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Qual a minha face original?

Conto Budista

Num templo de Banguecoque, na Tailândia, havia uma grande estátua de Buda feita de
gesso pintado que, embora não particularmente perfeita, foi estimada e cuidada ao
longo de duas centenas de anos. Até que nos anos 50, construiu-se um novo edifício e
foi decidido que a estátua iria ser deslocada para o novo espaço. Durante a deslocação,
as cordas usadas para a mudança cederam, fazendo com que a estátua caísse e o gesso
estalasse. Descobriu-se assim que afinal a estátua era feita de ouro, e que teria sido
disfarçada para não ser roubada ou destruída. É a maior estátua de ouro da Tailândia,
de incalculável valor.

Esta estátua é uma imagem excelente da nossa situação. Rodeamo-nos de camadas de


proteção – reações ou comportamentos que em determinada altura nos podem ter
ajudado, mas que cristalizaram, tornaram-se sólidos, e, sobretudo, nos fizeram
esquecer quem nós somos verdadeiramente. É a nossa mente condicionada.
Acreditamos que somos a estátua de barro, acreditamos que somos as camadas de
proteção, esquecemos o que há de mais fundamental em nós, esquecemos o que
somos essencialmente. E o que é pungente é pensarmos que o ouro está tão perto, e
ao mesmo tempo tão longe, umas camadas apenas... mas não o vemos.

Na tradição Zen existe um koan particularmente belo:

Qual a tua face original, aquela antes dos teus pais nascerem? Eu não tinha este rosto
de hoje, assim calmo, assim triste, assim magro, nem estes olhos tão vazios, nem o
lábio amargo. Eu não tinha estas mãos sem força, tão paradas e frias e mortas; eu não
tinha este coração que nem se mostra. Eu não dei por esta mudança, tão simples, tão
certa, tão fácil: Em que espelho ficou perdida a minha face? Cecilia Meirelles, Retrato

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