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RESUMO
ABSTRACT:
The values, codes and rituals of the belle époque culture, as a theater of civilization,
spread through modern societies until they reached the Amazon, notably in Belém and
Manaus. In times of “emergence of civilization” when the essential values of Paris fin
du siècle's culture and urban and bourgeois sociability were transposed to the great
Brazilian cities, the Amazon lived in belle époque. The main objective of this article is
to interpret, through narratological analysis (MOTTA, 2013) the city of Belém under
the Antônio Lemos government, based on individual and collective memories,
according to (HALBWACHS, 2013). Inácia, character of the urban narrative
engendered by Dalcídio Jurandir (1909/1979).
INTRODUÇÃO:
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA:
Na casa dessa família, em uma rua ainda sem prestígio (Gentil Bittencourt, 160)
e afastada do centro da elite abastados da cidade, os Alcântara, por inúmeras vezes,
rememoram o passado e lamentam o “ostracismo” social que se encontram, tentando –
sem sucesso – se acostumar com a nova rotina de suas vidas.
baixadas e suas gentes da periferia, como, aliás, ele aprendeu em seu exercício na
Academia do Peixe Frito e, mais tarde, na militância do Partido Comunista.
O ato de narrar funde suas raízes na nossa ancestral herança cultural de relatar
estórias. Os seres humanos tem uma predisposição cultural, primitiva e inata, para
organizar e compreender a realidade de modo narrativo, como diz Bruner apud Motta
(2013). A construção de personagens e ações na narrativa é uma representação de
condutas humanas que fornecem ao narrador a matéria prima e os modelos. Ao narrar a
vida de Dona Inácia, Jurandir está explorando possíveis desenvolvimentos das condutas
e comportamentos humanos do belenense de classe média da década de 1920, na dita
“decadência do lemismo”, que os teóricos chamam de atividade mimética (ou imitação).
Essa descrição de comportamentos humanos enraizados na cultura da época nos leva a
antecipar que algumas das famílias belenenses que, no governo de Antônio Lemos, se
viam privilegiadas e usufruíam das benesses da belle époque, se sentiam agora
usurpadas, saudosas e nostálgicas, quando essa pretensa Idade de Ouro chegou ao fim e
Lauro Sodré assumiu o poder.
também é coletiva, representando toda uma classe social que conheceu o prestígio
naquela época dourada.
Trazemos conosco sentimentos e ideias que têm origem em outros grupos, reais
ou imaginários. A memória individual, quando se opõe à memória coletiva, não se
mostra uma condição necessária e suficiente do ato de lembrar e do reconhecimento das
lembranças. Para que nossa memória se auxilie com a dos outros não basta que essas
testemunhas tragam os seus depoimentos. É necessário que essa reconstrução passe por
dados ou noções comuns que se encontrem nos nossos espíritos e dos outros; além de
ser necessário que essas pessoas tenham bastante contato entre elas, o que, só é possível
se elas, algum dia, fizeram e continuam a fazer parte de uma mesma sociedade.
Portanto, analisar as experiências narradas em lembranças de Dona Inácia é entender
um pouco mais sobre aquela sociedade belenense do final do século XX, a partir dessa
relação direta que há entre a memória individual do sujeito e a memória coletiva e
compartilhada por esse sujeito, inserido em uma sociedade específica.
(...) Mas é isto, cada qual tem o ostracismo que merece. (...) Ah, meu
maridíssimo Virgílio Alcântara, que ostracismo vieste escolher, que cabeça a
tua de vir bater com o toutiço nesse 160. Pelo jeito, será também o número da
minha cova (JURANDIR, 2005, p.46).
(...) Ah, os Pennafort, os Pennafort, foi com a vossa lata de lixo que o caldo
derramou. Queriam o monopólio da lata de lixo para recolher as imundícies
da cidade. Eles que se davam ao luxo de mandar lavar a roupa na Inglaterra.
Ganhar à custa da podridão, do que fede... E dentro da lata de lixo lá se foi o
Senador (JURANDIR, 2005, p.54-55)
Em outro momento, Dona Inácia relembra com muita melancolia a vez que
colocou a sua dentadura postiça, nos melhores dias do “lemismo”:
Foi para eu rir, explicava, que coloquei esta. Justamente no apogeu, para
ver depois o fim. Sem ela não podia rir dos políticos, dos tamanduás, dos
vira-casacas. É um riso como convém, postiço (JURANDIR, 2005, p.55).
Era por isso grata ao Senador. Vindo de uma família de retirantes do Ceará,
enraizada na Estrada de Ferro de Bragança, onde fora buscar Virgílio
Alcântara, Inácia não perdeu tempo quando se viu à porta que lhe abria o
lemismo. Eram as festas em Palácio, pagas regaladamente com a borracha e
os empréstimos do Estado no estrangeiro, as cerimônias cívicas e escolares
do Bosque e do Parque Batista Campos, em que se cobria de flores, discursos
e mulheres, o Senador (JURANDIR, 2005, p.58).
O narrador também expõe situações vivenciadas por seu Virgílio que são um
espelho claro da sociedade belenense do final do século XX. Portanto, através da
narrativa desenvolvida por Jurandir, podemos estar mais próximos de entender a Belém
daquela época, compartilhando da memória coletiva dos belenenses viventes desse
período da nossa história:
(...) seu Vírgilio foi se convencendo de que tudo aquilo não viera apenas da
queda da borracha. Mas de que mal? Ambição? Imprevidência? Castigo de
Deus? (...) A cidade exibia os sinais daquele desabamento de preços e
fortunas. Fossem ver a Quinze de Novembro com seus sobrados vazios, as
ruínas d’A Província, os jardins defuntos, a ausência da cal e do brilho nos
edifícios públicos e nos atos cívicos. O São Brás era mesmo agora um
Partenon. Ingleses haviam levado para o Ceilão as sementes da borracha (...)
Para as mulheres, a queda do Senador era a causa de tudo. A borracha subira
a tanto, graças ao Senador, em Palácio. Rolara a tão baixo preço graças ao
Senador no chão, traído e espezinhado. E por tudo isso arquejavam as
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Lançar o olhar sobre a Belém belle époque é retomar antigos percursos da
memória coletiva dos viventes dessa época e do próprio discurso da história da cidade e
ressignificá-la. Diferenças substanciais assinalam as formas e lugares dessas narrativas
(jornalísticas, históricas, literárias etc.) ainda que, um mesmo fio condutor pareça
conduzir o corpo de muitos discursos construídos sobre a Belém que viveu o boom da
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REFERÊNCIAS
DAOU, Ana Maria. A belle époque amazônica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
NUNES, Benedito. Conterrâneos. In: ____. A clave do poético. São Paulo; Companhia
das Letras, 2009.
WEBER, Eugen. França fin de siècle. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
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