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Princípios básicos

da biomecânica
Mariluce Ferreira Romão

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

> Descrever os princípios básicos da biomecânica.


> Identificar as principais áreas de atuação da biomecânica e a sua relação
com a prática profissional de educação física.
> Relacionar a biomecânica aos esportes e à melhora na performance.

Introdução
A biomecânica é uma ciência que lança mão de instrumentos da mecânica para
analisar sistemas biológicos, entre os quais recebe destaque o corpo humano —
assim como ocorre nos estudos cinesiológicos e na área de ciências do exercício
físico. As forças estudadas em biomecânica são as tensões musculares, que
representam as forças internas, e as forças que atuam sobre o corpo humano,
representando as forças externas (HALL, 2018).
Os princípios aplicados às bases biomecânicas resultam de análises que
visam à compreensão e/ou resolução de problemas referentes à área da saúde
ou ao desempenho humano. Desse modo, conhecer a biomecânica, desde os
seus conceitos até a sua forma aplicada, é fundamental para uma intervenção
responsável de um profissional da área da saúde (HALL, 2018).
Neste capítulo, você poderá conhecer os princípios elementares da biomecâ-
nica e as suas subdivisões. Em um segundo momento, serão aqui apresentadas
— com atenção especial à educação física — as áreas do conhecimento que se
utilizam da biomecânica em seus estudos, bem como as áreas de investigação
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da biomecânica. Por fim, estabeleceremos relações entre a biomecânica e a


melhora do desempenho no esporte.

Fundamentos e subdivisões da biomecânica


O conhecimento a respeito da biomecânica traz benefícios aos profissionais
da área da saúde, em formação ou em pleno exercício, seja no treinamento
desportivo, seja na área de reabilitação ou tratamento. Dominar os princípios
da biomecânica e as suas estratégias de análise e intervenção que envolvem
o movimento humano direciona esses profissionais a ações com melhores
resultados e/ou prognósticos (MCGINNIS, 2015).
Os estudiosos da área de biomecânica utilizam a mecânica como um
mecanismo da física, a qual, por sua vez, engloba amplamente as análises
das forças em ação. Trata-se de um recurso viável para o estudo de fatores
anatômicos e funcionais do corpo humano, por exemplo. Subdivisões impor-
tantes da mecânica são a estática e a dinâmica. A primeira delas tem como
objeto de estudo corpos em repouso, ou seja, que estão em constante estado
de movimento. Já a dinâmica se ocupa do estudo de sistemas que apresentam
aceleração (HALL, 2018).
Também são subdivisões do estudo em biomecânica a cinemática e a
cinética. A cinemática do movimento indica o que é possível ver em um corpo
durante o seu movimento. Nesse tipo de análise, são observados o tamanho,
a cadência e o tempo em que o movimento ocorre, sendo descartada a ação
das forças. A cinética, por outro lado, leva em consideração as forças que
agem sobre os corpos, sendo, no senso comum, conhecida como “técnica” ou
“forma”. Portanto, a cinemática está relacionada com a descrição e a estética
do movimento, ao passo que a cinética centraliza a sua atenção nas forças
que agem sobre ele — forças essas que podem tanto puxar quanto empurrar
um corpo (HALL, 2018).
A seguir, serão apresentados os seguintes princípios biomecânicos, bem
como a correlação existente entre eles: biomecânica e cinesiologia; anatomia
e anatomia funcional; movimento linear e movimento angular; cinemática e
cinética; e estática e dinâmica.

Biomecânica e cinesiologia
Entre os autores que estudam o movimento humano, há divergências quanto
ao uso dos termos “cinesiologia” e “biomecânica”. O primeiro deles pode
ser empregado de duas formas. Uma delas compreende que a cinesiologia,
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quando utilizada como base científica de estudos sobre o movimento humano,


