o aluno.
- Quem gritou outro ai? Perguntou o professor.
- Eu. Gritou o aluno.
- Mais um zero. Gritou o professor.
- Ai! Gritou...
Conclusão: a “paciência” é uma grande virtude.

Em tom de humor, os alunos apresentam a possível natureza da relação que se dava na


escola entre professor e aluno à época da publicação do jornal. O simples expressar de uma
palavra já era motivo para o temido zero. Importante ressaltar aqui que o ideal dos alunos com
o empreendimento do jornal, seria estreitar os laços e a relação entre os professores e os
alunos do Instituto, ponto já citado muitas vezes no presente texto.

No exemplar de números dez/onze, em tom de despedida do empreendimento de


produção do jornal O Sud Mennucci, é publicado o “Artigo à tona d’água”, na seção
denominada “O Rocambole”. Neste trecho, o grupo de alunos discorre sobre a finalidade que
teve para eles a seção humorística ao longo da existência do jornal, sobre as piadas “picantes”
que foram alvo de críticas e também as engraçadas que discorriam, por exemplo, sobre a
organização da política brasileira. No texto, o pseudônimo K Ria comenta sobre a repercussão
das piadas inconvenientes por parte da direção do jornal:

O que mais veio a atormentar a cabeça do diretor-fundador e dos redatores


desse jornalzinho foi a seção humorística e de recreações. Quando fundamos
este órgão escolhemos um rol de piadas para nós super-hilariantes, mas
quando publicadas eram vítimas da crítica, do apurado gosto humorístico dos
nossos leitores.

O aluno continua discorrendo que, a princípio, as piadas que eram publicadas no jornal
viravam alvo de críticas por parte do diretor do jornal, Luiz de Almeida Mendonça, e do
público leitor do impresso. Ressalta que houve a tentativa de fazer piadas mais picantes, mas
que, todavia, houve desaprovação. Foi aí que, segundo o aluno, os redatores dessa coluna
resolveram fazer “piadas realmente engraçadas”, o que também gerou certo problema. O
82

aluno termina o texto expressando a desolação de ter de continuar fazendo as mesmas piadas,
aquelas que não geravam críticas dentro do educandário48.

Algumas notícias elogiosas aparecem nos exemplares de jornal analisados,


principalmente as que se relacionam aos professores e ao diretor do Instituto de Educação Sud
Mennucci. No terceiro exemplar, os editores do jornal “agradecem ao corpo docente pelo bom
recebimento do jornal”. Em outros momentos se referem aos “ilustres professores” e
agradecem ao diretor da instituição à época, Arlindo Rufato, pela acolhida do jornal49.

Uma característica importante verificada nos exemplares e considerada por Guerino


Casasanta é a presença de cabeçalhos na maioria dos exemplares, indicando os alunos que
compunham a diretoria, a secretaria e os redatores do jornal. Segundo o autor de Jornais
Escolares, essa “ação atribui responsabilidade aos alunos” e os motiva a “estudar o sistema
eleitoral”.

O jornal, ao que tudo indica, era financiado pelos anunciantes, comerciantes locais da
cidade de Piracicaba50. Segundo as prescrições de Casasanta, competia aos alunos e
professores angariar anunciantes para o jornal. O autor afirma que os jornais que foram
analisados por ele na década de 1930 no estado de Minas Gerais raramente alargavam seu
âmbito para fora da escola por conta do financiamento. Em relação aos jornais do Sud
Mennucci, verifica-se, pela análise das fontes, que os mesmos conseguiram estender sua
atuação para além do âmbito do Instituto. Isso porque se verifica, na primeira página do
exemplar de número sete, datado de abril de 1954, uma campanha de assinantes do jornal pelo
editorial do mesmo:

CAMPANHA DE ASSINANTES:
Lutando pela preservação do “Sud Mennucci” a sua direção elaborou uma
campanha de assinantes, cujo êxito parece estar garantido, visto estarem as
pessoas de Piracicaba demonstrando ser ela realmente uma Cidade Culta,

48
Interessante ressaltar que nos últimos três exemplares encontrados – os números nove, dez e onze – a seção
dos humorismos aumenta sobremaneira, tendo, nestes exemplares, páginas inteiras dedicadas ao humor.
49
Importante dizer que apenas por meio dos jornais escolares não foi possível estabelecer a natureza da relação
que se deu entre o grupo organizador do impresso e os professores do Instituto em relação à produção do jornal.
O que se verifica nas fontes é, na maioria dos exemplares, a referência e o enaltecimento a eles. No exemplar
inaugural, os alunos “contam com a participação dos professores”. Verifica-se, até aqui, que a imagem do
professor como companheiro dos alunos, de acordo com a prescrição de Casasanta, estava presente no impresso
O Sud Mennucci. Entretanto, em outros momentos, como foi exposto acima, aparecem críticas veladas em
relação à atuação do professor dentro da sala de aula, em relação à disciplina por exemplo. Dessa forma, o
entendimento dessa relação será esclarecido no capítulo terceiro, com a inclusão da análise das memórias dos ex-
alunos.
50
Ver Apêndice 4: Quadro de anúncios e anunciantes do jornal O Sud Mennucci.
83

pois, somente nessa situação é que um povo elevado pode dar acolhida a um
simples órgão que trabalha em prol da cultura e do direito como o é o nosso
jornal estudantil.

Logo após, ao longo do texto, a diretoria do jornal vai elencando os nomes de todos os
assinantes do jornal. À medida que se lê tais nomes, verifica-se quem eram as figuras da
cidade que assinavam o jornal, bem como os inúmeros comerciantes locais. Os diretores
finalizam ressaltando que “muitas pessoas leem o Sud Mennucci por admirarem o saber”,
“haja vista não pertencerem ao nosso estabelecimento de ensino”. A constatação de que os
alunos conseguiram transformar os leitores do jornal em assinantes mensais do jornal,
inclusive fora do âmbito da escola, mostra novamente que o impresso estabeleceu sua atuação
– por causa da necessidade de financiar a produção dos exemplares – para além do âmbito da
instituição.

A perspectiva moral nos textos do jornal escolar aparece quando os alunos


organizadores do impresso se posicionam em relação à maneira como o aluno deveria se
comportar em relação “à boa conduta” e à disciplina dentro do espaço da instituição. Em
vários exemplares aparecem críticas por parte dos alunos sobre a prática da cola no Instituto,
como consta do terceiro exemplar:

Acovardar-se:
Nunca se ouviu dizer de um animal covarde, porque ele próprio se ignora.
Desconhece a sua existência e é somente a natureza que lhe infunde os
princípios da vida firmados nos instintos. Logo, o termo covarde nasceu do
próprio homem, que, desprezando a sua inteligência, sabendo-o, se
amedronta negando-se à nobreza, à audácia e ao caráter.
Covardes, portanto, os decalcadores, os coladores que sobem a
pusilanimidade para que se rebaixe a HONRA!

A perspectiva moral presente neste texto exemplifica a tônica do componente de


crítica que os alunos atribuíam ao aluno que colava nas provas. Neste discurso ficam
implícitas, de certa maneira, as qualidades que os editores do jornal esperavam que um aluno
tivesse dentro da escola. No mesmo exemplar citado acima aparece outra nota sobre a cola:

UMA BOA NOTA MÁ


O que sempre nos esgota,
84

É ver colegas na Escola,


Que há muito tempo tem nota,
A PÊSO DE FARSA E COLA.

Outra crítica que aparece em relação à conduta e comportamentos indesejáveis dos


alunos é em relação às chamadas faltas coletivas que ocorriam na escola. No exemplar de
número seis, na coluna intitulada “Crônicas do Templo”, o aluno Diogo Gil faz uma crítica à
atitude de certos alunos, que, bastando faltar um professor no período de aulas, “certos
colegas tentem induzir a classe à falta coletiva” nas outras aulas. Sobre isso, o aluno ressalta:

É necessário que se mude o pensamento de muitos estudantes, cuja


interpretação do significado de Estudo parece ser feita com boa dose de má
vontade. Tal se conclui quando apreciamos a atitude desses rapazes, que, por
qualquer pretexto, banalíssimos alguns, tentam arregimentar a turma de
classe num comando de vadiagem, que irrita os esforçados e estimula os de
situação insegura na vida escolar.

Tais críticas eram, até mesmo, ao que não se esperava de um aluno por parte dos
estudantes que atuavam no jornal. Neste contexto, normas de conduta eram inculcadas nos
leitores do impresso, sobre como os alunos deveriam se comportar ou não em determinada
situação dentro do espaço escolar.

Em outro ponto, a crítica ao mau aluno vem acompanhada de uma reflexão sobre
como deveria ser o estudante ideal. Neste ponto, a perspectiva moral se entrelaça a uma visão
nacionalista e patriótica, referente à finalidade da educação. No exemplar de número quatro,
aparece um texto que exprimia, inclusive, o papel do aluno nesse processo. Segue trecho do
texto que se intitula “Educação, base do progresso”:

Quando tomamos a palavra estudante no seu sentido genérico, idealizamos


para ela um jovem estudioso simples e bom. Estudioso, quando este jovem
está a par da matéria, tendo sempre as lições em dia. Simples, quando
modesto nas suas ações, lógico no pensar, compreende os que não o são.
Bom, quando, além de estudioso e simples, é educado. Um rapaz nessas
condições principais seria o nosso estudante ideal.
Examinando tais qualidades, podemos ver que, por infelicidade nossa não
está a classe estudantil formada de estudantes ideais. Não estamos querendo
ofender nenhum estudante, porém queremos reconhecer faltas que todos
temos.
85

Os estudantes continuam o texto discorrendo sobre como deveria ser o estudante ideal,
aquele que “respeita os outros alunos”, “não fala mal de ninguém” e “é educado”. Um
problema que a organização de alunos percebe é que este estudante idealizado não se revela,
na maioria das vezes, na escola.

Se os alunos teciam críticas em relação ao mau aluno, escreviam textos em relação à


atividade do magistério e o seu valor para a sociedade. Novamente, a perspectiva moral
referente agora ao professor ideal se alia a um discurso que estava na concepção do papel do
professor como iluminador das consciências. No exemplar de número seis, em homenagem ao
Dia do Professor, a aluna Thereza Watanabe escreve sobre “O Professor”:

O professor é como uma graça divina, vinda das alturas a iluminar, com a
luz do saber, as trevas da ignorância. O valor de um mestre é tão intenso,
que, com palavras, seria impossível descrever.
Levado apenas pela ambição de ensinar o bem à humanidade, devemos
honrar-lhes o nome, render-lhes as mais cultas homenagens, o que, aliás,
seria bem pouco se quiséssemos, dessa forma, demonstrar-lhes nossa
gratidão. Gratidão por ter-nos livrado das grades, do sofrimento atroz dessa
prisão, que é a ignorância.

A ideia da figura do professor iluminando, “com a luz do saber, as trevas da


ignorância”, é própria da concepção nacionalista da educação de fins do século XIX e início
do XX. Aqui e em outras partes do impresso, como também em jornais locais da época,
verifica-se a tônica deste discurso quando os sujeitos se referem ao Instituto de Educação Sud
Mennucci e aos professores que lá ministravam suas aulas. Pode-se conceber a permanência
deste discurso na década de 1950, com as particularidades daquele contexto.

Ainda sobre o professor e sua relação com o aluno, o grupo que organizou o jornal
escreve sobre “O Professor” no primeiro exemplar, na primeira página do jornal do Sud
Mennucci. Neste texto, os alunos expõem os benefícios da união entre professor e aluno.
Novamente, a ideia de “progresso” – que seria o fruto dessa relação – aparece no discurso dos
alunos:

Realmente o professor é sempre o espelho do aluno e para aquele convergem


os olhares críticos ou simpáticos deste. E, no entanto o mister de ensinar
seria bem facilitado se o aluno encarasse seu mestre com grande afeição e
simpatia, pois proporcionalmente a união dos dois extremos, realizaria o
ideal pedagógico: união íntima entre docente e discente, a formação de um
86

único círculo de aprendizado. Ainda mais, desse contato mútuo entre ambos,
aluno e professor, nasceria a sublimação do indivíduo, educação de
caracteres, desenvolvimento intelectual maior, marcha mais rápida para o
progresso.

Componente que consta em todos os exemplares do jornal O Sud Mennucci, conceitos


relacionados a um patriotismo que se verifica no discurso dos alunos quando os mesmos se
referem à instituição, ao papel do professor, como já foi ressaltado; às comemorações cívicas
no espaço escolar. Palavras como “ordem”, “progresso” e “pátria” aparecem nos textos
publicados no jornal. Quando os alunos se referem à posição da mulher na sociedade, como já
foi citado, recorrem a esses conceitos para caracterizar as novas atitudes das mulheres como
contrárias ao “progresso da Pátria”. Quando os alunos reclamam, como mencionado no
primeiro capítulo, sobre o racionamento de energia elétrica na cidade, se referem ao problema
como “atraso do progresso da Pátria”.

Em outro texto sobre a educação e os métodos educacionais, uma forma de crítica à


utilização de métodos antigos por parte dos professores do Instituto aparece na voz de um
aluno. Aqui, outra vez aparece o componente patriótico no discurso dos alunos. No exemplar
de número nove, num artigo de primeira página escrito por Plínio Camillo, intitulado “A
educação, ainda no tempo primitivo”, o aluno discorre sobre as diferentes finalidades da
educação, desde os tempos primitivos: que a educação é uma necessidade do indivíduo; que a
mesma deve ser ministrada pelos métodos contemporâneos educacionais.

Interessante notar aqui que o aluno se coloca em defesa de uma “rápida modificação
nos métodos educacionais, ainda em uso” no Instituto de Educação. A seguir, além do
componente patriótico na alusão à ideia de educação, os alunos criticam o método de ensino
em uso na escola:

Dos sentimentos nobres, ainda continua firme o sentimento de patriotismo;


mas, se os nossos educadores não velarem através da educação, por êle, por
certo fraquejará, nascendo a ruína, a confusão e a desconfiança. Estamos na
era em que os métodos científicos agem em todos os ramos de atividade,
provocando essa evolução rápida e insinuante. Apliquem-se os métodos
científicos educacionais e teremos resposta a um ideal tipicamente patriota.

Sobre o significado do papel do professor na época em que foram produzidos os


jornais escolares, Valdemarin (2010) procurou analisar as apropriações da concepção do
87

movimento da Escola Nova formulada em manuais didáticos elaborados no Brasil para uso
nos cursos de formação de professores, nível de escolarização imprescindível para os
propósitos de renovação pedagógica nas escolas brasileiras. Essas ideias, segundo a autora,
circularam no espaço educacional brasileiro através dos artífices do movimento no Brasil,
como Anísio Teixeira e Lourenço Filho, e por meio de manuais elaborados por dois
educadores, João Toledo e Antônio D’Ávila. Ambos compunham um conjunto de manuais
que discorriam sobre prescrições para a renovação, e que foram veiculados em instituições
escolares do estado de São Paulo entre os anos de 1925 e 1966.

Dentro desse processo de ressignificação da figura do professor, Valdemarin (2010)


explicita que para colocar em prática as novas ideias pedagógicas – os novos métodos citados
pelos alunos no trecho reproduzido acima –, foram criadas no Brasil escolas experimentais e
foram produzidos manuais e livros, estratégias de divulgação das novas concepções, fundadas
na teoria e método de John Dewey. Neste sentido, a autora destaca que aqui a “inovação foi
feita nos termos da tradição”, visto que algumas concepções de método de ensino por parte
dos professores foram mantidas, enquanto novos conceitos foram colocados nas velhas ideias
pedagógicas. Sobre esse processo, ressalta:

Pode-se afirmar que o período de efervescência de ideias aqui analisado


apresentou um sentido ainda não totalmente definido de renovação
pedagógica. A ênfase e esforço para provocar a mudança de mentalidades
são indícios fortes de que estava se estruturando uma nova concepção que
não chega a determinar as práticas pedagógicas senão em experiências
modelares que, por sua vez, atuam como afiançadoras dessas possibilidades.
Há, no entanto, uma tensão entre os objetivos pretendidos e as novas
experiências em formação que se relacionam de modo complexo com
aquelas já consolidadas e que pode ser evidenciado com a operação analítica
inversa, isto é, quando se consideram as práticas pedagógicas prescritas
como tributárias da educação renovada. (VALDEMARIN, 2010, p. 127.)

Dessa forma, a partir da análise dos manuais didáticos escritos pelos educadores, a
autora constata que as novas experiências colocadas em prática no Brasil foram apropriadas
por eles de maneiras distintas, havendo uma tensão entre as novas experiências em formação e
aquelas que já estavam consolidadas no ambiente educacional. Isso talvez explique a
reivindicação do aluno por mudanças nos métodos pedagógicos dos professores em uso no
Instituto de Educação Sud Mennucci entre os anos de 1952 e 1954.
88

Alusões ao valor do hino nacional aparecem no exemplar de número três, em


Curiosidades Gerais, no título “Compositores Célebres”, no qual os alunos discorrem sobre o
autor do “célebre” hino:

Francisco Manuel da Silva, o grande brasileiro que soube prestar uma grande
e devota homenagem à sua Pátria dando-lhe o nosso imortal Hino Nacional,
música vibrante e emotiva. Esse brasileiro imortal nasceu no Rio de Janeiro
a 21 de fevereiro de 1785 e faleceu na sua mesma cidade natal a 18 de
dezembro de 1865.

No exemplar de número seis, a direção do jornal edita duas páginas comemorativas do


dia da Pátria, com o auxílio da professora de história do Instituto, Maria Celestina Teixeira
Mendes, articuladora do Centro de Estudos de História, associação da qual os alunos e alunas
que publicavam no jornal faziam parte. Nesta edição, foram publicados textos extraídos de
trabalhos dos alunos.

Um texto emblemático que mostra uma perspectiva nacionalista se encontra nestas


páginas dedicadas a homenagear o dia da Independência, intitulado “O Nacionalismo em
1822”. Utilizando uma bibliografia que ia de Vicente Tapajós a Nelson Werneck Sodré, a
aluna Sonia Raquel Godoy, do 1º ano do curso científico, apresenta seu artigo, que, segundo
ela, “não tem a intenção de exgotar o assunto”; constituindo “apenas o esboço de uma
pesquisa futura”. No texto, a aluna passa a exaltar o nacionalismo republicano dentro do
grupo dos “nativistas” do século XIX: “Os mais exaltados eram, evidentemente, os nativistas,
cujo espírito nacionalista pugnava pela independência; a maioria pertencia às lojas maçônicas,
e era por muitos planejada a República”.

Alguns textos apresentam uma perspectiva nacionalista republicana, variada em


referências. O discurso do aluno Amador Pedroso de Barros, em comemoração ao aniversário
da escola, no exemplar de número oito, datado de maio de 1954, é transcrito na primeira
página do jornal. Neste exemplar, aparecem fotografias na primeira página, nas quais o aluno
Amador Pedroso de Barros, um dos articuladores do jornal, se encontra ao lado do diretor
Lauro Alves Catulé de Almeida, quando da festa de aniversário da escola. Neste texto, o
aluno discorre sobre o significado da comemoração, relacionando a mesma com Tiradentes –
“líder do movimento republicano” –, figura que, segundo ele, expressava os “ideais de
liberdade” que seria preciso alcançar por meio do despertar do sentimento nacionalista na
juventude. Sobre isso, o aluno se manifesta:
89

Hodiernamente, faz-se necessária uma nova conjuração; não somente


Mineira, mas que abranja todas as terras deste Brasil enorme, decepcionado
e dolorido pelas chagas imensas que seus filhos lhe abrem no coração. Faz-
se necessária conjuração de perigos iminentes para a nacionalidade e para a
integridade da Terra de Tiradentes. Apelemos à Mocidade moça. Ergamos
dessa senectude prematura os jovens do Brasil e verberemos a nacionalidade
amenizada, a nacionalidade adormecida e indiferente dos nossos dias em que
periga a liberdade tardiamente conquistada e que tão cedo está prestes a se
dissolver sob os pés da sobrançaria, sob os pés do escândalo e dos
vendilhões, que apregoam sua dignidade em troco de moedas de ouro.

E Amador Pedroso de Barros continua sua fala sobre a necessidade de uma nova
conjuração dentro e fora do educandário, de forma que a liberdade e o nacionalismo sejam
valorizados, de acordo com os ideais de Tiradentes. Atenta para a necessidade de uma
“reforma moral” que permita combater dentro da instituição “o plagiário, o charlatão, o
negocismo da prostituição política”. Mais uma vez, nesta fala do discurso do aluno, a
possibilidade de uma atuação extraescolar deste grupo que compunha a feitura do jornal
aparece, por meio da crítica feita “à prostituição política” e aos “charlatões”51. A necessidade
de lutar pelos ideais coloca a figura do inconfidente como de grande importância para os
estudantes:

Coloquemos o Tiradentes nas escolas. Encaremos a versão moderna de seus


ideais, perscrutemos o íntimo dos homens de hoje, notemos ali a falta da boa
extruturação espiritual, em que a ausência de sentimentos faz com que não se
possua dignidade sequer para consigo próprio, e moldemos seu arcabouço
moral com o exemplo do Mártir da Independência.

Os ideais republicanos dentro de uma perspectiva moral de formação do aluno


aparecem no discurso de Amador Pedroso de Barros. O exemplo do mártir da Independência
figura com importância no discurso do aluno para os alunos do educandário. No exemplar de
número um, datado de novembro de 1952, na coluna intitulada Aforismos, o grupo de alunos
publica máximas sobre a moral e o “amor à Pátria”, partindo da perspectiva de Gustave Le
Bon52:

51
A questão colocada sobre a crítica política feita por parte do aluno no discurso que está sendo descrito pode se
relacionar à ligação política dos alunos, que já foi de certa forma estabelecida no primeiro capítulo da presente
dissertação. Os laços relacionais poderão ser explicados de maneira mais esclarecedora a partir das entrevistas
com os alunos.
52
Segundo os alunos, as máximas foram tiradas do livro do doutor J. A. de Magalhães, Lições de higiene.
90

“O valor de um homem não se mede pelo nível de sua instrução, mas pela
elevação de seu caráter” (Le Bon), e é assim que vemos muitos homens de
grande instrução serem altamente prejudiciais à coletividade.
Ama a Pátria como a ti mesma e a humanidade acima da Pátria.

A elevação do caráter do indivíduo e o amor à Pátria aparecem nesta coluna e nas


outras que foram citadas ao longo do texto. A perspectiva moral está presente no discurso
com um tom nacionalista em todas as falas dos alunos.

Em relação ao componente nacionalista, patriótico e progressista presente nos textos


publicados nos jornais pelos alunos, é interessante notar o que era valorizado no currículo dos
educandos à época da circulação do impresso O Sud Mennucci. Em relação ao que era
ensinado nas escolas do estado de São Paulo, Bittencourt (1990) pesquisa o surgimento das
disciplinas históricas no currículo das escolas primárias e secundárias do estado de São Paulo
entre os anos de 1917 e 1939. Para isso, analisou o conteúdo dos programas escolares para a
disciplina de História, fazendo a relação da construção desse saber com os interesses do
Estado na política educacional. Para a autora, o ensino de história foi construído para veicular
um único passado formador da Nação e dos seus valores.

Para tanto, na segunda parte do primeiro capítulo deste livro, a autora percorre a
construção das disciplinas históricas em seus conteúdos e métodos, na tentativa de desvendar
as transformações efetivas que ocorreram na relação dos alunos com esse saber, tendo como
primeira preocupação recuperar o percurso da elaboração dos currículos de História para as
escolas primárias e secundárias, dentro de um currículo uniformizador para todo o Estado de
São Paulo (BITTENCOURT, 1990, p. 28-29).

É neste processo de análise que a autora aborda a multiplicação das disciplinas


históricas, que se verifica nos conteúdos a abordagem da história como genealogia da Nação,
de onde se criava a Pátria brasileira. A disciplina História da Civilização, baseada na
historiografia francesa, era voltada para o progresso, durante a década de 1920. A partir da
década de 1930, de acordo com Bittencourt (1990), o ministro Gustavo Capanema realiza um
inquérito, em nível nacional, visando à elaboração de um Plano Nacional de Educação, a
partir de 1936. Segundo a autora, o direcionamento das questões indicava uma política
educacional apoiada em um nacionalismo que procurava fazer do Estado o único agente
histórico da Nação. Sobre isso, ressalta:
91

Como resultado do inquérito, o ensino secundário que então passou a ser


proposto reforçava a necessidade de acentuar o caráter cultural do ensino
preparador dos futuros “condutores das massas”, compondo os programas
temas em que se associassem humanismo e patriotismo. A formação
humanística e a formação patriótica pareciam os instrumentos perfeitos para
a tarefa difícil de organizar o Estado e suas instituições, moldando-lhes a
forma e o caráter, atribuindo-lhe uma identidade – extensiva à nação – e
preparando as novas gerações para aceitar e perpetuar a ordem que se criava.
(BITTENCOURT, 1990, p. 90.)

O conteúdo dos programas de História, portanto, ao longo da década de 1930 e em


épocas precedentes, segundo a autora, tinha a preocupação em voltar os alunos – por meio dos
conteúdos das disciplinas ministradas nas instituições de ensino, principalmente as disciplinas
históricas – para a formação patriótica, na qual os valores nacionais deveriam ser inculcados
por meio dos conteúdos, a fim de compor uma ‘unidade’ de ideias e valores, inclusive morais,
componente que também aparece na fala dos sujeitos investigados. Os textos publicados pelos
alunos do Sud Mennucci contêm tais palavras conformadoras, que estavam presentes,
sobretudo, nos objetivos e programas curriculares para a disciplina História, nas escolas
secundárias. Verifica-se uma permanência desse discurso durante a década de 1950, com suas
particularidades de contexto.

2.3 Os embates entre os ensinos clássico e científico: uma perspectiva das práticas
escolares no impresso O Sud Mennucci

Outra forma de apropriação que aparece nos textos publicados nos exemplares do
jornal O Sud Mennucci é aquela relacionada aos embates em torno dos ensinos clássico e
científico presentes em forma de normas na lei do ministro Gustavo Capanema de 1942 e nos
textos publicados pelos alunos. O posicionamento dos alunos em torno das diretrizes do
currículo para as escolas secundárias estão presentes nos textos.

Souza (2008) aborda em seu livro, entre outros assuntos, os principais dispositivos
legais de estruturação do ensino primário e secundário estabelecidos no país ao longo do
século XX, e dos currículos prescritos na época, e mesmo antes da publicação dos jornais,
com o intento de explicitar as bases sobre as quais se organizou o trabalho nas escolas
(SOUZA, 2008, p. 13).
92

A autora centra de maneira enfática, a análise das prescrições educacionais referentes


ao currículo proposto para o ensino secundário, entre as décadas de 1930 e 1960. Num outro
ponto, analisa o cotidiano escolar, dialogando com pesquisas que tratam das práticas, das
apropriações das prescrições referentes ao currículo proposto pelo Estado.

Para tanto, no terceiro capítulo de seu livro, descreve as transformações sofridas pela
escola secundária entre as décadas de 1930 e 1960, por meio da análise dos documentos
normativos, como a legislação e os programas de ensino, bem como as reformas de Francisco
Campos e de Gustavo Capanema. Nestes textos, a autora procurou perceber articulações para
a mudança das propostas curriculares para o ensino secundário.

Ao colocar em cena os debates em torno do ensino secundário ao longo da década de


1930 e nas décadas seguintes, a autora procurou elucidar as posições conflitantes que
estiveram em jogo na configuração e legitimação do currículo. O Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova e a posição conservadora do ministro Gustavo Capanema mostram essa
preocupação. Esse embate denotou posições diferenciadas em relação ao currículo, por
exemplo. A discussão se pautou em controvérsias entre o ensino clássico, com o
protagonismo das humanidades, e o ensino científico53. O ministro defendia a posição
favorável ao ensino das humanidades clássicas, enquanto os educadores da Escola Nova,
considerando as matizes existentes, defendiam a incorporação dos estudos científicos.
Segundo a autora, essas controvérsias faziam parte de uma discussão mais ampla que envolvia
o papel político e social da educação secundária (SOUZA, 2008, p. 169-170).

Em outro ponto, a autora analisa as prescrições contidas nas leis orgânicas do ensino
secundário, elaboradas pelo Ministro da Educação à época do Estado Novo, em 1942. O autor
da lei privilegiou a educação humanista54, baseada na formação geral desinteressada, voltada
para a formação das elites. A divisão do ensino em dois ciclos manteve a função distributiva
do ensino secundário. O primeiro ciclo, denominado ginasial, compreendia um só curso de
formação geral, com duração de quatro anos. O segundo ciclo, com duração de três anos,

53
Os educadores do movimento da Escola Nova no Brasil, segundo Rosa Fátima de Souza (2008), defendiam
uma formação científica técnica para os trabalhadores, portanto, para as camadas populares. Na formulação dos
argumentos contra a educação humanista, esses educadores criticavam o caráter estritamente seletivo e
intelectualista da educação dada a elites.
54
Segundo a autora, o ministro Gustavo Capanema acreditava que cabia ao ensino secundário, por meio das
humanidades, dar aos adolescentes uma concepção do que era o homem, o ideal da vida humana e a consciência
da significação histórica da pátria. A compreensão de homem e cidadão devia ser forjada pela escola.
Interessante notar que esta concepção de formação proposta pelo ministro estava presente no discurso dos
alunos, seja para ressaltar uma perspectiva moral, seja para discorrer sobre o valor da Pátria dentro da instituição.
93

compreendia dois cursos paralelos – o clássico e o científico –, tendo por objetivo consolidar
a formação do curso ginasial (SOUZA, 2008, p. 172).

Antes de refletir sobre as apropriações dos alunos em relação ao currículo baseado no


ensino clássico e científico dentro desse debate mais amplo, é necessário expor quais cursos
eram oferecidos pelo Instituto de Educação à época da publicação do jornal escolar. De
acordo com publicação do jornal local da cidade de Piracicaba55 – datada do ano de 1947,
mais precisamente o dia do aniversário da escola –, de autoria de Lauro Alves Catulé de
Almeida, funcionavam no espaço do educandário os cursos de formação profissional do
professor (curso normal), o curso complementar, o curso pré-normal e o curso secundário, nos
primeiro e segundo ciclo, sendo este último dividido entre os cursos clássico e científico.

Os alunos organizadores do jornal pertenciam ao curso normal, aos cursos clássico,


científico e pré-normal, e publicavam textos no impresso, como trabalhos feitos em aula ou
mesmo textos literários ou científicos voltados para publicação no jornal. É neste contexto
que as apropriações do embate aparecem no impresso em forma de textos que ora versam
sobre literatura, ora sobre questões biológicas ou científicas, ligadas à indústria têxtil e
química.

Temas como poesia, autores literários, as normas cultas da língua ou até mesmo a
negação das normas de estilo na escrita de textos literários ou a imposição do latim no
currículo aparecem nos textos. Notícias sobre o clube de história mostram a preocupação com
o currículo humanista. Informações sobre as chamadas Semanas Euclidianas56 aparecem em
todos os exemplares, já que os alunos participavam das mesmas publicando trabalhos sobre a
obra Os Sertões, de Euclides da Cunha.

Coexistindo com textos de caráter literário, pertencentes às chamadas humanidades,


aparecem textos de caráter científico, como trabalhos que se preocupam com aspectos
biológicos das aves, ou com materiais da indústria química, por exemplo. Notícias sobre o
clube de ciências e a preocupação com as instalações desta associação também aparecem no
impresso.

55
Notícias sobre a Escola Normal, depois Instituto de Educação Sud Mennucci, foram publicadas nos jornais
locais de grande circulação da cidade de Piracicaba. Jornais como O Diário de Piracicaba, Jornal de Piracicaba
e Gazeta de Piracicaba publicaram – entre as décadas de 1940 e 1950 – muitos textos comemorativos do
aniversário da instituição. Muitas homenagens eram prestadas ao educandário. Importante constatar que esta
“imprensa maior”, como já foi ressaltado em outros pontos da pesquisa, também contribuiu para a construção da
memória coletiva de excelência da instituição.
56
As semanas euclidianas acontecem até hoje em Santa Cruz do Rio Pardo, cidade onde Euclides da Cunha
nasceu. Neste evento, alunos das escolas públicas e intelectuais brasileiros publicam textos referentes ao autor e
a sua obra, Os Sertões. O componente nacionalista republicano aparece nos textos.
94

Todos os exemplares apresentam reproduções de obras de poetas e literatos brasileiros,


com ênfase na literatura nacional. No exemplar de número um, por exemplo, aparece um
poema de José Marques Casimiro de Abreu, reproduzido no impresso, denominado
“Saudade”. No exemplar de número três, aparecem referências à biografia de Machado de
Assis e versos de autoria de Augusto dos Anjos. Poetas da Academia Mineira de Letras
aparecem entre as leituras dos alunos, como Djalma de Andrade, com a poesia “Brasil”.

Em outro ponto, tratando das questões do português, no exemplar de número quatro,


os alunos se manifestam em relação ao que chamam de Descaso (“incúria”) com as coisas da
língua dentro do Instituto de Educação. Segundo o texto, os alunos escrevem mal e falam
ainda pior, devido à chamada “moleza interiorana”. Para o grupo de alunos que publicava no
jornal, era necessário que o ensino do idioma fosse colocado em prática todos os dias da
semana. Neste sentido, pedem aos alunos da escola que se importem mais com o estudo do
português, para aplicá-lo no cotidiano com mais cuidado. Sobre a forma de falar dos alunos, o
texto ressalta:

É de arrepiar os pelos e ferir os tímpanos esse português sacrificado,


deturpado, estraçalhado, falado pela maioria dos alunos, num visível
atestado de incúria. Uns, por ignorância, de fato; a maioria, por saber e não
aplicar; todos, por incúria. Vergonhoso! Sabem como é: dando pro gasto tá
bom...

E os alunos continuam o texto, afirmando que os educandos tinham por obrigação “se
expressarem num português bom, firme, quer em exames, quer nas bobas conversas de banco
de jardim”. De acordo com o texto, a iniciativa e preocupação com o estudo do Português se
justificavam pela inclusão da disciplina nas provas de vestibular, o que antes não era
requerido57.

No exemplar de número nove, novamente aparece um texto no qual o aluno Aléssio


Françoso defende o direito dos estudantes de “falar difícil”. Segundo o aluno, ocorria nos
meios estudantis uma tendência em se criticar um colega quando aquele empregava uma
palavra dita “difícil”, sendo este comportamento para o aluno uma prova que atestava a
estupidez e ignorância daquele outro. Continua citando um fato como exemplo, em que um

57
Aqui é necessário perceber que o falar do piracicabano é, até hoje, uma característica regional da cidade, em
que o puxar dos “erres” (R) já foi inclusive estudado por escritores da cidade. Um exemplo de uma obra que já
foi citada no primeiro capítulo da dissertação é o Dicionário Caipiracicabano Arco, tarco, verva, de Cecílio
Elias Netto. Foi possível verificar, neste ponto, a crítica dos alunos ao modo de falar do piracicabano.
95

aluno foi vaiado por empregar o vocábulo “perfeitamente”. Para o aluno, os que vaiaram na
verdade não entenderam o significado da palavra empregada, e aconselha:

Penso que tais estudantes deveriam agir de outra maneira. Carregar, no


bolso, um dicionário portátil e quando um colega sair com um vocábulo
“difícil” não vaiar, mais sim, se não entender, procurar às escondidas o
significado do mesmo no dicionário para não ficar em situação de
inferioridade perante os colegas. Há muitos, que tem a simplicidade de dizer
que tem “vergonha” de falar corretamente, mostrar que sabem alguma coisa.
Como é que num dia de exame ou sabatina não tem “vergonha” de mostrar o
que sabem? Ora, isso significa que só lhes interessa passarem, serem
aprovados, naquela hora. E o resto do ano? Passarem por ignorantes, caindo
das nuvens, quando ouvem o chamado “falar difícil”.

Por outro lado, no exemplar de número três, o aluno Sebastião de Almeida Mendonça,
escreve a coluna “Quero escrever”, na qual desabafa contra as imposições das normas de
estilo na língua portuguesa. Para o aluno, o “estilo” tira a espontaneidade da escrita:

Quero escrever simples e gostoso. Quero ouvir os outros lerem o que


escrevo. Porém as normas de estilo, as normas de tudo, as normas de
sentimento também, não me permitem fazê-lo. Logo não posso escrever. Se
eu fizer isso os outros me criticam.

