Você está na página 1de 3

Hydro, Vale, Samarco e Bamin: empresas fazem

crescer os conflitos pela água no Norte e Nordeste


brasildefato.com.br/2022/04/18/hydro-vale-samarco-e-bamin-empresas-fazem-crescer-os-conflitos-pela-agua-no-
norte-e-nordeste

Gabriela Moncau

Angela Vieira é, como ela mesma diz, “nascida e criada” em Barcarena, cidade do
nordeste paraense. Aos 63 anos, ela se recorda das transformações que fizeram da
cidade um polo industrial a partir dos anos 1970. Quando criança, vivia onde hoje está
instalada a mineradora multinacional norueguesa Norsk Hydro.  

Quando a Albrás (maior produtora de alumínio primário do Brasil) e a refinaria Alunorte


se instalaram na região, em 1985 e 1995, respectivamente, elas pertenciam à Vale. A
Hydro adquiriu as empresas em 2011. “Quando fomos tirados de lá, 584 famílias, foi a
Vale que indenizou – indenizou não”, se corrige rapidamente: “enganou o povo com uma
mixaria e deu um terreno de 10m x 60m para cada família”, conta Vieira.  

A luta das comunidades ribeirinhas, indígenas e quilombolas de Barcarena por terra e


água limpas ganhou repercussão internacional quando, em 2018, o transbordamento da
bacia de rejeitos DRS2 da Hydro as inundou com águas lamacentas e tóxicas de
bauxita. 

Até hoje algumas das famílias impactadas só têm acesso a água não contaminada para
beber e usar por conta de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre o
Ministério Público Federal (MPF) e a Hydro. O acordo obriga a empresa a fornecer
caminhões pipa e água mineral.  

1/3
“Isso depois que a gente fechou ruas, fez atos na porta da empresa”, lembra Vieira. “Mas
nunca interditaram a praia, nada”. Moradora do bairro Vila Nova, ela só recebeu água
potável por cinco meses. “Seguimos sofrendo na comunidade: nossas terras, nossa
bacia, tudo impactado”, lamenta. 

:: Moradores acusam mineradora Hydro de ameaçá-los com despejo em Barcarena


(PA) ::

É por isso que Barcarena consta como um dos locais emblemáticos das disputas por
água que aumentaram nas regiões Norte e Nordeste do país, de acordo com a
publicação anual da Comissão Pastoral da Terra (CPT) sobre Conflitos no Campo
lançada nesta segunda-feira (18).  

Lutas por água no Brasil 

De acordo com a CPT, entre 2020 e 2021 os conflitos em torno dos recursos hídricos no
Norte subiram em 18% e o número de famílias envolvidas neles escalou 54%. No
Nordeste, os casos aumentaram 41%. 

O crescimento nas duas regiões está em descompasso com uma leve queda no
compilado das disputas em torno da água em escala nacional. Em 2020 foram
registrados 350 conflitos do tipo no país. No ano passado foram 304. 

Destes episódios, 30% foram provocados por mineradoras internacionais; 19% por


setores empresariais nacionais; 14% por fazendeiros; 10% por instalações
hidrelétricas; 9% por entes governamentais; e 8% pela atuação de garimpeiros.  

“Ao passo em que setores empresariais somados concorrem na responsabilidade direta


de mais de 80% dos casos envolvendo conflitos por água, não é desprezível a
participação direta ou indireta do Estado, o qual deveria garantir que a água fosse
respeitada em seu imperativo legal de bem público e direito humano”, discorre texto
analítico da publicação da CPT assinado por Maiana Teixeira e Talita Montezuma. 

Mineração e garimpo no Norte e Nordeste 

O Maranhão foi o estado que registrou, segundo o levantamento da CPT, o maior


aumento de contendas pela água: entre 2020 e 2021 elas subiram 830%. Na Bahia, o
crescimento foi de 208%. 

No estado baiano, as atividades mineradoras na Bacia do Rio São Francisco foram


responsáveis pelo alto índice. A empresa à frente da apropriação dos recursos hídricos
na região é a Bahia Mineração (Bamin), com o Projeto Pedra de Ferro nos municípios de
Caetité e Pindaí.  

“Alguns estados tinham número pequeno de conflitos e em 2021 aparecem com


relevância”, destaca Isolete Wichinieski, da coordenação nacional da CPT. “Como
Roraima que em 2020 não aparecia e surge agora principalmente por conta da questão
do garimpo nas terras indígenas Yanomami”.  

2/3
:: Garimpo ilegal traz fome, doença e exploração sexual para território Yanomami,
diz estudo ::

O Pará é o segundo estado do Brasil com mais confrontos em torno dos recursos
hídricos e registrou um aumento de 52%. Em Barcarena e Abaetuba, Angela Vieira é
uma das 120 mil pessoas de 112 comunidades ribeirinhas atingidas pelas ações da
mineradora Hydro. 

Segundo o relatório da CPT, entre as comunidades tradicionais que compõem a


população mais afetada pelas disputas em torno da água estão, nessa ordem, os povos
ribeirinhos, índigenas e quilombolas. 

Mercadoria x bem comum 

Caracterizados pela advogada da CPT, Andréia Silvério, como “crimes ambientais de


uma dimensão imensurável”, os rompimentos das barragens da Vale em Mariana (MG)
em 2015 e Brumadinho (MG) em 2019 “marcaram os conflitos pela água no Brasil”. 

Segundo ela, os levantamentos feitos pela entidade nos anos subsequentes levavam a
CPT a Minas Gerais, “justamente pela situação das comunidades que eram dependentes
das atividades nos rios que foram impactados”. 

A partir de 2021, explica Silvério, grande parte dos conflitos por água foram identificados
na região Norte. “Isso tem relação com a atividade garimpeira, mas não só. A mineração
autorizada e legalizada pelo Estado faz um uso quantitativo de água assustador. E a
gente sabe que a mineração é colocada como uma bandeira que sustenta a economia
brasileira”, critica.  

“Mineradoras como Vale, Samarco, Hydro têm imensa responsabilidade na apropriação


de locais nos quais comunidades têm acesso à água”, afirma. 

:: Organizações discutem problemas e soluções para o acesso à água em fórum


alternativo ::

Resistências a esse processo foram também mapeadas na publicação da CPT. Em


2021, a entidade registrou 53 manifestações públicas populares de denúncias e
reivindicações relativas a mineradoras. Cerca de metade delas aconteceu em Minas
Gerais.  

“É uma grande disputa entre a água mercadoria e a água como bem comum”, resume
Isolete Wichinieski. “Há a exploração, a captura, a mercantilização e a contaminação das
águas. E há também aqueles que se colocam na luta a partir dos seus saberes e
vivências. São os guardiões da água”.

3/3

Você também pode gostar