descreve as avaliações psicológicas, anatômicas, fisiológicas e/ou a própria
mecânica do movimento. Isso significa que vários componentes curriculares
realizam essas descrições em contextos diversos. Outra maneira de se usar
o termo é para se referir a uma avaliação específica do movimento humano
a partir de suas características e sua origem. Uma aula que aborda temas da
área de cinesiologia pode ter como base a anatomia funcional ou somente
fatores biomecânicos (HAMILL, 2016).
Com o passar dos tempos, o estudo da cinesiologia vem compondo as
grades curriculares das universidades, sendo incluída nos planejamentos
pedagógicos dos cursos de educação física, ciências do movimento humano e
fisioterapia, por exemplo. De forma geral, esses cursos dão ênfase ao aparelho
locomotor, analisando a eficácia dos movimentos propriamente ditos, simples
ou complexos, e tendo como proposta identificar de forma fragmentada as
ações musculares em cada fase dos movimentos articulares. Por exemplo,
o acadêmico pode analisar, entre as inúmeras situações, o movimento de
levantar-se de uma cadeira, identificando a extensão dos quadris, dos joelhos
e a flexão plantar e relacionando esses movimentos às ações dos músculos
isquiotibiais, quadríceps femoral e tríceps sural, respectivamente. A maior
parte das análises em cinesiologia apresenta um perfil qualitativo, tendo em
vista as observações do movimento e a fragmentação tanto das habilidades
quanto das descrições das ações musculares requeridas no movimento em
análise (HAMILL, 2016).
Quanto à biodinâmica, cabe pontuar que o seu objetivo central é melhorar
o desempenho nas ações. Entretanto, para além da atenção ao desempenho,
também é importante melhorar os equipamentos e os métodos de treinamento,
priorizando-se sempre a prevenção de lesões (MCGINNIS, 2015).

Anatomia e anatomia funcional


A anatomia é a ciência que estuda aspectos estruturais e funcionais do corpo
humano, seja em um nível macroscópico (no qual o objeto de estudo pode ser
observado a olho nu), seja em um nível microscópico (quando são requeridos
instrumentos para a ampliação do que se deseja observar) (REECE, 2020).
O estudo anatômico “[...] é a base da pirâmide a partir da qual se desenvolve
a experiência sobre o movimento humano” (HAMILL, 2016, p. 5). É essencial
conhecer a anatomia sob o ponto de vista topográfico, sendo necessário
isolar as regiões para efetuar as devidas identificações morfofuncionais
de ossos, articulações, músculos, vasos e nervos. Além disso, conhecer os
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aspectos anatômicos também favorece as avaliações de possíveis lesões.


Por exemplo, suponha-se que, na reabilitação, um paciente, um aluno ou um
atleta manifeste uma sensação dolorosa na região interna do cotovelo. Nessa
região, podemos identificar, a partir do nosso conhecimento de anatomia,
o epicôndilo medial do úmero como um acidente ósseo proeminente, além
de músculos que possuem ação no carpo e nos dedos, permitindo que tanto
a mão quanto os dedos se direcionem para o antebraço, em um movimento
de flexão. Assim, o conhecimento de anatomia pode nos levar a diagnosticar
uma epicondilite medial, cuja possível causa tenha sido a ampla utilização
dos músculos flexores do carpo e dos dedos (HAMILL, 2016).
A anatomia funcional diz respeito à área que se ocupa do estudo das es-
truturas corporais que são solicitadas durante a realização dos movimentos
humanos. Segundo Hamill (2016, p. 6):

[...] a anatomia funcional, utilizada na análise de uma elevação lateral do braço


com um haltere, identifica os músculos deltoide, trapézio, levantador da escápula,
romboide e supraespinal como contribuidores para a rotação para cima e elevação
do cíngulo do membro superior e para a abdução do braço.

Portanto, conhecer a anatomia e suas correlações funcionais pode ser útil


de várias formas e em contextos diversos, como, por exemplo, em programas
de treinamento, com ou sem uso de cargas, e em avaliações de lesões no
esporte. O foco de atenção da anatomia funcional está na ação muscular,
e não necessariamente na sua localização (HAMILL, 2016).