Um texto, publicado no exemplar de número seis, discorre sobre o latim e a ciência na


escola. O professor Benedito Antônio Cotrim discorre, em uma coluna na primeira página do
impresso, sobre o estudo do latim no currículo do ginasial. Não é contra o estudo da língua na
escola, como pregam os “antilatinistas”. Entretanto, faz uma crítica à forma como o mesmo
era ensinado nos cursos ginasiais:

O que há de errado no caso é o modo como é encarado o assunto de Latim,


cujo método até hoje é o da decoração, um empanturrar de declinações e
conjunções. Um Latim, cadáver de vários entes, já desaparecidos, como
Cícero, Ovídio, César e outros. Falta no estudo de Latim, Lógica e muita
ciência, que os nossos anti-latinistas, também não conseguem incutir pro
espírito da meninada. A História, a Geografia, a Matemática, as Ciências
Naturais, as demais línguas são pontos de apoio para o professor de Latim
conseguir despertar o interesse dos alunos pelo conhecimento dos textos e
interpretação judiciosa dos mesmos.
96

Segundo o aluno, o Latim não deveria ser abolido do currículo do ginasial. Entretanto,
a maneira de ensiná-lo é que deveria ser reavaliada para avivar o interesse dos alunos pelo
estudo da língua. Neste sentido, é possível verificar em que medida os alunos e também os
professores se interessavam e discutiam sobre o que e de que maneira era ensinado na
instituição. No fim do texto, o professor propõe a utilização do “método globalizador e de
projetos”, no sentido de se ter uma visão de conjunto e um lado objetivo do ensino. Ressalta
que “as experiências de Decrolix e de Dewey” podem ser aplicadas baseando-se nesta nova
maneira de ensinar o latim. Aqui é necessário ressaltar que para esses alunos, os novos
métodos da escola nova circulavam pelo espaço do Instituto, mas não eram colocados em
prática pelos professores.

Neste ponto é visível uma espécie de tensão entre o grupo de alunos que escrevia e
compunha a organização do impresso, visto que, nos primeiros textos ocorre a defesa do falar
correto ou “difícil” por parte dos alunos do educandário. Já nos outros textos, seja na
explanação do aluno Sebastião de Almeida Mendonça sobre as normas de escrita, ou na
discussão do professor Benedito Almeida Cotrim sobre a forma de ensinar latim por parte dos
professores, são demonstrados pontos de tensão entre as ideias dos diferentes alunos que
escreviam no impresso O Sud Mennucci.

As referências a Euclides da Cunha e às semanas euclidianas aparecem em alguns


exemplares do Jornal O Sud Mennucci, como no exemplar de número quatro, no qual,
inclusive, os alunos publicam textos sobre o autor, sua obra e a perspectiva nacionalista de
formação do “mestiço”, presente na mesma. O aluno Diogo Gil, em Crônicas do Templo,
discorre sobre a participação dos alunos nas “festas euclidianas” e os objetivos das mesmas:

As festas euclidianas – merecida homenagem a Euclides da Cunha, através


de “Os Sertões” – abrangem toda uma semana de agosto, de 9 a 15,
compondo-se de palestras radiofônicas, onde se destacam figuras de pêso;
debates entre estudantes de Faculdades de Direito do país; jogos; a
Maratona; exposições no Salão de Belas Artes, de flores e outras vibrantes
manifestações. Um colosso! Tudo em volta de “Os Sertões”. Os ornamentos,
os programas de rua, o jornal – “Os Sertões”!

Interessante notar que na mesma página deste exemplar aparece uma coluna escrita
por Irineu Volpato, aluno do curso pré-normal, intitulada “Euclydes da Cunha em prismas”.
Neste texto, o aluno discorre sobre aspectos da obra Os Sertões, como as características do
97

sertanejo mestiço, que, vivendo no meio tropical, teve sua capacidade intelectual diminuída.
O aluno saúda o escritor, relembrando no texto alguns pontos importantes de sua obra:

Adiantemos ao Euclydes perscrutando a sociologia nossa, a etnografia da


nossa raça, amalgamada em outras três diversas, onde forçosamente
entravam as mais discordantes raças, diversos pensares e tradições opostas.
Euclydes temendo a incapacidade do mestiço, para progredir dentro dos
padrões da nossa época e do meio físico tropical – “quase tão hostil ao
mestiço e ao indígena quanto ao branco, pela copiosa exuberância da vida
vegetal” – contra os caucheiros – “À Margem de História”.

O aluno apresenta a visão determinista de Euclides da Cunha sobre a formação do


caráter do povo brasileiro. Obra produzida durante a República, em sua segunda parte, “O
Homem”, expõe a origem do “jagunço”, do sertanejo, que tem como fato determinante do seu
caráter o ser tipificado como mestiço, e o estar sujeito a viver num meio hostil. A
caracterização da obra Os Sertões, por parte de um aluno do curso pré-normal, mostra, de
certa maneira, que nesta instituição os alunos liam essa obra dentro do currículo proposto.

Referências às atividades do chamado Centro de Estudos de História estão presentes


no jornal O Sud Mennucci – organizado pelos alunos do Instituto de Educação e coordenado
pela então professora de História dos alunos organizadores do impresso, Maria Celestina
Mendes Torres – e mostram um direcionamento do currículo para o ensino clássico, para as
chamadas humanidades. Já no primeiro exemplar, surgem referências ao centro de estudos e
sua finalidade, que, segundo os organizadores do impresso, “teria por fim despertar o
interesse pelos estudos de História tem em vista principalmente realizar na medida do possível
pesquisas sobre Piracicaba”.

As mesmas páginas em que os alunos valorizavam o currículo baseado nas


humanidades, também exibem textos que se direcionam para o currículo do ensino científico.
Alunos que escreviam no jornal faziam parte destes cursos e se manifestavam por meio do
jornal escolar.

Neste ponto, aparece a preocupação dos alunos com a formação de caráter científico.
Ao mesmo tempo em que a cultura clássica, humanística, aparece nos discursos e nos textos
publicados no impresso, a valorização da cultura científica aparece em forma de práticas
escolares no jornal escolar.
98

Referências à formação de um Clube de Ciências aparecem em um texto contido no


segundo exemplar, quando o aluno Vicente Frasson escreve uma coluna na primeira página
do impresso intitulada “Reflexões sobre o Clube de Ciências”. Inicia sua explanação
ressaltando que para que ocorra o ensino racional da zoologia, da botânica e de qualquer outra
ciência que estudasse a natureza, seria necessário haver material pedagógico específico. Neste
sentido, o aluno denuncia a falta de material pedagógico para experimentos nas escolas
secundárias, inclusive no Instituto de Educação. Segundo Vicente, a formação do Clube de
Ciências viria sanar essas deficiências do ensino:

Refiro-me ao “CLUBE DE CIÊNCIAS” situado à rua Ipiranga nº 1424


que nascido do idealismo e trabalhos de seu fundador Moacyr Diniz,
catedrático de ciências naturais da Escola Normal “SUD MENNUCCI” e
Colégio Estadual de Piracicaba, vem prestando reais serviços à classe
estudantil de nossa cidade, recebendo elogios de todos quantos o visitam
e servindo mesmo de modelo para a instalação de outros centros de
estudo com essa mesma finalidade, em diversos pontos do país. Quando
vemos o papel preponderante desempenhado pela ciência no mundo
atual, temos fundados motivos para nos ufanarmos, como estudantes
piracicabanos, de termos entre nós uma instituição sem fins lucrativos,
contribuindo decisivamente à cultura científica em nossa terra pelo real
interesse que nos tem despertado.

A reflexão feita pelo aluno Vicente Frasson apresenta uma denúncia em relação às
condições materiais das escolas secundárias à época da publicação do impresso, e mostra a
articulação que foi feita entre os alunos do curso científico da instituição para que o “estudo
das ciências” pudesse ser viabilizado. Fundado pelo professor dos alunos, Moacyr Diniz58, o
Clube de Ciências, segundo o aluno, funcionava em um espaço extraescolar, e, segundo o
aluno, servia à época de modelo para outros centros de estudo. Por fim, o aluno fala sobre a
“importância da ciência no mundo atual”, onde a cultura científica passou a despertar
interesse.

No exemplar de número três, “o valor da química na indústria têxtil” é o assunto de


uma coluna no impresso. Neste texto, o aluno discorre sobre a importância da química na
fabricação de tecidos. Ressalta que o trabalho mecânico das fibras em sua produção necessita
da colaboração dos processos químicos para se apresentar ao comércio. A “parte físico-
química” e suas várias operações são consideradas para que se obtenham diferentes tecidos.

58
Este sujeito já apareceu no primeiro capítulo da presente dissertação. Articulou, junto com o deputado
piracicabano Valentim Amaral, a transformação da Escola Normal Sud Mennucci em Instituto de Educação,
mais precisamente em agosto de 1953.
99

Ao lado desta coluna descrita, no mesmo exemplar, são apresentadas algumas


“curiosidades científicas”, em que o aluno Otávio Zaidan fala a respeito das unidades de
comprimento, refere-se ao peso do átomo, discorre sobre o dia mais comprido e também sobre
“o maior e o menor mamífero existente”. As curiosidades apontam para aspectos do currículo
que era ensinado na instituição, baseado também em uma cultura de caráter científico.

As práticas escolares dos alunos do Instituto de Educação Sud Mennucci expressas nos
textos do jornal escolar produzido por eles, revela apropriações de uma discussão maior,
inserida no âmbito das prescrições, entre ensino clássico e ensino científico. Ao que tudo
indica, o jornal analisado valorizava sobremaneira as publicações de caráter literário e
pertencente às humanidades. Entretanto, em todos os exemplares encontram-se textos que
também apresentam a formação científica presente no currículo das escolas secundárias na
década de 1950, fruto dos debates que ocorriam no âmbito das normatizações para o currículo
desse grau de ensino.
100

3 AS MEMÓRIAS DO GRUPO DE ALUNOS: FLUTUAÇÕES E CONTRADIÇÕES


NAS NARRATIVAS

Este capítulo tem por objetivo analisar, por meio das memórias de três ex-alunos, as
respostas para algumas perguntas que não ficaram esclarecidas nos dois capítulos anteriores.
Estas respostas serão problematizadas de maneira crítica de acordo com o respaldo
metodológico de Michel Pollack (1992) e Verena Alberti (2004), no que diz respeito às
definições colocadas pelos autores a respeito da memória individual e coletiva dentro de um
grupo ou de uma sociedade. Foram entrevistados três sujeitos que estudavam no educandário
entre os anos de 1952 e 1954: Luiz de Almeida Mendonça e Gustavo Jacques Dias Alvim, ex-
alunos que participaram diretamente do empreendimento de produção do jornal escolar. E a
outra entrevistada foi a historiadora Marly Therezinha Germano Perecin, que não participou
do grupo que produziu o jornal, mas contribuiu sobremaneira para as indagações que foram
colocadas, visto que a mesma é uma figura chave na construção da memória coletiva da
instituição e estudava na escola na época em que jornal circulou no Instituto de Educação e na
cidade de Piracicaba.

Dessa forma, questões que foram levantadas ao longo dos dois capítulos antecedentes
serão aqui retomadas e problematizadas junto com as memórias que foram recolhidas. Foram
exploradas não apenas questões que as fontes escritas não deram conta de responder, mas
também respostas que ganharam outra conotação a partir da memória individual dos
entrevistados. Visto as surpresas que as respostas nos trouxeram, as memórias dos
entrevistados serão consideradas tomando-se por base uma dimensão individual das
lembranças dos ex-alunos, visto que as falas gravaram a atuação profissional e a participação
individual de cada entrevistado ao longo de sua vida, tanto em relação à escola quanto ao
empreendimento do jornal. Curioso perceber que as narrativas não nos deram uma dimensão
da memória coletiva para a experiência de produção de jornal entre os anos de 1952 e 1954,
mas sim de uma memória individual. Por outro lado, as narrativas foram consoantes àquela
memória coletiva de excelência da instituição, já discutida no primeiro capítulo.

Em relação à interpretação metodológica destas fontes orais, Michel Pollack (1992) e


Verena Alberti (2004) apresentam contribuições no que diz respeito à organização e às formas
de construção destas memórias individuais e coletivas, presentes nas narrativas dos
entrevistados nesta pesquisa.
101

Pollack (1992) conceituou a questão da ligação entre a memória e a identidade social


no âmbito da história oral, memória essa que pode ser caracterizada como individual ou
coletiva. Cita, a princípio, que o fenômeno da memória parece à primeira vista, algo
individual, mas que, entretanto, os avanços nas pesquisas mostraram, citando Halbwachs, que
a memória deve ser entendida como um fenômeno construído coletivamente e submetido a
transformações e mudanças constantes, havendo, neste trabalho de construção, marcos ou
pontos invariáveis e imutáveis, nos quais ocorreu um trabalho muito organizado de
solidificação da memória (POLLACK, 1992, p. 201).

Ao caracterizar o fenômeno da memória individual e coletiva, o autor chega a algumas


conclusões que caracterizam o fenômeno, quais sejam: a memória é seletiva, pois nem tudo
fica gravado e registrado; a memória é, em parte, herdada; as preocupações do momento
constituem elementos de estruturação da memória, também em relação à memória coletiva; a
memória nacional constitui um objeto de disputa importante, pois são comuns os conflitos
para determinar, por exemplo, quais datas vão ser gravadas na memória do povo,
constituindo-se num verdadeiro trabalho de enquadramento organizado. Elemento que
constitui identidade ao indivíduo e ao grupo, a memória é um fenômeno construído, grupal e
individualmente, que ocorre no trabalho de gravar, recalcar, excluir, sendo resultado também
de um trabalho de organização (POLLACK, 1992, p. 203-204).

Em relação à utilização das memórias como fonte de pesquisa em história da


educação, Alberti (2004) se remete a Pollack para mostrar com cuidado, que a constituição da
memória é objeto de negociação. Sobre isso, ressalta:

[...] A memória é essencial a um grupo porque está atrelada à construção de


sua identidade. Ela (a memória) é resultado de um trabalho de organização e
de seleção do que é importante para o sentimento de unidade, de
continuidade e de coerência – isto é, de identidade. E porque a memória é
mutante, é possível falar de uma história das memórias de pessoas ou
grupos, passível de ser estudada por meio de entrevistas de História oral. As
disputas em torno das memórias que prevalecerão em um grupo, em uma
comunidade, ou até em uma nação, são importantes para se compreender
esse mesmo grupo, ou a sociedade como um todo. (ALBERTI, 2004, p.
167.)

Em relação à utilização das memórias individuais como fontes para a pesquisa em


questão, Alberti (2004) atenta para as potencialidades e os cuidados que se deve ter ao utilizar
este procedimento metodológico de pesquisa. Para a autora, as potencialidades de pesquisa
102

em história oral envolvem a especificidade deste tipo de fonte, que permite o estudo das
formas como pessoas ou grupos efetuaram e elaboraram experiências. Entender como pessoas
e grupos experimentaram o passado torna possível, num sentido, questionar interpretações
generalizantes de determinado acontecimento. A entrevista tem a capacidade de contradizer
generalizações do passado (ALBERTI, 2004, p. 165-166).

Ressalta que o método sofreu críticas no que dizia respeito às distorções da memória,
pelo fato de que não se pode confiar no relato do entrevistado, carregado de subjetividade.
Acredita que hoje, se forem consideradas as análises dessas “distorções”, é possível
compreender melhor os valores coletivos e as próprias ações de um grupo dentro da
coletividade (ALBERTI, 2004, p. 166-167).

A autora também faz a crítica da subjetividade dentro do campo da história oral, vista
por alguns como justificativa para que ela seja supostamente “não vinculada à realidade”.
Para a autora, existem várias versões e “construções” do passado. Tal declaração torna-se
recorrente no campo da história oral. De acordo com essa afirmativa, e além das críticas ao
método, a autora enfatiza:

[...] a história oral tem o grande mérito de permitir que os fenômenos


subjetivos se tornem inteligíveis – isto é, que se reconheça, neles, um
estatuto tão concreto e capaz de incidir sobre a realidade como qualquer
outro fato. Quando um entrevistado nos deixa entrever determinadas
representações características de sua geração, de sua formação, de sua
comunidade, etc., elas devem ser tomadas como fatos, e não “construções”
desprovidas de relação com a realidade. É claro que a análise desses fatos
não é simples, devendo-se levar em conta a relação de entrevista, as
intenções do entrevistado e as opiniões de outras fontes. Antes de tudo, é
preciso saber “ouvir contar”; apurar o ouvido e reconhecer esses fatos, que
muitas vezes podem passar despercebidos. (ALBERTI, 2004, p. 09-10.)

A autora continua falando sobre a ideia de “retorno ao fato”, no sentido de aperfeiçoar


as análises para a descoberta de acontecimentos que possam gerar mudanças, gerando novos
sentidos aos mesmos, sempre fazendo referência à realidade. Segundo ela, devemos prestar
mais atenção aos “acontecimentos” e às “ações” da entrevista, ao trabalho de “constituir
realidades” e de enquadrar a memória (ALBERTI, 2004, p. 10).

Todas estas questões envolvidas com o campo de pesquisa baseado nas memórias dos
indivíduos, ressaltados por Pollack (1992), serviram de respaldo para a análise que será feita
adiante. Ao longo do texto serão levados em consideração todos estes pontos de construção,
103

seletividade da memória em relação ao que fica gravado, o que se exclui e o que se recalca
sobre determinado fato que estes alunos deverão buscar. Em outro ponto, como ressalta
Alberti (2004), as memórias individuais serão interpretadas levando em consideração a
especificidade deste tipo de fonte, na tentativa, não de captar o “real”, mas de compreender
como os indivíduos entrevistados elaboraram esta experiência do passado escolar, com
análises das possíveis distorções próprias da subjetividade humana, e que foram colocadas
pelos mesmos.

3.1 Os ex-alunos do Sud Mennucci e suas trajetórias

Esta seção tem por finalidade – antes de partir para a problematização das questões
colocadas – expor a trajetória dos ex-alunos entrevistados, que participaram direta ou
indiretamente do empreendimento de produção do impresso analisado. Isto porque as falas
dos alunos se pautaram, em certa medida, ao longo das entrevistas, pela atuação individual
dos mesmos no que se refere tanto à época em que o jornal Sud Mennucci foi publicado,
quanto aos momentos posteriores de suas vidas. Estas trajetórias ajudam na compreensão dos
posicionamentos atuais dos entrevistados frente à determinada atuação no passado, como a
articulação do grupo de alunos para produzir um impresso escolar, problema e questão central
desta pesquisa. O olhar sobre as memórias tem que contar com o componente da experiência
de vida posterior do entrevistado, na qual ocorre a construção da memória individual, com os
pontos de seletividade ressaltados por Pollack (1992). O autor ressalta inclusive que as
preocupações do momento constituem elementos de estruturação da memória (POLLACK,
1992, p. 203).

Desse modo, se justifica analisar – por meio das memórias dos próprios entrevistados
– a trajetória profissional dos ex-alunos que conseguimos entrar em contato: Gustavo Jacques
Dias Alvim, Luiz de Almeida Mendonça, dois ex-alunos que pertenceram ao grupo que se
articulou para produzir o jornal escolar em 1952, e Marly Therezinha Germano Perecin,
historiadora que foi responsável pela “escrita institucional” da história da escola na cidade de
Piracicaba. Além de ser considerada uma das autoras que contribuiu para a construção da
memória de excelência da instituição, também foi aluna do Instituto nos anos em que o jornal
foi produzido e publicado.
104

Gustavo Jacques Dias Alvim, ex-aluno do Instituto de Educação Sud Mennucci, é


professor e reitor da Universidade Metodista de Piracicaba. Seu nome apareceu no impresso
como orador do Grêmio Normalista e como um dos redatores do jornal escolar. Em alguns
exemplares dos jornais, Gustavo aparece no discurso de posse do Grêmio como porta-voz das
melhorias no espaço do educandário, como, por exemplo, da construção de novas salas de
aula no Instituto de Educação, no ano de 1953.

Durante a entrevista, o professor, contando as lembranças do empreendimento do


jornal escolar O Sud Mennucci, falou um pouco de sua trajetória de vida e sua relação com o
jornalismo. Segundo ele, sempre “mexeu com jornal, desde criança”. Inicia contando sobre
sua relação com a mocidade metodista na sua infância e o gosto pela escrita. Nesse período,
segundo ele, também se envolveu com a feitura de jornais para a Igreja. Continua dando
exemplificações de seu envolvimento com a imprensa:

E todo lugar que eu me meti, eu acabei mexendo com jornal. Por exemplo,
em São Paulo eu fiz bacharelado em Sociologia e Política e lá, no Centro
Acadêmico, tinha um jornal, do qual fui redator. Eu tenho jornal daquela
época nos meus arquivos. Trabalhei na Dedini e nessa empresa eu criei um
jornal; escrevi muito nos jornais locais, revistas, tenho muita coisa
publicada. Inclusive o jornalismo sempre foi uma coisa que esteve dentro de
mim. Eu quando fui pra São Paulo estudar, o meu primeiro emprego lá foi
numa revista, que era uma revista da mocidade metodista do Brasil.
Comecei como revisor, depois de um ano e pouco, eu já era redator e logo
em seguida fui diretor da revista: aí eu trabalhei uns cinco anos. (Gustavo
Jacques Dias Alvim, entrevistado.)

Continua contando que em Piracicaba foi sócio de Cecílio Elias Neto na fundação do
jornal A Província, tendo trabalhado com o escritor durante dois anos. Após isso apresentou
sua formação profissional, sempre mostrando o envolvimento com o jornalismo:

Em São Paulo eu fiz também Direito e Publicidade e Propaganda, quando


este curso ainda era livre. Curso que foi semente do ESPM. Depois que eu
estava pra cá trabalhando, eu fiz Administração. Na época a gente
conseguia, sendo advogado, fazer o curso num tempo mais curto. Eu fiz em
Bragança Paulista, para onde eu viajava, fiz Jornalismo aqui mesmo na
Unimep. Jornalismo eu cursei assim mais por diletantismo. Eu gostava tanto
que dava aula no curso também. Então eu dava aula e era aluno. Eu fui o
primeiro diretor do primeiro curso superior da instituição há cinquenta
anos. E outra coisa que eu quero contar: essa vontade de estar no
jornalismo é tão grande que, quando fiz o meu doutorado, eu fi-lo em
Comunicação e Semiótica na PUC de São Paulo, com ênfase no jornalismo
105

e eu transformei a minha tese num livro que conta toda a história do Diário
de Piracicaba. (Gustavo Jacques Dias Alvim, entrevistado.)

A formação em várias graduações, envolvida com a constante relação com o


jornalismo em sua trajetória de vida, explica sua disposição durante o processo da entrevista.
O professor se preparou com antecedência, visto que foi enviado um roteiro com as perguntas
que seriam feitas aos ex-alunos59. Chegou à sala com uma folha toda escrita com as respostas
que ele havia construído sobre as lembranças do empreendimento e foi contando suas
impressões, de acordo com o que estava escrito no papel. O posicionamento como intelectual
e sua estreita relação com o jornalismo se torna evidente, tendo inclusive defendido uma tese
que conta a história do jornal local, Diário de Piracicaba. Isso talvez ajude a explicar seu
posicionamento frente às questões que foram colocadas e a maneira como este sujeito tratou
de respondê-las, “versões” inseridas logo adiante, no presente capítulo.

Luiz de Almeida Mendonça é considerado pelos ex-alunos entrevistados como o


grande articulador do empreendimento do jornal. Aparecia nos exemplares como o diretor-
fundador do mesmo. Não escreveu textos no impresso, mas, segundo suas memórias, foi o
responsável pelo pagamento da impressão do jornal e pela circulação, tanto dentro quanto fora
do espaço do Instituto de Educação. Apresentou uma memória técnica e operacional sobre o
processo de constituição e produção do jornal escolar. Não fez análises aprofundadas como os
outros entrevistados em relação ao contexto de produção dos impressos e também ao processo
de formação dentro da escola, esmiuçado e discutido nas outras falas. Sobre a sua trajetória e
formação profissional, falou ao fim da entrevista quando foi questionado sobre a sua
formação no Instituto de Educação Sud Mennucci: “Eu fiz advocacia. Mais eu fiz advocacia
depois de alta idade, depois de velho. [...] Na escola normal, no Sud, eu não terminei, eu fui
trabalhar em São Paulo, queria casar” (Luiz de Almeida Mendonça, entrevistado).

Acentua ao longo de sua fala que iniciou os estudos na faculdade no momento em que
o filho passou no vestibular para medicina. Sobre suas experiências após a escola, Luiz
Mendonça conta sobre suas vivências no campo da educação:

59
Interessante notar aqui que foi este ex-aluno o responsável por ceder-nos os outros exemplares que não
estavam presentes no arquivo da escola. O professor, segundo me contou informalmente, tem todos os números
dos exemplares guardados em sua casa. Num primeiro contato, logo no início da pós-graduação, ele me cedeu os
exemplares de número três e de número sete. Ao longo desta entrevista, chegou à conclusão de que havia mais
três exemplares, que fechavam o empreendimento em uma série de onze publicações. Acredito que neste
movimento de se preparar para responder às perguntas da entrevista, chegou à conclusão – talvez procurando em
seus arquivos pessoais – de que o tempo de duração do jornal foi até dezembro de 1954. Assim, ficou visível nas
ações deste entrevistado a enorme atenção que ele deu à documentação histórica e ao valor destes registros.
106

E em 1955, os Mendonça saíram de Piracicaba e foram para Curitiba. Eu já


trabalhava no Bradesco em São Paulo. Então eu tava em São Paulo porque
eu namorava e depois eu mudei pra Curitiba também. Quando casamos
fomos morar em Curitiba. E lá eu criei o Instituto Mendonça de ensino e era
dez anos antes do CLQ, pra dar aulas de reforço pra cursinho. Então eu
aluguei a casa do ex-governador do estado do Paraná, naquele tempo se
chamava interventor né. E lá era uma casa muito grande do governador e lá
nós fizemos escola, e meus irmãos mais velhos lecionavam. (Luiz de
Almeida Mendonça, entrevistado.)

Neste trecho e em outras partes da entrevista, Luiz Mendonça se refere aos outros dois
irmãos, já falecidos, que também fizeram parte do empreendimento do jornal, Sebastião de
Almeida Mendonça (chamado de Taco pelos entrevistados), e Joaquim de Almeida
Mendonça, ambos redatores no jornal. Interessante notar que nesta experiência contada sobre
a fundação do Instituto Mendonça na cidade de Curitiba, novamente Luiz aparece como o
administrador do empreendimento, aquele que “mexia com o dinheiro”. Em relação aos
estudos no Sud Mennucci, segundo o entrevistado, o curso que ele não concluiu foi o ginásio.
A relação com os empreendimentos se mostra mais técnica.

A outra entrevistada, Marly Therezinha Germano Perecin, já citada no primeiro


capítulo deste texto, é uma historiadora piracicabana. Tendo feito doutorado em História, e
sendo professora da disciplina, escreveu vários livros sobre a cidade de Piracicaba e sobre a
história da escola Sud Mennucci. É uma das responsáveis pela construção de uma memória
idealizada da instituição que se tornou coletiva, já apresentada no capítulo primeiro. Por esse
fato e por também ter sido aluna do Instituto de Educação à época da publicação do impresso,
embora não tenha participado do empreendimento, também nos contou suas memórias a
respeito da escola e da associação de ex-alunos. Sobre a sua trajetória de formação e a
influência de seu pai na infância, a professora conta:

Sempre fui pesquisadora, sempre tive essa aptidão para história e ciências
sociais. Meu pai tem uma culpa muito grande porque foi ele que me punha
nos ombros e me mostrava o lado social de Piracicaba. Então eu conhecia
os tipos populares, que haviam nascido na escravidão, os coronéis. Ele me
mostrava essas coisas. Eu digo sempre que eu conheci Piracicaba do alto.
[...] Então eu tinha quatro anos e ele me punha nas costas e andávamos (eu
era filha única, sempre fui), andávamos pela cidade, ele dizia: tá vendo
aquela ali? Aquela ali é filha de escravo. Tá vendo aquele ali? Não, aquele
foi escravo. Eram tipos populares né, os políticos importantes, as pessoas
orgulhosas.
107

[...]Ele conversava com ricos, pobres, brancos e negros, azuis de bolinha


verde, branco, bolinha roxa. (Marly Therezinha Germano Perecin,
entrevistada.)

Nesta e em outras partes da entrevista, a professora vai narrando sua relação com os
aspectos sociais desde sua infância. Segundo ela, o pai sempre mostrou a perspectiva social da
cidade de Piracicaba, enquanto a mãe era professora, tendo recebido dela também influências
em sua formação profissional. Sobre a carreira de professora, quando fala, acentua que a
relação com o Sud Mennucci foi muito importante para sua vida, visto que estudou no
educandário na década de 1950 e em momento posterior, depois de formada em História,
passou a ministrar aulas na instituição.

Dessa forma, o fato de a entrevistada ter sido aluna e professora da instituição, ter se
formado historiadora e ter escrito a história da escola pesquisada, fez com que contasse suas
lembranças por meio de uma narrativa construída. O rebuscar das palavras e a sensibilidade
com que falava dos assuntos tratados mostra seu olhar de historiadora para o passado e sua
relação afetiva com o Instituto de Educação. Sua relação com a entrevista foi singular, já que
as perguntas que foram feitas a ela se diferenciaram daquelas feitas para os ex-alunos que
participaram diretamente da produção do jornal escolar O Sud Mennucci. Essa condição fez
com que, durante a entrevista, memórias valiosas fossem coletadas, desde a questão social
envolvida com a escola e a cidade, até as lembranças sobre os professores do Instituto e do
processo formativo que se dava na instituição.

Esta síntese da trajetória dos entrevistados nesta pesquisa serve aqui para situá-los e
entender um pouco a perspectiva de vida e formação de cada um, visto que estas experiências
de vida, como já foi dito acima, contribuem para a forma como as memórias e lembranças
recolhidas sobre a história do impresso O Sud Mennucci foram narradas pelos entrevistados.

3.2 Memórias sobre o empreendimento de produção do jornal O Sud Mennucci

Este item tem por finalidade expor as memórias dos entrevistados sobre o
empreendimento de produção do jornal, tentando, ao longo da exposição, mostrar as
distorções e contradições que aparecem quando se trabalha com memórias individuais,
questão considerada por Alberti (2004) ao problematizar o método da história oral nas
pesquisas. Segundo a autora, há que se captar a análise de possíveis distorções da memória,
108

devido ao discurso do entrevistado que muitas das vezes vem carregado de subjetividade.
Desta forma, o texto será escrito a partir de uma retomada das questões que não foram
esclarecidas nos capítulos anteriores.

A questão central que permeou essa pesquisa foi compreender como se estabeleceu a
relação de um grupo de alunos do Instituto de Educação Sud Mennucci em torno da
articulação e produção de um jornal escolar, intitulado O Sud Mennucci, entre os anos de
1952 e 1954. Algumas hipóteses foram levantadas ao longo da análise dos onze exemplares
do jornal escolar. Por meio desta fonte foi possível desvendar quem eram os sujeitos que
faziam parte da organização do impresso; perceber que alguns integrantes deste grupo de
alunos também faziam parte do Grêmio Normalista do Instituto época. Entretanto, não foi
possível saber de que maneira se formou esse grupo que compunha a organização e a redação
do jornal escolar.

Luiz de Almeida Mendonça, diretor fundador do empreendimento, relembra como se


deu a articulação que formou o grupo para produzir os jornais escolares, em 1952. Ideia
encabeçada, em suas palavras e na dos outros entrevistados, por ele e por seus dois irmãos,
que “viviam sempre juntos”:

Esse grupo era de alunos que faziam parte de amizade particular. Gustavo
Jacques Dias Alvim, Amador Pedroso de Barros, Raul Jorge Nechar, meus
irmãos Joaquim de Almeida Mendonça, Sebastião de Almeida Mendonça e
eu, Luiz de Almeida Mendonça. Nós morávamos perto do Instituto Sud
Mennucci e nos intervalos a gente ia tomar café na minha casa e convidava
os colegas, ia uma turma de cinco, dez colegas e lá tivemos a ideia na minha
casa: vamos fundar um jornal estudantil, etc. e tal? A turma disse: vamos,
vamos e demos a ideia.
[...] Modéstia inclusa, modéstia que vá as favas, mais era eu e meus dois
irmãos que tínhamos a ideia como desafio na época. Todo mundo dizia que
era difícil fazer jornal, que só saia o primeiro número, inclusive uma
professora de Português, ela disse assim: o primeiro número sai mas os
outros não vão sair.60 (Luiz de Almeida Mendonça, entrevistado.)

Gustavo Jacques Dias Alvim também expõe suas memórias sobre como se formou o
grupo de alunos para compor o jornal. Fica evidente que todos os entrevistados atribuem a
ideia de fazer o jornal aos três irmãos Mendonça, sendo então uma ideia particular que, de

60
Aqui nesta fala do ex-aluno aparece a discussão sobre uma outra questão, a relação entre os alunos e
professores no processo de elaboração do impresso. Ponto que será tratado mais adiante neste capítulo.
109

acordo com as lembranças de Gustavo Jacques Dias Alvim, surgiu fora do ambiente escolar e
não em uma atividade extraclasse, como as prescrições de Casasanta indicavam:

A história desse jornal, nasce com a pessoa que se tornou o primeiro diretor
do jornal, o Luiz Mendonça. Acho que ele é a memória principal disso.
Acontece que quando ele monta esse primeiro grupo, ele trabalha com mais
dois irmãos, o Joaquim e o Sebastião. Este já é falecido.O Joaquim eu não
sei. Ambos escreviam muito bem. Então eles formam esse núcleo e convidam
alguns colegas que eles sabiam que tinham boa redação, que gostavam de
escrever, pelos trabalhos escolares que a gente apresentava. Dos que foram
somados, pelo menos, eu diria para você: o Amador, eu, tínhamos essa
qualidade. Por exemplo, esse Sperandio escrevia muito bem. E quem ficava
na direção era o Luiz. O Luiz e o Joaquim não eram os que mais escreviam,
mas eles eram os mais empreendedores. (Gustavo Jacques dias Alvim,
entrevistado.)

De acordo com as memórias, o grupo de alunos foi encabeçado pelos três irmãos e
outros integrantes que faziam parte de sua amizade particular. Eram bons alunos e escreviam
bem. O professor Gustavo Jacques Dias Alvim chegou a afirmar que muitos trabalhos que
iam para o jornal eram recomendados pelos professores, por serem bons trabalhos, feitos e
corrigidos em aula. A professora Marly Therezinha Germano Perecin, quando questionada
sobre as lembranças que tinha dos alunos se articulando para produzir o jornal, do qual ela
não fez parte, ressalta novamente que a ideia de fazer o jornal foi mérito dos irmãos
Mendonça:

Olha, isso é mérito dos irmãos Mendonça. Não eram os alunos mais
brilhantes, não. Eram inteligentes e esse lado prático de criar, de
estabelecer relacionamentos, isso eles tinham sim, é. Amador trabalhava
junto com a família, era moço pobre. Os irmãos Mendonça. O Gustavo não,
o Gustavo tinha tempo. Os outros não. Os próprios irmãos Mendonça era
família que lutava. Então, veja bem: o mérito é dos irmãos Mendonça. Eram
dinâmicos mesmo e o Sperandio, o Amador. Amador era um grande relações
públicas e escrevia muito bem. (Marly Therezinha Germano Perecin,
entrevistada.)

Neste trecho aparece seu olhar de historiadora. Ressaltando o mérito dos irmãos
Mendonça no empreendimento, a entrevistada tentou definir a posição e condição social de
cada um dos integrantes que compunham a organização do impresso. Novamente é
apresentada a justificativa de que os alunos eram bons escritores.
110

Em outro ponto, a professora comenta sobre suas conversas com Samuel Pfrohmn,
sujeito que estudou no Sud Mennucci em tempo posterior e que, segundo ela, foi fundador da
Academia de Educação de São Paulo. O teor da conversa se baseava na perspectiva de
formação do Instituto e dos profissionais que saíam deste espaço institucional, mostrando que
havia indiretamente um estímulo à prática da exposição de ideias e da escrita:

[...] Samuel Pfrohmn não é da minha turma. São três ou quatro turmas à
frente, mas engraçado: uma vez eu conversando com Samuel, os
profissionais saídos da escola eram muito treinados na escola a expor
ideias. Isso era tradição humanística da própria escola. Porque os
primeiros professores foram advogados, foram escritores. Então isso é
característica da escola Sud Mennucci. Exigir a expressão, a dialética,
partir pra retórica, escrever, crítica, isso era muito puxado. (Marly
Therezinha Germano Perecin, entrevistada.)

