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LEFEBRVE – A Revolução Urbana

PONTO CEGO

P. 45 – “O espaço tempo urbano...” – Nessa passagem o autor cita a questão do espaço-tempo


urbano em torno de um “centro de centralidades diversas e específicas”

P.46 – O urbano se define como lugar onde as pessoas tropeçam umas nas outras, encontram-
se diante de um amontoado de objetos (...). Na sua definição, esse espaço comporta um vetor
nulo (virtualmente): a anulação das distâncias obceca os ocupantes do espaço urbano.

P. 47 – Assim se realiza a superação do fechado e do aberto, do imediato e do mediato, da


ordem próxima e da ordem distante, numa realidade diferencial na qual esses termos não
mais separam, mas se transformam em diferenças imanentes.

P.47 – Esse espaço urbano é contradição concreta. O estudo de sua lógica e de suas
propriedades formais conduz a análise dialética de suas contradições. O centro urbano é
preenchido até a saturação: ele apodrece ou explode.

P. 47 – De sorte que todo espaço urbano foi, é, e será concentrado e poli(multi)cêntrico.

P. 48 – Apesar dos esforços da homogeneização pela técnica, apesar da constituição de


isotopias* arbitrárias, ou seja, de segregações e separações, nenhum ligar urbano é idêntico a
outro..

O FENÔMENO URBANO

P. 52 – A realidade urbana não se vincula só ao consumo, ao “terciário”, as redes de


distribuição. Ela intervém na produção e nas redes de produção.

P. 53 – O fenômeno urbano se apresenta, desse modo como realidade global (ou, se se quer
assim falar: total) implicando o conjunto da prática social.
P. 54 – Metodologicamente é mesmo recomendado abordar o fenômeno urbano pelas
propriedades formais do espaço antes de estudar as contradições do espaço e os seus
conteúdos, ou seja, de empregar o método dialético.

P. 55 – (...) na cidade e no fenômeno urbano não existe um (único) sistema de signos e


significações; mas vários em diversos níveis: o das modalidades da vida cotidiana (objetos e
produtos signos e significações do habitar e do “habitat”); o da sociedade urbana no seu
conjunto (semiologia do poder, da potência, da cultura considerada globalmente ou na sua
fragmentação); o do espaço-tempo urbano particularizado (semiologia das características
próprias à determinada cidade, à sua paisagem e à sua fisionomia, a seus habitantes).

P. 57 – O fenômeno urbano, tomado em sua amplitude não pertence a nenhuma ciência


especializada.

P. 61 – Atualmente a realidade urbana aparece mais como um caos e uma desordem – que
contém uma ordem a descobrir – do que como objeto.

P. 61 – Mais que a de um objeto dada à reflexão, a realidade do fenômeno urbano seria a de


um objeto virtual. (...) A sociedade urbana, com sua ordem e desordem específicas, se forma.
Tal realidade envolve um conjunto de problemas: a problemática urbana.

P. 63 -No domínio teórico (científico e ideológico), a divisão do trabalho tem as mesmas


funções e níveis que na sociedade. Uma diferença se impõe entre a divisão técnica do trabalho
(racionalmente legitimada pelos instrumentos e ferramentas, pela organização da atividade
produtiva da empresa) e a divisão social, que faz surgir, dessa organização, funções desiguais,
privilégios, hierarquias. Não sem conexões com a estrutura de classes, as relações de
produção e de propriedade, as instituições e as ideologias. A divisão técnica tem seu modelo
na empresa. Já a divisão social não pode existir sem um intermediário tornando essencial: o
mercado, o valor de troca (a mercadoria).

P. 65 – A ciência torna-se (como a realidade urbana) meio de produção. O que a politiza.


P. 69 – A sociedade urbana proporciona o fim e o sentido a industrialização porque
simplesmente nasce dela, a engloba e a encaminha em direção a outra coisa.

P. 70 – O ser humano tem “necessidade” de cumular e de esquecer, tem necessidade


simultânea ou sucessivamente de segurança e de aventura, de sociabilidade e de solidão, de
satisfações e de insatisfações, de desequilíbrio e de equilíbrio, de descoberta e de criação, de
trabalho e de jogo, de palavra e de silêncio. A casa, a morada, a residência e o apartamento, a
vizinhança, o bairro, a cidade, a aglomeração, satisfizeram, ainda satisfazem, ou não
satisfazem mais a alguns desses apelos. As teses do “meio” familiar, do “meio” de trabalho,
do “quadro funcional” ou do “quadro espacial” oferecidas a essas necessidades são,
simplesmente, monstruosidades dogmáticas, que ameaçam fabricar monstros a partir das
larvas humanas que lhes são confiadas.