Movimento linear e movimento angular


O movimento ocorre quando a posição de determinado corpo se altera em
relação ao ambiente no qual está inserido. No caso dos movimentos humanos,
podemos dividi-los em duas variações: os lineares e os angulares (HAMILL,
2016; LIPPERT, 2018).
O movimento linear, ou movimento de translação, acontece com uma
projeção retilínea ou curvilínea, de modo que todas as interfaces do objeto
que está se deslocando percorram a mesma distância, no mesmo tempo. São
exemplos de movimentos lineares as trajetórias de um velocista, de uma bola
de beisebol, de uma barra no supino ou de um pé quando se desloca para
chutar uma bola de futebol. A atenção central dessas ações está exatamente
na definição da direção, do trajeto e/ou da velocidade em que o objeto se
desloca ou é impulsionado a se deslocar. O centro de massa corporal ou
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de um segmento do corpo é uma área que também pode ser monitorada


por análises lineares. Isso quer dizer que é possível identificar o ponto de
concentração de massa de um corpo para se conhecer o efeito gravitacional
exercido sobre ele. Assim, qualquer segmento de um corpo ou objeto pode
ser individualizado para que seja realizada uma análise linear (HAMILL, 2016).
Já o movimento angular acontece em torno de um ponto, de modo que
áreas diferentes de um segmento comum não se movem em distância e tempo
iguais. Pode-se observar um movimento angular em, por exemplo, um giro que
ocorre em torno de uma barra suspensa. Para concluir o giro, os pés precisam
se deslocar por uma distância destacadamente maior do que a que será per-
corrida pelos membros superiores — isso porque os pés estão mais afastados
do ponto em que acontece a rotação. Em biomecânica, é comum analisar uma
ação primeiramente sob o ponto de vista linear para, em seguida, analisá-la
sob o ponto de vista angular, de forma mais específica. Considera-se que os
movimentos angulares originam ou auxiliam os movimentos lineares e que,
por essa razão, é positivo proceder a análise das duas formas (HAMILL, 2016).

Cinemática e cinética
A cinemática e a cinética representam duas maneiras de fazer análises bio-
mecânicas (HAMILL, 2016; LIPPERT, 2018). A cinemática considera as particu-
laridades do movimento e o analisa com base no espaço e no tempo, sem
computar as forças que o causam ou que interferem nele. Mediante esse tipo
de análise, é possível identificar e descrever a velocidade com que um objeto se
move, qual altura ele atinge e em que distância acontece o seu deslocamento.
Dessa forma, os pontos que são considerados em uma análise cinemática são
a posição, a velocidade e a aceleração de um objeto (HAMILL, 2016).
Como exemplo de uma análise cinemática linear, podemos pensar na
descrição de um atleta realizando um salto em altura, ou no exame de de-
sempenho de nadadores de elite. Já a análise cinemática angular pode ser
exemplificada considerando-se uma sequência de movimentos articula-
res para um serviço de tênis e a cadência segmentar em um salto vertical
(HAMILL, 2016).
A partir de análises cinemáticas de movimentos angulares e/ou lineares,
é possível aprimorar o padrão das ações e, assim, conseguir progressos téc-
nicos, além de entender melhor o movimento humano. Quando uma mesa é
empurrada, por exemplo, ela pode ou não ser movida, dependendo da força
do empurrão (HAMILL, 2016).
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A cinética, diferentemente da cinemática, examina não apenas as forças


que causam o movimento, mas também as que interferem nele. Em compa-
ração a uma análise cinemática, uma análise cinética é considerada mais
complexa, tanto pelo seu nível de entendimento quanto pelas suas formas
de avaliação. E essa maior complexidade se dá sobretudo porque forças não
são necessariamente visíveis (HAMILL, 2016).

Estática e dinâmica
A estática examina sistemas imóveis ou que estejam se movimentando em
velocidade constante. Trata-se de uma área da mecânica que considera que
os sistemas estáticos estão em equilíbrio, isto é, em uma condição estável,
na qual a aceleração está ausente devido à neutralização por forças opostas.
A seguir, veja como é possível examinar uma postura estática (HAMILL, 2016).

„ Observe a postura de uma pessoa sentada em uma cadeira para tra-


balhar num computador.
„ Considere que há forças sendo exercidas, apesar de não ser identificado
nenhum movimento.
„ As forças estão concentradas entre a região dorsal do tronco e a cadeira,
bem como entre o chão e os pés.
„ As forças musculares, por sua vez, neutralizam a ação da gravidade
em relação à postura corporal geral, além de manterem a cabeça e o
tronco eretos.
„ Portanto, as forças identificadas em um cenário estático, como nessa
situação descrita, são mantidas para estabilizar uma postura que não
inclui movimentos.