Os três entrevistados citam o nome de Amador Pedroso de Barros, ex-aluno que


escreveu os textos mais emblemáticos do jornal escolar, como aquele que abre o primeiro
capítulo da presente dissertação. Ali o aluno fala sobre o surgimento do jornal escolar, sua
finalidade e as expectativas que o grupo tinha em relação à publicação do impresso,
mostrando o teor ideológico do impresso em suas palavras. Em várias partes das entrevistas,
os ex-alunos se referem a Amador como um bom comunicador e exímio escritor. O professor
Gustavo Jacques Dias Alvim ressalta que “o aluno era um pouco mais velho e muito
inteligente”. Pelo que contam as memórias, Amador Pedroso de Barros, em sua vida
profissional se tornou juiz, vindo a falecer muito cedo. Interessante notar que os textos desse
aluno publicados no impresso destoavam dos demais pelo teor dos mesmos, ponto que será
retomado mais adiante.

Outro ponto que foi levantado ao longo da dissertação, estava em entender a relação
deste grupo de alunos com o Grêmio Normalista do Instituto de Educação na época em que o
jornal era publicado, já que ficou em hipótese que o grupo de alunos que compunha o corpo
editorial do jornal também fazia parte do Grêmio. De acordo com Luiz Mendonça, as duas
atividades eram coisas diferentes e independentes, não estando relacionadas, apesar de alguns
integrantes do Grêmio, como já foi constatado, atuarem também na produção do jornal
escolar.

Gustavo Jacques Dias Alvim afirmou que o jornal não surgiu dentro das atividades do
Grêmio. Acentua que o “Grêmio nas escolas se tornava ativo por conta do esporte”, em
111

detrimento das atividades culturais, por exemplo. Essa condição prática envolvendo o papel
do Grêmio aparece no segundo capítulo da dissertação, no qual analisamos um texto deste
entrevistado, narrando um sonho que havia tido sobre um Grêmio mais participativo. Sobre
essa relação entre o grupo e o Grêmio, Luiz Mendonça conta que “não havia ligação”, sendo
que o órgão era independente das atividades do Grêmio. Notícias que envolviam a atuação
desta agremiação eram colocadas no jornal talvez por fazer parte de atividades cotidianas dos
alunos.

As lembranças que a professora Marly Therezinha Germano Perecin relatou sobre o


Grêmio nestas atividades61 se referem à sua não participação. A professora conta que quem
mais participava das atividades do Grêmio eram os meninos, e “as meninas eram mais
contidas”. Também ressalta que o Grêmio era mais voltado para os esportes do que para
atividades culturais dentro do espaço do educandário. Neste ponto, é necessário reafirmar,
como foi discutido no primeiro capítulo deste texto, que não é possível caracterizar esse grupo
de alunos como articuladores de um movimento de estudantes dentro da escola, tendo como
origem o Grêmio Estudantil. Estes alunos não estavam fazendo reivindicações por melhorias
institucionais nem por questões políticas, sendo o empreendimento do jornal mais uma
atividade de expressão dos alunos do que um movimento articulado.

Outro ponto da entrevista que mostra um aspecto da natureza deste agrupamento de


alunos é revelado na fala do ex-aluno Luiz de Almeida Mendonça. Quando questionado sobre
a representatividade que o grupo de alunos tinha no espaço do educandário, acentua que o
grupo não defendia interesses quaisquer. Sobre o grupo e o interesse em publicar um jornal
escolar, o entrevistado ressalta: “[...] Era um ideal de ver seu nome publicado, seus artigos
publicados. Mas não havia contestação, não havia ataque” (Luiz de Almeida Mendonça,
entrevistado).

O entrevistado continua dizendo que os alunos que escreviam no jornal não tinham
problemas financeiros e que por esse motivo, não eram agressivos e contestadores. O interesse
em produzir um jornal escolar estava assentado no ideal de ver os artigos dos alunos
publicados em um meio impresso. Encaravam a feitura do jornal no espaço do Instituto de
Educação somente como um desafio, e não como um veículo de representação de um grupo e
de contestação por ideais políticos que defendiam.

61
Num dos exemplares do jornal O Sud Mennucci, no artigo intitulado “Sessão de Posse do Grêmio”, aparece o
nome de Marly Threrezinha Germano Perecin como segunda tesoureira da agremiação.
112

Aspecto que ficou no âmbito da hipótese no primeiro capítulo do trabalho diz respeito
às formas de impressão gráfica do jornal escolar O Sud Mennucci; a perspectiva de sua
materialidade não ficou bem esclarecida pelas fontes escritas. Conseguimos levantar uma
hipótese de que os jornais eram impressos por meio das máquinas Linotipo, muito usadas na
época. Entretanto, de acordo com as memórias de Luiz Mendonça, os jornais eram impressos
pela máquina da marca Planeta, nas tipografias de Rio Claro e Limeira, cidades próximas a
Piracicaba. Segundo o entrevistado, a impressão “era feita numa máquina antiga cuja
alimentação era feita manualmente uma em uma folha”. Em outro ponto, ressalta:

O jornal era impresso em Limeira e a gente ia de Fordinho 29 da família


Frasson durante a noite para encontrar lá o pessoal do jornal trabalhando.
[...] Interessante citar que quando era impresso em Limeira quem dirigia o
Fordinho 29 era o Vicente Frasson. E ele levava. E como ele não tinha
carta, ele era menor de idade, fazíamos de noite. “De noite os guarda tão
dormindo”. Ninguém parava o Fordinho 29.
Alguns desses jornais foram impressos em Piracicaba, nas oficinas do
Jornal de Piracicaba, também com um sistema de alimentação manual.
(Luiz de Almeida Mendonça, entrevistado.)

De acordo com suas memórias, Luiz de Almeida Mendonça afirma que o jornal
escolar O Sud Mennucci era impresso nas mesmas máquinas que rodavam a impressão dos
jornais locais da cidade de Piracicaba e das cidades vizinhas. Questionado sobre como
conseguiu esses contatos, o entrevistado enfatiza que telefonava para as tipografias para saber
se havia disponibilidade para imprimir os jornais escolares.

Gustavo Jacques Dias Alvim, por outro lado, tem outra memória sobre as formas de
impressão do jornal. Segundo ele, “a família dos Mendonça tinha uma tipografia, chamava
Tipografia Santa Cruz62, que depois o Luiz herdou, não me lembro quando. Acho que não
existe mais”. E continua dizendo que “ele sempre mexeu com tipografia. Então essa era uma
das facilidades que a gente tinha”. Cada entrevistado construiu uma memória particular desta

62
A minha memória da infância relembra que o senhor Luiz de Almeida Mendonça foi vizinho de meus pais,
quando eu era criança e morava na Rua Santa Cruz, bem em frente à casa do diretor-fundador do Jornal O Sud
Mennucci, na década de 1980. A casa dele ficava ao fundo e em frente estava localizada sua tipografia. Na
entrevista realizada, a única relação feita por Luiz Mendonça com tipografias ao longo de sua vida se relaciona a
seu pai, que, segundo ele, teve tipografia na cidade de Marília na década de 1940, antes que a família viesse para
Piracicaba, na década de 1950. É possível que Luiz Mendonça soubesse – quando da época de publicação do
impresso – dos processos tipográficos de impressão de um jornal devido à atividade do pai em tempo anterior.
Entretanto, esta tipografia à qual o professor Gustavo Alvim faz alusão foi fundada na Rua Santa Cruz, na
década de 1970.
113

questão. Aqui, é preciso levar em consideração o papel que cada um tinha dentro do
empreendimento. Gustavo Jacques Dias Alvim chega a afirmar que não participava desse
processo, sendo esta a responsabilidade de Luiz de Almeida Mendonça. Aqui aparece a
questão da memória seletiva ressaltada por Pollack (1992), e também uma versão ou
“construção” do passado, valorizada por Alberti (2004). Não se trata, neste ponto de captar a
realidade do fato, mas sim de analisar e flagrar as distorções nas falas dos entrevistados.
Mesmo algo relativamente simples, como a impressão do jornal, está sujeito a diferentes
rememorações. De qualquer forma, o fato de os irmãos Mendonça, e especificamente o
entrevistado, terem notoriamente uma relação mais próxima com o processo de feitura do
jornal permite atribuirmos um caráter mais verossímil a sua versão.

Outra questão que envolveu a problemática de pesquisa esteve em compreender como


o jornal escolar conseguiu assinantes dentro do espaço escolar e como estendeu sua atuação
para além dos muros da escola; como este grupo de alunos fez para conseguir o financiamento
da produção do jornal, visto que, como já foi analisado nos exemplares, havia assinantes e
anunciantes, inclusive fora do espaço escolar. Comerciantes, empresários e políticos da cidade
assinavam e anunciavam no jornal. E uma das questões levantadas referia-se a entender como
se deu esse processo de aquisição de anunciantes. O problema do financiamento do jornal foi
inclusive levantado nas prescrições que vigoravam na época, por Guerino Casasanta. Este
assunto era visto como um problema, visto que o custo de tal empreendimento era elevado na
época. Luiz de Almeida Mendonça relembra a maneira como agiu para conseguir anunciantes,
pois, como contou, esta seria sua função no grupo, materializar o jornal e distribuir aos
leitores:

Eu como era mais conversador me prontifiquei a arrumar o dinheiro para


pagar a impressão do jornal e ao mesmo tempo nós corremos todas as salas
de aula nos intervalos para que os alunos assinassem o jornal e que
adquirissem o jornal.
O meu irmão mais novo, Sebastião, era o que redigia os artigos junto com o
Joaquim e eu era só, eu não escrevia no jornal, eu era só a parte comercial.
Eu saí no comércio da Rua Governador e as empresas conhecidas faziam
propaganda, Relojoaria Rubi, o Café Brasil da família Lerme Ferrari, né.
Então a gente, eu era o responsável pra pôr em prática o pagamento do
jornal. Os redatores e meus irmãos falavam: ó, nós damos pra você o jornal
pronto, agora você é responsável pela impressão, pelo pagamento da
impressão. (Luiz de Almeida Mendonça, entrevistado.)
114

Aqui, o entrevistado rememora a função de cada um dos irmãos na feitura do


impresso. Interessante perceber que o Instituto de Educação Sud Mennucci se localizava perto
da Rua Governador, principal rua do centro da cidade, onde o ex-aluno foi buscar
financiamento para a impressão do jornal. Mais adiante, ao longo da entrevista, ele contou em
detalhes como era o financiamento e a participação dos alunos neste processo. Segundo o ex-
diretor do jornal O Sud Mennucci, “parece que tinha 440 assinaturas, [...] os alunos
cooperavam comprando”:

A gente sempre ia onde a gente era conhecido então, por exemplo, procura
doutor fulano de tal que é dentista né, então a gente ia atrás dele e vendia o
anúncio. Era, vendia o anúncio: olha, nós estamos fazendo um jornal
estudantil Sud Mennucci e o senhor quer cooperar? Quanto é? É cinco
merréis. Cinco merréis e nada a pessoa arriscava e dava.
[...] Dava apertado, mas dava para financiar. Com a compra pagava a
dívida que ficava. Dependia dos anúncios, mais a compra, a venda do
jornal. (Luiz de Almeida Mendonça, entrevistado.)

Quando questionado sobre o financiamento dos empresários, Luiz de Almeida


Mendonça ressalta que todos da cidade cooperavam, “o Luciano Guidotti que cooperava, todo
mundo cooperava”. Ressalta que estes anunciantes pagavam adiantado pelo anúncio e
compravam o jornal por causa das propagandas que anunciavam, conseguindo que o custeio
do jornal fosse feito.

Gustavo Jacques Dias Alvim, ao ser questionado sobre o assunto, acentuou que não
tinha lembrança sobre como se deu o processo de conseguir assinantes para o jornal. Contou
que somente quando leu novamente os exemplares do jornal verificou que tinha assinaturas.
Em relação aos anúncios, o entrevistado lembra que os mesmos foram trabalhados e que “os
próprios envolvidos no jornal é que buscavam esse tipo de receita”. Na fala do professor, é
possível verificar que ele se isenta de envolvimento total no empreendimento de produzir o
jornal, visto que participava somente como redator de textos que eram publicados. Mais uma
vez, a referência aos irmãos Mendonça como os mais ativos no processo de colocar o jornal
em circulação aparece, e nas palavras do entrevistado, “os Mendonça também apareciam
como alguém que era o dono, que se movimentava, porque ele inclusive dava sustentação”.
Gustavo Alvim explica que quando faltava algum recurso, “os Mendonça punham”. Sobre o
protagonismo dos três irmãos no empreendimento, o professor Gustavo acentua:
115

Eram três irmãos que viviam juntos, quer dizer, a gente fazia reunião sabe.
Eles chamavam pra reunião, pra sentar junto, escrever, mas no fundo eu
acho que eles tinham assim um sentimento de pertença sabe. E era verdade,
hoje eu posso pensar: realmente eles propiciavam meios né e trabalhavam
ativamente. (Gustavo Jacques Dias Alvim, entrevistado.)

Os dois entrevistados acentuam que a questão da sustentação material do jornal era


fundamental, visto que eram necessários recursos para o seu financiamento. Gustavo Jacques
Dias Alvim lembra que o custo de impressão em uma tipografia era muito alto e para que ele
chegasse a ser impresso e publicado era difícil. Curioso ressaltar que esta dificuldade foi
expressa também por Guerino Casasanta em sua obra Jornais Escolares, na qual o autor
acentuou que muitos jornais escolares não eram publicados nas escolas por causa do
financiamento, visto como um problema.

Sobre a questão de os alunos articuladores do impresso O Sud Mennucci terem entrado


em contato com a obra de Casasanta durante o processo de feitura do jornal, ambos acentuam
que não tinham conhecimento e não entraram em contato com a mesma. Neste ponto, é
necessário ressaltar que o processo de apropriação não pode ser estritamente verificado em
relação à indicação do livro de Guerino Casasanta. Entretanto, é necessário afirmar que a
ideia de produzir jornais circulava no espaço do Instituto de Educação e consta que o livro se
encontrava na biblioteca da escola63. Os entrevistados, quando questionados sobre o possível
contato com outros jornais escolares na época, inclusive de outras instituições, também
disseram que não conheciam outros jornais que eram publicados em escolas. Marly
Therezinha Germano Perecin, no entanto, relembra que fazer jornais “era prática das grandes
escolas de São Paulo”.

As memórias individuais dos dois entrevistados contradizem o próprio jornal


publicado por eles, de maneira subjetiva. Num artigo do primeiro exemplar, aparece um texto
sobre as motivações de se produzir o jornal O Sud Mennucci, em que o aluno Diogo Gil diz
que em todas as instituições existiam jornais escolares64 nos quais os alunos despejavam seu

63
É possível, neste momento, levantar a hipótese de que, talvez, outros alunos que compunham o grupo que
produziu o jornal – os redatores que já estão falecidos, aqueles que escreviam os textos – tenham entrado em
contato com a obra. Na busca por memórias, não consegui encontrar informações destes sujeitos que montaram
os textos e escreveram no jornal para verificar se seguiram alguma referência.
64
A análise deste artigo do aluno Diogo Gil foi feita no capítulo segundo, no qual são discutidas as motivações
de produção do impresso. Importante destacar também que existem outras pesquisas que falam sobre a presença
de jornais nas escolas na década de 1950. A pesquisa de Camargo (2000), já mostrada no capítulo segundo,
estudou a cultura escolar do Colégio Joaquim Ribeiro, localizado em Rio Claro, cidade vizinha a Piracicaba.
Verificou que até 1957 os alunos publicavam jornais no espaço do colégio. Assim, a ideia de produzir jornais era
116

conhecimento; afirma ainda que, inclusive, até no Sud Mennucci já havia sido feita a tentativa
de produzir jornais, empreendimento que, segundo o aluno não vingou. O aluno termina o
artigo incitando o grupo a imitar essas instituições que tinham seus jornais.

Questão que muito chamou atenção durante toda a pesquisa se relaciona com a
hipótese de o jornal ter sido espaço de tutela dos professores do Instituto de Educação. Tal
relação aparece em algumas pesquisas sobre o tema, como a de Silva (2009). Outra
possibilidade levantada ao longo da análise era saber se os professores do educandário
ajudaram os alunos, de alguma forma, a produzirem o impresso, como inclusive Guerino
Casasanta indicava em suas prescrições. A leitura das fontes escritas mostrou a relação dos
professores com os alunos, uma vez que, em muitos exemplares, os textos enaltecem a função
e a atividade dos professores do Instituto de Educação. Entretanto, não foi possível analisar a
natureza dessa relação de maneira satisfatória, utilizando somente as fontes impressas.

Os três entrevistados apresentaram visões diferenciadas sobre essa relação. Luiz de


Almeida Mendonça foi enfático ao responder que os professores “não ajudavam em nada
[...], não nos estimulavam em nada”. Inclusive, ele faz um relato breve sobre este
questionamento, contando que a professora de Português, dona Zelinda Carmona, em tom de
crítica, disse à época, que “o primeiro número sairia e os outros não sairiam”:

Esse comentário feito por Zelinda Carmona da Silva Leite, professora de


Português que foi um terror na época, reprovava todo mundo. Um aluno que
hoje é médico, já faz tempo que ele é médico pediatra, ela falou: você é
retardado. (Luiz de Almeida Mendonça, entrevistado.)

Luiz de Almeida Mendonça, contando suas lembranças sobre a relação com os


professores, se refere duas vezes a esse fato durante a entrevista. Episódio que, ao que parece,
ficou gravado em sua memória. Gustavo Jacques Dias Alvim, quando questionado sobre o
assunto, fala que não tinha lembrança e que “os contatos eram assim em tempo de aula. As
pessoas apoiaram muito, estimularam, mas não participavam ”. Num outro ponto, acentua
que muitos trabalhos escolares que eram publicados no jornal eram colocados por
“recomendação do professor. Esse é um trabalho bom, interessante, tal, pra comunicação”.

encarada como prescrição pelo movimento escolanovista e era colocada em prática, de alguma maneira, nos
espaços escolares.
117

Nos últimos exemplares do jornal O Sud Mennucci, o tom do discurso vai ao encontro
das memórias de Luiz de Almeida Mendonça sobre o assunto, e se distancia em relação às
lembranças de Gustavo Jacques Dias Alvim. Em alguns textos, quando se discute a relação
entre professor e aluno, é possível verificar uma crítica sutil em relação ao papel do professor
em algumas situações presentes no cotidiano escolar do educandário. No último exemplar,
datado de novembro de 1954, num artigo na primeira página do jornal, intitulado “Conversa
íntima”, o aluno Raul Jorge Nechar inicia discorrendo sobre os benefícios de uma conversa
íntima entre professor e aluno. E continua citando o exemplo de um aluno descuidado com os
estudos, que, baseado em um conselho amigo de seu professor, acabou “vendo a insensatez de
seu comportamento”, e, animado, começou a estudar e mudou de conduta, tornando-se
posteriormente um conhecido engenheiro. Ao fim de sua exemplificação, Raul Jorge Nechar
indaga aos professores: “O senhor, mestre, que lê este artigo, faz o mesmo com alunos que às
vezes fraquejam? Com um pouco de boa vontade poderia favorecê-los muito, e eles algum dia
lhe agradeceriam”.

Se em grande parte dos exemplares os alunos enaltecem o professor, em outras partes,


sutilmente, tecem críticas – em meio aos textos publicados nos últimos impressos
encontrados, os números nove, dez/onze – em relação ao papel do professor em algumas
situações cotidianas. O exemplar de número nove exibe um aviso do grupo de alunos,
escondido em meio aos artigos, na última página do referido exemplar, datado de outubro de
1954:

AVISO:
Certa professora, pelo que fomos informados, propagou entre alguns
estudantes que os artigos desse jornalzinho só são publicados depois de
criticados por ela e sob sua permissão.
Queremos acreditar que isso não passa de boatos, pois trata-se de uma
inverdade, pois nosso órgão é independente.
Será “interessante” se a mestra que tais fatos não se repitam, desde que reais,
pois a reputação dela poderá cair ainda mais, caso tenhamos que ser mais
claros...

O aviso enfatiza que o jornal é independente, e nele se afirma a publicação dos textos
não necessitar de aprovação ou permissão dos professores, mostrando que o boato que teria
saído no Instituto sobre o assunto baseava-se numa inverdade. Interessante notar que em
partes da entrevista Luiz de Almeida Mendonça enfatiza, referindo-se à participação de outros
118

sujeitos que não fossem os alunos no processo de feitura do jornal, que “o órgão era
independente”.

Marly Therezinha Germano Perecin conta em suas memórias sobre o que ela chama de
“conservadorismo reacionário” por parte dos professores da instituição na época em que ela
estudou e também da pouca relação que havia entre alunos e professores no Instituto de
Educação. Chega a dizer que o empreendimento do jornal representou uma inovação frente ao
conservadorismo que existia na instituição: “Diretor muito feroz, professores muito fechados
na sua prática didática, não havia amizade entre professor e aluno, era um respeito, nossa
senhora!”

Sobre a questão da disciplina no espaço do Instituto:

E no “Sud”, veja bem: eu com essa sensibilidade social chego no “Sud”


aquela disciplina férrea. Mas meus pais eram muito severos, e a educação
antiga era muito coatora, então a gente respeitava aquela disciplina.
Embora uma pessoa disciplinada sentisse que aquela atmosfera era pesada.
As escadas eram de madeira, não podia fazer barulho. Então eu aprendi a
andar feito bailarina, porque não podia fazer barulho nas escadas de
madeira. E não fazíamos mesmo. Conversa alta, isso jamais acontecia. Os
inspetores de aluno eram severíssimos quanto à limpeza da meia, da gola,
os rigores do uniforme não é? Os professores não olhavam para isso,
porque essa parte não era deles. É, havia uma disciplina de funções perfeita.
Disciplina no recreio, meninos separados das meninas. No começo havia
uma ala para mulheres e outra para homens. [...] Mas então os professores
cuidavam da informação, porque a formação a família dava. Nunca que eu
soubesse que alguém que tivesse de ir pai lá pra brigar que tomou uma
descompostura, uma nota baixa ou foi reprovado por um dez. (Marly
Therezinha Germano Perecin, entrevistada.)

A “disciplina férrea” descrita pela entrevistada mostra, de certa forma, que os alunos
não tinham um espaço para se manifestar, como ocorre hoje, por exemplo, comportamento
inclusive valorizado pelas normatizações educacionais atuais. As memórias da professora
mostram que havia uma distância muito grande entre os alunos e os professores. Num outro
ponto, se verifica nas falas dos entrevistados e também nos textos que a professora Marly
Therezinha Germano Perecin escreveu sobre o Sud Mennucci, um enaltecimento a excelência
dos professores e da instituição, mostrando que, apesar destas contradições expostas nas
memórias individuais, a memória coletiva da instituição foi construída e continua presente nas
falas dos entrevistados. Essa questão será retomada adiante, no fim deste capítulo.

Outro ponto que foi tratado por meio da análise dos jornais escolares, no primeiro
capítulo da dissertação, foi a rede de relações que este grupo de alunos estabeleceu com os
119

políticos locais na cidade de Piracicaba, por meio do impresso. Essas relações apareceram
quando o jornal publicou notícias sobre as melhorias da escola, por exemplo, como a
articulação do professor Argino da Silva Leite com o deputado Valentim Amaral para que a
Escola Normal se tornasse Instituto de Educação, no ano de 1953. A partir das memórias
individuais dos dois entrevistados, é possível notar que eles eram porta-vozes das mudanças
que se davam no educandário. Gustavo Jacques Dias Alvim ressalta que “essas questões não
chegavam nos alunos”, mas as ideias circulavam e “você tinha notícia, esperava, queria”.
Entretanto, quando fala de como se davam as relações sociais no meio em que o grupo vivia,
chega a dizer que Samuel de Castro Neves, prefeito da cidade na época da publicação do
jornal, era amigo de sua avó. Em outro trecho, aparece a visão deste entrevistado sobre as
“famílias” da cidade e o estreitar de relações, que, segundo ele, ocorre até hoje no espaço da
cidade:

A relação na época entre as pessoas era muito próxima, muito forte. Uma
cidade: você imagina que Piracicaba devia ter 90 mil habitantes. Então, era
uma cidade que você conhecia as famílias e havia poucas escolas. Ou você
estava estudando no Sud Mennucci. Ou você estava estudando no Colégio
Piracicabano ou na escola de freiras. Ou ainda no então recém-organizado
Colégio Dom Bosco, que é de 1950 e, então as pessoas se conheciam. Era
muita ligação de família. E até hoje eu tenho conhecimento muito bom na
cidade porque eu conheço as famílias, muitas de longo tempo.
[...] Havia o convívio, você se encontrava nos lugares, em qualquer festa da
cidade, numa sessão de cinema, tinha um grupo que se conhecia. Você ia
para o jardim, por exemplo, era lá que você encontrava as pessoas.
(Gustavo Jacques Dias Alvim, entrevistado.)

Essa possibilidade de conhecimento das famílias talvez facilitasse a relação


estabelecida pelos alunos com sujeitos que faziam parte da política local. Sobre o empresário
Luciano Guidotti, anunciante de sua empresa de carros e caminhões no jornal escolar e que
viria a ser prefeito da cidade em 1955, Gustavo Alvim relembra que “ele era uma pessoa
boníssima, tinha uma relação muito boa, era uma pessoa que tinha recursos e acabava às
vezes atendendo a essas coisas que os alunos propunham”. Luiz de Almeida Mendonça
acentua que “Luciano Guidotti cooperava”.

Marly Therezinha Germano Perecin, quando questionada sobre as relações


estabelecidas com os políticos locais, relembra que o deputado piracicabano Valentim
Amaral, mencionado nos exemplares do jornal O Sud Mennucci “era o político a quem todo
mundo recorria, quem levava as reivindicações e trazia as respostas e concretizações”. Basta
120

lembrar que este deputado, como foi mencionado no capítulo primeiro, na época, era
secretário de finanças do prefeito de São Paulo, Jânio Quadros, e deputado pela cidade de
Piracicaba.

Por fim, neste ponto, chegamos a algumas conclusões referentes às memórias dos
entrevistados sobre o empreendimento de produção do jornal escolar O Sud Mennucci. Foi
possível – a partir da análise das memórias individuais – compreender de que maneira se
formou o grupo de alunos que compunha a edição e redação do jornal, com o protagonismo
dos três irmãos Mendonça, Luiz, Sebastião e Joaquim, considerados pelos entrevistados como
os alunos mais atuantes no empreendimento. Por meio das memórias dos entrevistados, foi
apresentada a versão da ligação do grupo de alunos que compunha o jornal com o Grêmio
Normalista que existia no espaço do educandário na época. Segundo as falas dos ex-alunos, o
órgão era uma atividade que independia das atividades do Grêmio, não tendo surgido dentro
das atividades da agremiação. É certo que, como já foi constatado no capítulo primeiro,
muitos alunos que atuavam no jornal também faziam parte das atividades ligadas ao Grêmio,
que, de acordo com as memórias, era mais atuante na parte dos esportes, e não muito
participativo nas atividades culturais.

Sobre as formas de impressão gráfica do jornal, notou-se na análise das memórias uma
distorção ou imprecisão, visto que houve contradição exposta nas falas dos entrevistados.
Luiz de Almeida Mendonça afirmou que os jornais eram impressos nas mesmas tipografias
que imprimiam os jornais de grande circulação tanto de Piracicaba quanto das cidades
vizinhas. Já a memória de Gustavo Jacques Dias Alvim relembra que os irmãos Mendonça
tinham uma tipografia e que isso facilitava a impressão dos jornais.

Num outro ponto, as memórias permitiram desvendar como foi o processo para
conquistar assinantes e anunciantes do jornal. O entrevistado Luiz de Almeida Mendonça era
o responsável por colocar o jornal escolar em circulação, e saía pelas ruas de comércio da
cidade, que se localizavam perto do Instituto de Educação, oferecendo o jornal para o anúncio
do estabelecimento. Em relação à possibilidade de contato do grupo de alunos com a obra
Jornais Escolares, de Guerino Casasanta, verificou-se que não houve lembrança por parte dos
entrevistados deste livro ter servido de guia para a produção do impresso O Sud Mennucci.
Entretanto, como já foi demonstrado anteriormente, a ideia de produzir jornais circulava entre
os alunos no espaço do educandário.

Outra questão esclarecida foi a da natureza da relação que se deu entre o grupo de
alunos e os professores quando da elaboração do impresso. Segundo as memórias dos
121

entrevistados, não houve participação dos professores na feitura do impresso e nem na escolha
dos textos veiculados no jornal. Gustavo Jacques Dias Alvim chegou a afirmar que os
professores indicavam trabalhos bons, feitos em aula, para serem publicados no impresso. As
fontes escritas, exemplares do jornal, entraram em contradição com essas memórias do
professor. Outro componente importante analisado neste ponto se pautou em aspectos da
perspectiva formativa do Instituto, pautados na disciplina, no papel do professor e no
conservadorismo dos mesmos, explicando o distanciamento que havia na época entre
professores e alunos.

O esclarecimento do envolvimento, por meio do impresso, deste grupo de alunos com


políticos e pessoas influentes da cidade de Piracicaba, se pautou pelas memórias de Gustavo
Jacques Dias Alvim e de Marly Therezinha Germano Perecin, que destacaram a perspectiva
do tamanho da cidade e do conhecimento que se tinha das “famílias” importantes da
localidade, relação que facilitava a proximidade dos alunos com questões políticas que
ocorriam inclusive dentro do Instituto de Educação. As notícias contidas no jornal que
mostram aspectos de articulação política de professores com deputados, por exemplo, e são
veiculadas de maneira amistosa, tendo os empreendedores do jornal atuado como porta-vozes
de mudanças e também de problemas no espaço do educandário à época da publicação do
jornal escolar O Sud Mennucci.

3.3 A memória coletiva da instituição nas memórias individuais

Ponto que inúmeras vezes chamou nossa atenção antes e durante esta pesquisa foi a
questão da construção da memória coletiva da instituição de ensino Sud Mennucci como
espaço de excelência da educação, onde entravam e de onde saíam os melhores alunos da
cidade de Piracicaba. Essas ideias fazem parte dos discursos das pessoas que vivem na cidade
até os dias de hoje. Tanto que na introdução do capítulo primeiro, este assunto foi analisado
por meio de alguns dos construtores dessas memórias, os jornais locais da cidade em edições
comemorativas de aniversário da escola e num artigo da associação de ex-alunos do Sud
Mennucci, de autoria da entrevistada Marly Therezinha Germano Perecin.

Interessante notar que estes discursos permanecem nas memórias individuais dos
entrevistados que participaram do empreendimento de produção do jornal escolar. Dessa
forma, este ponto do capítulo tem por objetivo mostrar a permanência desse discurso de
122

excelência nas falas dos alunos quando se referem à escola em que estudaram. Em algumas
partes, verificar-se-á que a memória coletiva permanece e em alguns pontos das memórias
individuais aparecem “quebras” neste discurso de excelência, quando, como já foi explicitado,
os alunos se reportam aos professores, à disciplina da instituição e à seletividade que o ensino
no Instituto Sud Mennucci proporcionava.

Ao longo da entrevista feita com o professor Gustavo Jacques Dias Alvim, resquícios
dessa memória coletiva de excelência de ensino aparecem quando, por exemplo, o ex-aluno se
refere à qualidade do ensino que era ministrado no Instituto de Educação, o que resultou na
produção do jornal estudantil O Sud Mennucci:

E era o melhor colégio da cidade na época. Era um colégio público muito


bom. Era difícil conseguir vaga. E no final era assim, por exemplo: o curso
colegial da minha turma começou com 45 alunos e terminamos com menos
de 15, acho que 13, 14 alunos. Isso porque era muito rigoroso. Mas também
a gente saía dele no final e ia direto pra faculdade. Eu mesmo fiz vestibular
em São Paulo, eu não fiz cursinho, não fiz nada. O preparo era muito bom.
Excelentes professores. (Gustavo Jacques Dias Alvim, entrevistado.)

Assim como nos jornais locais que circulavam na época da publicação do jornal do
grupo de alunos, o discurso que aponta a excelência do Instituto continua presente na fala do
entrevistado. Ressalta que o ensino ministrado no Instituto de Educação Sud Mennucci nos
anos 1950 era muito rigoroso e que, por esse motivo, era muito seletivo, sendo que boa parte
dos alunos que entravam na escola não conseguiam se formar, e os que terminavam, como
ele, conseguiam entrar na faculdade sem cursinho. Além disso, destaca os altos índices de
evasão, não caracterizados por ele como algo problemático, mas apenas associado ao rigor e à
qualidade da educação. Em outra parte da entrevista, Gustavo Jacques Dias Alvim ressalta
que o Sud Mennucci “era uma escola de muito prestígio com um grupo de professores
excelentes”.

Luiz de Almeida Mendonça, apesar de tecer inúmeras críticas à postura dos


professores do Instituto na época em relação ao empreendimento do jornal, em outro ponto
enaltece o ensino que era ministrado e as qualidades dos professores que ministravam aulas
no educandário: “o ensino no Sud era rígido, mas era uma dedicação de todos os professores,
né, então o ensino era bem elevado”. Em outro momento, ainda falando dos professores, o ex-
aluno nos conta: “A escola era um ensino excelente, se aprendia. Tinha professores
123

maravilhosos né: Hélio Padovani, muito bom. Antonio Moraes Sampaio, apelido Antonelo,
Lino Sansigro de trabalhos manuais”.

Nota-se que, em sua entrevista, mesmo com algumas críticas ao comportamento e à


postura dos professores no cotidiano escolar – discurso que é fruto de sua memória individual
–, o ex-aluno Luiz de Almeida Mendonça enaltece o ensino que era ministrado na instituição,
mostrando novamente que essa construção da memória coletiva continua presente na fala dos
alunos até os dias de hoje.

A memória individual mais reveladora desta construção da memória coletiva é a da


professora Marly Therezinha Germano Perecin. Durante a entrevista concedida pela ex-aluna,
pontos desse enquadramento dos aspectos da memória vão se revelando. Questionada sobre o
interesse que a fez escrever a história da escola Sud Mennucci, a professora vai contando
sobre sua relação pessoal com o educandário e o encontro com fotografias da época de sua
fundação, em fins do século XIX. Junto a estes fatos, a professora teve o interesse de fundar a
associação de ex-alunos do Sud Mennucci, com o objetivo de recuperar aspectos da pintura do
prédio escolar, visto que, segundo ela, a gestão anterior da escola havia mandado pintar os
painéis que existiam na escola, da época de fundação do prédio da Escola Normal.

Nesses painéis existiam imagens que contavam um pouco da história do movimento


republicano no Brasil e sua presença no campo da educação. De acordo com a professora, as
obras de arte tinham sido pintadas com uma tinta cor de rosa, apagando a história que se
queria guardar sobre o sentido de fundação da instituição para o ideário republicano. A ideia
de fundar a associação, então, teve início com essa questão do restauro das obras de arte,
pintadas, segundo a professora, por questões políticas. Interessante mostrar, como já foi
discutido no capítulo primeiro dessa dissertação, que a criação da associação de ex-alunos,
ideia desta professora, representou, de acordo com o documento analisado, a tentativa de
manter consagrada uma memória coletiva da instituição, fundada numa espécie de “leitura
épica” do movimento republicano.

A história dos painéis é parte constitutiva dessa memória de criação da escola que se
queria consagrar, fundada no ideário republicano. Num outro ponto da entrevista, a professora
fala um pouco sobre o conteúdo dos painéis e sobre o padre Feijó:

O salão nobre é onde tem aqueles painéis, onde se conta a história de luta
pela liberdade no século XIX do povo brasileiro. De acordo com o que eu
124

escrevi nos textos, que custei a descobrir os enigmas. O enigma mais sério é
o primeiro do padre Feijó, porque o padre Feijó?
Então, porque ele foi exilado de Itu para Piracicaba, teve que ser escondido
dos asseclas do imperador, ele estava sendo caçado de morte e aqui no
exílio ele escreveu a carta de liberdade e mandou para o imperador. Ele era
homem que falava na lata, falava duro. Então, era caçado de morte. E ele
tem nas mãos o quê? O Ato Adicional, que era a descentralização da
monarquia, era a federalização do Brasil, a liberdade. E custei a decifrar
aquele enigma menina, do exílio dele em Monte Alegre e tudo mais. (Marly
Therezinha Germano Perecin, entrevistada.)