P. 74 – A relação entre o tempo e o espaço, conferindo absoluta prioridade ao espaço, revela-


se relação social inerente a uma sociedade na qual predomina uma certa forma de
racionalidade governando a duração. O que reduz e mesmo, no limite, destrói a
temporalidade. Assim, a ideologia e a ciência se confundem.

P. 76 – A prática social é analisada enquanto prática industrial e prática urbana. O primeiro


objetivo da estratégia seria o de arrancar a prática social à prática industrial para orientá-la em
direção à prática urbana, de modo que este transponha os obstáculos que barram seu caminho.

NÍVEIS E DIMENSÕES

P. 77 – Diacronicamente, no eixo espaço-temporal indicamos fortemente (sem ir até o corte


absoluto) os níveis alcançados pela formação econômica e social, ou, como frequentemente se
diz (...), pela “sociedade”. Em resumo o rural, o industrial e o urbano, sucedem-se. (...) Nesse
quadro, distinguiremos um nível global, que assinalaremos como G; um nível misto, que
indicaremos por M; e um nível privado (P), o do habitar.

P.77 – No nível global se exerce o poder, o Estado, como vontade e representação.

P. 78 – Esse nível global, ao mesmo tempo social (política) e mental (lógica e estratégia)
projeta-se numa parte do domínio edificado: edifícios, monumentos, projetos urbanísticos de
grande envergadura, cidade novas. Projeta-se também no domínio não edificado: estradas e
autoestradas, organização geral do trânsito e dos transportes, do tecido urbano e dos espaços
neutros, preservação da “natureza”, sítios, etc.

P. 79 – O nível M (misto, mediador ou intermediário) é o nível especificamente urbano. É o


nível da “cidade”, na acepção corrente do termo.
P. 79 – (...) de um lado o que depende do nível global, do Estado e da sociedade, a saber, os
edifícios, tais como ministérios, prédios públicos, catedrais, e, de outro lado, o que depende
do nível P, os imóveis privados.

P. 80 – O que persiste sob o olhar de reflexão conserva uma forma relacionada com o sítio (o
meio imediato) e com a situação (o meio distante, condições globais). Esse conjunto
especificamente urbano apresenta a unidade característica do “real” social, o agrupamento:
formas-funções-estruturas.

P. 80 – Chegamos ao nível P. (...) Aqui, só o domínio edificado pode ser considerado: os


imóveis (habitações: grandes prédios de apartamentos, casas, acampamentos e favelas.

P. 80 – Colocaremos fortemente em oposição o habitar e o habitat. Esse último designa um


conceito, ou melhor, um pseudoconceito caricatural.

P. 81 – Para reencontrar o habitar e seu sentido, para exprimi-los é preciso utilizar conceitos e
categorias capazes de ir aquém do vivido do habitante, em direção ao não-conhecido e ao
desconhecido da cotidianidade. (...) O ser humano não pode deixar de edificar e morar, ou
seja, ter uma morada onde vive sem algo a mais (ou a menos) que ele próprio: sua relação
com o possível como com o imaginário.

P. 85 – As lógicas sociais situam-se em diferentes níveis, entre elas persistem ou se


aprofundam fissuras. Pelas fissuras passa o desejo. Em o que, a “matéria humana”, informe,
logo seria sujeitada a uma forma absoluta, garantida e controlada pelo Estado solidamente
apoiado na massa de “sujeitos” e dos “objetos”. Sem o que, a cotidianidade uniformizar-se-ia
inapelavelmente. Até a subversão tornar-se-ia impensável.

P. 85 – As dimensões do fenômeno urbano. Esse termo não designa a magnitude, mas as


“propriedades” essenciais do fenômeno, a saber:
1. A projeção das relações sociais no solo
2. O fenômeno e o espaço urbanos não são apenas projeção das relações sociais, mas lugar e
terreno os as estratégias se confrontam. Eles não são, de maneira alguma, fins e objetivos,
mas meios e instrumentos de ação. Aí incluído o que concerne especificamente ao nível M, a
saber, as instituições, organismos e “agentes” urbanos (notáveis, dirigentes e locais).
3. Prática urbana

P.85 – Distinções e diferenças concernentes às propriedades topológicas do espaço urbano.


-o privado e o público
-o alto e o baixo
-o simétrico e o não-simétrico
-o dominado e o residual etc.

P. 86 – Reencontra-se aqui uma análise por dimensões, bem conhecida: a dimensão


simbólica, que em geral refere-se aos monumentos e, por conseguinte, às ideologias e
instituições presentes ou passadas.