Já a dinâmica se propõe a examinar sistemas móveis — que estejam em


aceleração — mediante uma abordagem cinemática ou cinética. Valendo-se
da postura estática que acabamos de usar como exemplo, podemos dar início
a uma análise dinâmica a partir do momento em que a pessoa se levanta
da cadeira para deixar a mesa do computador, isto é, quando ela passa a se
movimentar. Então, retomando a cinemática e a cinética, podemos lançar
mão delas para analisar nesse exemplo as forças aplicadas no chão e nas
articulações, bem como as forças que agem sobre o movimento da pessoa
ao se levantar da cadeira e se afastar da mesa (HAMILL, 2016).
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Áreas de atuação da biomecânica


Os estudos na área de biomecânica são considerados relativamente novos,
principalmente no que se refere à evolução científica. Entre as áreas acadê-
micas em que a biomecânica se insere, estão zoologia, ortopedia, cardiologia,
medicina desportiva, engenharia biomédica ou biomecânica, fisioterapia,
cinesiologia, anatomia funcional, etc. Todas essas áreas têm como interesse
comum os fatores biomecânicos estruturais e funcionais dos organismos
vivos. A biomecânica do movimento humano é considerada uma subdivisão
da cinesiologia, sendo o movimento humano o objeto de estudo de ambas
(HALL, 2018).

Segundo Hall (2018), a medicina desportiva, “[...] um termo abrangente


que engloba aspectos clínicos e científicos do exercício e dos espor-
tes”, tem como um de seus ramos a biomecânica. A autora nos dá como exemplo
de organização “[...] que promove a interação de tópicos relacionados com a
medicina desportiva” o American College of Sports Medicine (HALL, 2018, p. 3).

Amadio e Duarte (1996) já afirmavam que cada componente curricular


ou disciplina que tem como base de investigação o movimento humano —
como a antropometria, a anatomia funcional, a neurofisiologia, a fisiologia
geral, a bioquímica, a psicologia esportiva, a medicina desportiva, o ensino
do movimento aplicado ao esporte, a sociologia, a física, a matemática e os
processamentos de sinais eletrônicos, bem como a biomecânica — devem
ser considerados em um contexto multidisciplinar e/ou multiprofissional,
a fim de que seja possível compreender o movimento de forma mais ampla.
O processo pedagógico, nesse caso, deve respeitar a realidade do público-
-alvo, de modo que ela sirva como subsunçor, ou conhecimento prévio, para
a assimilação do conhecimento novo.
Especificamente na biomecânica, observa-se um grande cuidado com
a sua utilização como prática pedagógica, sobretudo pelas suas formas
de abordagem. A biomecânica não estuda somente o movimento em si e,
mesmo com foco em, por exemplo, modalidades esportivas, ela se associa
com outras áreas do conhecimento. Essas associações entre tais áreas e
os princípios biomecânicos visam ao aprimoramento de gestos técnicos de
cada movimento, etapas de treino, simulação do movimento, tecnologias
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instrumentais de hardware ou software, bem como adaptações ambientais.


Em suma, tais associações objetivam tanto a realização de análises dos
movimentos quanto a sua aplicação prática (TEIXEIRA; MOTA, 2007).
A integração entre conceitos e práticas determina a ação e a maneira
como o trabalho é ou deve ser proposto. Nessa perspectiva, é necessário
compreender o que a metodologia tradicional e o treinamento propriamente
dito destacam no processo de ensino e aprendizagem. Enquanto a biomecânica
favorece a compreensão da técnica e sua forma mais adequada de aplica-
ção, as metodologias tradicionais buscam definir o que deve ser ensinado e
como deve se dar esse ensino no processo educativo. Por meio de análises
biomecânicas, pode-se melhorar o desempenho no esporte, assim como
as técnicas dos movimentos e os equipamentos esportivos utilizados, além
de ser possível otimizar a prevenção de lesões e protocolos de reabilitação
(TEIXEIRA; MOTA, 2007).

Há um consenso de que as escolhas fazem parte do contexto de


atuação do profissional de educação física. Por isso, disciplinas
específicas, como a biomecânica, são essenciais nas decisões finais desses
profissionais.
Para saber mais a respeito de como a biomecânica pode contribuir com
os processos educativos, leia “A biomecânica e a Educação Física” (2007),
de Clarissa Stefani Teixeira e Carlos Bolli Mota. O texto está disponível para
acesso na internet.