E a professora continua contando de seu envolvimento com a escola, com as obras de


arte e a questão do impacto que o prédio da instituição deveria causar no indivíduo que
adentrasse a “casa do saber”. Na mesma fala, conta mais um pouco sobre as imagens contidas
nas obras de arte, nos painéis:

[...] O respeito, a admiração, era quase uma paixão, era o templo do saber.
Tanto que o saguão da entrada era aquele quadrado escuro né. Aquilo é pra
produzir o impacto: se você vem pela rua XV, Piracicaba ensolarada, no
Vale Médio do Tietê é um sol intenso, sobe as escadas, aquela luz de
mármore né. Que você chega, avista, aí mais que escuro, né: daí começa a
pupila a dilatar, você começa a ver os símbolos. Até parece uma cripta, os
símbolos da ciência à esquerda, das ciências humanas e das artes à direita.
Símbolos italianos, dos liceus da Itália. Símbolos trazidos da Renascença,
do Iluminismo. Tudo ali, tudo ali. E a pilha de Volta, que era o símbolo mais
avançado da ciência, a descoberta da pilha e eletricidade, veja que tem a
pilha de Volta, a escola em dia com a ciência. Do lado de lá, artes e ciências
humanas. Aquilo produzia aquele impacto que você entrava, você deixava a
ignorância lá fora e entrava no templo do saber. (Marly Therezinha
Germano Perecin, entrevistada.)

Na transcrição deste trecho da entrevista, a historiadora descreve os símbolos


presentes nas obras de arte do Instituto de Educação. Nos painéis estão contidos o símbolo da
ciência de um lado e os símbolos das artes e ciências humanas de outro. Simbologia trazida do
Iluminismo, ideologia que a República incorporou em seu discurso. Fala também sobre a
pilha de Volta, que representava a descoberta da eletricidade. Para a professora, toda essa
simbologia deveria causar impacto no espectador, fazendo-o perceber que estava adentrando o
templo do saber. A memória coletiva desta escola com este significado de templo do saber
incorpora um discurso da escola como sagrada para quem entrasse nela e sorvesse seu
conhecimento. A história contada nos painéis pela entrevistada são também constituidoras de
125

uma memória. A historiadora também relembra as práticas dos professores da instituição à


época em que o jornal era publicado, e a questão da seletividade no espaço da escola.

Em relação ao ensino na escola, a professora conta que “era muito puxado”, e os


alunos, depois de dois anos repetindo, poderiam ser jubilados, eliminados da instituição. Além
do exame escrito, a ex-aluna conta que também havia o exame oral, ponto que mostra o
caráter seletivo da instituição à época da publicação do impresso O Sud Mennucci.
Interessante notar que a professora mostrou a mesma visão da seletividade da escola. Num
outro ponto, acentua que toda a geração que se formou com ela, “todos foram profissionais de
nível bom, todos gozam de conceito na sociedade”.

Sobre os professores e a influência que tiveram em sua formação, a professora


acentua:

A prática de aula do professor Moacyr Diniz, a metodologia pra Ciências


Sociais da dona Mariinha e a organização sistemática do professor Argino
da Silva Leite, o matemático. Meu Deus!
[...] Seriam estrelas da educação. Você ponha a organização e o método
racional. Ponha Descartes ao cubo, você vai entender o Argino da Silva
Leite.
[...] Mas olha, esses três marcaram demais quanto à prática de ensino, o
método de trabalho, pesquisa, organização de pensamento. (Marly
Therezinha Germano Perecin, entrevistada.)

Interessante notar que os professores que ela cita aparecem no jornal escolar O Sud
Mennucci. O professor Moacyr Diniz, organizador do Clube de Ciências, já citado no capítulo
anterior, clube que, segundo a professora, chegou a ter uma sede fora da escola. Foi esse
professor que levou os alunos em viagem a São Paulo, onde, dentre outras atividades, ocorreu
a visita ao prefeito Jânio Quadros. A professora Mariinha, dona Maria Celestina Teixeira
Mendes Torres, professora de História dos alunos, organizadora do Clube de História, aparece
em outras partes desta pesquisa, inclusive relembrando a época em que o Sud Mennucci tinha
seu jornal escolar. O professor Argino da Silva Leite também apareceu na dissertação, quando
citado no jornal escolar, como professor que ajudou a tornar a Escola Normal Sud Mennucci
um Instituto de Educação. A excelência dos professores como profissionais aparece na fala da
entrevistada, demonstrando que a memória coletiva desta época da escola – chamada por ela
de “época de ouro” da instituição – ainda permanece viva nas memórias individuais da
entrevistada.
126

Enfim, neste ponto, pôde-se verificar por meio das memórias individuais, uma
permanência de uma memória coletiva consagrada da instituição pesquisada. Nas falas dos
três ex-alunos entrevistados, a questão da excelência do ensino que era ministrado na
instituição é exposta. A qualidade dos professores, a seletividade que havia para entrar e sair
da escola, a rigorosidade, enfim, elementos que contribuem para que essa memória do espaço
escolar continue consagrada também nas memórias individuais, apesar das contradições
analisadas neste capítulo, inclusive em relação à atuação dos professores.

Outra questão destacada é que Marly Therezinha Germano Perecin, contando suas
memórias individuais sobre a época do jornal e sobre a instituição e sua história, mostrou
também aspectos da construção dessa memória coletiva da instituição, inclusive no contexto
de fundação da escola, expondo em sua fala a formação da associação de ex-alunos e o
esforço de restauro das obras de arte, que significavam a lembrança que se queria guardar de
excelência da instituição. Esses pontos da memória remetem ao início deste trabalho de
pesquisa, quando, no capítulo primeiro, a escola é enquadrada dentro da memória coletiva da
cidade de Piracicaba, por meio dos jornais locais, em datas comemorativas, e também por
artigos publicados por esta ex-aluna, que, como apresentado em sua fala, contam a história da
escola dentro das articulações do movimento republicano em Piracicaba.

Interessante refletir que estas memórias individuais dos ex-alunos do Instituto de


Educação Sud Mennucci, quando rememoradas em relação tanto ao empreendimento do
jornal quanto à qualidade do ensino que era ministrado, remetem a uma reflexão sobre o
caráter propriamente humano de guardar lembranças, no sentido de vencer o esquecimento em
relação aos acontecimentos de épocas passadas. Clarice Nunes (2003) faz uma reflexão sobre
o interesse humano de preservar lembranças, guardar memórias, ressaltando que a motivação
está na preocupação do indivíduo em relembrar para vencer o esquecimento.

O movimento que os ex-alunos entrevistados fazem ao abordar alguns aspectos do


empreendimento do jornal e da questão da excelência do ensino do Instituto Sud Mennucci
denota essa preocupação humana de guardar lembranças. Demonstra também que, remetendo
a Nunes (2003, p. 04), a memória é um “processo ativo de busca de significado que
reestrutura os elementos a serem lembrados de forma a conservá-los, reordená-los ou excluí-
los”. Neste sentido, realizamos um investimento tanto para esquecer quanto para lembrar os
acontecimentos, numa luta entre a lembrança e o esquecimento. É neste esforço que as
memórias individuais, aliadas à memória coletiva idealizada da instituição Sud Mennucci
127

acabam por dar sentido e fazer parte da construção da “identidade” da escola para os ex-
alunos que por ela passaram e para os habitantes da cidade de Piracicaba.

Por fim, duas ressalvas devem ser feitas em relação à utilização das memórias como
fonte para a presente pesquisa. De acordo com Nunes (2003), as memórias são experiências
vividas interiormente, são nossas, fazem parte de nós e nos constituem. Para a autora:

Estamos no centro delas e só quando elas fazem conscientemente parte de


nós podemos partilhá-las com outros. A recordação portanto, não se separa
da consciência, mantendo com ela uma via de mão dupla. As memórias
dizem quem somos. Integram nosso presente ao passado, tanto na
perspectiva de que inventamos um passado adequado ao presente, quanto o
contrário. (NUNES, 2003, p. 05.)

Fotografia 3: Escola Estadual Sud Mennucci nos dias atuais.

Fonte: Fotografia realizada pela autora em 26 de janeiro de 2015.


128

É preciso considerar também que, de acordo com a autora, as memórias se relacionam


a complexas subjetivações, desde imagens e sensações mentais privadas até cerimônias
públicas rememoradas. Estas memórias estão ancoradas em espaços que circulamos e em
diferentes grupos sociais aos quais pertencemos: “quem recorda são os indivíduos e esta
experiência de caráter singular está presente quando se enfatiza a memória social, pois os
indivíduos não são autômatos, passivos e obedientes à uma vontade interiorizada” (NUNES,
2003, p. 07).
129

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Problemas do ano - Mundanismo


João Ninguém que vaga o dia inteiro, o dia inteiro pensa. Pensa e olha o
mundo: o turbilhão da cidade, o céu, o rio. O céu tão seco, o rio tão seco, as
almas secas também.
Ainda há pouco, havia promessas, faixas, cartazes, política embaralhada a
sujar as ruas largas. Agora há política e há cartazes; comentários e
comentaristas.
- Jonjoca perdeu. Ventura ganhou.
- Não! Não ganhou, nada!
- Ganhou, sim! Ganhou por perder!...
João Ninguém não entende essa gente. Nem ele mesmo se entende porque é
ninguém e ninguém não pode entender alguém: principalmente quando
alguém lhe bate hoje nas costas, amanhã não o conhece; quando hoje o
acaricia e amanhã lhe gospe e franze o nariz de nojo.
- Mundo gozado! Pensa e coça a cabeça. Ninguém percebe que o povo está
embrutecido: os brutos não se fazem mesmo entender, são incapazes e
ineptos.
A humanidade é inepta e incapaz. O homem vai desaparecer: não é auto-
suficiente para subsistir ao próprio homem.
As lutas de classe grassam todos os campos sociais. Os partidarismos
apaixonados destroem o lar, esboroam a fraternidade. Os complexos raciais
separam irmãos; com contendas destrói-se familiares e ergue-se um
holocausto ao Deus da Guerra.
João Ninguém olha o dedão furado aparecendo no sapato furado.
- Dizem que o mundo é uma bola. Deve estar como o sapato. Furado. Um
balão de borracha furado, que se encolhe porque sua consistência se esvai.
Assim é o mundo, assim é o homem. Sua consistência moral, seus ideais, vão
desaparecendo e ele terminará como o balão vazio, enrugado e disforme.
- Este mundo é uma bola! Uma boa bola!
João Ninguém olha o céu sem nuvens, sêco, como o rio sêco e como as
almas secas. João Ninguém olha o céu e um arrepio lhe corre pelas
espinhas. Ele sente a felicidade de ser ninguém em meio dos que lutam por
ser alguém. Alguém emproado, que não atende ninguém, que não ajuda
ninguém.
E João vaga o dia inteiro, sorri, se apiada... e um traço de tristeza corre no
seu rosto de Ninguém.
Aluno Amador Pedroso de Barros, Jornal O Sud Mennucci,
novembro de 1954.

Trabalhar com a metodologia da história oral apresenta dificuldades e variações que


têm de ser levadas em consideração numa pesquisa histórica. Um ponto que já foi abordado
130

na presente pesquisa diz respeito à trajetória de vida de cada um dos entrevistados: Luiz de
Almeida Mendonça e Gustavo Jacques Dias Alvim, alunos que participaram diretamente do
empreendimento de produzir o jornal escolar, e Marly Therezinha Germano Perecin, aluna do
Sud Mennucci à época de sua publicação. Deve-se observar que os entrevistados não
apresentaram uma memória de grupo sobre o jornal escolar Sud Mennucci, mas sim,
memórias individuais do empreendimento, de acordo com suas trajetórias de vida. As visões
do empreendimento se mostraram diferenciadas.

De acordo com Clarice Nunes (2003), as memórias dos alunos e dos professores sobre
a “realidade” da escola e os sentimentos e opiniões que foram construídos sobre ela estão em
constante mudança. É neste movimento que aparecem múltiplas percepções do espaço
escolar, “percepções que se reenviam incessantemente umas às outras e que enlaçam também
imagens do espaço urbano, constituindo um estoque de informações criticamente
trabalháveis” (NUNES, 2003, p. 12). A história do Instituto de Educação Sud Mennucci,
principalmente aquela construída pelos ex-alunos e pelos jornais locais da cidade, inculcada
na memória coletiva como local de seletividade e excelência, contrasta com a situação atual
da escola, e é distante dos sujeitos que lá estão atualmente. Essa imagem da instituição ficou
no passado e na memória dos habitantes da cidade. Hoje estudam na escola estadual alunos de
diferentes localidades da cidade.

Cada depoimento coletado mostra uma memória individual sobre o passado, uma
visão de mundo que atua de acordo com a trajetória profissional de cada entrevistado. Talvez
aí resida a dificuldade de “enquadrar as memórias”, como ressaltou Pollack (1999), visto que
as memórias individuais problematizaram as questões colocadas e ao mesmo tempo, em certo
ponto, desconstruíram uma memória idealizada da instituição, mesmo mantendo um discurso
que se refere à mesma, ponto que mostra certa contradição. Gustavo Jacques Dias Alvim, hoje
professor e reitor de uma universidade piracicabana, esclareceu ter tido uma relação estreita
com o jornalismo desde a sua infância, e na entrevista apresentou um posicionamento de
pesquisador, tendo consultado seu arquivo pessoal de jornais para responder às perguntas que
foram colocadas durante a entrevista. Os textos de sua autoria presentes no impresso tratam de
questões relacionadas a melhorias no espaço do Instituto de Educação. Questões sobre o
cotidiano também aparecem em seus textos.

Luiz de Almeida Mendonça se formou advogado depois de alta idade. Apresentou


uma memória individual técnica e operacional sobre o empreendimento do jornal, visto que
era o responsável pela impressão e circulação do impresso. Suas respostas foram mais
131

objetivas e sem uma análise aprofundada das questões que foram levantadas. Marly
Therezinha Germano Perecin - professora e historiadora - foi uma das responsáveis pela
construção da memória coletiva da instituição como espaço de excelência. Sua memória
individual apresentou seu olhar, sua sensibilidade de historiadora e sua relação mais íntima
com a instituição pesquisada. Seu relato foi muito rico, visto que falou sobre aspectos do
processo formativo da escola e sobre a construção da memória da mesma, com a formação da
associação de ex-alunos do Sud Mennucci.

Desse modo, as memórias individuais de cada entrevistado – como foi exposto no


capítulo terceiro – não mostram uma perspectiva de conjunto, ideológica sobre o
empreendimento de produzir o jornal escolar, mas sim, visões de mundo diferenciadas sobre o
passado. Outros alunos que fizeram parte deste grupo que produziu o jornal não foram
encontrados para contar suas memórias individuais. Essa é uma das peculiaridades do registro
memorialístico e demonstra que a operação de enquadramento da memória é problemática,
pois, nestes registros, aparecem os desvios e as contradições, inclusive, em alguns pontos,
com o registro escrito, o jornal escolar.

Alguns textos presentes no impresso destoaram dos outros, demonstrando a


heterogeneidade do grupo que organizou o jornal, como o texto que inaugura estas
considerações, de autoria de Amador Pedroso de Barro, aluno que fez parte do grupo que
compunha a organização do jornal. No primeiro exemplar, é ele quem apresenta o jornal ao
leitor, com suas finalidades e objetivos. Neste artigo citado acima, aparece uma visão
individual do aluno sobre o cotidiano que o cercava, sobre a política e a sociedade de seu
tempo.

É neste ponto que aparece uma dificuldade – já discutida ao longo da dissertação – de


“enquadrar” as práticas escolares deste grupo de alunos que compôs o jornal em categorias
conceituais, como movimento ou associativismo estudantil. O primeiro remete à união de
alunos para contestação da ordem estabelecida, aspecto não verificado neste agrupamento de
alunos. A segunda definição diz respeito à união de alunos para um objetivo prático, como
financiar estudos de alunos carentes, como também já foi discutido no capítulo segundo.

Este grupo de alunos do Instituto de Educação Sud Mennucci se organizou e se


articulou para produzir um impresso no espaço escolar com um ideal de ver seus textos
publicados em uma via impressa, o jornal. A visão empreendedora dos três irmãos Mendonça
mostra uma originalidade e particularidade neste empreendimento. Ideia que teve origem no
espaço escolar e alargou sua atuação para o espaço da cidade de Piracicaba. Desta forma, este
132

grupo de alunos contou com a contribuição de vários sujeitos que compunham aquele
ambiente de sociabilidade, como os comerciantes e empresários que tinham estabelecimentos
localizados perto do Instituto de Educação e se tornaram anunciantes do impresso.

Tal qual uma imprensa corrente, os alunos que publicavam textos no jornal escolar
passaram a ser porta-vozes das mudanças e melhorias que ocorriam na instituição, desde a
melhoria da quadra até as transformações institucionais. Discorriam sobre as questões urbanas
locais e denunciavam problemas coletivos. Assuntos cotidianos do espaço do educandário
também estavam presentes no impresso, como a relação entre alunos e professores e as formas
de conduta moral envolvida na instituição.

É por essas particularidades envolvidas nesta imprensa estudantil, pela importância da


instituição para a cidade à época de sua publicação, que este agrupamento de alunos e sua
atuação podem ser inseridos dentro da noção de rede de sociabilidade. Nesta perspectiva, o
Instituto de Educação Sud Mennucci, com seus alunos, emerge como parte dessa rede dentro
do contexto da cidade. Sua articulação com outras instituições da cidade, assim como a
atuação no espaço escolar de sujeitos que poderíamos denominar de intelectuais, ainda precisa
ser melhor investigada. No entanto, é nítida a associação desses alunos a essa rede, por meio
do impresso, que contava com a participação de empresários, comerciantes e políticos locais.

No que diz respeito aos usos feito pelos alunos em relação às prescrições que
vigoravam na época, e com o respaldo teórico de Roger Chartier, é necessário ressalvar,
novamente, que a obra Jornais Escolares, de Guerino Casasanta, foi indicada no capítulo
segundo como a principal prescrição referente à produção de jornais escolares na época. A
obra inclusive nos serviu de guia analítico para entender a atuação dos alunos por meio do
impresso, visto as semelhanças materiais que apresentaram. Apesar de o processo de
apropriação não ter sido comprovado pelas entrevistas, é necessário considerar que a ideia de
produzir jornais escolares estava em voga na época, de acordo com as análises que foram
feitas, inclusive em relação às fontes impressas, como os jornais escolares e as pesquisas que
foram encontradas sobre o tema. A própria análise dessa prescrição representa contribuição
significativa para posteriores pesquisas que venham a utilizar como fonte a imprensa escolar
produzida por alunos, seara ainda pouco considerada nas pesquisas em história da educação
que tratam da temática. Remetendo a Carvalho (2003), é relevante considerar a importância
da materialidade dos dispositivos inseridos no universo educacional, como também dar
atenção para os usos que os agentes fizeram desses modelos.
133

Importante também considerar que ao longo deste trabalho foram encontradas


inúmeras pesquisas que localizaram a presença de jornais escolares produzidos por alunos nas
instituições de ensino ao longo do século XX. Pesquisas que trataram da cultura escolar das
instituições e de suas práticas, como as de Amaral (2003), Silva (2009) e Camargo (2000).
Entretanto, os jornais nestas pesquisas não tinham centralidade na abordagem, sendo
considerados como parte da cultura escolar das instituições pesquisadas.

Atentar para os jornais produzidos por alunos como práticas escolares e como parte da
cultura escolar das instituições resulta em dar voz a esses sujeitos pouco considerados nas
pesquisas atuais. A delimitação das pesquisas que utilizaram a imprensa escolar produzida por
alunos como fonte também contribui para enriquecimento do debate e abertura para novas
pesquisas que tratem desta temática.

Alguns pontos que foram tratados nesta pesquisa abrem variados caminhos para
posteriores aprofundamentos em relação à história e à memória desta instituição de ensino e
do grupo de alunos que fez parte direta ou indiretamente da elaboração do jornal O Sud
Mennucci. Faltam pesquisas que nos contem aspectos da cultura escolar desta instituição
pesquisada em diferentes momentos históricos. Na escola encontra-se um arquivo
administrativo muito rico de informações sobre os alunos que passaram pela instituição;
encontra-se também uma sala com uma gama da materialidade didática da escola, que foi
usada em épocas posteriores. Dentro de caixas desorganizadas, encontram-se inúmeras
fotografias de diversos momentos da história da escola Sud Mennucci. Toda essa
documentação ainda está por ser considerada e analisada em futuras pesquisas.

Uma análise mais aprofundada sobre os componentes curriculares presentes nos textos
que os alunos publicavam no jornal escolar entre os anos de 1952 e 1954 merece atenção. Os
históricos escolares presentes no “arquivo morto” da escola nos dão informações sobre as
disciplinas que eram cursadas pelos alunos nos diferentes cursos, como o curso normal e o
secundário, não só na década de 1950. Entender como os alunos se apropriaram dos
conteúdos prescritos por órgãos ligados às políticas públicas para a educação também se faz
necessário, como se pode ver no estudo de Bittencourt (1990).

Outro apontamento referente a possíveis posteriores análises utilizando o jornal


escolar O Sud Mennucci como fonte está em verificar, por meio do impresso, as tradições
nacionais e as festas cívicas que estão noticiadas no impresso. Uma investigação que
examinasse os textos contidos no jornal dentro desse direcionamento e utilizando as
134

fotografias que mostram a representação dessas festas resultariam em análises interessantes


sobre aspectos da cultura escolar, como, novamente, aponta Bittencourt (1990).

Outra ideia, a qual não teve tempo nem forma para ser realizada, está em situar a atual
intelectualidade piracicabana – composta por sujeitos que de alguma forma foram
apresentados nesta pesquisa, como ex-alunos da instituição, pesquisadores, escritores,
jornalistas, membros da política local – como membros de uma rede de sociabilidade,
envolvidos nos chamados microclimas, espaços de sociabilidade, descritos por Gomes (1999),
dentro da cidade de Piracicaba. Intelectuais como Gustavo Jacques Dias Alvim, Marly
Therezinha Germano Perecin, Cecílio Elias Neto, João Chaddad (vice-prefeito da cidade) que
atuam no ambiente da cidade atualmente, são membros do Instituto Histórico e Geográfico de
Piracicaba e discutem aspectos da história da cidade até os dias de hoje. Essa hipótese é
apresentada pelo ex-aluno Gustavo Jacques Dias Alvim, em sua entrevista, na qual ele fala
sobre essa relação:

Tem um grupinho que a gente se reúne: tá o Cecílio Elias Neto (diretor de A


Província), tá o Evaldo Vicente (diretor da Tribuna Piracicabana), o
Chaddad (que é vice-prefeito da cidade). Um grupo que conhece muito da
história de Piracicaba, sabe. E a gente costuma encontrar, uma vez por mês,
à noite, pra falar da história de Piracicaba. E a gente começa a ver como a
gente tem conhecimento das famílias, das pessoas. Muitos já foram, mas as
famílias ficam. (Gustavo Jacques Dias Alvim, entrevistado.)

Outro aspecto emblemático da fala do entrevistado é o vínculo familiar como um dos


componentes mais fortes que agrega e garante continuidade a essa rede. Parece ser esse
vínculo uma particularidade a ser considerada e investigada em pesquisas que tratem de redes
de intelectuais em Piracicaba e em outras cidades do interior.

Vale observar, também, que os jornais locais fazem até hoje parte dessa rede que
envolve esses intelectuais que atuam por meio dela para expor suas ideias e para fazê-las
circular no espaço da cidade. Essa relação é outro tema que merece uma investigação mais
aprofundada. Na época em que os jornais escolares eram publicados, estes jornais locais já
existiam e foram responsáveis também pela construção de uma memória sobre a instituição,
como foi tratado ao longo da dissertação. A própria formação da Associação de ex-alunos do
Sud Mennucci contou com o apoio da imprensa corrente, visto que a historiadora Marly
Therezinha Germano Perecin utilizou o recurso da imprensa para denunciar a questão do
restauro na instituição, por meio de textos que publicou no jornal. Enfim, estas questões
ficaram abertas, por desvendar, e podem ser retomadas em ocasião posterior.
135

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138

APÊNDICES

APÊNDICE 1

Fontes documentais

JORNAL O “SUD MENNUCCI”. Órgão Estudantil da Escola Normal “Sud Mennucci”,


novembro de 1952.

JORNAL O “SUD MENNUCCI”. Órgão Estudantil da Escola Normal “Sud Mennucci”, abril
de 1953.

JORNAL O “SUD MENNUCCI”. Órgão Estudantil da Escola Normal “Sud Mennucci”, maio
e junho de 1953.

JORNAL O “SUD MENNUCCI”. Órgão Estudantil do Instituto de Educação “Sud


Mennucci”, agosto de 1953.

JORNAL O “SUD MENNUCCI”. Órgão Estudantil do Instituto de Educação “Sud


Mennucci”, setembro de 1953.

JORNAL O “SUD MENNUCCI”. Órgão Estudantil do Instituto de Educação “Sud


Mennucci”, outubro/novembro de 1953.

JORNAL O “SUD MENNUCCI”. Órgão Estudantil do Instituto de Educação “Sud


Mennucci”, abril de 1954.

JORNAL O “SUD MENNUCCI”. Órgão Estudantil do Instituto de Educação “Sud


Mennucci”, maio de 1954.

JORNAL O “SUD MENNUCCI”. Órgão Estudantil do Instituto de Educação “Sud


Mennucci”, outubro de 1954.

Jornal O “SUD MENNUCCI”. Órgão Estudantil do Instituto de Educação “Sud Mennucci”,


novembro/dezembro de 1954.

DIÁRIO DE PIRACICABA. Escola Normal “Sud Mennucci e Colégio Estadual de


Piracicaba (dados históricos de 1897 a 1947)” – 20/04/1947. Lauro Alves Catulé de
Almeida.

REUNIÃO Anual da Associação dos ex-alunos, ex-professores e amigos da escola “Sud


Mennucci” em 1º de dezembro de 2007. (cópia). Acervo da biblioteca da Escola Estadual de
1º e 2º grau Sud Mennucci.
139

JORNAL DE PIRACICABA. A Escola Normal de Piracicaba – 27/04/1985. Maria C.T.


Mendes Torres.
140

APÊNDICE 2

A materialidade do impresso O Sud Mennucci

Jornais Iconografia Formato


Estilo tipográfico Publicidade Diretores, editores e redatores do impresso. Tipo de papel
O Sud Mennucci (fotografia) (dimensão)
Número 1 (nov. 1952) Máquina Planeta Sim Não Luiz de Almeida Mendonça; 30x45 Jornal
Amador Pedroso de Barros; Vicente Frasson; Gustavo Jacques Dias
Alvim.
Número 2 (abril. 1953) Máquina Planeta Sim Não Luiz de Almeida Mendonça; 30x45 Jornal
Amador Pedroso de Barros; Vicente Frasson; Gustavo Jacques Dias
Alvim.
Número 3 (maio/junho. 1953) Máquina Planeta Sim Não Luiz de Almeida Mendonça; 28x38 Couché
Amador Pedroso de Barros; Vicente Frasson; Gustavo Jacques Dias
Alvim.
Número 4 (agosto. 1953) Máquina Planeta Sim Sim Luiz de Almeida Mendonça; 28x38 Couché
Amador Pedroso de Barros; Vicente Frasson; Gustavo Jacques Dias
Alvim.
Número 5 (set. 1953) Máquina Planeta Sim Sim Luiz de Almeida Mendonça; 28x38 Couché
Amador Pedroso de Barros; Vicente Frasson; Gustavo Jacques Dias
Alvim.
Número 6 (out/nov. 1953) Máquina Planeta Sim Sim Luiz de Almeida Mendonça; 28x38 Couché
Amador Pedroso de Barros; Vicente Frasson; Gustavo Jacques Dias
Alvim.
Número 7 (abril. 1954) Máquina Planeta Sim Não Luiz de Almeida Mendonça; 28x38 Couché
Amador Pedroso de Barros; Vicente Frasson; Gustavo Jacques Dias
Alvim; Murilo Graner; Raul Nechar.
Número 8 (maio. 1954) Máquina Planeta Sim Sim Luiz de Almeida Mendonça; 28x38 Couché
Amador Pedroso de Barros; Vicente Frasson; Gustavo Jacques Dias
Alvim; Murilo Graner; Raul Nechar.
Número 9 (outubro. 1954) Máquina Planeta Sim Não Luiz de Almeida Mendonça; Sebastião de Almeida Mendonça; Joaquim 28x38 Couché
de Almeida Mendonça; Raul Nechar; Amador Pedroso de Barros; Murilo
Graner; Waldemiro C. Sgarbiero; Antonio Bergamin.
Números 10 e 11(novembro e Máquina Sim Sim 28x38 Couché
dezembro de 1954) Planeta

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APÊNDICE 3

Principais assuntos do jornal O Sud Mennucci

Jornais Humorismos Cotidiano da escola Discurso


O Sud Literatura Atuação política (incluindo normas de (incluindo normas de nacionalista Esporte Trabalhos/alunos
Mennucci conduta moral) conduta moral) republicano

Número 1 Saudade – José Surge o Sud Mennucci. Coluna “O Rocambole”– Centro de Estudos de História. Aforismo (perspectiva Escola dos Títulos: O perfume
Marques Casemiro de Inovação – reivindicação palavras cruzadas; charadas, moral) sobre Le Bon: atletas – grêmio das flores; Ode a
Abreu. por melhorias das salas de conversas, curiosidades. Críticas à cola. nacionalismo, amor à normalista nos minha terra; As rosas,
Novembro 1952 Retrato – Maciel aula. pátria. esporte As violetas; Os
Monteiro Crônicas do templo! – cisnes.
saudação à publicação do 1º
exemplar – ligação com outros
jornais de outras instituições.

Número 2 Flaubert – Educação Sessão de posse do Grêmio Coluna “O Rocambole”; “Foram, mais deixaram As violetas; O
Sentimental; Normalista – discurso do Coluna “Oito Minutos”– saudades”– sobre a morte de palhaço; Os cisnes;
Elogio à música orador Gustavo Alvim: trocadilhos, ditados (busca de um aluno. Grama entre gramas;
Abril 1953 Canção do Exílio. satisfação de ver 4 salas associados). Fundação do clube de ciências A cascata; Um
Poema à Avenida Rui prontas. – crítica em relação à falta de passeio em trem de
Barbosa Paródias – sobre o bom material pedagógico. ferro.
Referências aos ilustres colador. “Isto é que é trabalhar”–
professores; a acolhida do dificuldades no exercício do
jornal por parte do diretor Ditados humorísticos se magistério.
Arlindo Rufallo. referem à necessidade de Cotidiano da sala de aula.
associados; outra nota sobre “Rastejar”– críticas à cola.
a necessidade e as vantagens
de se tornar associado.

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Jornais Humorismos Cotidiano da escola Discurso


O Sud Literatura Atuação política (incluindo normas de (incluindo normas de nacionalista Esporte Trabalhos/alunos
Mennucci conduta moral) conduta moral) republicano

Número 3 Versos íntimos – Editorial - Registro da posse Cartas serenas – Zé Franco. “Pau-de-arara”– sobre a Crônicas do Templo – Aviso sobre o “Quantos anos vivem
Augusto dos Anjos. do professor Francisco Ditados – elas por elas; no migração interna do Nordeste sobre a atividade do início das os animais?”
Godoy como vice-diretor da deserto; o amor; provérbios; para São Paulo, onde magistério como atividades “O papel da química
Maio - Junho Referências à escola. Rocambole – palavras encontram a escola. profissão de fé. esportivas na na indústria têxtil.”
1953 biografia de Machado cruzadas; reportagem escola – alunos “Os nossos pássaros.”
de Assis, José Agradecimento ao corpo humorística. “Flagrante real”– escola num Nota sobre Francisco do profissional
Veríssimo. discente e docente pelo bom declive. Manoel da Silva, autor noturno – Aviso sobre a forma
recebimento do jornal. Curiosidades – comentário “O Barbeiro e o freguês”. do Hino Nacional – masculino. de entrega dos
Sentimento cristão na sobre a formação das elites. Seção de cartas. “célebre e imortal”. trabalhos ao jornal.
obra Sinhá Moça. “A estranha história da
A moreninha – Estava certo – um herança”.
Amador Pedroso de moralista falando sobre o
Barros. jogo, sobre as mulheres. Falta de coleguismo na massa
estudantil.
Quero escrever –
negação das normas Sociais – aniversariantes do
de estilo. (Manuel mês, texto sobre o casamento.
Bandeira) Seção feminina – assuntos
como a ordem da casa;
estímulo à correspondência
entre as alunas.

Acovardar-se – sobre a
covardia do decalcadores, os
coladores.
Nota sobre a cola na escola.

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Jornais Humorismos Cotidiano da escola Discurso


O Sud Literatura Atuação política (incluindo normas de (incluindo normas de nacionalista Esporte Trabalhos/alunos
Mennucci conduta moral) conduta moral) republicano

Número 4 Descaso – pelas Editorial – reclame sobre o Tribuna estudantil – espaço Falta de tempo – sobre o Reclame sobre o O Sud “Os vagalumes”;
coisas da língua – racionamento de energia humorístico; palavras tempo e a falta dele. racionamento – atraso Mennucci Soneto
discussão sobre a elétrica. cruzadas. do progresso da pátria. Esportivo – (A alguém que não
Agosto 1953 linguagem do Sociais: aniversariantes do O atraso no progresso campeonato terei).
interiorano e os erros Instituto de Educação Sud mês; rainha do instituto. e na ordem se deu pela inter-colegial de
de português. Mennucci – a escola normal forma com que o esporte – Pedido para os alunos
se transforma em Instituto Nada mais que a obrigação – jornal teve de ser realizado pelo mandarem suas
Crônicas do templo – graças ao prof. Argino da sobre os decalcadores e o editado. “Imprensa departamento colaborações, artigos
sobre a participação Silva Leite que interveio na infortúnio nos estudos. modesta afogada por de esporte do anedotas, charadas.
do Sud nas imprensa e na Assembleia o forças terceiras”. estado de SP.
comemorações das dep. Valentim Amaral fez se Sobre a garota do século XX –
semanas euclidianas. concretizar – reprodução do perde tempo ao não cuidar do Discurso nacionalista
texto inicial da lei (1ª lar, atrasando o progresso da em Euclydes da
Euclides da Cunha página) nação. Cunha.
em prismas – “Os “Educação”, base do
Sertões”. progresso – sobre o
estudante ideal,
estudioso, adjetivos
que a “classe
estudantil”não tem.

Número 5 Editorial (direção do jornal): “Dez minutos” – humor. Superstição – diálogo entre Saudade inolvidável –
sobre os possíveis pontos de Reportagem; dois amigos sobre o cotidiano. nostalgia romântica.
crítica em relação ao Trocadilhos. Roseira; soneto a um
Setembro 1953 impresso produzido que Cartas serenas. Formatura – decepção da amor abjeto.
segundo os autores, deve ser comissão pela falta de ajuda
eliminado pelo conselho dos Tribuna estudantil. dos alunos.
mais cultos.
Centro de estudos de história –
Festival no Salão Nobre do menção à folha comemorativa
Instituto, programado pela do 7 de setembro que não foi
direção –cumprimento aos publicada pela falta de energia.
mestres.
Festa no salão nobre – Sociais: aniversariantes.
aniversário da
Independência – organizada
pelo Grêmio Normalista e
apoiada pela diretoria do
instituto.

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O Sud Literatura Atuação política (incluindo normas de (incluindo normas de nacionalista Esporte Trabalhos/alunos
Mennucci conduta moral) conduta moral) republicano

Número 6 O latim e a ciência – Editorial: comemoração do Humor: é ou não é? “Adeus escola”– despedida à Direção do jornal: Constituição Imperial
crítica à imposição do 1º ano de existência do Curiosidades. escola amada. edição de duas páginas do Brasil;
latim no estudo do órgão (ideal de periodismo Dez Minutos. comemorativas do dia Apontamentos para a
Outubro - currículo ginasial. escolar). Esclarecimento de Cartas serenas – a um amigo da Pátria com o auxílio história da educação
Novembro 1953 Falta a ciência aos que o jornal não recebia Charadas. sobre sua vida escolar. da professora de (Primitivo Moacyr,
estudos do latim. auxílio financeiro de ordem história, Maria C. Afrânio Peixoto).
política – somente contam Seção feminina. Teixeira Mendes, do As relações anglo-
“Brasil” (poesia) – com a verba do centro de estudos de brasileiras; O
Djalma Andrade – departamento de Crônicas do Templo – críticas história. Nacionalismo em
Academia Mineira de publicidade. Sobre as às faltas coletivas. 1822 (Vicente
Letras. dificuldades que surgiram “O professor”– Tapajós, Nelson
para que o jornal fosse “ilumina, com a luz do Wernek Sodré,
produzido. saber, as trevas da Hypolito José da
ignorância” – Costa, Antonio
Excursão realizada pelo homenagem ao dia do Gonçalves Dias).
Clube de Ciências – professor.
descrição da viagem – visita Professor: “saber,
ao diretor do departamento bem, luz”;
de educação, visita à homenagem à sombra
assembleia legislativa da bandeira.
paulista.