P. 86 – O essencial, o fundamento, o sentido, provém do habitar.

P. 86 – Para os homens de Estado, o nível do Estado é, evidentemente, decisivo. (...) Essas


pessoas têm uma forte tendência, isto é, uma tendência apoiada na força, a conceber os
demais níveis e dimensões do fenômeno em relação ao seu saber (representações) e ao seu
poder (vontade). É nesse nível que a prática industrial da empresa torna-se ideologia
(representação) e vontade (redutora).

P. 87 – o segundo nível (M) pode parecer essencial (...) porém, ele é simplesmente o
intermediário (misto) entre a sociedade, o Estado, os poderes e saberes à escala global, as
instituições e as ideologias, de um lado, e, de outro, o habitar. Se o global quer reger o local,
se a generalidade pretende absorver as particularidades, o nível médio (misto: M), terreno de
defesa e ataque, de luta, pode servir. Porém, ele permanece meio.

P. 88 – Quanto ao arquiteto, ele condensa (no sentido do termo criado pelos arquitetos
soviéticos entre 1920 e 1925, o “condensador social”) as relações sociais existentes. Queira ou
não, ele constrói de acordo com as imposições dos rendimentos (salários e outras
remunerações), das normas e valores, isto é, segundo critérios de classe que conduzem à
segregação, mesmo quando há vontade de integração e de convívio.

P. 88 – Mesmo se o nível M só se define como mediador (misto) e não como essencial e


central, ele é, a esse título, terreno e motivo de luta.

P. 89 – A grande cidade não é apenas vícios, poluições, doença (mental, moral, social). A
alienação urbana envolve e perpetua todas as alienações. Nela, por ela, a segregação
generaliza-se: por classe, bairro, profissão, idade, etnia, sexo. Multidão e solidão. Nela o
espaço torna-se raro: bem valioso, luxo e privilégio mantidos e conservados por uma prática
(o “centro”) e estratégias.
P. 89-90 – (...) a cidade se enriquece. Atrai para si todas as riquezas, monopoliza a cultura,
como concentra poder. Devido à sua riqueza, explode. Quanto mais concentra os meios de
vida, mais torna-se insuportável nela viver. (...) Se há conexão entre as relações sociais e o
espaço, entre os lugares e os grupos humanos, seria preciso, para estabelecer uma coesão,
modificar radicalmente as estruturas do espaço. (...) Com efeito, os conceitos que parecem
designar os lugares e as qualidades do espaço só designam de fato, relações sociais alojadas
num espaço indiferente: vizinhança, circunvizinhança, etc.

P. 91 – O ataque pelo alto, se se pode dizer, comporta um projeto global, submetendo o


território nacional a um “planejamento” comandado pela industrialização. (...) Desse ponto de
vista, é inadmissível que “mananciais de mão-de-obra” permaneçam inexplorados por estarem
arraigados ao solo, imobilizados sob camadas de historicidade, sob pretexto de enraizamento,
etc.
P. 92 – O gosto pelo efêmero e pelo nomadismo, a necessidade incessante de partir,
suplantariam o velho enraizamento à moradia, a tradicional afeição ao lugar de nascimento. O
que o ser humano demanda? Um abrigo. Não importa onde.

P. 92 – Conta o desaparecimento da cidade protestam os espíritos tradicionais, os


campanilismos e regionalismos mais ou menos folclóricos. O protesto oriundo das
particularidades, em geral, de origem camponesa, não pode ser confundido nem com a
contestação que visa instâncias repressivas, nem com a consciência e a constatação das
diferenças.

P. 93 – Não é menos verdadeiro que o urbano se define como lugar onde as diferenças são
conhecidas e, ao serem reconhecidas, postas à prova, Portanto, confirmando-se ou anulando-
se. Os ataques contra o urbano consideram, fria ou alegremente, o desaparecimento das
diferenças, não raro identificadas e confundidas com as particularidades folclóricas.

P. 93 – Não existe cidade, nem realidade urbana sem um centro. Mais que isso; o espaço
urbano se define, já dissemos, pelo vetor nulo: é um espaço onde cada ponto, virtualmente,
pode atrair para si tudo o que povoa as imediações: coisas, obras, pessoas.

P. 93 – O centro só pode, pois, dispersar-se em centralidades parciais e móveis


(policentralidades), cujas relações concretas determinam-se conjunturalmente.

P. 93 - Não existem lugares lazer, de festa, de saber, de transmissão oral ou escrita, de


invenção, de criação, sem centralidade. Mas na medida em que algumas relações de produção
de propriedade não sejam transformadas, a centralidade sucumbirá ao golpe dos que utilizam
tais relações em seu proveito, ela será, no melhor dos casos, “elitista”, no pior deles militar e
policial.

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