Áreas de investigação da biomecânica


A biomecânica analisa o movimento humano considerando as leis da física e
as características específicas do aparelho locomotor. Tais análises são feitas
com base na cinemetria, na dinamometria, na eletromiografia e na antro-
pometria, áreas de investigação que serão apresentadas a seguir (AMADIO
et al.,1999; AMADIO; SERRÃO, 2011).
A cinemetria tem como intuito determinar a posição, o deslocamento,
a velocidade e a aceleração, “[...] enquanto descritores das características
cinemáticas dos segmentos e do próprio corpo humano” (AMADIO; SERRÃO,
2011, p. 16). Trata-se de mensurações feitas mediante registros de câmeras de
vídeo, sistemas optoeletrônicos, acelerômetros e eletrogoniômetros (DAINTY;
NORMAN, 1987 apud AMADIO; SERRÃO, 2011).
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A dinamometria objetiva determinar as forças capazes de produzir o


movimento. Por se tratar de um recurso mais restrito metodologicamente,
a dinamometria prioriza mensurar forças de origem externa, principalmente
pelo uso da plataforma de força, instrumento utilizado para medir a força de
reação do solo, isto é, a força que “[...] age sobre o corpo humano durante a
fase de contato com o solo” (AMADIO; SERRÃO, 2011, p. 16).

De acordo com Amadio e Serrão (2011), as limitações em relação à


mensuração de forças internas não ocorrem devido a restrições de
instrumentos de medição, e sim por causa da forma invasiva de acesso.
São raros na literatura os relatos de medições de forças internas. Destacam-se os
trabalhos clássicos de GREGOR, KOMI e JÄRVISEN (1987) e KOMI, SALOMEN, JÄRVISEN
e KOKKO (1987), que através de procedimento cirúrgico implantaram um transdutor
de força do tipo “strain-gauge” almejando a mensuração das forças transmitidas
ao tendão de Aquiles durante a realização de alguns movimentos selecionados.
As dificuldades na adaptação do transdutor ao tendão, em sua inserção cirúrgica,
na sua calibração, e o consequente efeito retroativo gerado pelo procedimento
experimental, caracterizam de forma exemplar as dificuldades de mensuração das
forças internas. Entretanto, o desenvolvimento de técnicas e instrumentos menos
invasivos, como os procedimentos baseados no uso de fibra ótica (KOMI, 1995),
tendem a tornar a medição das forças internas um procedimento mais exequível
(AMADIO; SERRÃO, 2011, p. 16).

Uma alternativa em relação aos procedimentos invasivos é a determinação de


forma indireta, pelo método da dinâmica inversa. Isso pode ser feito mediante
modelos do próprio aparelho locomotor, correlacionando critérios cinemáticos,
dinâmicos e antropométricos (AMADIO, 2000).

A eletromiografia investiga e identifica as ações musculares por meio da


captação dos eventos elétricos que acontecem durante a contração dos mús-
culos. Nesse processo, observam-se parâmetros internos que são controlados
pelo sistema nervoso. Os sinais eletromiográficos são captados por eletrodos
de superfície, quando se detectam músculos mais próximos da superfície
corporal, ou com o uso de eletrodos de fio ou agulha, quando a investigação
envolve estruturas musculares mais profundas (AMADIO; SERRÃO, 2011).
A antropometria “[...] descreve, a partir de técnicas experimentais
e/ou analíticas, as características físicas dos segmentos corporais” (AMADIO,
1989; BAUMANN, 1995 apud AMADIO; SERRÃO, 2011). A atuação dessa área de
investigação é decisiva para determinar características físicas do aparelho
locomotor — como, por exemplo, a massa, o peso, o centro de massa e o centro
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de gravidade —, além de auxiliar na criação de modelos físico-matemáticos


que podem mimetizar as forças internas por meio da dinâmica inversa.
Os resultados de análises antropométricas possuem “[...] destacada im-
portância na interpretação do movimento humano, bem como nas ações
voltadas ao desenvolvimento de equipamentos auxiliares para a execução
dos movimentos, como é o caso das mochilas e dos calçados” (AMADIO;
SERRÃO, 2011, p. 16–17).
A partir do uso individual ou combinado dos procedimentos discutidos,
a biomecânica consegue cumprir o seu principal objetivo, que é analisar
o movimento humano (AMADIO; SERRÃO, 2011). Após conhecer as áreas de
atuação e investigação da biomecânica, você poderá, na próxima seção,
relacionar essa ciência aos esportes e à melhora na performance.