“Um ano”: do jornal O Sud


Mennucci– houveobstáculos
e dificuldades no início –
lançou fogo para a
iluminação das
consciências. Sud é a
sementeira de onde sairão
grandes homens.

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Jornais Humorismos Cotidiano da escola Discurso


O Sud Literatura Atuação política (incluindo normas de (incluindo normas de nacionalista Esporte Trabalhos/alunos
Mennucci conduta moral) conduta moral) republicano

Número 7 Cromo – Abílio Campanha de assinantes – “Dez minutos”, humorismos, “Cartas Serenas” – sobre a Comemorações:
Barreto – poeta relação da cidade culta com trocadilhos; reprovação de um aluno. - aniversário da escola;
mineiro. o acolhimento do órgão que Reportagem humorística; Ser morte de Tiradentes;
Abril 1954 trabalha em prol da cultura estudante – Gustavo Alvim. Aniversariantes. solenidades com
“A Rifa”– narração. – apelo por mais assinantes. hasteamento da
“Zero não falta”– paródia de Visões do ensino primário. bandeira; hino
O número inaugura o ano. – Luzes de Ribalta de Charles nacional e inauguração
avivar a interação cultural Chaplin. Aniversário do Clube de do retrato do padre
do corpo discente, Ciências – sede fora da escola. José de Anchieta;
publicação de notícias sessão solene e jogos
relacionadas à classe Inauguração da Biblioteca da esportivos.
estudantil (estão se Cadeia Local, com a
apresentando?). participação da mocidade
escolar.

O X da questão – discussão
sobre o cotidiano escolar.

Crônicas do mês – sobre a


professora que ocupa o lugar
da mãe.

Número 8 Mediocridade em 1ª página – Ecos da festa de “Dez minutos” (um intervalo “O pistolão”– sobre o Discurso do aluno em Dois jogos Soneto – sobre a
Teófilo Braga – aniversário da escola – de graça). cotidiano e o currículo escolar. comemoração esportivos no esperança e o amor.
polígrafo português descrição das aoaniversário da dia de
Maio 1954 positivista que comemorações. Presença do Inauguração do Cine Palácio. escola – relaciona comemoração Migalhas camonianas.
defendia as ideais de diretor interino Lauro Alves Tiradentes com ideal aoaniversário
Augusto Comte – fez Catulé de Almeida; o Horários de ônibus de de liberdade que seria do Instituto: Canção do amor
a crítica literária aos professor Salvador Toledo Piracicaba aTietê, Torrinha e preciso alcançar. equipes de vôlei irrequieto.
românticos, não Piza e o aluno que discursou São Pedro. “Necessária Columbia Six e
nutriu simpatia pela Amador Pedroso de Barros conjuração para Grêmio
literatura romântica. – o discurso está transcrito Concurso para rainha do perigos iminentes para Normalista.
inteiro na primeira página Instituto. a nacionalidade.”
“Soneto” – Djalma de do jornal.
Andrade – da Presença do juiz de direito Centro de Estudos de História “A nacionalidade nos
Academia Mineira de dr. Celso Galdino Fraga. – notícia sobre a entrega de jovens está
Letras. prêmios para os alunos que se adormecida e periga a
destacaram na matéria durante liberdade tardiamente
as comemorações do conquistada.”
aniversário da escola.

Sociais – aniversariantes.

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Jornais Humorismos Cotidiano da escola Discurso


O Sud Literatura Atuação política (incluindo normas de (incluindo normas de nacionalista Esporte Trabalhos/alunos
Mennucci conduta moral) conduta moral) republicano

Número 9 Episódio da vida de Carta aberta aos leitores de “Dez minutos” (um intervalo Junho – o mês dos santos; mês O sentimento de Benção (Sibemol
Gorki, célebre O Sud Mennucci – de graça): como evitar os tétrico dos dias de exame. patriotismo da Maior) – a tristeza da
Outubro 1954 escritor russo, autor explicação sobre a demora amolantes – o chato que educação e sua função, tarde nas montanhas.
de contos nos tempos da publicação do presente amola – o fim não é apontar O diploma, sua função e o que ainda no tempo
tzaristas. exemplar: com a realização os amolantes, massim evitá- significava ter o mesmo na primitivo. O canto do cisne.
das eleições de 3 de los. Os amolantes são como época – sobre a “indústria de
O romance de um outubro, as tipografias da pragas e até escrevem no papéis”. Filosofia que nega a
morto – sobre a cidade ficaram jornal. razão...
morte de Jerônimo na sobrecarregadas. Saudades – da professora que
Fazenda “Dom A aula de pedagogia e o faleceu. Não se incomode –
Duarte”. Aviso – sobre certa aluno José Augusto. autor anônimo.
professora que propagou O desenho na vida da criança –
O falar difícil – sobre entre os estudantes que os Historieta elaborada com o sobre a linguagem infantil por
as críticas aos alunos artigos só são publicados auxílio dos filmes recentes. meio do desenho.
que falam de maneira depois de criticados por ela
correta – apoio ao e sob sua permissão – trata- Ciência – definições de Você se veste cientificamente?
“falar difícil”– se de boatos, poiso órgão termos utilizando Sobre o modo de vestir de
trabalho de aluno. éindependente! humorismos. acordo com as estações do
ano. Se vestir de acordo com
Nossa quadra – sobre a O professor – humorismo as leis que regem a beleza e a
discussão de que, desde com o autoritarismo do saúde – colaboração do doutor
1948, as direções dos professor – e o consequente Charlton MC Hodiak.
Grêmios das ex-escolas zero.
normais vêm falando em O “Dia do Professor” –
atijolar e cimentar a quadra V Coluna: sobre a novela de organização de uma festa pelos
– sobre a precariedade da Victor Hugo “Os alunos do Curso Profissional
quadra, apelo a nova direção Miseráveis”; piadas, versos, Noturno – em prol da
do grêmio para a melhoria prosas. educação moral.
da quadra.
Sociais: aniversariantes.

O preceito do mês – nem oito,


nem oitenta – sapatos de salto
alto e baixo.

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Jornais Humorismos Cotidiano da escola Discurso


O Sud Literatura Atuação política (incluindo normas de (incluindo normas de nacionalista Esporte Trabalhos/alunos
Mennucci conduta moral) conduta moral) republicano

Números 10 e 11 Triste verdade – Dos Fundos da Redação – O “Rocambole” – Artigo à A conversa íntima – sobre os O comércio com os Entrega da taça Vida – comparada
poesia de Michael sobre o ano que se passou e tona d’água – sobre a seção benefícios que podem advir de livros e a educação – futebolística ao àvida de uma flor.
Novembro – Burner (1915 – a finalização do humorística que veio uma conversa cordial íntima sobre a arte de diretor Lauro
Dezembro 1954 edição portuguesa). empreendimento do jornal – atormentar a cabeça dos entre professor e aluno. escrever e o mercado Alves Catulé de
sobre a continuidade desta fundadores do órgão – sobre de livros, livros Almeida.
“obra jornalística”e o fato a finalidade da seção ao Problemas do Ano – didáticos que mostram
de os alunos do Instituto não longo da existência do jornal, “Mundanismo”! – sobre o ano a “decadência moral e
deixarem morrer o órgão sobre piadas picantes que que se passou e a visão de João política”– divórcio
estudantil. foram alvos de críticas, e as Ninguém sobre o assunto – com a sólida e milenar
engraçadas que discorriam muito interessante. educação, baseada na
Aviso: Colega – não deixe sobre a organização política instrução – educação
morrer o Sud. brasileira. É proibido estudar – sobre o para a dignidade e
cotidiano dos alunos e o sonho grandeza da Pátria.
Adeus e muito obrigado! – Palavras-cruzadas. de cada um (a profissão) – (Sentimento
agradecimento do órgão ideal para o engrandecimento nacionalista no
pelo apoio recebido, dos da nação – sobre os que têm discurso.)
professores e diretores, aos vontade de estudar e não
assinantes e anunciantes – podem, sobre a gratuidade do Curso de
quem assina são os três ensino. Aperfeiçoamento –
irmãos Mendonça. Vocação: um difícil
Fotografia da coroação da problema – Prof.
Carta de Despedida – aviso rainha do Ginásio; foto dos Ayrton Almeida Tullio
sobre o último número do bachalerandos de 1954. – fala sobre as escolas
jornal, sobre a finalidade do vocacionais do Senai.
órgão estudantil e a Noticiário estudantil: 1-
importância do mesmo! Brincadeira dos bachalerandos
de 1954; 2- Curso de
Aperfeiçoamento; 3 -
Professorandos de 1954; 4 -
Homenagem ao professor João
Dutra.

O fácil e o difícil – sobre as


contradições do mundo.

Folhas ao vento – homenagem


ao professor Antonio dos
Santos Veiga.

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APÊNDICE 4

Diversidade e quantidade de anúncios no jornal O Sud Mennucci

Anúncios do jornal Estabelecimentos anunciantes Quantidade de anúncios


Número 1 Concessionária GMC (primeira página)
Móveis Manfrinato
Eletro Piracicaba
Calçados Ninon
Farmácia São José
Casas Pernambucanas
Casa Neusa
Studebaker – caminhões e automóveis
Papelaria Brasil
Casa Nely 18
Foto Vera Cruz
Livraria Católica
A Americana
Cacique – biscoitos
Casa Kiehl – famílias da elite
Galeria dos Tecidos
Auto geral
Casa Passarella
Número 2 Concessionária GMC – o dono era Guidotti, futuro prefeito da cidade.
Casa Bonilha
Casa Cury
Casa Maracanã
Dr. Samuel Neves (médico – prefeito da cidade)
Mercantil Piracicaba
Papelaria e Tipografia Paulista
Calçados Ninon
Studebaker
Farmácia São José
Foto Caprecci
Livraria e Papelaria Brasil
Casa Lopes 25
A Americana
Livraria Leny
Relojoaria Gatti
Casa da Chave
Tele- Rádio
Livraria Globo
Cacique
Casa Marabá
Livraria Católica

148
Casa Edison - rádios
A Impressora – Tipografia e Cartonagem (Rio Claro)
149

Casa Nely
Número 3 Concessionária GMC
Casa Neusa
Casa Santos
Dito Alfaiate
Casa Polacow
A Americana
Casa Nely
Livraria Católica
Casa Cury
Casa Lopes
Livraria Brasil 21
Farmácia São José
Alfaiataria Ao elegante
Dr Herbert Martins – cirurgião dentista
Casa Neusa
Enceradeiras Arno (Guidotti)
Eletro Capelari
Casa Edison
Auto Geral
Cacique – biscoitos
Livraria Globo
Número 4 Concessionário GMC
Livraria Católica
Relojoaria Gatti
Casa Neusa
Casa da Chave
A Porta Larga
Dr. Herbert Martins – dentista
Casa Testa 14
Casa Lopes
Café Ouro do Brasil
Mercantil Piracicaba
Dito Alfaiate
Cacique – biscoitos
Dr. WahiboSaliba – médico
Número 5 Concessionária GMC
Café Ouro do Brasil
Livraria Católica
Casa Neusa
Auto – Geral
Casa Marabá
Casa Guarany 12
Casa Edison
Casa Neusa
Mercantil Piracicaba

149
Cacique
Dr. Herbert Martins
150

Número 6 Concessionários GMC


Alfaiataria Bom Jesus
Relojoaria Plats – Anéis de formatura
Casas Pernambucanas
Casa São Miguel
Deovaldo de Moraes – cirurgião dentista
Móveis Manfrinato
Cacique – biscoitos
Relojoaria Catedral
Relojoaria Gatti – anéis de formatura
Fernando Alfaiate
Casa Rodrigues
Dito Alfaiate
Casa Três Irmãos
Livraria Globo 29
Mozart Dutra – dentista
Ao corte moderno
Chapelaria Hoeppner
A porta larga
Casa Marabá
Casa Peu
Alfaiataria São Paulo
Mercantil Piracicaba
Casa Neusa
Livraria Católica
Dr Herbert Martins
Alfaiataria Pagliarim
Café Ouro do Brasil
Sapataria Santana
Número 7 Concessionários GMC
Cacique – biscoitos
Casa Neusa
Empresa Marchiori
Mercantil Piracicaba
Casa Marabá
Fernando Alfaiate
Camisaria Bassin
Livraria Católica 17
Farmácia São Luiz
Relojoaria Gatti
Casa Três Irmãos
Eletro Piracicaba
Casas Pernambucanas
Dr. Herbert Martins
Café Ouro do Brasil
Alfaiatarias Reunidas
Número 8 Concessionários – GMC
16

150
Clube dos Elegantes
Macluf Alfaiate
151

Casa Três Irmãos


Livraria Católica
Fernando Alfaiate
Dr Herbert Martins
Casa Marabá
Agência Chevrolet
Relojoaria Gatti
Empresa Marchiori
Eletro Piracicaba
Agência Chevrolet
Mercantil Piracicaba
Alfaiatarias Reunidas
Café Ouro do Brasil
Número 9 Concessionários GMC
Café Ouro do Brasil
Auto Geral
A porta larga
Casa Rocha
Casa Três Irmãos
Relojoaria Plats
Casa Cury 15
Relojoaria Gatti
Eletro Piracicaba
Agência Chevrolet
Livraria Católica
Mercantil Piracicaba
Dr. Heber Barros (dentista)
A Casa Marabá
Números 10 e 11 Concessionários GMC
Casa Edison
Relojoaria Plats
Camisas Kraide
Macluf Alfaiate
Relojoaria Gatti
Casa Marabá
Auto Geral
Dr. Heber Barros (dentista)
Casa Neusa 18
Porta Larga
Casa Rodrigues
Ao Cardinali
Loja XV
Eletro Piracicaba
Mercantil Piracicaba
Tele Rádio
Café Ouro do Brasil

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Apêndice 5

Entrevista de Gustavo Jacques Dias Alvim.

Realizada e gravada em 02/10/2014.

Gustavo [entrevistado]: A história desse jornal, nasce com a pessoa que se tornou o primeiro diretor
do jornal, o Luiz Mendonça. Acho que ele é a memória principal disso. O que acontece que, inclusive
ele quando monta esse primeiro grupo, ele trabalha com mais dois irmãos, o Joaquim e o Sebastião.
Este já é falecido. O Joaquim eu não sei. Ambos escreviam muito bem. E... Então eles formam esse
núcleo e convidam alguns colegas, que eles sabiam que tinham boa redação, que gostavam de
escrever, pelos trabalhos escolares que a gente apresentava. Dos que foram somados, pelos menos, eu
diria pra você: o Amador, eu, tínhamos essa qualidade. Aqui, você vê que no primeiro número eu não
estou, estou no segundo. Estão aqui, por exemplo, esse Sperandio escrevia muito bem, o Sebastião (o
apelido dele era Taco), e o Amador. E depois eu venho compor esse grupo também. E quem ficava na
direção era o Luiz.. O Luiz e o Joaquim não eram os que escreviam, mais eles eram mais
empreendedores. Agora a família dele tinha uma tipografia, chamava Tipografia Santa Cruz que
depois o Luiz herdou, não me lembro quando. Eu nem sei, ele... acho que ela não existe mais, ele vai
falar isso aí.

Isis [pesquisadora]: Eu acredito que não, ele é advogado, né?

Gustavo: Ele fez curso de Direito e advogou, advogava mais acho que assim na área do direito
público, mais ele sempre teve, sempre ele mexeu com tipografia. Então, essa era uma das facilidades
que a gente tinha. Uma possiblidade de, tipograficamente, ou seja, o que é isso aqui, tipográfico, não
é? Naquela época você compunha os tipos.

Isis: Linotipo?

Gustavo: Não, não era linotipo. Tipográfico, tipografia.

Isis: Eu tinha uma... De acordo com o que fui pesquisando, eu cheguei à conclusão de que poderia ser
o linotipo.

Gustavo: Não, linotipo era uma máquina bem mais moderna, que surgiu bem depois. Mais era
composição mesmo: você compunha as frases. Tanto é que às vezes dá uma certa dificuldade de fazer
até a paginação, né. Mais ele era um jornal até pra época, por ser um de estudante, muito bem feito.

Isis: Com certeza.

Gustavo: E, por outro lado, a gente também dava espaço para publicação de matérias, tais como
trabalhos escolares que os professores recomendavam. Havia uma recomendação do professor.
Diziam: Ah! Esse é um trabalho bom, interessante pra comunicação. E o espírito do jornal era assim,
lutar pela escola, você percebe que ela estava até num momento de transição, a escola estava lutando
para ser Instituto. E era o melhor colégio da cidade na época. Era um colégio público muito bom. Era
difícil conseguir vaga. E no final era assim, por exemplo: o curso colegial começou com 45 alunos e
terminamos com menos de 15, acho que 13, 14 alunos. Isso porque era muito rigoroso. Mas também a
gente saía dele no final, ia direto pra faculdade. Eu mesmo fiz vestibular em São Paulo, eu não fiz
cursinho, não fiz nada. O preparo era muito bom. Excelentes professores.
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Gustavo: Então o jornal vinha pra, vamos dizer, passar a dar informações para os alunos, né. Você
percebe que tem momentos que a gente faz algumas, alguns pleitos na escola, né. Outras horas elogia a
escola porque está fazendo ou porque não está fazendo, você se critica. Mais num nível assim de
respeito e de colaboração. Inclusive com o entusiasmo que os próprios professores passavam pra
gente. Agora ele ficou um jornal também ficou muito concentrado nessas pessoas, tanto é verdade, que
por que o jornal termina em 1954. Sabe por que? Pois foi quando nós estávamos terminando o
colegial.

Isis: Ele termina em 1954?

Gustavo: Pra mim ele acaba. Não sei se o Luiz tem mais alguma coisa, pra mim ele acabou ali e ele se
despede no último número.

Isis: Que é no 9?

Gustavo: Que é no 9. No 9 ou no 10. Agora não lembro se chega até 9 ou 10.

Isis: Eu tenho até o 8.

Gustavo: Você tem a despedida deles?

Isis: Não.

Gustavo: Então eles devem ter mais um.

Isis: Olha só. Então, eu tenho esse que o senhor foi tirar cópia agora é o 8. Era o último que eu tinha.
Inclusive era até uma pergunta que ia fazer, se vocês sabiam até qual número que foi.

Gustavo: Então, não sei... agora eu não lembro. Se é no 9 ou no 10, se tinha mais um ainda. Mas no
último, a gente, a gente não, os Mendonça aí, eles se despedem do jornal.

Isis: Olha só, porque já estão saindo da escola.

Gustavo: Nós saímos, eu me formei no colegial em 1954, 54 eu me formei. 54, foi o último que você
tem de que mês que é?

Isis: 54, aquele que o senhor foi tirar cópia. Acho que é de abril ou maio, não tenho certeza.

Gustavo: Então, ele morre em 1954. Inclusive tem um aluno que escreve uma carta dizendo que queria
que jornal continuasse e tal. E o Mendonça diz, nessa despedida, que esperava que alguém
continuasse, mais ele. Você percebe que ele já tinha a visão de que dificilmente ele teria continuidade,
porque o grupo que trabalhou, que montou o jornal, estava também se despedindo. Não tinha ficado
herdeiro, digamos assim. Então acho que o espírito do jornal era esse mesmo: trabalhar pelo
educandário, fazer essa relação dos alunos, dando estímulo, unindo os alunos, combatendo a
indiferença. Tem um lugar aí que a gente encontra, que ele fala que precisava ser uma união de todos,
sem retaliações e na verdade, ele era uma publicação, eu diria assim, estritamente literária, mas com o
espírito de humor, humor sadio, você tinha o passatempo, você procurava atingir todos os níveis, coisa
que os estudantes talvez na época estivessem esperando, que fosse do seu interesse. Você viu que a
gente comentava esporte e fazia reportagens sobre alguns eventos. A posse do grêmio, por exemplo. E
não era um jornal do Grêmio.
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Isis: Isso é uma coisa que perpassa a minha pesquisa, porque toda a união e agremiação de alunos que
a gente encontra, ao estudar história da educação, porque eu faço um mestrado na história da
educação, tem essas características. E toda a união de estudantes que a gente encontra pra um
empreendimento desses, por exemplo, é dentro das atividades do Grêmio e o que eu fui percebendo
analisando os jornais que vocês. Mas vocês faziam parte do Grêmio, se destacaram ali, se descolaram
das atividades do Grêmio.

Gustavo: Não aparece em nenhum lugar do jornal que o jornal era do Grêmio.

Isis: Mas o grêmio ele está sempre presente, né, e isso foi uma inquietação muito grande pra mim, pois
é difícil ver uma articulação dessas.

Gustavo: Na verdade, porque, havia assim um líder, os Mendonça que, também, apareciam como
alguém que era o dono, que se movimentava, porque ele inclusive dava sustentação. Agora, eu não me
lembro disso, mas lendo o jornal eu verifiquei que havia assinatura do jornal, eu não tenho essa
lembrança. Agora os anúncios, eles foram trabalhados. Os próprios envolvidos no jornal é que
buscavam esse tipo de receita. Acredito eu por que tínhamos colegas que talvez tivessem relações com
essas empresas, e podia ser empresa de alguém amigo, de algum parente, de algum colega, o que
facilitava isso. Mas, independente disso, deve ter havido um trabalho até dos próprios Mendonça.
Porque eles estavam na tipografia, eles estavam nesse campo, eles estavam no comércio, entendeu? Os
pais deviam estimular inclusive outros que tinham relações com eles, porque você pega, por exemplo,
essa família Guidotti aqui. A família Guidotti até hoje você encontra por aí. Ele era uma pessoa
boníssima, tinha uma relação muito boa, era uma pessoa que tinha recursos e acabava às vezes
atendendo a essas coisas que os alunos propunham, bem como dando exemplos e estimulando outras
pessoas.

Isis: O que é interessante é que são muitos anúncios, né, senhor Gustavo.

Gustavo: E outra coisa que eu tinha colocado aqui: esse redator-auxiliar que aparece aí, o Vicente
Frasson. O Vicente Frasson não era assim dos que mais escrevia, mas era uma pessoa que, eu acho
ajudava mais administrativamente no jornal. O Vicente está vivo até hoje.

Isis: Já o procurei. Ele está muito reticente.

Gustavo: Ele tem um filho que é médico veterinário.

Isis: Eu o procurei e levei um convite pra ele. Ele está reticente, fala que não lembra. E ainda vou
tentar novamente.

Gustavo: E uma outra coisa que, no jornal, eu acho que o pessoal dos Mendonça faziam, era que,
quando faltava algum recurso, eles punham.

Isis: Eles que financiavam? Então na verdade eram os três que eram os mais ativos ali?

Gustavo: Eram três irmãos que viviam juntos, em família, quer dizer, a gente fazia reunião, sabe, eles
chamavam pra reunião, pra sentar junto, escrever, mas no fundo eu acho que eles tinham assim um
sentimento de pertença, sabe. E era verdade, hoje eu posso pensar, realmente eles propiciavam meios
né e trabalhavam ativamente.

Gustavo: Então, como eu disse, o jornal nasce, provavelmente com uma ideia que surge com eles e ele
reúnem colegas, nós outros, que nos juntamos para que o jornal tornasse possível, ou seja, uma
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realidade. O jornal era ambicioso, ele tem muitos artigos, ele tem humor. Eu mesmo apareço na
redação entre os números 2, 3 e 4. Pelo menos...

Isis: O que o senhor olhou?

Gustavo: Eu não me lembrava disso. O meu nome aparece no número 2, como que pertencendo à
redação. E eu continuo escrevendo alguma coisa, colaborando.

Isis: (utilizando o impresso) Aqui tem um discurso do senhor, o senhor lembra desse?

Gustavo: Sim. Eu escrevi aqui: esse jornal se encerra com os números 10 e 11.

Isis: E o senhor tem esses exemplares?

Gustavo: Eu tenho o 10 e 11. Só não tenho esse aí que eu mandei tirar cópia. Olha, no final de 1954.
Então, o último número foi no final de 1954.

Isis: E daria para o senhor me ceder?

Gustavo: Então, você vai falar com o Mendonça (interrupção). Se ele não tiver, você me fala, eu peço
pra copiar para você.

Isis: Tudo bem. Muito legal saber isso, porque é o tempo de duração.

Gustavo: Números 10 e 11, eu acho que foram onze números, pergunta pro Mendonça. Foram 11
números.

Isis: Então, eu posso perguntar mais algumas coisas? Então a ideia de produzir o jornal partiu somente
de vocês?

Gustavo: Era um grupo, com a cabeça virada pros Mendonça.

Isis: Tinha a participação dos diretores, dos professores na iniciativa?

Gustavo: Não, Eu não tenho lembrança. Os contatos eram assim no período de aula. As pessoas
apoiaram muito, estimularam, mais não participavam. Pode ser que alguém tenha falado: por que você
não faz um jornal, tal. Porém alguns professores eram muito bons na área de Português. Tinha um
negro, Benedito de Andrade, que era uma pessoa extraordinária, poliglota, grande orador, que
estimulava a redigir.

Gustavo: Eu sempre gostei de escrever, desde menino. Eu tenho em casa guardados alguns textos,
inclusive poesias, que produzi com tenra idade.

Isis: O senhor é jornalista, não é?

Gustavo: Uma das coisas que fiz na vida. Na verdade, eu trabalhei como jornalista, tenho graduação
na área e mexi com jornal desde adolescente. Eu sou metodista. A minha igreja tem uns movimentos
de jovens, juvenis, ali já eu participava da redação de alguns periódicos; eu tenho jornais da igreja
guardados, desses grupos, da década de 1950. Eu os tenho guardado lá em casa. Então eu estava
sempre envolvido. E eu tinha uns 13, 14 anos. Mas antes disso, já tinha coisas que eu guardei, que
escrevi como menino de 10, 11 anos. Em todo lugar que eu me meti eu acabei mexendo com jornal.
Por exemplo, em São Paulo, eu fiz bacharelado em Sociologia e Política e lá, no Centro Acadêmico,
tinha um jornal, do qual fui redator. Eu tenho jornal daquela época nos meus arquivos. Trabalhei na
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Dedini e nessa empresa eu criei um jornal; escrevi muito nos jornais locais, revistas, tenho muita coisa
publicada. Inclusive o jornalismo sempre foi uma coisa que esteve dentro de mim. Eu quando fui pra
São Paulo estudar, o meu primeiro emprego lá foi numa revista, que era uma revista da mocidade
metodista do Brasil. Comecei como revisor, depois de um ano e pouco, eu já era redator e logo em
seguida fui diretor da revista; aí eu trabalhei uns cinco anos. Era uma revista muito boa, era uma
revista avançada. Depois, aqui em Piracicaba, eu fui sócio do Cecílio Elias Neto. Você o conhece? Eu
fui sócio do Cecílio na fundação de A Província. Eu trabalhei com ele durante dois anos, depois saí da
sociedade e ele continua com esse jornal. A Província hoje é digital. Em São Paulo eu fiz também
Direito e Publicidade e Propaganda quando este curso ainda era livre. Curso que foi semente do
ESPM. Depois que eu estava para cá já trabalhando, eu fiz Administração. Na época a gente
conseguia, sendo advogado, fazer o curso num tempo mais curto. Eu fiz em Bragança Paulista, para
onde eu viajava, e fiz Jornalismo aqui mesmo na Unimep. Jornalismo eu cursei assim mais por
diletantismo. Eu gostava tanto que dava aula no curso também. Então eu dava aula e era aluno. Eu fui
o primeiro diretor do primeiro curso superior da instituição há cinquenta anos. E outra coisa que eu
quero contar: essa vontade de estar no jornalismo é tão grande, que, quando eu quando o meu
doutorado, eu fi-lo em Comunicação e Semiótica na PUC de São Paulo, com ênfase no jornalismo e eu
transformei a minha tese num livro que conta toda a história do Diário de Piracicaba.

Isis: Eu entrei em contato com esse livro. Comecei a ler, mais não terminei.

Gustavo: É a história de um jornal que circulou durante 58 anos aqui na cidade e metade da vida deste
jornal esteve nas mãos do Cecílio Elias Neto, atualmente editor e proprietário do jornal digital A
Província.

Isis: Cecílio também entra no texto porque ele escreveu muito sobre a história política da cidade.

Gustavo: Ele é autor de vários livros, inclusive um denominado Política em Piracicaba (1942-1992).
Ele tem outro livro que ele escreveu também sobre a história da Unimep. Isso que eu falei pra você. O
Cecílio foi interessante, ele é um pouquinho mais novo do que eu, mas quando surgiram os primeiros
cursos superiores ele se matriculou e foi meu aluno. O Cecílio eu encontro sempre, nessa semana
jantamos juntos.

Gustavo: Mas aí continua, o que você ia perguntar?

Isis: Eu fui fazendo perguntas que o senhor talvez já tenha respondido. Eu fui sempre relacionando a
atuação de vocês com o Grêmio, e eu percebi que não era só o Grêmio. Aí tem uma outra pergunta
aqui: como surgiu a ideia de produzir um jornal escolar do Grêmio?

Gustavo: Mais não foi do Grêmio.

Isis: Mas o jornal surgiu dentro das atividades do Grêmio? Ou não?

Gustavo: Acho que não necessariamente. O Grêmio nas escolas não era empreendedor. Ele se tornava
ativo por algumas coisas, por exemplo, o esporte, o que era forte no Grêmio era o esporte. Mas as
outras atividades você fazia assim esporadicamente. Até tem uma reportagem aí, por exemplo,
comemorava o dia 7 de setembro, então geralmente o orador do Grêmio fazia o discurso. Mas é mais
forte no esporte.

Gustavo: Então, agora, falando dessa edição aqui (o livro Jornais Escolares) aqui eu pelo menos não
tenho lembrança de nenhum contato, nem sabia da existência.
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Isis: Eu tenho uma hipótese sobre esse livro (Jornais Escolares) era inquérito de uma pesquisa sobre
jornais produzidos em escolas primárias, secundárias e normais da década de 1930, na região de Minas
Gerais. O autor preparou esse livro e fez um guia, um guia de como produzir um jornal escolar. Era
uma prescrição, uma normatização do que seria produzir um jornal nas escolas. E eu entrei em contato
com uma pesquisadora que organiza a Biblioteca do “Sud”, hoje, e ela me disse que esse livro estava
na biblioteca da escola na época que vocês estudavam. E é muito legal porque se você repara as seções
que vocês vão colocando, a maneira de organizar o jornal, os anúncios, é muito parecido e por isso a
pergunta.

Gustavo: Eu não tenho lembrança não.

Isis: Outra pergunta que é interessante, que inclusive você falou sobre isso, na época que produziram o
jornal, vocês entraram em contato com outros impressos de outras instituições, outros jornais?

Gustavo: Eu pessoalmente não me lembro de ter outro jornal não.

Isis: Na cidade de Rio Claro, numa escola estadual também, eles produziam jornais.

Gustavo: Joaquim Ribeiro?

Isis: Joaquim Ribeiro, exatamente. Eles produziam jornais lá e numa dessas um aluno, acho que era o
Diogo Gil, ele diz como surgiu a ideia de produzir o jornal, ele fala que até em momentos anteriores,
já tinham tentado esse empreendimento lá no “Sud” de produzir jornal e que também não vingou, não
deu certo, a iniciativa não foi prá frente.

Gustavo: A grande dificuldade dos jornais dessa época era a produção do jornal. A produção assim
material, porque você pagar uma tipografia, uma coisa, era muito caro. Os recursos que você tinha,
alternativos, o que eram? Era impressão no mimeógrafo, que também dependia de você ter o aparelho,
entender daquilo, ter quem datilografasse. Então, esses jornais de que eu falei, que eu tenho da
mocidade da Igreja, eles eram feitos, eles começaram a ser feitos em um equipamento chamado
duplicador que era a álcool e depois conseguimos um mimeografo e, assim mesmo, às vezes, era
emprestado de um cara que trabalhava não sei onde e tal. E teve um momento em que a Igreja acabou
comprando. Então a dificuldade às vezes não era falta de texto, porque até que o pessoal escrevia mais
na época, os próprios alunos escreviam mais do que hoje.

Isis: Isso foi uma coisa que me chamou muito a atenção nos jornais, muito interessante.

Gustavo: Agora o problema era depois você transformar isso em jornal. Isso aqui na época era um
avanço. A gente, ou melhor, existia outro tipo que a gente usava para fazer a produção: você tinha uma
espécie de um extêncil em que você escrevia. Você já ouviu falar disso? Fazia uma gelatina, você
imprimia com a gelatina.

Isis: Eu lembro do mimeografo, da época que eu estava na escola.

Gustavo: O mimeografo vem depois do duplicador a álcool. Porque era mais assim uma coisa caseira,
artesanal, você fazia uma espécie de gelatina e com aquilo você imprimia. Mas era tudo escrito à mão,
sabe, você conseguia reproduzir, e dava pra fazer em série esse negócio.

Gustavo: Então aqui tem umas perguntas que eu já respondi: na época que vocês tiveram a ideia de
fazer o jornal na escola, vocês entraram em contato com outros impressos de outras instituições? O
jornal surgiu dentro das atividades do Grêmio? Eu acho que não. Todos os alunos do Grêmio
participavam das atividades do jornal? Não.
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Isis: Tem uma outra coisa que atravessa os jornais porque eu analisei eles a fundo e os textos vão
colocando muitas críticas ao empreendimento, críticas ao que vocês estavam fazendo. Aí eu pergunto:
vocês tiveram obstáculos ou foram criticados em relação a essa articulação?

Gustavo: Não.

Isis: Porque o que eu vejo é que em várias partes do jornal: temos que esclarecer esses pontos
passíveis de crítica ao empreendimento e tudo mais. Por isso estou perguntando.

Gustavo: A impressão que me ficou é que o jornal tinha assim uma autocrítica e uma preocupação de
não errar, de fazer alguma coisa que desse certo. Então eu acho que isso era uma coisa muito de quem
estava fazendo. O jornal de que eu me lembro era muito querido, disputado e você sabe também a boa
relação que havia. O jornal se tivesse uma postura crítica, ele não registraria quando um diretor novo
toma posse. Tem umas coisas assim. Elogia quando consegue, por exemplo, fazer o piso da quadra.
Havia uma crítica por que demorara, porém isso é inerente, está na veia do jornalista também. Então
ele critica. Chegou um dia que tinha a boa notícia. Então, você elogia, não havia um problema.

Isis: Existiam também denúncias? Muito interessante, em relação aos problemas da cidade.

Gustavo: Denúncias e anseios. E mesmo a questão de espaço, o momento em que se está construindo
salas de aula e estava todo mundo aguardando com muita expectativa. Então, isso mostra que havia
realmente um amor à escola.

Isis: Um amor à escola e uma atuação também muito grande ali. Vocês tinham, eu percebo, no espaço
da cidade e na idade de vocês, é muito interessante.

Gustavo: Era uma escola de muito prestígio. Um grupo de professores excelente.

Isis: Certo, então o processo de colocar anúncios no jornal, você não participou disso? Como foi feito
para conseguir anunciantes?

Gustavo: Não. Acredito que isso deva ter sido mais coisa do Luiz. A família, acho que já tinha a
tipografia. Ele conhecia da arte.

Isis: Certo, o que eu descobri: que em certo momento o prefeito na época anunciava no jornal, que era
o Samuel de Castro Neves.

Gustavo: Era um médico, né?

Isis: Isso.

Gustavo: Eu o conhecia. Minha avó era muito amiga dele.

Isis: Olha só. Então, são pessoas conhecidas?

Gustavo: A relação na época entre as pessoas era muito próxima, muito forte. Uma cidade: você
imagina que Piracicaba devia ter 90 mil habitantes então, era uma cidade em que você conhecia as
famílias e havia poucas escolas. Ou você estava estudando no Sud Mennucci. Ou você estava
estudando no Colégio Piracicabano ou na escola de freiras. Ou ainda no então recém-organizado
colégio Dom Bosco que é de 1950, e, então as pessoas se conheciam. Era muita ligação de família. E
até hoje eu tenho relacionamentos muito bons na cidade porque eu conheço as famílias, muitas de
longo tempo. Tem um grupinho que se reúne, no qual estão o Cecílio Elias Neto (diretor de A
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Província), o Evaldo Vicente (diretor da Tribuna Piracicabana), o Chaddad (que é vice-prefeito de


Piracicaba). Esse grupo conhece muito da história de Piracicaba. E a gente costuma encontrar, uma
vez por mês, à noite, para falar da história de Piracicaba. E a gente começa a ver como a gente tem
conhecimento das famílias, das pessoas. Muitos já foram, mas as famílias ficam. Então isso daí
ajudava muito. As famílias se conheciam.

