Você está na página 1de 10

Invasão da área de dunas pela população carente do município de

Cidreira/RS, para construção de moradias e o Poder Público – os dois


lados da moeda

Maria Eduarda da Silva Lisboa Barros1


Cledimar Bispo dos Santos2

1.INTRODUÇÃO

A partir de 1958, com a conclusão da estrada que liga Porto Alegre ao litoral,
tem início, de fato, a urbanização de Cidreira. Fez parte de Santo Antônio da Patrulha,
Osório e Tramandaí, da qual se emancipou em 1989 (CASTRO E MELLO, 2016).
Dentre os motivos para o município pleitear sua emancipação, Oliveira (2020, p.42)
menciona “o descontentamento com a forma que o distrito de Cidreira era administrado
pelo município de Tramandaí”, com parcos recursos na baixa temporada, inclusive para
serviços essenciais.

Desde então a população do município tem aumentado cada vez mais. Segundo a
Fepam, em seu relatório - Matriz Econômica do Litoral Norte (2002), no ano de 1999,
Cidreira contava com 8.220 habitantes. Atualmente, de acordo com o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)-2020, tem sua população estimada em
16.897 habitantes. Durante a alta temporada a população passa de 100.000 pessoas.

Apesar de a cidade apresentar um Plano Diretor (Lei 1.948/2012), Cidreira


cresce desordenadamente e apresenta um grande número de invasões, de acordo com o
Diretor da Secretaria Municipal de Meio Ambiente – Rarimar Rigotti.

Para Kuck, Portz e Grüber (2015, p. 1029), esse crescimento desordenado, “vem
trazendo prejuízos à população e ao ambiente, como poluição e contaminação,
degradação do sistema de dunas e de toda fauna e flora nele inserido”. Cidreira,
juntamente com Balneário Pinhal e Tramandaí, possuem as dunas mais extensas e
intactas da América Latina (GONÇALVES, 2005).

Dextro (2016) conceitua dunas como morros formados por areia e que se
caracterizam por possuir um lado maior que sofre erosão, chamado de barlavento e um
lado menor onde ocorre a deposição do material erodido, chamado de sotavento. Essa
1
Centro Universitário Leonardo Da Vinci – UNIASSELVI. GAM (0786GAM) – 05/11/2021.
2
Centro Universitário Leonardo Da Vinci – UNIASSELVI – Prof. Tutor Externo
ação - erosão e deposição é o que resulta no movimento das dunas. Cidreira, no litoral
norte do RS, apresenta uma área total de 31,409km² de dunas em suas diversas feições –
frontais, campos arenosos secos e campos arenosos úmidos. (GONÇALVES,2005).

Embora não haja uma legislação que considere as dunas, área de preservação
permanente (APP), uma vez que, a Lei Federal 12.651/2012 faz referência às matas de
restinga como APPs, garantindo proteção indireta às dunas fixas, e nenhuma às dunas
móveis, Cidreira apresenta a Lei 2570/2018 que, passa a considerar as dunas e o
conjunto ecológico que formam patrimônio ambiental, cultural e paisagístico do
município e área de preservação permanente.

Conforme definição da Lei Federal 12.651/2012,

Área de Preservação Permanente é uma área protegida, coberta ou não por


vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a
paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico
de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem estar das populações
humanas (BRASIL, 2012)

1.1 FORMULAÇÃO DO PROBLEMA E JUSTIFICATIVA DA PESQUISA

Quais os motivos que levam estas pessoas a erguerem suas moradias em uma área de
preservação e quais as ações apresentadas pelo Poder Público Municipal para impedir tais
invasões?

O Litoral Norte do RS tem sua economia associada, principalmente, ao período de


veraneio, o que confere à região características de grande variação sazonal da população e
intensa urbanização. De acordo com o Relatório final da Sistematização dos conhecimentos
existentes sobre as dunas móveis do Litoral Norte/RS,

Trata-se de uma região de idade geológica recente, cujos ecossistemas


apresentam características de fragilidade e raridade, mostrando uma
sequência de ambientes de especial valor paisagístico e produtividade
biológica: praias marinhas, barreiras de dunas, banhados, cordão de lagoas
doces e salobras e encosta da serra. (TOMAZELLI, 2001, p. 01)

Ainda, de acordo com Tomazelli (2001), o movimento populacional, associado


à fragilidade e à raridade ambiental exige um planejamento da ocupação territorial, com
ações que considerem as restrições que essa região necessita, minimizando, assim, a
ocorrência de problemas socioeconômicos e ambientais.