Biomecânica e esportes
Juntamente com outros componentes curriculares, a biomecânica representa
um recurso essencial para embasar tanto um bom planejamento quanto a
aplicação de um programa de treino. No esporte, por exemplo, saltar mais
alto ou correr por uma distância maior em menos tempo são feitos que podem
resultar em maior pontuação nas competições. E, para alcançar esses objetivos,
é necessário investir em uma melhor performance de modo a superar limites,
finalidades essas que estão em consonância com os princípios biomecânicos
(AMADIO; SERRÃO, 2011).
Apesar da melhora do rendimento no esporte estar associada a fatores
genéticos e aspectos sociais e afetivos, é inquestionável que alcançar um alto
rendimento esteja sob responsabilidade, em grande parte, do planejamento
estratégico. Desse modo, é preciso elaborar programas que potencializem as
capacidades requeridas por cada desporto, bem como utilizar ferramentas
biomecânicas adequadas para as devidas investigações (AMADIO; SERRÃO, 2011).
Para exemplificar essa possibilidade, Amadio e Serrão (2011) citam um
estudo de 2009 realizado por Brennecke e colaboradores. O estudo teve como
intuito investigar, mediante a eletromiografia, a efetividade da pré-exaustão
— método de treinamento que propõe que os exercícios multiarticulares se-
jam precedidos, sem intervalo de descanso, por exercícios monoarticulares,
visando a potencializar o trabalho dos agentes motores, ou músculos agonis-
tas. A fim de analisar a eficácia da pré-exaustão, os autores determinaram
marcadores temporais e de intensidade para indicar os níveis de ativação
muscular nos exercícios supino (multiarticular) e crucifixo (monoarticular).
Princípios básicos da biomecânica 21

A intensidade de ativação muscular do peitoral maior e do deltoide anterior não


foi significativamente diferente quando da adoção do protocolo de pré-exaustão,
contrariando a premissa básica que fundamenta este método de treinamento.
Curiosamente, o tríceps braquial apresentou maior intensidade de ativação quando
da aplicação do método de pré-exaustão. Os autores concluem que o método de
pré-exaustão pode ser eficiente para impor maior estímulo neural sobre pequenos
grupos acessórios na execução de um movimento e não sobre o grupo principal.
Dados como este são de fundamental importância para colaborar no julgamento
da validade de métodos tradicionalmente utilizados no treinamento (AMADIO;
SERRÃO, 2011, p. 18).

De acordo com Amadio e Serrão (2011), outra grande contribuição da biome-


cânica é a possibilidade de se identificarem as características mecânicas dos
gestos esportivos. Como exemplo dessa contribuição, os autores apresentam
um estudo realizado em 2008 por Braga Neto. Utilizando a dinamometria,
a cinemetria e a eletromiografia, o autor investigou o perfil biomecânico
de dois dos mais utilizados movimentos do tênis, o forehand e o backhand.
De acordo com a posição dos pés, é possível realizar o forehand de duas
maneiras diferentes: forehand open stance (FOS) e forehand square stance
(FSS). As pesquisas na área demonstram que a posição dos pés pode definir
o nível de desempenho do tenista. O backhand pode ser realizado com uma
das mãos na raquete (BK1) ou com as duas (BK2). Os resultados desse estudo
de Braga Neto demonstraram uma maior ativação dos músculos para as
técnicas FOS e BK2; porém, no momento de pré-impacto, os maiores níveis
de ativação dos músculos foram observados com o uso do FSS e do BK1.
Esses achados são exemplos de como a biomecânica “[...] pode estabelecer
uma significativa contribuição para a avaliação da influência da técnica de
movimento no desempenho esportivo” (AMADIO; SERRÃO, 2011, p. 19).