Isis: As relações eram mais estreitas.

Gustavo: Muito próximas. Infelizmente, hoje nós terceirizamos tudo, não é só o trabalho. Você não
tem mais aquele prazer de ir a uma loja, escolher um presente pra dar pra melhor amiga sua que vai
casar. Você liga, pega a lista de presentes dela na internet, você não vai à loja, você compra pela
internet. A loja entrega o presente. Você quando muito se for à cerimônia, dá os parabéns. E muita
coisa hoje ‘tá assim. E naquela época era diferente. Havia o convívio, você se encontrava nos lugares,
em qualquer festa na cidade, numa sessão de cinema. Tinha um grupo que se conhecia. Você ia pro
jardim, por exemplo, era lá que você encontrava as pessoas. Então isso mudou, a relação é outra.

Isis: eu tenho que tocar numa coisa, não sei se o senhor vai lembrar. Enfim, vocês publicavam no
jornal as mudanças no educandário, o tempo todo. Então assim, também aconteciam articulações com
o deputado. Por exemplo, a Escola Normal se torna Instituto de Educação por articulação do professor
junto com o deputado Valentim Amaral.

Gustavo: Acho que não chegava nos alunos. Não tinha como a gente participar disso, não. Você tinha
notícia, esperava, queria, porém, nem tudo era possível.

Isis: Aí eu acabei formulando essa questão porque foi o me apareceu ali. Eu não sei se o senhor vai
lembrar, faz muito tempo, e vocês eram novos. Mas na época, como vocês viam a questão das disputas
políticas na cidade, essa pergunta não ‘tá aí, principalmente entre dois partidos, o PTB e o PRP?

Gustavo: A gente não se envolvia não. Tinha algumas coisas que despertavam interesse, outras não.
Eu sempre gostei de política porque eu fui despertado pra isso com oito anos de idade. Eu estudei num
grupo escolar, não era aqui, no qual o diretor nos ensinava, teoricamente e praticamente, muita coisa
relativa à política.

Isis: Você é daqui?

Gustavo: Não. Não sou nascido. A minha família morava em Vera Cruz. Nessa cidade, fiz o grupo
escolar. Foi por ai que passou um educador que transformou essa escola de uma forma extraordinária,
democratizando tudo, valorizando o aluno, criando um sistema da administração do qual a gente
participava e era feito através de partidos políticos organizados com justiça eleitoral, com título de
eleitor, com campanha. Então a gente era despertado pra isso. Eu sempre tive isso muito vivo pra mim.
Mas a gente acompanhava sim. Quem gostava lia o jornal pra acompanhar a política. Às vezes a
família tinha alguém que fazia parte de partido político e eu gostava de estar próximo. Por exemplo,
em época de eleição, tinha às vezes um comitê perto da minha casa e eu ia lá fuçar um pouco. Eu ia lá
e gostava. Chegava, tomava partido, muito influenciado pelo pai. Mas na escola assim, não era uma
assim muito ao alcance da gente, ou do interesse da gente... (Silêncio.)

Isis: E daí uma última pergunta que eu queria fazer: quanto tempo que o jornal teria durado? Que
agora nós já conversamos.

Gustavo: Até o final de 1954.


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Isis: Acho que é isso senhor Gustavo. Um pouco do que eu queria saber que são coisas que eu não
consegui tirar dos jornais, da análise dos jornais. E é o seguinte: o que eu vou fazer com essa
entrevista. Você conhece um pouco o método da história oral?

Gustavo: Você pode contar. Aqui vira e mexe eu estou atendendo pessoas que querem ouvir histórias.

Isis: É o seguinte, a gente pega essas entrevistas, essa, do senhor Luiz, eu vou entrevistar a dona Marly
também.

Gustavo: A Marly foi minha colega no primeiro ano colegial. Dos três irmãos Mendonça, o que foi
meu colega de classe foi o Sebastião, que já é falecido.

Isis: E o Luiz era outra idade?

Gustavo: O Luiz é o mais velho. O Sebastião era o caçula, o Joaquim, creio que ficava entre dois
outros. Eles tinham mais irmãos.

Isis: E vocês fizeram o curso normal?

Gustavo: Eu comecei o normal, mas concomitante com o científico, porque o colegial dividia entre
clássico e científico. Eu gostaria de ter feito o clássico, mas quando eu fui para o Sud Mennucci fazer
o Colegial, esse curso tinha sido fechado, então eu tive que fazer o científico. E eu estava muito
enrolado, não sabia pra onde eu ia, tinha muita propensão pra exatas, e igualmente muita propensão
prá humanas. Acabei indo pra área de humanas, sociais e etc. Mas, até hoje, eu gosto muito de
matemática, física, mas não aprecio química. Então aí naquele momento começaram a oferecer em
Piracicaba o curso normal noturno. Eu tentei fazer: era assim, quem entrava no científico ou no
clássico e passava do primeiro para o segundo ano, podia se matricular no primeiro ano do curso
normal, ou seja, era dispensado do curso pré-normal. Você fazia o normal em dois anos. Deu pra
entender?

Isis: Deu.

Gustavo: Quando eu passei para o segundo ano do científico, eu me matriculei no primeiro normal à
noite, para fazer os dois juntos. Mas eu acabei desistindo por várias razões: uma delas é que eu fiquei
muito limitado no tempo, tempo pra prazer, esportes, essas coisas, pra namorar. Achei melhor não
continuar. O que me fez acabar saindo mesmo foi uma questão, que eu sabia que podia me prejudicar
na frente, porque eu tinha uma tia, Laudelina Martins de Castro, uma excelente professora da área de
educação. Ela dava aula da disciplina educação no Colégio Piracicabano. Havia uma professora, que
era filha do Jhetro Vaz de Toledo, que também era professor, intelectual reconhecido pela sua
competência. E minha tia tinha uma polêmica pública com eles, discutiam nos jornais. Naquele tempo
era muito comum isso. Eu comecei a ter uns problemas com ela. Eu era meio atrevido. Comecei a
querer corrigir umas coisas na sala, ela ficava louca da vida e eu vi que a coisa ia explodir em algum
momento. E na hora que ela descobrisse que eu era sobrinho de quem eu era, aí eu estaria frito. Aí eu
disse: isso aqui não vai dar futuro. Eu estava fazendo o curso por diletantismo. Eu sempre fui de fazer
mais de uma coisa junto. Ter duas escolas, dois empregos. Se você pegar minha história você vai ver
com quanta coisa eu mexi. Então, aí eu parei, fiquei só no científico.

Isis: Legal, eu acho que é isso.

Gustavo: Então, eu vou ver os números que lhe faltam. Então você não tem o dez e o nem o onze?
161

Isis: E nem o nove. Eu tenho até o oito. E o senhor Luiz, ele diz que ele não tem. Antes de eu procurar
o senhor eu procurei ele. Aí ele falou que não tinha nenhum e ‘tava faltando aqueles que o senhor me
arrumou, o senhor lembra?

Gustavo: Até o oito você tem. Então eu.

Isis: E seria muito interessante se desse para conseguir todos.

Gustavo: Isso aí eu vejo pra você.

Isis: Fazendo um favor.

Isis: E aí eu quero ver se o senhor tem interesse: eu vou transcrever as entrevistas, essas e as outras
que eu for conseguindo. E as transcrições vão aparecer no corpo da dissertação em anexo. E o que for
me ajudando a responder as questões que faltam eu vou colocar aqui. Isso tem que ser de domínio
público e o senhor tem que ter conhecimento também. Eu tenho que te dar uma devolutiva, vamos
dizer assim. E inclusive até depois, é um compromisso ético que a gente tem, então eu tenho que
mandar novamente isso para o senhor, tudo bem?

Gustavo: Não tem problema.

Isis: Eu mando pro senhor, o senhor lê, inclusive se não concordar com alguma coisa do que eu
escrever aqui. Tudo bem?

Gustavo: Tudo bem.

Isis: Muito obrigada então pela entrevista, o senhor me ajudou bastante. Eu espero que não tenha
incomodado tanto.

Gustavo: Você tem um telefone seu, alguma coisa?

Isis: ‘Tá aqui, estão os telefones aí. O telefone da minha mãe e os celulares aqui, ok? Aí se você puder
me emprestar os jornais para eu poder tirar uma cópia.

Gustavo: Eu já tiro a cópia, deixo a cópia feita aqui. É só pegar aqui depois.

Isis: Maravilha, o senhor me avisa?

Gustavo: Aviso.

Isis: Muito obrigado pela ajuda.


162

Apêndice 6

Entrevista de Luiz de Almeida Mendonça.

Realizada e gravada em 28/10/2014.

O entrevistado começa falando, lendo as questões que foram enviadas:

Mendonça [entrevistado]: Como era a impressão gráfica dos exemplares? O jornal era impresso em
Limeira. O jornal era impresso em Limeira e a gente ia de Fordinho 29 da família Frasson durante a
noite para encontrar lá o pessoal do jornal trabalhando. Era feito numa máquina antiga cuja
alimentação era feito manualmente uma em uma folha.

Isis [pesquisadora]: Certo, e o senhor lembra o nome dessa máquina?

Mendonça: Não lembro... é máquina Planeta, marca Planeta.

Isis: Certo.

Mendonça: Como foi formado o grupo de alunos... do jornal? Esse grupo era de alunos que faziam
parte de amizade particular. Gustavo Jacques Dias Alvim, Amador Pedroso de Barros, Raul Jorge
Nechar, meus irmãos Joaquim de Almeida Mendonça, Sebastião de Almeida Mendonça e eu, Luiz de
Almeida Mendonça.

Isis: Mas assim, o que eu pergunto é assim: como vocês tiveram a ideia de formar esse grupo para
produzir o jornal? Veio de vocês, como que foi isso?

Mendonça: Nós morávamos perto do Instituto Sud Mennucci e nos intervalos a gente ia tomar café na
minha casa e convidava os colegas, ia uma turma de cinco, dez colegas e lá tivemos a ideia na minha
casa de... vamos fundar um jornal estudantil, tal e etc.? A turma disse: vamos, vamos e demos a ideia.
Eu como era mais conversador me prontifiquei a arrumar o dinheiro para pagar a impressão do jornal e
ao mesmo tempo nós corremos todas as salas de aulas nos intervalos para que os alunos assinassem o
jornal e que adquirissem o jornal.

Isis: E quem foi articulando tudo isso foi você e esse grupo? Você, seus irmãos?

Mendonça: Modéstia inclusa, modéstia que vá as favas, mais era eu e meus dois irmãos que tínhamos
a ideia como desafio na época.

Isis: Como desafio?

Mendonça: Como desafio, todo mundo dizia que era difícil fazer jornal, que só saía o primeiro
número, inclusive uma professora de Português, ela disse assim: o primeiro número sai, mas os outros
não vão sair.

Isis: Olha só.

Mendonça: E nós saímos com os outros números também, né. Alguns desses jornais foram impressos
em Piracicaba, nas oficinas do Jornal de Piracicaba, também com um sistema de alimentação manual.

Isis: Como o de Limeira?


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Mendonça: Como o de Limeira.

Isis: Certo. E o fato: o pai do senhor que tinha uma tipografia, não era isso?

Mendonça: Não, meu pai teve tipografia até 1940, em Marília.

Isis: Certo. Aqui em Piracicaba não?

Mendonça: Não, não tinha. É... era..., nós três que resolvemos pôr em prática o jornalzinho, era mais
os Mendonça.

Isis: Então, nas outras entrevistas foi exatamente isso que eu ouvi, que foram vocês três mesmo que se
movimentaram pra fazer, né?

Mendonça: O meu irmão mais novo, Sebastião era o que redigia os artigos junto com o Joaquim e eu
era só, eu não escrevia no jornal, eu era só a parte comercial. Eu sai no comércio da rua Governador e
as empresas conhecidas faziam propaganda, Relojoaria Rubi, o Café Brasil da família Lerme Ferrari,
né. Então a gente, eu era o responsável pra pôr em prática o pagamento do jornal. Os redatores e meus
irmãos falavam: oh, nós damos pra você o jornal pronto, agora você é responsável pela impressão,
pelo pagamento da impressão.

Isis: Certo. O senhor quer que eu pergunte?

Mendonça: Quero.

Isis: A três aqui oh: a ideia de produzir o jornal partiu somente de vocês ou teve a participação do
diretor, dos professores da escola ou dos pais de vocês?

Mendonça: Não, só nós. Só nós, sem apoio nenhum da direção. Eles nem queriam saber de nada,
lavaram as mãos, né. Não é verdade?

Isis: Bom, então nada de professor, professor não dava um estímulo pra que essa prática ocorresse?

Mendonça: Não, não nos estimulava em nada.

Isis: Certo, certo. Disse a dona Marly Therezinha Perecin, que eu fui entrevistá-la também e ela me
contou que a disciplina era muito forte, né, na escola. A senhora estudava lá também né? (Para dona
Zuleika65.)

Mendonça: Era muito rígida.

Isis: A disciplina era muito rígida, exatamente. Os professores não davam espaço, né, pros alunos se
manifestarem?

Mendonça: Não, não davam.

Isis: Pois é, depois eu digo por que eu estou perguntando isso, é, na época, vocês entraram em contato
com outros jornais?

Mendonça: Não, não, nada.

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Zuleika é a esposa de Luiz de Almeida Mendonça; acompanhou e participou da entrevista, embora não tenha
tido atividades no jornal.
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Isis: O senhor nunca tinha visto, de outras instituições?

Mendonça: Não, nada disso. Não havia nada disso.

Zuleika: Era independente.

Isis: É muito interessante, viu? Por isso que eu resolvi estudar, porque eu achei muito interessante, né,
essa articulação pra idade de vocês, pra época né?

Mendonça: É.

Isis: Uma imprensa escolar, eu achei muito interessante. E como surgiu a ideia de produzir o jornal do
Grêmio? Por que assim: nos primeiros exemplares o que eu percebo: vocês vão falando que é um
órgão do Grêmio Normalista, depois quer ver, no primeiro exemplar isso ‘tá sendo dito de alguma
maneira. Ou se relaciona o Grêmio com a feitura do jornal, as atividades do Grêmio estavam
presentes?

Mendonça: Não havia ligação, mais o Joaquim era o presidente do Grêmio.

Isis: As notícias do Grêmio, elas apareciam aqui: posse do Grêmio, sessão de posse do Grêmio.

Mendonça: Não, não, não havia, não.

Isis: Não havia relação?

Mendonça: Não havia relação com o Grêmio, embora diretores de jornal pertenciam ao Grêmio.

Isis: Diretores de jornal? Quem por exemplo, o senhor lembra?

Mendonça: Eu acho que era o Joaquim. Joaquim de Almeida Mendonça.

Isis: Ele fazia parte do Grêmio?

Mendonça: Ele era presidente do Grêmio. Mais não tinha ligação.

Isis: Não tinha ligação?

Mendonça: Não, não tinha ligação nenhuma.

Isis: Eram atividades independentes?

Mendonça: Eram.

Isis: Certo.

Isis: Naquela época vocês entraram em contato com um livro chamado Jornais Escolares, de Guerino
Casasanta?

Mendonça: Não.

Isis: Porque, por que eu pergunto isso: esse livro eu trouxe até aqui para o senhor ver, ele constava na
biblioteca da escola, ele se chamava Jornais Escolares e ele foi publicado em 1939 pela Biblioteca
Pedagógica Brasileira, que era um órgão que estava ligado às políticas públicas do estado para a
educação. Então vários materiais foram mandados pras escolas normais, vários materiais didáticos pra
auxiliar o professor, o trabalho do professor e o que eu vou percebendo, que aqui, esse autor que é
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mineiro ele vai dando as dicas de como produzir um jornal na escola, certo, porque eu cheguei a
pensar na minha pesquisa que a feitura desse jornal tivesse alguma relação com essa prescrição, que
era um prescrição sobre como produzir um jornal.

Mendonça: Não, nada, nada. Não havia nada disso.

Isis: Tinha algum modelo que você pegou, senhor Luiz?

Mendonça: Não, nada, nada. Tanto que o formato quem deu foi a tipografia que organizou o tamanho,
o formato.

Isis: Uma coisa que atravessa que eu acho interessante perguntar: vocês tiveram alguns obstáculos ou
foram criticados em relação à feitura e produção do jornal? Porque isso aparece bastante nos textos.

Mendonça: Nós não tivemos obstáculo na produção do jornal, mas recebemos críticas de que o
primeiro número sairia e os outros não sairiam. Esse comentário por Zelinda Carmona da Silva Leite,
professora de português que foi um terror na época, reprovava todo mundo. Um aluno que hoje é
médico, já faz tempo que ele é médico pediatra, ela falou: você é retardado.

Isis: Olha só.

Mendonça: Na minha frente. Falou pro médico, hoje é médico, médico até dos meus filhos quando
criança, né.

Isis: E as críticas vinham então dos próprios professores?

Mendonça: Dos professores.

Isis: E alunos?

Mendonça: Não, alunos cooperavam ou comprando. Eles compravam. Parece que tinha assinatura.
Parece que tinha 400 assinaturas.

Isis: Chegou num exemplar aqui oh, vocês chegam até a fazer uma campanha de assinantes no
exemplar número sete.

Mendonça: Campanha de assinantes.

Silêncio.

Mendonça: Tinha mais de 440 assinantes. Isso eu lembro. Tá aí, tá escrito, né!

Isis: E o senhor chega a lembrar alguns pontos de crítica ou ela só dizia que não ia dar certo e ficava
por isso mesmo?

Mendonça: Não tinha apoio dos professores nem da direção da escola. Nenhum incentivo, nenhuma
palavra de alento. Porque por incrível que pareça hoje imprimir um jornal era um absurdo. Era uma
dificuldade porque tudo era difícil: pra achar tipografia pra imprimir foi dificílimo.

Isis: E como vocês chegaram a ir até esse contato em Limeira pra imprimir daí?

Mendonça: Eu fiz esse contato por telefone e fui pessoalmente.

Isis: O senhor que foi fazendo tudo então pra que isso desse certo?
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Mendonça: Era interessante citar que quando era impresso em Limeira quem dirigia o fordinho 29 era
o Vicente Frasson, eu não sei se você conhece.

Isis: Eu conversei com ele.

Mendonça: Conversou? E ele levava. E como ele não tinha carta, ele era menor de idade, fazíamos de
noite.

Isis: Olha só.

Mendonça: De noite os guarda tão dormindo. (Risos.)

Mendonça: Ninguém parava o fordinho 29. Daí ia nós todos né, o Frasson pode lembrar quem ia com
ele.

Isis: É, ele chegou a falar pra mim que vocês iam, mas ele falou que vocês iam para Rio Claro.

Mendonça: Era Rio Claro e Limeira. O primeiro foi Rio Claro e o outro...

Isis: Mas eles dizem, eu encontrei os dois, estou tentando falar com os dois, mais eles dizem que eles
eram só colaboradores.

Isis: É, o Raul era colaborador. Então e que, aí eles dizem que não lembram direito do que aconteceu e
mandam procurar o senhor: procura o senhor Luiz que ele vai saber melhor. E era um idealismo do
senhor?

Mendonça: Como?

Isis: Era um idealismo fazer isso?

Mendonça: Era idealismo.

Isis: Mas tinha algum sentido, algum objetivo? Como que era, o que vocês pensavam na época? O
senhor consegue lembrar? Algum objetivo maior ali pra escola? Como que era isso? A ideia de fazer
um jornal uma coisa tão original.

Mendonça: Era como um desafio. Vamos fazer uma coisa difícil.

Isis: Talvez na escola vocês eram instigados também?

Mendonça: Não entendi.

Isis: Vocês eram instigados eu digo a melhorarem, em serem os melhores?

Mendonça: Sabe o que acontece que eram alunos de alta produção escolar é o Amador, o Gustavo era
bom aluno. O Amador, Frasson, senhor Raul Nechar, meu irmão mais novo. Foram escolhidos pelos
bons alunos. Que já eram amizade e que escreviam. Eram bons alunos.

Isis: Vamos lá então: o senhor falou um pouquinho, mas eu queria saber com mais detalhes como foi
viabilizado o processo de colocar anúncios no jornal? Como eles eram escolhidos, ou o senhor ia
batendo de porta em porta? Como faziam para conseguir anunciantes?

Mendonça: A gente sempre ia onde a gente era conhecido então, por exemplo, alguém lá falava,
procura doutor fulano de tal que é dentista, né, então a gente ia atrás dele e vendia o anúncio. Era,
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vendia anúncio: olha, nós estamos fazendo jornal estudantil Sud Mennucci e o senhor quer cooperar?
Quanto que é? É cinco merréis (mil reis). Cinco merréis e nada a pessoa arriscava e dava.

Isis: Era um pouquinho e ajudava bastante. E o senhor conseguia com esses anúncios financiar a
produção do jornal?

Mendonça: Dava apertado mais dava pra financiar. Com a compra pagava a dívida que ficava.
Dependia dos anúncios, mais a compra do jornal, a venda do jornal.

Isis: É, porque inclusive esse papel aqui né, depois eu fui pesquisar, esse papel, ele é um bom papel,
ele é mais caro, é o papel couché, diferente desse que era papel jornal.

Mendonça: E havia condições de fazer um jornal, às vezes, num papel melhor, nem sempre, né.

Isis: Sim, sim, sim.

Isis: E os empresários? Que tinham empresas?

Mendonça: Todos eles cooperavam, o Luciano Guidotti que cooperava, todo mundo cooperava.

Isis: O Luciano Guidotti chegou a ser prefeito não chegou? O senhor lembra disso?

Mendonça: Sim.

Isis: Porque ele anunciou em todos, né? E como era esse apoio, eles anunciavam, eles pagavam?

Mendonça: Eles pagavam adiantado.

Isis: Eles pagavam adiantado e depois assinavam o jornal?

Mendonça: Eles compravam o jornal por causa da propaganda.

Isis: E, além disso, vocês aceitavam outras contribuições pra financiar o jornal?

Mendonça: Não, só anúncio. (Silêncio)

Isis: O tempo que durou o jornal, o senhor tem ideia, porque eu já cheguei a uma conclusão que durou
até o mês que vocês saíram da escola, em 1954?

Mendonça: É, dois anos.

Isis: Mas o senhor chegou a ter notícia de ele ter...?

Mendonça: Continuado?

Isis: É

Mendonça: Não.

Isis: Não ficou sabendo que alguém possa ter pegado essa ideia e...?

Mendonça: É soltou um número chamado Curumim. Curumim é um índio pequeno, né? Então depois
que nós saímos alguém fez um número chamado Curumim, mais também foi só um único número e
não saiu mais. Nem cite isso porque não...
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Isis: É eu acho que não tem...

Mendonça: Sentido.

Zuleika: Olha só, o Taco está aqui, oh, no Orfeon.

Mendonça: Ham?

Zuleika: Tem o nome dele aí.

Mendonça: Meu irmão Sebastião. É esse aqui?

Zuleika: Não sei.

Mendonça: É esse aí. O Sebastião é esse aqui Zu.

Zuleika: ‘Tá aí o nome de todos.

Mendonça: Viu, eu não tenho força, abre aí pra mim uma dessas..., abra pra mim fazendo um favor, eu
não tenho força.

Isis: Essa ou essa?

Mendonça: Por favor, tem uma lupa com um cabo vermelho. Não está, então ‘tá na de baixo. Aí é só
quinquilharia. Deixa eu só dar uma olhada aqui.

Zuleika: Tem o nome de todos os cantores aí.

Isis: Os cantores do Orféon? E a senhora lembra dessa época dona Zuleika?

Zuleika: Lembro, nós começamos a namorar.

Mendonça: Olha o Sebastião, é o Sebastião mesmo (na foto).

Isis: Qual que é o Sebastião?

Mendonça: Aqui.

Isis: Sebastião é vivo, seu Luiz?

Mendonça: Não, é falecido.

Zuleika: Benício também era outra que era do jornal.

Mendonça: O Sebastião é esse segundo aqui. Esse terno preto aqui.

Isis: Ah, legal. Ah, vi, ele tá meio apagadinho aqui. Esse exemplar ele ‘tá ruim, mais dá pra ver. Olha
lá, tá vendo? É isso. Então oh, ‘tá acabando, senhor Luiz: eu não sei se o senhor lembra dessa parte,
mas, como que vocês viam a questão das disputas políticas na cidade? Ou isso não chegava?

Mendonça: Não, não. Nós não tínhamos essa noção política.

Isis: Por que eu pergunto isso, porque em muitos exemplares vocês fazem denúncias sobre, por
exemplo, as questões públicas da cidade, como, por exemplo, a falta de energia elétrica. Em outro
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ponto vocês falam muito sobre as melhorias na escola, sobre as articulações políticas que foram feitas
pra escola normal se tornado Instituto de Educação.

Mendonça: É a transformação, né.

Isis: A transformação, mas vocês chegaram então a ser porta-vozes dessas notícias, como que era isso?

Mendonça: Olha, que eu me lembre não tinha envolvimento político. Fazia as críticas mas dando tiro
pra todo lado.

Isis: Entendi, então as notícias que chegavam vocês iam.. E vocês conseguiram de alguma forma criar
representatividade, esse grupo que fazia o jornal dentro da escola?

Mendonça: Não.

Isis: Vocês representaram um grupo que defendia interesses?

Mendonça: Não, não, não, não. Não havia. Essa turma toda era realmente de elite. Gustavo, filho de
médico. Raul, empresário. Meu pai engenheiro, sabe. Não existia assim uma revolta. Não existia
contestação. Era, era uma elite, né.

Isis: A ideia não era contestar, por exemplo, a escola?

Mendonça: Não, não. Era um ideal de ver seu nome publicado, seus artigos publicados. Mas não havia
contestação, não havia ataque. Havia uma criticazinha que você viu, mas não havia ataque. E era a
elite. Eu podia dizer pra você que toda a turma do jornal era rica. Tinha dinheiro, então, não tinha
problema, sabe, não tinha um escritor pobre que fosse meio agressivo por ser pobre. Amador era bem
de vida, o Gustavo, o Raul, nós e os outros que escreviam no jornal, com pseudônimo tal, mas não
havia, naquele tempo era tudo o mesmo nível. Eu vou dizer pra você, não tinha aluno pobre, tudo era
num nível só, né. Então não tinha aquela contestação, aquela...

Zuleika: (lendo o jornal) Olha, aqui tem o nome da impressora em Rio Claro.

Isis: Era aqui que era impresso?

Mendonça: Ah é, então esse é o primeiro número? Então esses dois foram feitos nessa empresa, daí foi
impresso em Rio Claro. A impressora Limitada, tipografia, cartonagem, triponia, cartucho, impressos
em geral. Rua 6, não deve nem existir.

Mendonça: Não deve nem existir mais, né.

Mendonça: Aqui tem os aniversários, né. Que mês que era?

Isis: Vamos ver: abril de 1953, esse.

Mendonça: Oh, Zuleika Matos Dini. Era aniversariante, dia 06. Alice Dias Gibrim, Marta Vitti e
Zuleika de Matos Dini.

Isis: Olha já sei o dia do seu aniversário, dona Zuleika.

Mendonça: Ivone Naime, já falecida. Cecília João, Valter Naime que escreve no jornal de Piracicaba.

Isis: E vocês pagavam pra imprimir? Vocês pagavam para essas tipografias?
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Mendonça: Sim.

Isis: E como que esse contato foi feito seu Luiz, você conhecia já essas pessoas?

Mendonça: Não, por telefone. Ligou e tal: tinha o jornal, vocês imprimem? Imprime, traga aqui. Então
nós vamos uma noite aí, eu marquei.

Isis: Olha só que interessante, né.

Mendonça: Irineu Volpato, olha aí, ele foi poeta. Poeta brasileiro, olha aí.

Isis: Olha só, e ele era daqui de Piracicaba?

Mendonça: Daqui de Piracicaba, acho que voltou para São Paulo.

Isis: Olha aqui é o Amador falando, o Amador escrevia muito bem, né?

Mendonça: Muito bem, ele que fez o editorial, né.

Isis: Então e essa ideia do editorial? Porque nos primeiros exemplares não tinha, né?

Mendonça: Não.

Isis: Aí depois de um tempo começa a dar forma, né, como um jornal na época, como era a imprensa
corrente, como o Jornal de Piracicaba, como o Diário de Piracicaba. Aqui tá falando um pouco, seu
Luiz, do surgimento aqui, inaugurando, não sei se o senhor lembra desse aqui.

Mendonça: De há muito planejamos um órgão assim, que qual o incentivo do saber que aos alunos de
nossa escola pudesse estar ao lado, amigo, humorista e sempre pronto a servir. Não pediremos
desculpas por nossas falhas porque as houver não será por falta de vontade em tentar fazê-las ausentes.
Esperamos seja o Sud Mennucci acolhido com consideração, pois tentaremos por seu intermédio
firmar as relações de amizade entre a juventude normalista, dando combate à indiferença, ao
separatismo, isolacionismo que deparamos as vezes não sem certeza na massa estudantil. Pugnaremos
pela união dos nossos num só coração para que futuro adentro possa Piracicaba mostrar sempre o
brilho de uma vontade de seu saber, continuando a doar para o Brasil homens que satisfazendo um
Diógenes não necessitaria da luz de sua lanterna para mostrar no rosto a retidão do seu caráter e a
hombridade de suas ações. Você vê que era bem escrito, né.

Mendonça: Bem escrito, muito bem escrito. Amador já é falecido, chegou a ser...

Isis: Juiz?

Mendonça: Acho que acima de Juiz, acho que chegou a ser Desembargador. Mas logo faleceu.

Isis: É, diz que ele faleceu novo, né?

Mendonça: Novo, faleceu novo. Era um cara mais forte do que eu, brincalhão, sabe, muito simpático,
amigo de todo mundo. Todo mundo ‘tava em volta dele, né?

Isis: Legal. É e o senhor, como que o senhor, vocês viam a questão do processo formativo da escola,
da formação, das aulas, das disciplinas, como que vocês viam a formação da instituição?

Mendonça: O Sud era, o ensino no Sud Mennucci era rígido, mas era de uma dedicação de todos os
professores, né, então o ensino era bem elevado.
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Zuleika: É então nós começamos a namorar em 1953.

Isis: Olha foi durante o jornal.

Zuleika: É, porque se está meu aniversário aqui é porque...

Mendonça: Esse jornal aí é de que data?

Zuleika: 53.

Mendonça: Então nós já namorávamos.

Zuleika: Já.

Mendonça: Então nós já estamos mais velhos do que nós pensávamos.

Isis: Eu vi o nome do Olmeri aqui também.

Mendonça: Olmeri, eu namorei a Olmeri Jacob Morebi.

Zuleika: Dia 28 de abril, então não foi em 54, foi em 53.

Mendonça: É olha, por isso que tá mais velho.

Zuleika: Olha por isso que eu falo que nós namoramos quatro anos.

Isis: Depois se casaram?

Zuleika: Em 57. Vai fazer 57 já.

Isis: 57 anos, olha quanto tempo de casados, é bastante.

Mendonça: Podia ficar quieto, não, ficamos mais velhos agora.

Risos.

Zuleika: Olha eu sempre achava que era em 54, não, em 53. Foi até bom ver. É porque eu sempre falo
que namoramos quatro anos, então tá certo (Silêncio – choro de dona Zuleika).

Mendonça: O Amador era esse moço aí de óculos. Amador Pedroso de Barros.

Isis: É de um discurso que ele faz né? (Na foto contida no oitavo exemplar.)

Mendonça: Um discurso na aula inaugural, falou o diretor substituto, então era a presença do doutor
Celso Galdino Fragas, juiz de direito. Naquele tempo juiz era juiz mesmo, de fibra, aí eu domei ele.

Zuleika: Não eram só festinhas, né!

Isis: Então do processo formativo senhor Luiz, que eu estava perguntando daí parou.

Mendonça: A escola era um ensino excelente, se aprendia. Tinha professores maravilhosos, né: Hélio
Padovani, muito bom. Antônio Morais Sampaio, apelido Antonelo, Lino Sansigro de trabalhos
manuais.

Zuleika: Professor Demetrius também, não era?


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Mendonça: Eu não sei, não é esse nome, mas é um nome parecido.

Zuleika: Professor de Física.

Mendonça: Física e química não é? Professor Demóstenes Santos Correia, professor de química. Na
formatura o secretário dele caiu da cadeira.

Isis: Os professores tinham secretários?

Mendonça: O secretário dele caiu da cadeira ele falou assim, ele tinha a voz fina: ‘Tá caindo? ‘Tá
faltando proteína? Huhuh.

Zuleika: É, eu lembrei dele.

Mendonça: Não sei se isso que você queria?

Isis: É por aí. É por aí, sim. Eu, o que fiz né, eu peguei os jornais, analisei bastante eles e as perguntas
era saber por exemplo como que foi que vocês se articularam, se organizaram para fazer o jornal visto
que eu faço um mestrado na área da educação, né, é história da educação. E a gente vai trabalhando
com a história das instituições, das práticas escolares, do que não ficou só na política pública e foi
colocado em prática nas escolas públicas. Lá o nosso grupo de pesquisa trabalha muito com isso. E eu
dei aula um tempo no Sud porque eu sou professora também, professora de História e mexendo nos
arquivos encontrei uma pasta, recolheram seis exemplares, daí olhei e achei interessante, é um
material muito rico para nós da pesquisa em história, os jornais são documentos. E comecei entrei no
mestrado com essa ideia de fazer e lá foi dando forma, mas já está acabando, faltam dois meses. Então
já está tudo quase escrito e eu escrevi em cima do que, do que tá escrito aqui, então assim: como
surgiu a ideia de fazer o jornal? Como que se deu financiamento? Só que o que aconteceu? Algumas
respostas pras minhas perguntas os jornais não conseguiram me dar, pras minhas inquietações. E por
isso que eu resolvi procurar todo mundo, já que estão todos vivos, estão aqui para falar, vamos ver o
que dá. Mas é por aí mesmo. Algumas dúvidas minhas foram constatadas, outras ficaram mesmo na
originalidade, porque a gente vai estudando leis para educação, o que acontecia na época e tinha um
incentivo embora vocês não soubessem tinha um incentivo por parte do ministério da educação para
que jornais fossem produzidos em escolas.

Isis: Veja bem, esse livro aqui, por isso que esse livro entrou como a principal prescrição para a
produção do jornal escolar na época que vocês estudavam, era uma ideia da pedagogia da escola nova,
eu não sei se vocês já ouviram falar, inclusive eu acho que a escola de vocês colocou muito disso em
prática e ele fez um inquérito de jornais produzidos nas escolas de Minas Gerais, e ele foi vendo que
tinham muitos jornais das escolas secundárias, das escolas normais, então isso foi me chamando muito
a atenção, porque inclusive aqui e por isso que eu achei que tinha alguma relação.

Isis: Eu entrei em contato com uma pesquisadora que organiza a biblioteca do Sud. Ela pegou todos os
livros da biblioteca do Sud, levou lá para São Paulo na Unesp, na faculdade, para organizar e catalogar
para se saber o que os alunos liam na época.

Mendonça: Esta biblioteca está lá ou voltou?

Isis: Eu espero que tenha voltado e que alguém guarde os livros lá. Enfim, e ela me disse que este livro
estava na biblioteca da escola, embora vocês não tivessem conhecimento.

Mendonça: Não. Nós era bom mesmo de cabeça.


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Isis: É, olha só. E isso comprova o que, a originalidade do empreendimento, porque quer ver, tem até
aqui, eu só quero mostrar para vocês verem como eles prescreveram sobre isso. Até os cabeçalhos,
tem uns modelos muito parecidos com isso aqui. Olha, aqui oh, vocês estão vendo?

Mendonça: Ah, certo. Olha, isso aqui quem fez foi meu irmão Sebastião (mostrando o cabeçalho). Ele
que criou esse gótico.

Isis: Olha só que interessante. Muito legal. Muito original. E uma outra pergunta: o que vocês
estudaram? Uma coisa que eu não consegui descobrir e fiquei em dúvida, vocês fizeram que curso no
Sud?

Mendonça: Eu fiz advocacia. Mas eu fiz advocacia depois de alta idade, depois de velho. Agora
todos... o Sebastião, o Sávio, o Benício e a Cecília formaram professores.

Isis: Na escola normal?

Mendonça: Na escola normal, no Sud. Eu não terminei, eu fui trabalhar em São Paulo, queria casar.
Então o meu irmão Benício foi estudar Direito em Campinas, na PUC, Pontifícia Universidade
Católica, lá do monsenhor Salim na época, né. Junto com Geraldo Brajon. Conheceu Geraldo Brajon?