1.2 OBJETIVO GERAL


O objetivo geral desta pesquisa é investigar quais os motivos que levam as
pessoas a erguerem suas moradias em uma área de preservação e as ações que o
município de Cidreira/RS tem desenvolvido no intuito de equilibrar aumento
populacional e meio ambiente.

1.3 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Para que o objetivo geral seja atingido torna-se necessário, pesquisar as


legislações vigentes no sentido de preservação das dunas; indagar, junto aos servidores
municipais da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, os principais problemas
enfrentados para conter o avanço populacional sobre o parque de dunas; e apurar, junto
a essa população, os motivos que a trouxeram até o município com a intenção de fixar
moradia em uma área de preservação. E, ainda apresentar por meio de fotografias a real
situação.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

Conforme exposto acima, vimos que em um período de 20 anos, a população do


município de Cidreira aumentou em mais de 205%. Sua área está dividida, oficialmente,
em 5 bairros – Salinas, Nazareth, Centro, Parque dos Pinus e Costa do Sol. No entanto,
aos poucos foram se formando dois novos bairros, sem a criação de legislação
específica - bairro da Antena e Francisco Mendes.

Para o levantamento de dados foi aplicado um questionário (Anexo I) a quatro


moradores do bairro Antena e quatro moradores do bairro Chico Mendes, com a
intenção de investigar quais os motivos que levaram os mesmos a fixar residência em
uma zona de preservação, com a ameaça de terem estas moradias retiradas de sua posse.
De outro lado, foi feita uma entrevista com os funcionários públicos – biólogos e gestor
ambiental, para saber sobre a fiscalização que ocorre nestas áreas e as ações
desenvolvidas pelo Poder Público para frear as invasões e apresentar opções de um
novo local para esta população.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Após a análise dos questionários aplicados a oito moradores dos bairros –


Antena e Francisco Mendes - nota-se que, em sua maioria, os moradores participantes
da pesquisa são pessoas oriundas de municípios da Grande Porto Alegre – Alvorada,
Gravataí, Cachoeirinha ou de bairros da periferia de Porto Alegre. Também é consenso
o motivo de terem fixado residência em Cidreira – fugir da violência e de aluguéis.

a gente morava em Alvorada, mas era muito perigoso para as crianças e


jovens. Além disso, a casa em Alvorada era alugada e ficava difícil alimentar
os filhos e pagar aluguel. Então um amigo nos disse que aqui em Cidreira era
mais fácil conseguir um terreno” (morador 01 – Francisco Mendes)

Eu e meus filhos vivia com minha mãe em Porto Alegre no bairro Mário
Quintana mas não tinha como ajudar no aluguel. Minha prima já tinha vindo
e me disse que era só vim e levantar uma casa perto dela” (moradora 02 –
Vila da Antena)

Toda a família do meu pai sempre morou em Cidreira, como eu não tinha
mais como pagar aluguel onde eu morava, em Cachoeirinha, peguei a mulher
e os filhos e vim, meus parentes me ajudaram a erguer a casinha” (Morador
03 – Vila da Antena)

Vim prá cá, eu e minha família, porque onde eu morava em Gravataí tinha
pouco serviço. Aqui na praia sempre tem como conseguir “bicos” ou recolher
reciclados e é tudo mais perto, não precisa gastar com condução” (moradora
04 – Francisco Mendes)

Sou da Bahia, vim passar um verão aqui com uns amigos. Quando briguei
com minha família não pensei duas vezes. Peguei meus três filhos e vim prá
Cidreira. Construí uma casinha bem simples e consegui um trabalho na
capina e meus filhos catam reciclados (moradora 05 – Francisco Mendes).