Análise do desempenho esportivo


No esporte, uma questão essencial (e que, portanto, não deve ser negligen-
ciada) é a capacidade do profissional responsável pelo treinamento de fazer
análises adequadas em relação à técnica desportiva. Trata-se de um encaixe,
em geral, entre análises quantitativas (Figura 1a) e qualitativas (Figura 1b)
(ACKLAND et al., 2011).
22 Princípios básicos da biomecânica

A B

Figura 1. (a) Análise quantitativa e (b) análise qualitativa.


Fonte: (a) wavebreakmedia/Shutterstock.com e (b) Terelyuk/Shutterstock.com.

A análise qualitativa é uma forma de observação sistemática e subjetiva


em torno das características do movimento humano. O seu objetivo é intervir
apropriadamente na melhora do desempenho (KNUDSON; MORRISON, 2002).
O principal benefício dessa opção de análise é o fornecimento de um amplo
conhecimento ao treinador, que o utiliza rapidamente para dar feedbacks ou
instruções imediatas ao atleta. Apesar dessa possibilidade de uso rápido do
conhecimento pelo treinador, é preciso agir com cautela, de modo a não induzir
os atletas ao erro por falta de atenção aos elementos-chave que definem
o desempenho. Portanto, uma análise qualitativa deve ser estruturada e
aplicada adequadamente (ACKLAND et al., 2011).
Além de experiência e conhecimento alicerçado em bases científicas,
o treinador ainda precisa conhecer e dominar as tecnologias que podem
favorecer as suas análises, cujos resultados serão intervenções eficientes ou
não. Entre as tecnologias que podem auxiliar na mensuração de variáveis de
desempenho, estão o cronômetro e o replay de vídeo, os quais possibilitam
quantificar o tempo do desempenho humano, ou seja, permitem a realização
de uma análise quantitativa (ACKLAND et al., 2011).
Ackland et al. (2011, p. 297) nos dão os seguintes exemplos de análises
quantitativas (objetivas) do desempenho no esporte:

Um treinador de beisebol, por exemplo, pode conseguir acessar um canhão de


radar que mede a velocidade de uma bola durante a sua trajetória no ar e uma
câmera ligada a um computador, para calcular fatores cinemáticos que passaram
por seleção no arremesso. As variáveis relacionadas com as análises cinemáti-
cas, como o ângulo articular, a velocidade de rotação de um implemento, como
uma raquete de tênis, ou, até mesmo, no ponto terminal de um segmento, como
o tornozelo em esportes que utilizam chutes, ou a cabeça do taco no golfe, bem
como o deslocamento segmentar, como acontece com o movimento da cabeça,
no swing no beisebol, descrevem com clareza a precisão dos movimentos, que,
por sua vez, são realizados pelo atleta.
Princípios básicos da biomecânica 23

Conhecer os princípios da biomecânica, as áreas em que ela atua e os


seus procedimentos permite a otimização das intervenções profissionais e
contribui na melhora do desempenho do atleta. O estudo da biomecânica
também contribui para que se evitem lesões, sobretudo porque ela possibilita
a definição de maneiras corretas, com técnicas bem desenvolvidas, para a
execução dos movimentos e uma postura adequada do treinador no que
diz respeito às suas escolhas durante o planejamento e às instruções que
fornece ao atleta.

Referências
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Manole, 2011.
AMADIO, A. C. Metodologia biomecânica para o estudo das forças internas ao aparelho
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Janeiro: Roca, 2020.
TEIXEIRA, S.; MOTA, C. B. A Biomecânica e a Educação Física. Efdeportes Revista Digital,
v. 12, n. 113, 2007. Disponível em: https://www.efdeportes.com/efd113/a-biomecanica-
-e-a-educacao-fisica.htm. Acesso em: 29 nov. 2020.
24 Princípios básicos da biomecânica

Leituras recomendadas
MOORE, K. L.; DALLEY, F.; AGUIAR, M. R. Anatomia Orientada para a Clínica. 7. ed. Rio de
Janeiro: Guanabara Koogan, 2014.
TORTORA, G. J.; GRABOWSKI, S. R. Princípios de Anatomia e Fisiologia. 12. ed. Rio de
Janeiro: Guanabara Koogan, 2010.

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