Isis: Não.

Mendonça: Geraldo Brajon. Lázaro Raulf Pereira de Barros, então esses três foram estudar em
Campinas e nós mudamos para Curitiba.

Isis: Depois da escola?

Mendonça: Depois. E em 1955, os Mendonça saíram de Piracicaba e foram para Curitiba. Eu já


trabalhava no Bradesco em São Paulo. Então eu ‘tava em São Paulo porque namorava em Piracicaba e
depois eu mudei pra Curitiba também. Quando casamos fomos morar em Curitiba. E lá eu criei o
Instituto Mendonça de ensino e era dez anos antes do CLQ, pra dar aulas de reforço pra cursinho.
Então eu aluguei a casa do ex-governador do estado do Paraná, naquele tempo chamava interventor,
né. Adhemar de Barros, a primeira vez, foi interventor de São Paulo. E lá era uma casa muito grande
do governador e lá nós fizemos escola, e meus irmãos mais velhos lecionavam.

Isis: Você e seus irmãos?

Mendonça: Eu não. Eu sempre fui o analfabeto. Eu mexia com o dinheiro. Eu montei a escola, montei
pra eles.

Zuleika: Depois de casado, né. Quando nosso filho entrou na medicina ele prestou vestibular.

Mendonça: Fui ser colega de universidade de meu filho. Meu filho em medicina no Rio de Janeiro e
eu em Direito, aqui em Piracicaba.

Isis: Muito bom. Então o senhor estudou o que: o científico?

Mendonça: Eu sou advogado.

Isis: Na escola?

Mendonça: Na escola o ginásio.


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Isis: E a senhora?

Zuleika: Ginásio, depois... não. Meu caso é diferente, eu estudava no Assunção. Daí eu saí do colégio
e vim no Sud. Mas eu vim só pra achar o namorado porque a classe era mista.

Isis: E achou o namorado!

Zuleika: Achei o namorado e eu voltei pro colégio.

Isis: A senhora não ficou estudando lá?

Zuleika: Não, porque só tirei nota baixa e voltei.

Isis: Ah, coisa boa. Eu acho que era isso gente. Eu queria saber um pouco mais, eu já tenho várias
outras informações mas queria saber como que vocês pensaram em fazer esse jornal mesmo, que para
a época e para a idade que vocês tinham é uma coisa muito inovadora. Não se encontra em outra
escola, nas pesquisas a gente não tem notícia de outra escola ter feito um empreendimento desse tipo
né. Então a minha pergunta maior de pesquisa era essa: como que vocês se articularam, como é que foi
isso. Mas acho que agora eu já consigo responder, terminar de responder.

Mendonça: O Gustavo é que tem boa memória, né.

Isis: É, ele mais ajudou bastante. Mas ele falou que o senhor era a memória maior desse
empreendimento, inclusive mandou um abraço pro senhor, perguntou se estava tudo bem.

Mendonça: Ah, obrigada. A gente sempre tem encontrado em reunião social e cultural tal.

Isis: É, então, eu fui lá na Unimep conversar com ele, ele me ajudou bastante, ele me arrumou mais
jornais, os que eu não tinha, ele tinha tudo lá na casa dele. Mas muito legal mesmo, eu agradeço.

Mendonça: Você tem repetido todos os números do jornal?

Isis: Não, repetido não. Eu tenho um de cada. O senhor quer cópias?

Mendonça: Se você puder tirar a cópia depois eu te pago a despesa.

Isis: Não tem problema, eu trago aqui para o senhor.

Mendonça: Pede para fazer com papel bom para durar bastante. Fazer nesse papel aqui (papel A3).

Isis: Eu vou fazer para o senhor. Eu trago aqui.

Mendonça: Se não trouxer todos, que sejam folhas separadamente.

Isis: Não, pode deixar.

Mendonça: Depois que você fizer sua tese. Quantas páginas tem?

Isis: Já tem 100. Eu acho que vai dar umas 150, 160, com o que falta para escrever. Agora tem que
sentar e fazer. Mas assim, deixa eu explicar como que é isso aqui. Eu estou trabalhando com um
método da História, que se chama História Oral, não sei se o senhor já ouviu falar. Então é assim: a
gente considera os registros de vocês, as memórias, o que vocês lembram deste empreendimento,
como um documento, no caso um documento oral. O que eu vou fazer agora? Eu vou pegar essa
175

entrevista. Essa, a da dona Marly, do senhor Gustavo e se eu conseguir dos outros dois, eu vou
transcrevê-las... (interrupção). Eu acho que é com o senhor.

Mendonça: Não é comigo.

Zuleika: É o homem do ‘grosso’. (Silêncio.)

Mendonça: Entra, doutor Carlos, ela vai pegar a chave (interrupção).

Isis: Eu já estou acabando seu Luiz, eu só vou explicar o que vai ser feito: eu vou fazer a transcrição
dessas entrevistas, né, como é que é isso: pegar ao pé da letra o que foi dito e colocar no papel. Depois
disso, eu vou fazer a textualização, o que é isso, é pegar as entrevistas e colocar o que vocês disseram
que me serve para responder as questões, eu vou colocar no corpo do texto, certo? Aí depois o que
tenho que fazer: tenho que mandar para o senhor essa cópia para os senhores lerem, inclusive as
transcrições, para vocês verem se concordam, não concordam, é uma questão ética que a gente tem
nesse momento da pesquisa, ok?

Mendonça: Me desculpe da minha demora em atendê-la.


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Apêndice 7

Entrevista com Marly Therezinha Germano Perecin.

Realizada e gravada em 03/10/2014.

Isis [pesquisadora]: encontrei os jornais na escola. Além disso, fui até lá, conversei com as pessoas,
conversei com a senhora logo que entrei no mestrado e eu encontrei um documento da associação de
ex-alunos, onde a senhora escreveu um pouco da história ali, contou e eu até usei um pouco na
dissertação, e o que muito me intrigou sempre, tanto que eu fui atrás de pesquisar o Sud é essa
memória que existe sobre a instituição, na cidade, uma memória coletiva que existe na cidade até hoje,
da escola como espaço de excelência e isso tem um pouco a ver também com esse empreendimento do
jornal. Aí então eu bolei umas perguntas que inclusive pra senhora é até diferente do que eu estou
perguntando para os que faziam parte da organização do jornal. Daí as perguntas estão aqui, eu pensei
em ir perguntando pra senhora.

Marly [entrevistada]: Por ordem?

Isis: Pode ser?

Marly: Pode ser. Como surgiu o interesse em contar a história do Sud Mennucci?

Marly: Eu fiz tudo naquela escola. Eu fui aluna, voltei como professora, depois mudei de cargos, fui
assistente de direção, substitui a direção, depois me readaptei, fiquei na biblioteca, lá eu mexi nas
velharias todas, livros preciosos que não sei por onde estão, houve um trabalho muito estranho naquela
biblioteca, parece que ela foi desmontada, então não sei para onde foram, mas eu tive uma temporada
em que eu pude mexer naquelas preciosidades todas e pude analisar de perto as fotografias,
principalmente o álbum fotográfico de inauguração da escola e estávamos num momento em que eu
tinha oportunidade e tempo para iniciar um trabalho que depois se tornou um trabalho de equipe de
restauro da escola. Isso foi mais ou menos concomitante com a mudança de direção. Veio uma diretora
muito inteligente, Arlete Camargo que também tinha esse projeto de restauro da escola. Formamos
uma grande equipe, mas a partir de uma ideia minha, a fundação da associação dos ex-alunos.

Isis: A ideia foi da senhora?

Marly: Foi minha. Eu tinha esse velho projeto. Porque quando eu deixei a escola como aluna, a escola
era um palácio da educação da 1ª República. Quando eu voltei, ela tinha sido mutilada, mutilada
porque alguém teve a ideia muito infeliz de cobrir as obra de arte, né. Não adianta fazer adaptações de
vitrôs, escadas e outras utilidades na rede física e mutilar as obras de arte, que aquilo constituía um
tesouro, né. Bom então a ideia da diretora de adaptar a escola às necessidades e a minha, a de
recuperar as obras de arte. Isso tudo deu certo à medida em que vieram os ex-alunos, fundamos a
associação. Jairo Matos que era um aluno muito interessante, muito interessado tornou-se o primeiro
presidente e compareceram velhos professores, a elite da escola e todos deram muito apoio, ex-alunos
compareceram, engenheiros, médicos, advogados e formamos assim um grupo muito unido, muito
coeso, muito interessado.

Isis: A senhora lembra em que ano foi isso que vocês fundaram a associação?
177

Marly: A associação? Deve ser 80. Deve ser 83 para 84.

Isis: Foi quando eu nasci.

Marly: Ah, é? E a reforma foi uma reivindicação que se tornou política. Uma obra polêmica porque
entram aí os interesses, você sabe, nas licitações e nos dividendos de uma obra. Batemos de frente
muitas vezes, porque contrariávamos interesses. Se eu não fosse professora efetiva certamente teria
sido demitida. Eles não puderam me tirar da escola. A verdade é essa. Batemos de frente duramente,
um problema político, né. Mas o governador era Montoro e justiça se faça, um homem de bom caráter
e boas intenções. Mais foi preciso ultrapassar uma corrida de obstáculos para chegar a desencadear a
obra. Mesmo assim ela foi interrompida diversas vezes por questões também e em desacordo com a
preservação que a gente desejava. Foi uma batalha sabe, foi uma batalha.

Isis: e vocês conseguiram descobrir por que pintaram?

Marly: Interesses financeiros. Ignorância, minha filha, ignorância. Você sabe que a educação entrou
numa fase de descenso, né. Uma espiral profunda. Então a autoridade na época achou que estava
fazendo uma obra meritória, cobrindo as obras de arte.

Isis: E foi na época da ditadura, né, talvez que tenha acontecido isso.

Marly: Mais ou menos, é. Então os ex-alunos a gente dizia, a escola foi pintada de cor de rosa. O rosa
era muito bonito, que até era uma cor colonial, mas, meu Deus, quando eu cheguei para ser professora
da escola, fui pedir permissão para os meus antigos professores para ser chamada de colegas, eu me
deparo com aquilo, eu tive um choque. Eu não me conformava com aquilo e toda vez que eu falava eu
notei que havia um partido político lá dentro em defesa do crime, do crime praticado contra as obras
de arte. Interesses criados, a necessidade de um grupo menos seguro na escola precisar do apoio da
autoridade administrativa. Os que eram efetivos estavam numa fase de desinteresse, salvo um ou outro
e esse grupo inseguro que se acobertou sob a proteção de um diretor, um grande amigo, não queria que
se mexesse na coisa. Enfim, as responsabilidades, temiam que fossem um dia fossem apuradas. Mas
ninguém ‘tava interessado em rolar cabeças de ninguém. Eu estava apenas interessada em recuperar as
obras de arte. Recuperar porque eu sei muito bem que isso é possível, né. Mais aí aparecia alguém
partidário e dizia: bobagem sua, isso tudo foi raspado até o reboco, não vai encontrar nada. Eu dizia:
mais será possível? Outros diziam assim: não, aquilo era horrível. Não, obras de arte de um artista
italiano, as obras de arte são belíssimas, aqueles painéis são belíssimos, são alusivos às etapas da
educação e mesmo no Salão Nobre, o processo liberal da história do Brasil. Isso tudo eu conto
naqueles ensaios que fiz, não é. E por coincidência ou em uma aliança sutil gente interessada na
reforma e não na restauração faziam essa trincheira intransponível. Então fundamos a associação,
fizemos com esse o intuito de abalar essa resistência e a reforma já iniciando. Então precisou ser
interrompida, né. E criaram opinião pública, chamaram os ex-alunos, explicaram a situação e pediram
a cada um que escrevessem e divulgassem. Antonieta Losso que era ex-aluna, dona do jornal. O
Rosário Losso que tinha dado aula, do jornal. Doutor Fortunato Losso, o cabeça da dinastia Losso
formado pela Escola Normal. Então tivemos todo o apoio da imprensa. Então tudo que eu escrevia ia
pro jornal, era publicado na íntegra. Tudo o que um ex-aluno escrevesse era publicado na íntegra e
olha, o jornal de Piracicaba nos deu aquela proteção. Então de repente a cidade inteira tomou
conhecimento do problema. E aquela onda muito grande, os ex-alunos começaram a vir
independentemente das reuniões subiam pra ver como estava a escola e a gente testemunhava o pranto,
por que muitos não haviam voltado à escola. Os que tinham se formado há 30, 40 anos nunca mais
tinham voltado e ficavam horrorizados. E quando uma vez, nos diziam assim: não existem pinturas.
Não queriam gastar ou não queriam ter trabalho, enfim, interesses contrariados. Eu era o pivô de
178

contrariedade. E a diretora também. E a associação dos ex-alunos também. Só que a opinião pública
vencia e a oposição foi ficando mais cautelosa. Bom, aí mexemos também com a nossa política.
Fomos à secretaria, barreiras de todo tipo, chegamos até o patrimônio, o Condephaath, chegamos ao
Condephaath. E foi uma grande vitória o dia em que o Condephaath veio à escola com o meu texto na
mão e pediu pra ver as fotografias e ficou boquiaberto. Era um engenheiro muito dinâmico, não se
dobrou com as injunções e coisas já começadas, tomou posição a nosso favor, e olha, tivemos o apoio
da imprensa, do Condephaath e de repente, alguém dizia assim: vocês não mexam na parede porque eu
dizia: as pinturas estão debaixo da tinta cor de rosa, e aí ficou o rosa infame da nossa vergonha. Isso
calou entre os ex-alunos, era o rosa infame da nossa vergonha, que era preciso tirar. Bom, um dia: não
toquem na parede! Sério viu, oh, vocês vão responder. Muito bem, um dia o presidente da associação
de ex-alunos, Jairo Matos, apareceu na escola com vários ex-alunos da associação de artistas plásticos
de Piracicaba, artistas famosos, com um saco de estopa e um vidro de tiner, um litro de tiner. Muito
bem, a escola funcionando, todos os ex-alunos, cabecinha branca, velhinhos, velhinhos atacando as
paredes. Olha, foi a coisa mais emocionante que eu já vi. E as crianças nos intervalos passando: o que
aqueles velhinhos estão fazendo nas paredes da escola. E onde mexíamos tinha coisa por baixo. Então,
o que nós queríamos era isso, assumimos uma responsabilidade coletiva. Vinte velhinhos atacando as
paredes da escola. Foi divertidíssimo. Os alunos olhavam assim meio boquiabertos, né. Mostramos
que as pinturas existiam. Engraçado que daí veio um técnico fazer uma decapagem.

Isis: E na hora que vocês foram tirando já dava pra ver as pinturas?

Marly: Ah, sim, sim. Foi uma coisa linda. Eu estava de unhas feitas, ficou um desastre. Então apareceu
lá uma coisa, apareceu outra, veio um técnico, aí veio um técnico, decapou um pedaço grande de cada
lugar. Em cada lugar tinha pinturas. Só que no saguão da entrada apareceu um pezinho. É uma
daquelas alegorias, uns painéis laterais e eu me lembro. Aí parou tudo, porque aí foi a batalha final.
Chegavam os alunos a qualquer hora, de noite principalmente, sentavam-se no banco que tinha e
olhavam e choravam de ver o que tinham feito na escola, é. Foi a batalha, a bandeira mais bonita da
minha vida.

Isis: Olha só que legal.

Marly: Foi, foi. E aí começou, aí não teve mais como, né. E aí gastaram seus milhões, ficou caríssimo
o trabalho de restauro. Em certos lugares conforme o técnico a coisa foi muito bem. Em outros na
pintura marmórea foi um estrago. E o restauro não ficou pronto até hoje. Porque as paredes de pintura
marmórea que tem na escola toda, a oposição já tinha comprado as tintas e não podia perder. Então foi
preciso que houvesse lá uma...

Isis: Então me parece que houve uma luta partidária até, né.

Marly: Foi, foi uma batalha política.

Isis: De inclusive querer apagar aquelas imagens que representam...

Marly: Eles queriam conservar o estrago em nome de seus interesses financeiros, porque tinham
empreitado uma reforma e iam passar de novo a tinta por cima. E o nosso movimento estragou o
negócio.

Isis: e isso também fez crescer uma representação daí né, fez vocês se reunirem novamente.

Marly: Foi, foi muito bonito. Então a partir disso os ex-alunos começaram a se reunir todo primeiro
sábado de dezembro, aquela choradeira, a orquestra dos ex-alunos, o padre ex-alunos, enfim, aluno
179

que já foi ministro, aluno que era catedrático na USP, alunos famosos apareciam como humildes
estudantes de curso secundário como era a escola em seu nascimento, né. Então eu me lembro que
durante muitos anos, nesse dia de encontro, eu escrevia um artigo no jornal, o dia em que todos
fazemos 18 anos porque na verdade acontece um fenômeno muito curioso, rola uma emoção intensa
quando cantamos nossos hinos. O curioso é que vão chegando, né. Vão chegando. Naquela hora vão
chegando. No começo vinha gente de todo o Brasil. Essa gente já tá morta. E acontece uma coisa
mágica: quando sobem a rua XV, são velhinhos, de 60, de 70, de 80. Quando chegam na porta da
escola há uma transformação, vão subindo as escadas, quando chegam lá em cima todos têm 18 anos.
Então...

Isis: Parece que volta tudo...

Marly: Sim, é um fenômeno lindíssimo, é uma emoção profunda, onde todos são você e as
brincadeiras são daquelas do tempo da escola. Senhoras de cabelinho branco e rapazes, avós e bisavós,
todos têm 18 anos. É uma alegria, é um rejuvenescimento, aquilo faz um bem imenso pro coração, pra
alma. No começo traziam as famílias, vinham netos, filhos e genros. O salão nobre ficava pequeno.
Essa geração já partiu. Porque veja bem, a educação mudou muito e observamos que à medida que as
transformações educacionais foram ocorrendo, o magistério foi perdendo importância e chegamos ao
cúmulo de uma turma de formandos não querer cantar o hino da escola por ser careta. Então essas
jovens turmas não sei como estão agindo e faz uns dez, 11 anos que eu deixei de ir, não por minha
vontade, por impedimentos de família, porque o meu marido ficou 20 anos doente, sendo que os dez
últimos foram de assistência direta. Este vai ser o primeiro ano que eu vou assistir porque a minha
turma fará 60 anos. Como o do Gustavo, os 60 anos de formatura. Fomos colegas de turma desde a
primeira série ginasial até o fim, não é. Eu fiz normal e científico. Ele fez só científico. Mas pra ele
também são sessenta anos. Mas vamos dizer: eu me formei em 54, eu acho que até 70, 70, 75, o
magistério da escola ainda era mais ou menos coeso, idealista e tudo mais. Mas nos últimos tempos da
minha aposentadoria, 85, eu já que aquilo estava condenado e eu nem sei se esses jovens. Quem
comemora 25 anos é jovem, se estão comparecendo. E ficamos muitos anos na diretoria dos ex-alunos.
Saímos, não porque estávamos cansados e desgostosos, mas justamente porque também precisava
haver a renovação. Então eu sei que ela foi renovada, muito bem renovada, insistem pra eu
comparecer e eu digo, olha, meu marido ‘tá terminal.

Isis: Mais seu marido é vivo?

Marly: Faleceu. Faleceu faz três anos. Então o primeiro ano eu ‘tava muito mal, custei a me recuperar.
Eu melhorei depois que me transferi para o apartamento.

Isis: Não era aqui que a senhora morava?

Marly: Não, faz um ano só que estou aqui.

Isis: Aí muda um pouco né, é melhor mesmo.

Marly: Exatamente, agora tenho prazer assim de festejar algo e estou com muitas saudades da minha
escola, muitas saudades dos meus 18 anos né. Então esse ano eu sei que vai ser muito gostoso. Pois é,
mas é todo um histórico de emoções porque eu me lembro que mamãe era professora, meu avô era
professor, várias gerações de professores e eu nunca pensei em ser outra coisa salvo ser professora.
Meu pai era dentista e gostaria muito que eu fosse dentista.

Isis: Meu pai também era dentista.


180

Marly: Quem era seu pai?

Isis: Ele já faleceu também. Ele se chamava Paulo Roberto Schweter.

Marly: Não conheci.

Isis: Ele não trabalhou muito aqui em Piracicaba.

Marly: Na escola de Odontologia que existiu no passado e que fechou. Então de fato eu fiz um ano de
Odontologia, precisava ir a Campinas pra fazer Odontologia. Mas não era minha praça, não, sempre
fui pesquisadora, sempre tive essa aptidão para história e ciências sociais. Meu pai tem uma culpa
muito grande porque foi ele que me punha nos ombros e me mostrava o lado social de Piracicaba.
Então eu conhecia os tipos populares, que havia ainda nascido na escravidão, os coronéis. Ele me
mostrava essas coisas. Eu digo sempre que eu conheci Piracicaba do alto. Eu tinha quatro anos.

Marly: Eles começaram carreira fora. Então eu não nasci aqui, eu fui a única neta do meu avô João
Germano que nasceu em Piracicaba. Eu dizia pra minha mãe: mas por que não trouxe pra eu nascer
aqui juntamente com meus primos, né. Ah, filha, você é muito apressada, nasceu em novembro, os
professores só tinham férias em dezembro.

Isis: Aí não dava pra vir.

Marly: É. Eu nasci em Taquaritinga e eles vieram por remoções até chegar em Piracicaba. Quando
chegaram, meu pai me disse: filha, tiramos as rodinhas da mobília. Viemos pra ficar. Então eu tinha
quatro anos e ele me punha nas costas e andávamos (eu era filha única, sempre fui), andávamos pela
cidade ele dizia: ‘tá vendo aquela ali? Aquela ali é filha de escravo. ‘Tá vendo aquele ali? Não, aquele
foi escravo. Eram tipos populares da cidade, né, os políticos importantes, as pessoas orgulhosas.

Isis: E isso já fez a senhora se interessar, né...

Marly: Eu tinha uma sensibilidade pro social, então eu me lembro que eu disse pra ele, aos quatro
anos: papai por que que as pessoas daqui são tão, eu queria dizer, aristocráticas, mais eu falei, tem
tanta pose? Eu perguntei pra ele, porque se você não fosse apresentado, não participasse de um círculo
de amizade não te cumprimentava, mesmo que morasse na mesma rua. Eu sentia esse problema.

Isis: Essa questão das famílias, né?

Marly: É, as pessoas importantes. Filha, porque Piracicaba foi importante no passado, o burgo
perrepista que depois mostrei, expliquei tanto nos meus trabalhos. Então ele me mostrava esse lado e
como ele era uma pessoa muito especial ele me disse uma vez, eu custei a entender, que ele tinha
orgulho de ser plebeu. Como eu custei a entender.

Isis: Olha só. Quando a gente quando é criança não entende.

Marly: Mas eu já estava no secundário e eu não entendia essa coisa, do orgulho de ser plebeu. Mas aí é
que está: o orgulho de ser plebeu, ele me ensinou muito bem. Ele conversava com ricos, pobres,
brancos e negros, azuis de bolinha verde, branco, bolinha roxa. E ele tinha um barco, igualzinho
aquele, até quando eu vi esse quadro disse ao Borges: ele é meu. Eu queria que ele escrevesse no barco
o nome que meu pai pôs no barco: era Jurema. Ele saía do trabalho às quatro horas mais ou menos,
quatro e meia, cinco horas nós descíamos na Rua do Porto. Ele não ficava um dia sem ver o barco. E
como ele conversava com os pescadores, os feriados, os domingos, era o barco que rodava, pescaria
ele adorava. Mas eu descia, eu era companheira dele nas andanças. Então ele ficava conversando com
181

o Piloto, Angeli e outros amigos e olhando pra mim. Uma criança o que faz: brinca. Então eu jogava
pedrinha no rio, daqui a pouco aparecia um moleque, eu brincava com o moleque e ele olhando
sempre. Mas eu brinquei com todos os moleques da Rua do Porto. E as meninas também. Muitas
vinham só de calcinha, quase não usava a roupa. E os meninos também, todos de pé no chão e eu de
sapatinho, minha mãe não deixava eu tirar o sapato. O sapato ficava encharcado. A barra do vestidinho
molhado, meu pai achava ótimo. Corríamos assim na beira d’água espirrando e para surpresa eu
achava uma concha oval, gigantesca, isso tinha muito na margem do rio. Quantas conchas trouxe pra
casa, o rio era vistoso, maravilhoso. Um dos moleques que brincou comigo foi Antonio de Pádua,
Tote, o famoso Tote, o filho do Rio Piracicaba. Nos encontramos já anos depois e foi um reatar de
amizades com aquela pureza de criança, então Tote tinha a casinha dele lá na Rua do Porto, tinha a
esposa Atala. Atala ‘tava sempre na cozinha fritando torresmo, fazendo comidinha. E ele me contando
os causos, né. E sentávamos para ouvir os causos, né. E era um poeta delicadíssimo. Contava seus
versos, eu falava, ele falava, aparecia um pinguço, aparecia um político interesseiro, aparecia alguém
de televisão, aparecia vizinhança, fosse quem fosse, aquela casa era aberta, né. E ele só fechava
mesmo na última hora de dormir. E a primeira coisa que ele fazia ao acordar era abrir a porta,
escancarar a janela e olhar pra ver se o rio ainda estava no lugar. Eu faço a mesma coisa: eu chego
aqui na minha janela e dou uma olhada pela nesga do rio se o rio ainda existe. Aprendi com o Toti.
Mas então foi um reatar de anos de amizade. Um dia eu falei pra ele: vamos comigo até o salto, me
mostra aqueles lugares, cada lugarzinho tem um nome, do rio. Que hoje já caiu no esquecimento. Ele
sabia todos, um buraco mais profundo, uma pedra mais solta, onde dava, onde dava é... mandim, toca
de cascudo, isso ele sabia tudo.

Isis: Ele era um conhecedor do rio, né?

Marly: Ele tinha sido pescador profissional, né. E meu pai também sabia como se pescava no salto
mas meu pai já estava falecido e eu não gravei, não tive essa... não era, tudo tem sua hora certa. Então
Dias Tote foi comigo e passamos assim. Eu acredito que das nove da manhã até umas 5h30 da tarde.
Atala, coitadinha, era a esposa que Deus mandou pra Tote, viu que a gente não chegava saiu com a
marmitinha a nossa procura, uma santa criatura. Sentamos numa pedra, eu, Toti e Tala, comemos a
nossa marmita com uma linguiça muito boa, um ovo frito maravilhoso, uns talos de torresmo, um
virado maravilhoso e descascamos umas laranjas. É, então foi uma tarde inesquecível onde eu
pontilhei alguns lugares do salto. Mas infelizmente ele já ‘tava bem cansadinho, bem doente.

Isis: Já se foi, já?

Marly: Já, já. Teve uma morte bem dolorosa porque ele era muito gordo, diabético. Mas era uma
criatura especial. Conservou o folclore lá na beira do rio, as festas do Divino. Se aquilo sobreviveu foi
por conta dele. Ele era inteligente, não tinha uma cultura acadêmica, mas tinha a intuição de que
aquilo era valoroso, valioso e que devia ser preservado. Eu tenho memórias tanto do tempo da escola
como dessa vivência. E eu acho que aí que nasceu a minha sensibilidade social, aqueles meninos,
aqueles moleques, as menininhas e a sabei-me lá. Meu pai me ensinou que não há barreira, não há
barreira, e olha como foi bom isso, como quando eu encontrei as barreiras eu me incorformei, como eu
fiz por derrubar, transpor, às vezes com amor, outras vezes com embate. Sabe a vida como é cruel né.

Marly: Na USP inclusive foi meu último embate. Foi uma terrível batalha, foi uma demanda que
acabou numa penada do reitor com um professor.

Isis: Isso que a senhora ‘tá falando é do seu doutorado?


182

Marly: Do meu doutorado na USP. O meu sonho era terminar minha carreira acadêmica na USP. Meus
filhos eram uspianos, por que eu não podia ser? Bom, mas eu sou filha da PUC, né, PUC Campinas.
Minhas ligações com o senhor Salim, foi um benfeitor da minha vida. Fui estudar em Campinas, me
puseram num internato, as mulheres foram boníssimas, aqueles padres boníssimos. E não sendo de
família católica eu fui estudar doutrina porque havia prova com exame. Não sei se ainda é assim. Pra
você ser dispensada você entrava com um processo que demorava muitíssimo. E já era mesmo hábil
pra que, você era obrigada a assistir aula enquanto não recebe a liberação. Mas daí já correram tantos
meses que você já tá ali, já ouviu, já aprendeu bastante. Então eu sabendo disso eu nem entrei com o
processo. E aprendi muito, aprendi muito, gostei muito. O livro de Jó, eu vivia com o livro de Jó na
cabeceira. Precisava saber pra prova o livro de Jó. E hoje o professor daquilo se tornou um bispo
emérito no Vale do Paraíba. Era um homem muito culto, aprendi demais e sou muito grata. Mas o meu
sonho era terminar minha carreira na USP. E realmente fui aceita na USP, só que eu não suporto
arrogância.

Isis: Foi na faculdade de Educação?

Marly: Não, na faculdade de História. É a mais tradicional, começou lá. Entre nós, sem gravar, por
favor: a faxineira, do toalete, arrogância. Então, foi um choque social ao qual eu não me conformava.
Então eu me lembro que eu olhava pro Jaraguá, sair de Piracicaba pra chegar na USP é uma batalha,
tinha que descer na Ponte do Piqueri, tomar um táxi e aquela aventura da Marginal até o Butantã, isso
eu fazia no começo duas vezes por semana.

Isis: Hoje está mais tranquilo, o acesso.

Marly: Isso foi em 1992. Eu já tinha sessenta e tantos anos. Eu não era jovem. Eu fiz um esforço físico
e tudo, né. Eu queria terminar. Eu sempre tive trabalho, então não custava fazer um a mais um a
menos.

Isis: E é difícil pra gente que é ativa. Eu sou muito ativa também. É muito difícil ficar parada.

Marly: Eu tinha uma pesquisa em mente. Às vezes eu dizia, ah, não quero mais saber. Mas aquilo me,
eu estava ruminando e uma hora ia nascer. Então, meu Deus do céu: quando eu vi o orientador me
impondo eu selei a minha sorte. Eu aguentei até onde eu pude. Aí foi uma ruptura bem desagradável.
Foi uma demanda de dois anos.

Isis: Terminou?

Marly: Terminou com uma penada do reitor e eu ganhei a parada. O aluno tem direito, de acordo com
os estatutos, a mudar de orientador.

Isis: E a senhora mudou de orientador?

Marly: E ele dizia: eu não libero. Eu não libero. E o outro orientador assinando o papel que me
recebia.

Isis: Essas coisas são muito complicadas.

Marly: Então aconteceu que ele perdeu a batalha. E outras coisas que aconteceram a ele em função
dessa arrogância, intransigência e crueldade. A escola francesa, né, bem? Aluno leva tapa na cara da
escola francesa, até hoje. Aquela arrogância, aquela autoridade, aquela coisa.

Isis: E eles são filhos da escola francesa, né?


183

Marly: Exatamente, filhos mal criados. Então aquela maravilha, eu dizia: eu estou na casa do saber.
Quando eu entrava, via a estátua de Armando de Salles de Oliveira, eu abaixava a cabeça em respeito.
Que eu entrava e sorvia, eu sempre fui de teses e via aquilo tudo e aquela riqueza. E furava pra assistir
aula de um, aula de outro, estrelas brilhantes, nem todas, algumas muito apagadas e falsas, falsos
brilhantes. Mais outros e ainda, daí a pouco o falecimento de Nicolau Sevcenko. Que estrela da USP,
que cabeça, que cabeça. Eu bebia as aulas de Sevcenko e ele sentia um prazer imenso. Ele tinha uma
facilidade didática em tornar o dificílimo palatável, mesmo que você dançasse, penasse depois, aquilo
pra ele fluía numa rapidez, numa naturalidade. Ele tinha um vocabulário de reserva. Pra cada palavra,
ele tinha 20, 30. Ele dava conta daquela missão. A literatura como missão, ele dava História da
Cultura, ele deu conta daquela missão belíssima.

Isis: Que maravilha, né?

Marly: Foi, foi. E no meio disso essa decepção tão cruel, né, com esse orientador. Eu acredito que
existem formas de justiça. E eu escapei das injustiças e da arrogância. Falei demais, né, não é aquilo
que você quer.

Isis: Não, mas podermos conversar.

Marly: Não vou extrapolar mais.

Isis: Não, podemos conversar, eu acho gostoso.

Marly: E no Sud, veja bem: eu com essa sensibilidade social chego no Sud aquela disciplina férrea.
Mas meus pais eram muito severos, e a educação antiga era muito coatora, então a gente respeitava
aquela disciplina. Embora uma pessoa disciplina sentisse que aquela atmosfera era pesada. As escadas
eram de madeira, não podia fazer barulho. Então eu aprendi a andar feito bailarina, porque não podia
fazer barulho nas escadas de madeira. E não fazíamos mesmo. Conversa alta, isso jamais acontecia. Os
inspetores de aluno eram severíssimos quanto à limpeza da meia, da gola, os rigores do uniforme não
é? Os professores não olhavam pra isso, porque essa parte não era deles. É, havia uma divisão de
funções perfeita. Disciplina no recreio, meninos separados das meninas, havia no começo uma ala pra
mulheres e outra ala para homens. Dizem que na ala das mulheres havia as pias. Na outra ala não
havia, pias pra lavar a mão, eu não sei por que. Mas alguém mais antigo explicou que as pias eram da
ala feminina, porque sim. Eu não entendo isso, se explicou certo ou errado, é um enigma que paira até
hoje, pias em certas salas e noutras não. Mas então os professores cuidavam da informação, porque a
formação a família dava. Nunca que eu soubesse que alguém que tivesse de ir pai lá pra brigar que
tomou uma descompostura, uma nota baixa ou foi reprovado por um dez.

Isis: Não existia esse tipo de reclamação?

Marly: Na restauração queriam saber de mim como era a diretoria. Eu disse: Deus me livre. Eu quando
passava, prendia a respiração de medo. Imagine ser chamada na diretoria. Aquilo era o fim do mundo.
Essas coisas se existiam eram lá pra casos excepcionais e que causavam pânico, escândalo.

Isis: Na instituição inteira, né?

Marly: Exatamente, exatamente. Então os professores se limitavam a informar e a informação era boa.
Não era a melhor escola do mundo, mas era uma boa escola.

Isis: Mas e como a senhora via o processo de formação mesmo?


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Marly: Concentração, disciplina e concentração. Disciplina e concentração. Na minha carteira, eu era


dona daquele pequenino espaço, o meu pescoço tinha uma direção só. Não porque você sorvia tudo o
que o professor falasse. Ou anotava o que era pra anotar. Atenção absoluta. Conversinha assim muito
pouco. Isso se o professor era tolerante, mas geralmente ninguém era tolerante. Psiu, nossa senhora.
Eles mantinham aquela atmosfera que era trazida para a sala de aula. Então alguns professores tinham
fama de bravos. Eu não sei por que tinham fama de bravos, nunca testei a braveza deles. E acho que
ninguém testou. Ou se alguém testou pra dizer que eram bravos foi fora da minha visão, do meu
alcance. Na minha frente ninguém tentou. Então havia aqueles que apertavam mais e outros que
apertavam menos. Eu digo que, mais quanto ao conteúdo informativo, por exemplo: dona Mariinha
Teixeira Mendes, a professora de História era um jorro de matéria.

Isis: Muita coisa ela dava?

Marly: Muita coisa ela dava. No método dela, né? Ela foi aluna de Sérgio Buarque de Hollanda, foi
colega de Sérgio Buarque de Hollanda e foi aluna de Braudel. Foi a melhor aluna de Braudel.
Amiguinha, a filha do coração de Braudel. Braudel frequentou a família dela em São Paulo.

Isis: Maria Celestina? Professora de vocês?

Marly: Maria Celestina, minha professora, a que eu chamava de mãe.

Isis: E a senhora fez parte do clube que ela tinha na época?

Marly: O Clube de História?

Isis: O Clube de história.

Marly: Ele não era um clube assim muito coeso. Na minha época era o clube de ciências do professor
Diniz, que chegou a ter uma sede.

Isis: Uma sede que era fora da escola?

