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Gabriela Moncau
Angela Vieira é, como ela mesma diz, “nascida e criada” em Barcarena, cidade do
nordeste paraense. Aos 63 anos, ela se recorda das transformações que fizeram da
cidade um polo industrial a partir dos anos 1970. Quando criança, vivia onde hoje está
instalada a mineradora multinacional norueguesa Norsk Hydro.
Até hoje algumas das famílias impactadas só têm acesso a água não contaminada para
beber e usar por conta de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre o
Ministério Público Federal (MPF) e a Hydro. O acordo obriga a empresa a fornecer
caminhões pipa e água mineral.
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“Isso depois que a gente fechou ruas, fez atos na porta da empresa”, lembra Vieira. “Mas
nunca interditaram a praia, nada”. Moradora do bairro Vila Nova, ela só recebeu água
potável por cinco meses. “Seguimos sofrendo na comunidade: nossas terras, nossa
bacia, tudo impactado”, lamenta.
É por isso que Barcarena consta como um dos locais emblemáticos das disputas por
água que aumentaram nas regiões Norte e Nordeste do país, de acordo com a
publicação anual da Comissão Pastoral da Terra (CPT) sobre Conflitos no Campo
lançada nesta segunda-feira (18).
De acordo com a CPT, entre 2020 e 2021 os conflitos em torno dos recursos hídricos no
Norte subiram em 18% e o número de famílias envolvidas neles escalou 54%. No
Nordeste, os casos aumentaram 41%.
O crescimento nas duas regiões está em descompasso com uma leve queda no
compilado das disputas em torno da água em escala nacional. Em 2020 foram
registrados 350 conflitos do tipo no país. No ano passado foram 304.
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:: Garimpo ilegal traz fome, doença e exploração sexual para território Yanomami,
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O Pará é o segundo estado do Brasil com mais confrontos em torno dos recursos
hídricos e registrou um aumento de 52%. Em Barcarena e Abaetuba, Angela Vieira é
uma das 120 mil pessoas de 112 comunidades ribeirinhas atingidas pelas ações da
mineradora Hydro.
Segundo ela, os levantamentos feitos pela entidade nos anos subsequentes levavam a
CPT a Minas Gerais, “justamente pela situação das comunidades que eram dependentes
das atividades nos rios que foram impactados”.
A partir de 2021, explica Silvério, grande parte dos conflitos por água foram identificados
na região Norte. “Isso tem relação com a atividade garimpeira, mas não só. A mineração
autorizada e legalizada pelo Estado faz um uso quantitativo de água assustador. E a
gente sabe que a mineração é colocada como uma bandeira que sustenta a economia
brasileira”, critica.
“É uma grande disputa entre a água mercadoria e a água como bem comum”, resume
Isolete Wichinieski. “Há a exploração, a captura, a mercantilização e a contaminação das
águas. E há também aqueles que se colocam na luta a partir dos seus saberes e
vivências. São os guardiões da água”.
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