Nenhum dos participantes possui escritura da casa ou terreno, mas todos


demonstram interesse na regularização. Dentre os pesquisados, três responderam que
vieram para a cidade em época de eleição e conseguiram os terrenos por meio de
candidatos com a promessa de regularizar a situação, o que ainda não ocorreu.

Referente à pergunta “quais as dificuldades que encontras em morar neste


local?”

A maior dificuldade é saber que não é dono da casa. Ficar com medo de um
dia aparecer alguém da justiça e tirar a gente (moradora 06 – Vila da Antena);

É não ter direito ao básico – luz, água. Tudo é feito por meio de “gato”.
(Morador 07 – Vila da Antena)

Além de não ter calçamento, luz, ainda tem o preconceito das pessoas que
moram em outras partes da cidade, quando tu fala que mora na Chico.
(Morador 08 – Francisco Mendes)

Todos estão cientes de se tratar de áreas do município, mas nenhum tem


conhecimento de que seja área de preservação. Todos responderam que nunca tiveram
problema com a Prefeitura, IBAMA ou Polícia Ambiental. Entretanto, cinco dos
participantes conhecem pessoas próximas que tiveram suas casas demolidas pela
Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SEMA), juntamente com a Brigada Militar,
sem prévio aviso.

Figura 01 – Francisco Mendes (antigamente, área de dunas)

Fonte: a autora

Na Vila da Antena há uma associação – Associação Amor Antena, que dialoga


com o Poder Público na intenção de regularizar o assentamento, colabora no
recolhimento de cestas básicas e outras ações sociais.

Figura 02 – Vila da Antena

Fonte: a autora
O bairro Francisco Mendes também criou uma associação – Associação Todos
Pela Chico. Trabalha em prol da regularização da área há 11 anos sem conseguir atingir
seu objetivo principal. Com a dificuldade financeira da maioria de seus moradores, a
associação faz um trabalho assistencial com a ajuda do pároco da cidade e de igrejas
evangélicas.

Quanto às ações realizadas pelo Poder Público – Prefeitura Municipal de


Cidreira configuram-se em fiscalizar novas invasões e detê-las por meio da demolição
das casas. Segundo os biólogos e Diretor da SEMA, não há o que fazer, “não temos
como realocar essas pessoas em áreas verdes e muito menos em área de preservação”. A
prefeitura conta com dois biólogos e uma fiscal para os serviços externos de fiscalização
e conscientização dos moradores das áreas de preservação.

Figura 03 – Prefeitura demolindo casa construída em APP

Fonte: a autora
Figura 04 – Construção em APP após demolição

Fonte: a autora

4. CONCLUSÃO

Conclui-se que por falta de opção de moradia nos grandes centros urbanos, falta
de emprego ou alta criminalidade nas grandes cidades, a população mais carente opta
por migrar para o litoral e invadir espaços em áreas desertas (áreas de preservação). Seis
dos moradores entrevistados têm como sustento a coleta de reciclados, inclusive as
crianças, ou a construção civil e duas moradoras trabalham na secretaria de obras, na
capina da cidade.

As ações do Poder Público baseiam-se simplesmente na demolição das casas


recentes e na tentativa de conscientizar os moradores das leis que protegem a área. Mas,
segundo a maioria dos moradores participantes, muitas famílias vêm para essas áreas
com a ajuda de políticos em época de eleição, com a promessa de regularização das
áreas, o que é praticamente impossível por tratar-se de Áreas de Preservação
Permanente, segundo a legislação municipal.

De um lado temos famílias carentes que fixaram residência em áreas de


preservação ambiental, cheias de incertezas. De outro, temos o Poder Público que não
consegue fiscalizar uma área tão abrangente com apenas 2 biólogos e 1 fiscal.
5. REFERÊNCIAS