Marly: Exatamente. O professor Diniz tinha aquela didática de faculdade, falava e punha alguma coisa
na lousa. O que eu assimilei porque eu achava excelente. O professor tinha o que, o giz e o quadro
negro. O audiovisual era o que, ele, o áudio a sua voz, o visual o quadro negro. Destituição total de
material didático. Então aquela disciplina, aquela concentração e passava-se a informação. Enquanto
se passa a informação se coloca a síntese na lousa. O aluno o que perde da oralidade obtém no quadro
negro. Do verbal no quadro negro. Essa didática eu assimilei. Eu sempre dei aula assim. Tanto em
faculdade quanto em científico, sempre. Eu acho que quem está desprovido de tecnologia e de
recursos é o que mais funciona. Silêncio, comigo não tinha brincadeira também.

Isis: Mas também se a gente for pensar: se a gente tem o que falar, não precisa de artifício.

Marly: É, quinta série, sexta série, eu ensinava a estudar. Então uma série de coisas, eu pedia
assinatura de pai e mãe. Uma série de coisas. Pedia assinatura de pai e de mãe. Tinha que estudar por
escrito, pedia assinatura de pai e mãe. Na época da revisão dos cadernos com o carimbo, tinha
assinatura de pai e mãe. Quer dizer, eles acompanhavam. Eu tinha fama de megera. Mas eles viam
tudo, viam tudo. Sempre tive muito apoio viu, muito apoio.

Isis: Funciona, né?

Marly: Funciona. Então eu podia ser a brava, a chata, a implicante.


185

Isis: Desde que eles aprendessem?

Marly: Exatamente. Os pais sempre me deram apoio porque não tinha brincadeira comigo e eles
tinham que fazer o trabalho, mais era aprender a estudar. Tanto que tinha livro texto. Pra que tinha
livro texto? Pra aprender a ler. Então outro dia me encontrei com uma cirurgiã-dentista, que me disse,
ah, você me ajuda até hoje. Filha, mais por quê? Porque a senhora dizia assim: vamos encontrar a ideia
principal. Era uma análise do texto e a ideia principal era riscada, era destacada. Então a ideia
principal: todos achavam a ideia principal, até achar. Então eu sentava, às vezes eu sentava com
alguém na carteira, o aluno ficava: ai meu Deus. Vamos achar a ideia principal. Então tinha que ler,
gostasse ou não gostasse.

Isis: Hoje a gente vive um problema muito grande por isso, né?

Marly: Exatamente. Eu ainda pude fazer isso, mas a reforma Jarbas Passarinho acabou com tudo, né.
Mas Dona Mariinha não fazia isso não. Ela explicava, punha uma coisa na lousa e a pesquisa. Aprendi
a pesquisar com ela, ela foi a minha mãe metodológica. Por isso que eu a chamava de mãe.

Isis: A procurar?

Marly: A procurar a substância da coisa. A fazer a síntese e a criar em cima daquilo. Mas era um
martírio, porque era um exercício que ninguém costumava fazer. Dona Mariinha era um terror, e ela
era boníssima. Eu era brava, mais ela era boníssima. Só que imagine: foi aluna de Braudel e
trabalhando com crianças de 14 anos, olha.

Isis: Imagina pra ela?

Marly: Ela deu os saltos, sim, deu. Tentou chegar... e chegou. Mas a metodologia era aquela, sim,
escola francesa. Então, olha, era um causo. Eu devo a ela o aprendizado de pesquisa e o hábito de
fuçar, de procurar e uma vez ela fez buscar do original, história oral, eu fui ver o que era história oral
séculos depois, entrevistando meu avô para descobrir uma certa coisinha aqui de Piracicaba. Aí que eu
fui notar: a prática de aula de seu Moacyr Diniz, e ele era dentista, nem era professor. A prática de aula
do professor Moacyr Diniz, a metodologia pra Ciências Sociais de dona Mariinha e a organização
sistemática do professor Argino Leite, o matemático. Meu Deus.

Isis: Então eram bons mesmo, bons professores.

Marly: Seriam estrelas da educação. Você ponha a organização e o método racional. Ponha Decartes
ao cubo, você vai entender o Argino Leite. Então com ele tinha também: nunca vi seu Argino passar
pito em ninguém.

Isis: Categoria?

Marly: É. O pessoal já ficava tenso. Precisava prestar muita atenção. Muita. Porque ele era de uma
claridade. Não tinha: não entendi. Não, ele. E outra coisa: ele repetia. Isso eu digo: até ficou um
defeito comigo. Mais olha, esses três marcaram demais quanto a prática de ensino, o método de
trabalho, pesquisa, organização do pensamento, é. Eu levava muito a sério. Havia gente que não
levava tanto a sério, que estudava pra passar. E eu estudava porque eu achava, eu sentia a importância
daquilo que eu estava vivendo. E que eu não estava à toa naquela conjuntura. Então nunca ninguém
me mandou estudar e eu estudava muito porque era muito saber comunicado. Eu via as meninas
passeando e eu não tinha tempo. Eu deixei de brincar na calçada, as crianças brincavam na calçada.
186

Quando eu entrei na primeira série do Sud Mennucci, eu parei de brincar na calçada. Ficou difícil a
minha vida.

Isis: Porque era puxado?

Marly: Muito puxado, era muito puxado. E eu dava conta, queria dar conta de tudo.

Isis: O senhor Gustavo comentou ontem também, que, entrava um determinado grupo e não saíam
todos, né. Não conseguiam se formar.

Marly: É, e havia os que eram os jubilados da escola, dois anos repetindo era eliminado da escola. E
tinha o exame oral, e não havia dispensa: você ‘tava aprovado e tinha que fazer o exame oral. Tinha
obrigação de estudar e seu Argino dava um pega: por que está aprovada e não estudou no exame oral?
Então nós levávamos muito a sério e nos deram essa oportunidade de fazer um trabalho sério conosco.
Tinha a professora de trabalhos manuais, ensinava a fazer os pontinhos, os bicos.

Isis: Só as mulheres faziam o trabalho?

Marly: Os meninos tinham o trabalho de rapazes, serrinha. Tinha o professor de trabalhos manuais né.
E a professora de trabalhos manuais era a viúva do Cardoso, dona Quitinha, então ponto-cheio, ponto
de sombra, duchelié, bicos e aqueles desfiados, nossa, aqueles panos de amostra e era uma coisa né,
porque criança né, o pano de amostra ficava encardido. E tinha prova viu, tinha. Você levava um
pedacinho de pano em branco, fazia o sorteio do ponto. Saía por exemplo o bico de pato, tinha que
fazer o bico de pato. Sabe o que é o bico de pato? Rematava com combinação. Aquela coisa que
deixava franzidinho assim. É isso que hoje a máquina faz. Chatinho fazer o bico de pato, viu? E tinha
que saber fazer o bico de pato, viu?

Isis: Sorteava tinha que saber fazer.

Marly: Bico de pato, o ponto cheio, então era assim. Aí vinha a folha de prova, você preenchia com
nome... Aí você tinha que alinhavar o pedacinho de pano na folha pra entregar a prova. Aprovada ou
reprovada. Tudo isso. Música também, solfejos e notas. Ai, eu tinha um medo dos solfejos. Seu
Benedito Dutra era bravo. Desenho, desenho.

Isis: E essas disciplinas, elas eram do secundário?

Marly: Do ginásio é, eu saí do grupo escolar e fui para o ginásio. Hoje é o curso básico, né. A quinta
série, a primeira série minha corresponde à sexta série hoje. E latim, foi um Deus nos acuda, era o
doutor Dario Brasil. Não tinha lá uma grande didática. E depois foi muito difícil, eu me lembro que
precisei de professor particular, como antes precisavam porque era uma iniciação muito difícil,
declinações e as traduções. E fazer versão em latim.

Isis: E não tem aproximação com a nossa língua também, né?

Marly: Depois a gente viu o quanto o português é parecido com o italiano e quanto o italiano é o latim,
né? Hoje eu estudo o italiano e a cada hora descubro num sorriso a beleza, a beleza das duas línguas.
Mas uma menina de onze anos entrar no latim, foi muito difícil, foi muito difícil. Então mas você
imagina: fazer tradução em latim, versão de latim. Olha, foi, foi difícil. Inglês, francês, latim,
português, desenho, trabalhos manuais, música, história, geografia, é, nove disciplinas na quinta série.

Isis: Muita coisa, né?


187

Marly: Era muita coisa, muita coisa.

Isis: Então, posso perguntar?

Marly: Pode.

Isis: Nesses anos, o que a senhora teve, está tudo aqui nos jornais. Eu até trouxe pra mostrar.

Marly: Deixa eu ver. Ah, o Sud... Olha, eu tive vários... olha o Gustavo. Eu me lembro uma vez que eu
conheci a chapa do Grêmio.

Isis: Era o que eu queria perguntar, se você participou das atividades do Grêmio.

Marly: Eu não participei, mais eu me lembro que um dia, eu tinha namoradinho, ‘tava na quarta série,
então estava o nome de todos os participantes da chapa pintados no muro do lado da escola. E meu
namorado, que foi meu marido, o único homem, meu namorado, meu marido, não gostou de ver meu
nome lá, Marly Therezinha Perecin Germano.

Isis: Olha aqui oh, pra senhora lembrar. Foi por isso inclusive que daí procurei mais ainda a senhora.
Olha aqui o nome da senhora aqui, sessão de posse do grêmio.

Marly: Ai do Grêmio, aaahhh...

Isis: Olha lá aqui, oh.

Marly: Marly, segunda secretária. Benedito, Amador, Amador é juiz não sei se já faleceu.

Isis: Amador faleceu.

Marly: Faleceu. Como você sabe?

Isis: Senhor Gustavo que me disse, que faleceu novo.

Marly: Davi acho que faleceu também. Vicente Frasson é o da clínica. Mendonça, Neide Sartini, mora
em Botucatu. Sebastião Mendonça, os irmãos Mendonça, Altino Ortolani, todos da minha geração,
todos.

Isis: Então, e foram eles né, senhor Gustavo, os irmãos Mendonça, que resolveram fazer esse jornal. A
senhora lembra?

Marly: Eu lembro dos Mendonça, eles tocavam o jornal sim, eles gostavam. Pra você ver: todos esses
dessa geração, todos se formaram, todos foram profissionais de nível bom, todos gozam de conceito na
sociedade, todos, todos. Teve gente que chegou a professor na USP, teve gente que chegou a reitor,
Gustavo é um exemplo. Não só ele, mas outros também e assim. Toda essa geração, toda. A escola era
ótima. Conversando com alguém que já faleceu e era grande amigo meu, faleceu recentemente. O
nome da educação, o..., grande amigo, meu Deus do céu, escritor.

Isis: Aqui de Piracicaba?

Marly: É. Meu Deus do céu. Fundador da academia de educação em São Paulo, o Samuel Pfrohmn.
Samuel Pfrohmn não é da minha turma. São três ou quatro turmas à frente, mas engraçado: uma vez eu
conversando com Samuel, os profissionais saídos da escola eram muito treinados na escola a expor
ideias. Isso era tradição humanística da própria escola. Porque os primeiros professores foram
188

advogados, foram escritores. Então isso é característica da escola Sud Mennucci. Exigir a expressão,
exigir a dialética, partir pra retórica, escrever, crítica, isso era muito puxado. Era exigido, eu me
lembro que havia um professor que chamava o aluno na frente, na frente pra expor a lição, em
geografia, em história da educação, em biologia educacional, eram obrigados a ir na frente e a expor, a
falar. Então são todos muito falantes, então muitos se encontraram na Academia Paulista de Letras, no
Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo.

Isis: Aqui também, né?

Marly: Aqui também, pois é. E em São Paulo, havia vários ex-alunos. Então era um encontro
delicioso. E eu e o Samuel nos encontrávamos muito e eu me lembro uma vez que no instituto
histórico havia toda quarta-feira uma longa mesa em que todos tinham oportunidade de expor
descobertas, pequenas sínteses, amostras e era uma característica quando os alunos da escola normal
falavam. Então eu me lembro que um deles, um deles disse: como você e Samuel são parecidos na
fala. Depois eu e o Samuel conversamos: tivemos a mesma escola, o mesmo treino, as mesmas
exigências e engraçado, saiu gente ótima tanto pras ciências humanas quanto pra ciências exatas.

Isis: Eu acho que era a própria educação, né, o jeito que era.

Marly: Esta escola foi excepcional. Eu me lembro que quando eu fucei eu encontrei muitos
telegramas, não sei se você chegou a encontrar, de governadores de Minas Gerais e do Mato Grosso,
do Paraná, pedindo que enviassem ao governo de São Paulo, que o governo mandava pro Sud
Mennucci, pra escola, dizendo que mandassem professores paulistas, principalmente da escola normal
paulista de Piracicaba. E eu conto com orgulho quando eu tenho oportunidade de falar da associação
dos ex-alunos, que mandassem de preferência os professores da escola normal, porque levavam esse
treinamento e tinham mesmo a fama de serem grandes professores.

Isis: Ah, com certeza, até hoje então.

Isis: Assim, mas a senhora não lembra, então. A senhora não lembra, não. A senhora não participava
das atividades do grêmio?

Marly: Não, não participava não, porque eram mais os meninos, viu? Eram mais os meninos. As
meninas eram muito contidas, sabe?

Isis: E o que que a senhora se lembra desse jornal?

Marly: Eu lembro que a gente pagava uma quantia mínima, a gente lia, nem todos na classe liam, nem
todos ligavam. Não havia estímulo para os criadores da história. Os professores sim davam estímulo
tudo, mais os próprios colegas sabe, éramos crianças realmente. São vocações precoces, é natural.

Isis: É isso aí que me deixou muito curiosa.

Marly: Porque isso também era prática das grandes escolas de São Paulo.

Isis: Fazer jornal?

Marly: Exatamente.

Isis: Vocês ali na época entraram em contato com outros jornais de outras instituições?
189

Marly: Não, que eu saiba não, que eu saiba não. Eu não participava do corpo editorial, não. Eu era
leitora.

Isis: E a senhora lembra se na época existia alguma contrariedade em relação a essas atividades?

Marly: Às vezes alguma coisa que era escrita causava um certo mal-estar, uma pressão, tinha sim.
Coisinhas inocentes que causavam aí vinham, porque a autoridade era muito pesada, o diretor era seu
Lamartine Coimbra, muito severo. Qualquer coisa que fosse levada a seu Lamartine lá vinha uma
punição, uma proibição.

Isis: Por que o que eu ‘tô percebendo, o que eu fiquei na dúvida no começo: se os professores
participaram de alguma maneira da elaboração desse jornal ou se foram só os meninos que se
articularam?

Marly: Não, alguns professores, outros estavam ocupadíssimos com suas práticas. Alguns professores
ou outros, talvez de Português, tenham estimulado os meninos. Mas que houvesse envolvimento do
corpo docente...

Isis: Foi iniciativa deles mesmo?

Marly: Foi sim, mérito deles.

Isis: Certo. Por que que eu resolvi pesquisar os jornais, por que uma coisa, pra uma escola, veja,
porque hoje a gente não veria uma coisa dessas. Até anúncio eles conseguiram.

Marly: Sim, geralmente eram pais de alunos, comerciantes, olha só, Portalarga. Esse aqui é novo, né?
(Os jornais.)

Isis: Esse aqui já é um outro material.

Marly: Eles eram muito dedicados. Os irmãos Mendonça eram muito dedicados. Eles principalmente.
É admirável.

Isis: Eu cheguei a pensar...

Marly: Eu nem sei onde era rodado isso, talvez fosse na Louise. O Sud Mennucci, olha aqui. Diretor:
os dois irmãos Mendonça. Amador, Amador chegou a ser juiz. Antonio Sperandio era um redator
brilhante. Sebastião Mendonça, mais Mendonça, não acaba de Mendonça, era a família Mendonça que
fazia. Amador era muito bom e Antonio Sperandio muito bom.

Isis: O que me contou o senhor Gustavo é que eles tinham uma tipografia, os pais dos meninos.

Marly: A, era isso é? Ah, sei, sei, os meninos.

Isis: Assim, eu ainda não consegui descobrir como é que eles fizeram essa composição gráfica, né?

Marly: Eu acho que tiveram então informação técnica lá da tipografia. Mas eu me lembro dos irmãos
Mendonça trabalhando com isso aqui. Agora você vê que eu estou na chapa. Pra entrar na chapa tinha
que ser os alunos de respeito. Então, meu nome ‘tá ali. E eu nem fui consultada pra ver se queria
participar. Os meninos colocaram lá.

Isis: E nessas discussões, por exemplo, não sei se houve. Essas discussões de se fazer o jornal, a
senhora lembra?
190

Marly: Não, não, não. Olha, isso é mérito dos irmãos Mendonça. Eles eram mesmo. E não eram os
mais brilhantes não, os alunos mais brilhantes. Eram inteligentes e esse lado prático de criar, de
estabelecer relacionamentos, isso eles tinham sim, é. Amador trabalhava junto com a família, era um
moço pobre. Antonio Sperandio também era um moço pobre. Os irmãos Mendonça. O Gustavo não, o
Gustavo tinha tempo. Tanto que ele praticava esportes, era bom aluno, gostava. Gustavo tinha
retaguarda de família, tinha paz econômica. Os outros não. Os próprios irmãos Mendonça era família
que lutava. Eu tinha muita retaguarda, eu era filha única, então veja bem: o mérito é dos irmãos
Mendonça. Eram dinâmicos mesmo e o Sperandio, o Amador. Amador era um grande relações
públicas e escrevia muito bem.

Isis: Escrevia muito bem porque tem uns textos, e eu fui procurá-lo, mais daí soube que ele faleceu.

Marly: Quando que ele faleceu?

Isis: Eu não sei, mais diz o senhor Gustavo que ele faleceu novo e se tornou Juiz.

Marly: Olha, ele era mais velho que eu. Eu tenho 77 anos, ele deveria ter seus 80, 81.

Isis: É, ele conta que ele era mais velho que os meninos mesmo.

Marly: É, ele era bastante amadurecido, conheceu o sofrimento, sabia pensar, sabe. Amador foi uma
figura assim muito importante.

Isis: Então, por que que eu perguntei essas coisas: por que pelo nome da senhora estar aqui no Grêmio,
porque o que eu percebi, que esses meninos eles eram todos do Grêmio, mas somente um grupo, talvez
tenham sido esses três irmãos que conseguiram se articular pra fazer esse jornal.

Marly: Foi, foi sim. E eles estavam em séries diferentes. O Sebastião ‘tava na minha série. O Gustavo
na minha série.

Isis: Daí eu li a fundo o jornal né, analisei a fundo até pra escrever o que eu já escrevi. E o que que eu
percebei: que em muitos momentos eles vão expondo contrariedades, né, que existiam ali no meio
sobre esse empreendimento, as dificuldades, os obstáculos, então as contrariedades.

Marly: O conservadorismo contra as inovações. Foi uma inovação revolucionária que foi castrada. Foi,
pelo conservadorismo reacionário, diretor muito feroz, professores muito fechados na sua prática
didática, não havia amizade entre professor e aluno, era um respeito, nossa senhora, eu fiquei amiga de
dona Mariinha quando eu voltei pra dar aula como professora efetiva aprovada em concurso de
História, que ela foi me cumprimentar, ela chegou, quero conhecer quem é a professora de História. Aí
eu beijei a mão, depois passamos a conviver. Ela não se lembrava de mim. É, porque era muita
disciplina, ninguém se destacava a não ser nas boas novas. Havia lá uma menina mais falante ou uma
mais bonitinha, os destaques eram mínimos. Eu me lembro que meu pai chegou em casa dizendo que
na sala dos professores se comentavam sobre os melhores alunos. Mas isso na hora de corrigir provas.
É, por exemplo, o professor de matemática dizia não fulano, fulano, fulano, aqui também é bom aluno.
E eu me lembro que um professor de lá de dentro, amigo do meu pai, contou pro meu pai que eu
estava entre os melhores alunos, né. Então eu nem acreditei e nem levei a sério, sabe por que, a gente
era tão assim. Aluno era um cisco, um cisco e isso eu encontrei na USP e me revoltei e daí já tinha 60
anos. Sim, eu não queria ser tratada como um cisco, nem que pensassem por mim. Agora aí pensavam
pela gente, eram reacionários, sim. Não me lembro de nenhum professor que tivesse tomado uma
atitude assim contra. Mas havia uma mentalidade conservadora e reacionária diante dessas inovações,
havia.
191

Isis: E por parte dos alunos?

Marly: Olha, aí é que tá, muito crianças. Isso despontou muito cedo, isso foi na década de 40. Não, 50,
muito cedo, a imprensa surgiu assim variada em Piracicaba quando, com o Cecílio, que rompeu com
as tradições conservadoras, porque antes era o Jornal de Piracicaba e o Diário de Piracicaba, porque a
imprensa pioneira foi a Gazeta de Piracicaba. A imprensa periódica assim, porque antes havia jornais
esparsos, tem alguns que estão até na Biblioteca Nacional.

Isis: Então, é muito interessante porque eles passaram a ser porta-vozes de muita coisa que acontecia,
por exemplo, o fato de, em 1953, a Escola Normal ter virado Instituto de Educação, né. Eles vão
contando aqui e mostrando que o professor Moacyr Diniz junto com o deputado Valentim Amaral, eu
não sei se a senhora lembra.

Marly: Ah, se lembro. Era o factotum em Piracicaba. Era o político a quem todo mundo recorria, quem
levava as reivindicações e trazia as respostas e as concretizações.

Isis: Pois é. E os meninos vão contando que por articulação do deputado.

Marly: É isso mesmo.

Isis: E eles vão contando que eles conseguiram essa melhoria, que a escola normal se tornasse
Instituto, depois também pra construção de salas de aula, então assim, o que eu fui percebendo, que
tudo o que eles não concordavam eles escreviam no jornal. As questões da cidade também, a questão
da energia elétrica que na época a empresa não era muito boa. E eles comentam, denunciam.

Marly: Eles não eram estudantes fanáticos como eu. Eles gostavam da... bom, tem a questão da
maturidade, se vinham da tipografia eles estavam voltados para essa forma de produção cultural não é,
os irmãos Mendonça. Isso é iniciativa deles mesmo. Gustavo que era sempre muito inteligente e
intuitivo também percebeu o lado bom e também se aliou. Na Igreja Metodista também tem muitas
publicações.

Isis: Ele me contou, eu não conheço.

Marly: São treinados a expor ideias também e ele é de formação, família metodista, então ele teve esse
treinamento também, não é. Agora eu por vir de família de professores.

Isis: Eu não vim de família de professores e me tornei professora também.

Marly: Então eu aprendi inclusive vi algumas coisas que eu via minha mãe colocando em prática.
Minha mãe foi uma grande professora, então coisas que ela inovou comigo, eu pratiquei e deu certo. E
outras que depois eu vi, inovei, vi colegas fazendo. Agora... Foi uma pena viu, porque se essas
experiências fossem somadas, se Samuel tivesse ficado mais na escola, ele seria a pessoa indicada para
sintetizar todas essas experiências pedagógicas num livro, num trabalho, como eu diria prático,
didático, didático prático, educacional ímpar.

Isis: E Samuel era colega de escola?

Marly: Samuel foi. Ele foi a estrela máxima na educação na USP, né. Foi o criador da TV Cultura.
Autor de livros, um cientista. Samuel Pfrohmn Neto. Também teve a convivência na imprensa,
trabalhou muito com o doutor Losso no jornal. Todos nós éramos treinados a escrever e a expor as
ideias. Todos nós.
192

Isis: Isso é interessante saber, né. Talvez a iniciativa tenha surgido então, né, de fazer isso aqui.

Marly: Despertou a veia jornalística pra quem já tem a convivência com a publicação.

Isis: Eu acho que é isso viu, dona Marly, eu acho que é por aí, que eu queria conversar um pouquinho,
até extrapolou, achei bom, né, falar um pouco da história da escola, como eu pesquiso, eu fico curiosa.

Marly: A gente chegava na escola, saída do grupo Moraes Barros ou do grupo Barão, entrava naquele
edifício gigante, a gente se sentia uma formiguinha, tudo era grande. Hoje geralmente os ex-alunos
dizem assim: nossa é tão pequeno, eu achava tão colossal. E outra coisa: jamais se subia pela escadaria
da frente, aquilo era um privilégio dos professores.

Isis: Os alunos entravam por trás? E como que a senhora via a questão da agremiação dos estudantes?
Como é que era o Grêmio? Eu sei que a senhora não participava.

Marly: Não participava. Olha, eu não lembro, não lembro. Mas uma coisa que eu, eu não sei se as
atividades eram mais esportivas. Não eram tanto culturais, não eram. Mas eu me lembro de outras
coisas, quando eu cheguei na primeira série, menina, 11 anos, eu fiquei pasma quando me levaram
com as classes para o Salão Nobre, que me pareceu a sala do Versalhes, para assistir uma conferência.

Isis: Olha como é que era, né, diferente.

Marly: Porque meu pai me levava né, às vezes, em palestras e conferências no teatro municipal, então
eu já tinha ouvido falas longas, mas quando eu me senti integrante de uma plateia exclusiva, porque
era só pra aluno. Aquele grupo de alunos né, e eu me senti assim a rainha da cocada preta, é. Eu me
senti tão prestigiada como pessoa. A minha identidade parece que se expandiu. Imagina eu nesse meio,
ouvindo essas palavras, essas pessoas, assistindo esses conteúdos de gente grande, né. E aquilo foi um
impacto. E depois assisti mais umas duas ou três, até que me acostumasse, então, outra coisa: os
alunos do Sud Mennucci eram acostumados a se sentar e ouvir palestras.

Isis: Porque tinha sempre?

Marly: Não tinha sempre, mais tinha.

Isis: Aquele salão nobre era usado?

Marly: Era. Era nobre mesmo.

Isis: É porque hoje...

Marly: Hoje se você puser uma sala no salão nobre arrebentam o salão nobre.

Isis: Eu dei aula um tempo lá. Eu levava pra ver filme, assistir filme, às vezes, algum assunto que
necessitava: tudo abandonado, né. Ali em cima, tem um outro salão na parte de cima.

Marly: É o salão nobre. Aquilo é o salão nobre lá em cima. O salão de baixo era a sala de música.

Isis: Ah, era a sala de música, verdade.

Marly: O salão nobre é onde tem aqueles painéis, onde se conta a história da luta pela liberdade no
século XIX do povo brasileiro. De acordo com o que eu escrevi nos textos, que custei a descobrir os
enigmas. O enigma mais sério é o primeiro do padre Feijó, por que o Padre Feijó?
193

Isis: Por que o padre Feijó?

Marly: Então, porque ele foi exilado de Itu para Piracicaba, teve que ser escondido dos asseclas do
imperador, ele estava sendo caçado de morte e aqui no exílio ele escreveu a carta de liberdade e
mandou pro imperador. Ele era o homem que falava na lata, falava duro. Então era caçado de morte.

Isis: Então ali ‘tava contando um pouco da história da República?

Marly: Ali começou a contar com Feijó em Piracicaba no exílio escrevendo a carta da liberdade e ele
tem nas mãos o que, o Ato Adicional, que era a descentralização da monarquia, era a federalização do
Brasil, a liberdade. E custei a decifrar aquele enigma, menina, custei em descobrir do exílio dele em
Monte Alegre e tudo mais.

Isis: Interessante essa história sendo contada pelos painéis.

Marly: Eu vivi, eu vivi aquela escola.

Isis: E essa iniciativa de vocês da associação foi, né, maravilhosa.

Marly: Eu ia naquela escola, eu amava aquelas paredes. Nas férias quando a gente ia para ver as notas,
que a gente podia entrar pela escola sem ser em bando da classe, eu afagava as paredes (tom baixo), de
tanto que eu admirava e estimava porque era a casa do saber. O respeito, a admiração, era quase uma
paixão, era o templo do saber. Tanto que o saguão da entrada era aquele quadrado escuro, né. Aquilo é
pra produzir o impacto: se você vem pela rua XV, Piracicaba ensolarada, no Vale Médio do Tietê é um
sol intenso, sobe as escadas, aquela luz do mármore, né. Que você chega, avista, aí mais que escuro,
né: daí começa a pupila dilatar, você começa a ver os símbolos. Até parece uma cripta, os símbolos da
ciência à esquerda, das ciências humanas e das artes à direita (pausa). Símbolos italianos, dos liceus da
Itália. Símbolos trazidos da Renascença, do Iluminismo. Tudo ali, tudo ali. E a pilha de volta, que era
o símbolo mais avançado da ciência, a descoberta da pilha e eletricidade, veja que tem a pilha de volta,
a escola em dia com a ciência. Do lado de lá, artes e ciências humanas. Aquilo produzia aquele
impacto que você entrava, você deixava a ignorância lá fora e entrava no Templo do Saber. Cada sala
tinha uma pintura que só repetia em cima, uma em cima e uma embaixo, pintura marmórea, as
alegorias, os símbolos, o barroco com as louças, os afrescos, arabescos e tudo mais, feito por um
artista italiano.

Isis: Que é o que a senhora conta lá também.

Marly: Exatamente. Resolveu ficar em Piracicaba, né. Um artista que pintou igrejas e escolas na Itália.
Então como trocaram as plantas, aqui Piracicaba era pra ser construída a planta que está em
Pirassununga, que é o protótipo de uma universidade europeia, maravilhosa, lá não é pintura
marmórea, lá é mármore. Por questões políticas os coronéis trocaram as plantas e Piracicaba ficou com
a planta inferior. Então fizeram a recompensa: então vai um artista italiano para decorar, e ficou esse
tesouro. Lá só tem os frisos e os mármores. Nós temos a pintura marmórea, as alegorias e os painéis.
O nosso é um relicário. Então quando foi feita a reforma, o restauro eu estava na biblioteca, quer dizer,
o meu tempo invés de ser de ócio eu dediquei a isso. Eu era bem paga como professora, não ia ficar no
ócio, mas a minha utilidade foi nessa parte. Eu emprestei o meu conhecimento, o meu treino, a minha
vontade, né. Então eu pegava classe por classe, desde o 1º aninho até o último. Então explicava a
história da escola inteira, passeávamos na escola toda, terminávamos lá em cima no Salão Nobre e
depois eu dava uma luva de flanela pra cada um, por que: você quer pegar, bem? Com a mãozinha não
pode porque a mão tem ácidos que estragam... todos, não houve marmanjo e não houve criancinha
que... pode pegar, gostou? Então agora você sabe que com a mão não pode. E enquanto eu estive lá era
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um respeito! E depois veio uma outra diretora que manteve a linha, a escola era uma limpeza, depois
eu soube que decaiu. Por isso que eu não gosto de ir na festa dos ex-alunos pra não ver e não sofrer.
Me disseram, ah, você precisa voltar, precisa fazer outro restauro. Eu falei: não, minha parte eu já fiz.

Isis: Fez muito ainda, não é dona Marly?

Marly: Mas os ex-alunos ajudaram muito também. Puseram a cara a tapa, viu? Puseram sim.

Isis: Muito bom, que história maravilhosa.

Marly: Mas o pranto era assim: debulhava, quando viam aparecendo as primeiras imagens.

Isis: Agora eu quero saber se eu posso ir lá. Eu posso ir nessa reunião?

Marly: É livre, é a casa do saber.

Isis: Então eu vou.

Marly: Você vai como ex-professora. O colega que ajudou a fazer o estatuto foi muito sábio. É
associação dos ex-alunos, ex-professores e amigos da escola Sud Mennucci. Quer dizer: entrada
franca.

Isis: Que dia que vai ser, dona Marly?

Marly: Primeiro sábado de dezembro, é. Lá pelas 9h30 começa a chegar gente.

Isis: Aí tem uma cerimônia?

Marly: Tem, antigamente era uma avalanche. Agora eu não sei como está, mas tinha a orquestra dos
ex-alunos e uma missa. No último que eu fui já era um padre que fez cinco minutos de palavra e foi
embora (pausa), deteriorando, perdendo aquele conteúdo do conservadorismo aristocrático, mais que
artístico, é cultural, é a tradição no bom sentido, perdendo, pela promiscuidade cultural do país, ‘tá
tudo se diluindo né, e talvez uma sessão de hip hop tenha mais frequência hoje dos ex-alunos. Vão
achar que é muito careta a orquestra.

Isis: Talvez seja a hora da senhora voltar.

Marly: Não, meu anjo, eu vou fazer em novembro 78 anos. Agora meus interesses são outros. Aquela
fase passou, passou no meio de agruras, minha filha faleceu. Meu marido ficou doente. Eu também
tive problemas de saúde, dificuldades de todo tipo, época da inflação galopante, ditadura, por isso que
nos intimidavam: não encostem a mão na parede, não pode. Quando caiu a ditadura, deslanchou. Foi,
foi e a barreira, teve que ir lá depois bater palma, bater palma, é. Eu tenho ojeriza por certas pessoas
que são até muito bem conceituadas na cidade mas que eram muito interessados financeiramente. Tive
um bate-boca sério com o engenheiro e com o mestre..., com o dono duma construtora.

Isis: Por conta disso, né?

Marly: É. Por trás políticos da cidade e tudo mais.

Isis: Complicado, né.

Marly: Não perdoo.

Isis: Dona Marly, é o seguinte: eu agradeço muito pela sua ajuda, pela história que você me contou.
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Marly: Imagine filha, foi tão simples.

Isis: Eu fiquei muito contente de encontrar as pessoas que estudavam na época e encontrar essa
história toda também porque são poucos os trabalhos.

Marly: Agora essa fase dessa chapa aí, eu acho que é a fase de ouro da escola. Porque depois
começou...

Isis: Sim. Então, eu vou juntar todas essas entrevistas e vou transcrevê-las.

Marly: É, você está fazendo história oral, né?

Isis: Isso, exatamente. Vou transcrevê-las e depois disso vai virar um texto, o que couber no meu
trabalho agora... (telefone tocou), pode, por favor.

Marly: Você quer tomar um chazinho?

Isis: Ai dona Marly, eu preciso ir, querida.

Marly: Você vai fazer uma síntese. Agora chegamos numa questão, e a ideologia por detrás de todo
esse ensino, chegou a abordar essa questão?

Isis: Que ideologia?

Marly: Tem a didática da escola nova e quem fala muito bem sobre isso é o professor Jorge Nagle, um
grande amigo que tem um livro sobre educação.

Isis: A questão da escola nova, ela tá entrando na minha pesquisa como prescrição, porque o que
aconteceu na época, existiam livros que foram editados pela biblioteca pedagógica brasileira e um
deles é o Jornais Escolares, de Guerino Casasanta, que era um mineiro, que fez um inquérito sobre os
jornais produzidos.

Marly: O seu tema são os jornais?

Isis: Agora são os jornais. Um posterior projeto de doutorado que a gente tá pensando é dar
continuidade a essa história da memória.

Marly: Mas você não pode ignorar que essas ideias que você vai captar são frutos de uma era getulista,
de uma sociedade extremamente conservadora que foi burgo de coronéis, e de uma República que era
positivista. E também havia o darwinismo social do Spengler, não é? Então tudo isso num contexto pra
explicar por que os professores eram daquele jeito.

Isis: Sim, sim.

Marly: A pedagogia positivista. Essas críticas veladas, atmosfera coatora. Fundo positivista. A gazeta
era positivista e darwinista, o darwinismo social, né. Agora, o jornal de Piracicaba era mais liberal.
Mas um liberal à antiga. Então um liberal-positivismo com uma pitada de, vamo dizer de (risos) de
ambição social aí na inovação dos Mendonça, porque eles eram pequena classe média, aspirações
contidas, né, daí uma imprensa para veicular ideias, né, furar a barreira...

Isis: Do conservadorismo?
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Marly: Asfixiante: pensem como eu quero que pensem, hajam como quero que hajam, disciplina
máxima, suba a escada na ponta do pé, estuda, estuda, estuda aquilo que ensinamos.

Isis: Sim, entendi.

Marly: Se deram boa coisa é porque tinham boa cabeça e fizeram bem as tarefas escolares. E depois
aprenderam a pensar sozinhos. Era diferente: agora, a escola de hoje deixa pensar mas não ensina
nada.

Isis: Aí também não adianta. Então a questão é a seguinte: na minha qualificação, o que me foi dito é
que é muita coisa para um texto de mestrado, essa história. Então principalmente com a senhora o que
talvez me sirva é para um posterior projeto de doutorado.

Marly: Daí você vai precisar ler o meu livro sobre a Esalq, a introdução.

Isis: Então o que ia dizer pra senhora: é um compromisso ético que a gente tem. Tudo o que foi dito
aqui vai virar uma transcrição e nem tudo talvez entre na dissertação.

Marly: Sobra muito material.

Isis: Exatamente. Que entre em anexo e sirva para um posterior projeto de doutorado. Então quando
tudo tiver pronto, eu tenho que trazer pra senhora, pra senhora ler, pra ver se a senhora concorda ou
não que eu escrevi, do que a senhora disse, né, e aceite ou não. Né, então eu vou dar um retorno de
tudo isso pra senhora.

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