BRASIL. Casa Civil. Lei Federal 12.651/2012. Dispõe sobre a proteção da vegetação
nativa. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12651.htm. Acessado em
18 Out 2021.
CIDREIRA/RS. Lei Municipal 1.948/2012 – Institui o Plano Diretor de
Desenvolvimento Urbano. Disponível: https://leismunicipais.com.br/plano-diretor-
cidreira-rs. Acessado em 15 Out 2021
CASTRO, Dilton de; MELLO, Ricardo S.P. Áreas Prioritárias para a Conservação
da Biodiversidade da Bacia do Rio Tramandaí. Porto Alegre: Via Sapiens, 2016.
DEXTRO, Rafael Barty. Dunas. Disponível em
http://www.infoescola.com/geografia/dunas/. Acessado em 14 Out 2021
FEPAM. Matriz Econômica do Litoral Norte. Porto Alegre, 2002. Disponível em:
http://www.fepam.rs.gov.br/programas/Matriz_Economica_LN.pdf. Acessado em 15
Out 2021.
GONÇALVES, Pedro. Dunas/fantásticas, mágicas e impressionantes: um guia
ecológico de informações. Porto Alegre: Corag, 2005.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. População Estimada. 2020
Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rs/cidreira/panorama. Acessado em 15
Out 2021-
KUCK, Gisele; PORTZ, Luana; GRÜBER, Nelson L.S. Ocupação da orla e os
impactos socioambientais no município de Cidreira/RS. Revista Brasileira de
Geografia Física. V 08, n 04 (2015) 1028-1040. Disponível em: www.ufpe.br/rbgfe.
Acessado em 15 Out 2021.
OLIVEIRA, Vitor Hugo da S. A produção do espaço no município de Cidreira/RS:
desenvolvimento e/ou crescimento urbano? Trabalho de Conclusão de Curso. UFRGS.
Tramandaí/RS,2020.Disponível:https://lume.ufrgs.br/bitstream/handle/
10183/219909/001122789.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acessado em 10 Out 2021
TOMAZELLI, Luiz José. Sistematização dos conhecimentos existentes sobre as
dunas móveis do Litoral Norte do RS. Relatório Final. Porto Alegre: FEPAM, 2001.
Disponível em: www.fepam.rs.gov.br/programas/gerco_norte.asp. Acessado em 14 out
2021
Apêndice I – Questionário aplicado a moradores próximos às Dunas no Município
de Cidreira/RS (Baseado no trabalho de Kuck, Portz, Grüber (2015)

1. Idade do/da responsável pela moradia:_____


2. Número de pessoas que residem na casa:_____
3. Número de filhos:_____
4. Nível escolar do morador responsável pela moradia:___________
5. Profissão:________
6. Tipo de casa: alvenaria ( __), madeira (__), mista (__)
7. Número de cômodos da casa:_______
8. Há quanto tempo reside neste local?______
9. Qual seu local de origem?_____
10. Porque escolheu este lugar para morar? (__)terreno mais barato,
(__)proximidade do mar, (__) tranquilidade, (__) outros __________
11. A casa é própria?
12. Quando construiu?
13. Tem escritura ou o terreno é de posse?
14. Quais a dificuldade que encontra em morar nesse local?
________________________________________________________
15. Quais os pontos positivos de morar neste local?
________________________________________________________________
____
16. Sabe dizer se a área é protegida por lei?(__) sim, (__) não
17. Quando construiu teve algum problema com a Prefeitura, IBAMA, Polícia
Ambiental? (__) sim, (__) não
18. Quais os problemas?
(__) Prefeitura __________________________
(__) IBAMA ___________________________
(__) Polícia Ambiental ___________________
(__) outros ____________________________
19. Os problemas foram resolvidos? (__) sim, (__) não
20. Acha que tinham razão? (__) sim, (__) não, (__) não sabe
21. Sabe de alguma pessoa (moradores atuais ou que já se mudaram) que tiveram
problemas com a fiscalização? (__) sim, (__) não, (__) não sabe
22. Sabe de alguém que teve sua casa demolida?
23. Sabe por que a fiscalização tenta impedir as construções?
24. Acha que é necessário preservar as áreas das dunas?
25. Já ouviu algum comentário sobre a proibição em morar próximo às dunas?
26. Existe algum perigo em morar próximo às dunas?
27. Você participa de alguma associação de moradores, ONGS,etc?
28. Você tem ou teve alguma ajuda para fixar moradia neste local? (__) político,
(__) funcionário público, (__) outros
29. Alguém prometeu a regularização da área de sua casa? (__) sim, (__) não
30. Quem e o que foi prometido?

Idade do responsável pela moradia:

Você também pode gostar