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DA OUTORGADA À CIDADÃ: UMA ANÁLISE HISTÓRICA DAS CONSTITUIÇÕES

BRASILEIRAS DE 1824 A 1988

Rafael da Silva Lima Venancio1

Resumo
O presente artigo tem por finalidade trazer uma síntese historiográfica das
constituições do brasil desde o primeiro império até a última constituição brasileira e
vigente até hoje em todo território nacional. Também analisar a sociedade referente a
época das ditas constituições, entendendo o impacto na vida social da população.
Segundo fausto (1996, p.5) afirma:

Qualquer estudo histórico, mesmo uma monografia sobre um assunto


bastante delimitado, pressupõe um recorte do passado, feito pelo historiador,
a partir de suas concepções e da interpretação de dados que conseguiu
reunir

Fazer uma abordagem analítica das constituições, é rememorar a construção


sociopolítica que, fizeram nascer, oficialmente o estado brasileiro, bem como seus
ilustres representantes, que o tempo, por algum infortúnio, apagaram das lembranças
popular mas, a história tem por papel ressuscitar seus nomes e manterem vivos nas
letras de um papel bem como na memória. Segundo Le Goff :

Que relações tem a história com o tempo, com a duração, tanto com o tempo
"natural' e cíclico do clima e das estações quanto com o tempo vivido e
naturalmente registrado dos indivíduos e das sociedades? Por um lado, para
domesticar o tempo natural, as diversas sociedades e culturas inventaram um
instrumento fundamental, que é também um dado essencial da história: o
calendário; por outro, hoje os historiadores se interessam cada vez mais
pelas relações entre história e memória. (Le Goff, Jacques, 1924, p. 7)

Pessoas como Ulysses Guimarães, até então presidente da Assembleia nacional


constituinte, em 05 de outubro de 1988, por ocasião da promulgação da nova carta

1 Graduado em licenciatura plena em História pela fundação de ensino superior de Olinda FUNESO
(2015). Bacharelando em Direito pela Faculdade Central do Recife FACEN, Pós-graduando em
História do Brasil com ênfase no Nordeste pela faculdade Alpha (2022). É professor contratado nas
disciplinas de humanas da Secretaria de Educação e Esportes de Pernambuco.
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magna brasileira, onde, conforme seu ilustre discurso, expondo seu pensamento do
Brasil de seu tempo presente, bem como da nova constituição expressa:
"Ecoam nesta sala as reivindicações das ruas. A Nação quer mudar, a Nação deve
mudar, a Nação vai mudar." São palavras constantes do discurso de posse como
Presidente da Assembleia Nacional Constituinte.
Segundo Bonavides a história do constitucionalismo brasileiro é de uma importância
tão representativa, que chega a ser indispensável a quantos buscam estudar nossas
instituições políticas e sociais. Em suas palavras expressa : “representa um dos mais
profundos mergulhos na compreensão do passado nacional” (Bonavides 1925, p. 415)

Ainda sobre a ótica de memorar o passado, Tavares 2013 afirma que:

Um dos primeiros textos brasileiros de afeição constitucional foi o projetado


por ANTONIO CARLOS DE ANDRADA, que pode ser considerado o
“fundador” do Direito constitucional no Brasil, erguendo as bases para um
Direito Constitucional brasileiro. (TAVARES, 2013, P.56)

Palavras-chave: História; constituição; Brasil; Direito

Abstract

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The purpose of this article is to bring a historiographical synthesis of the constitutions

of Brazil from the first empire to the last Brazilian constitution and in force until today

in the entire national territory. Also analyze the society referring to the time of said

constitutions, understanding the impact on the social life of the population.

According to fausto (1996, p.5) states:

Any historical study, even a monograph on a very limited subject,


presupposes a clipping of the past, made by the historian, based on his
conceptions and the interpretation of data he managed to gather.

To make an analytical approach to the constitutions is to recall the sociopolitical

construction that officially gave birth to the Brazilian state, as well as its illustrious

representatives, which time, by some misfortune, erased from popular memory, but

history has the role of resurrecting their names. and keep alive in the letters of a

paper as well as in memory. According to LeGoff:

What relationships does history have with time, with duration, both with the
"natural" and cyclical time of climate and seasons and with the lived and
naturally recorded time of individuals and societies? On the one hand, to
domesticate natural time , different societies and cultures have invented a
fundamental instrument, which is also an essential fact of history: the
calendar; on the other hand, historians today are increasingly interested in the
relationship between history and memory (Le Goff, Jacques, 1924, p. 7)

People like Ulysses Guimarães, until then president of the National Constituent

Assembly, on October 5, 1988, on the occasion of the promulgation of the new

Brazilian Magna Carta, where, according to his illustrious speech, exposing his

thoughts on Brazil in his present time, as well as the new constitution express:

"The demands of the streets echo in this room. The Nation wants to change, the

Nation must change, the Nation will change." These are constant words in the

inauguration speech as President of the National Constituent Assembly.

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According to Bonavides, the history of Brazilian constitutionalism is of such a

representative importance that it is indispensable to those who seek to study our

political and social institutions. In his words, he expresses: “it represents one of the

deepest dives in the understanding of the national past” (Bonavides 1925, p. 415)

Still from the perspective of remembering the past, Tavares 2013 states that:

One of the first Brazilian texts of constitutional affection was the one designed
by ANTONIO CARLOS DE ANDRADA, who can be considered the “founder”
of Constitutional Law in Brazil, laying the foundations for a Brazilian
Constitutional Law. (TAVARES, 2013, p.56)

Keywords: History; constitution; Brazil; Right

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Introdução

Traçando um aspecto analítico, é possível pontuar a importância da constituição como


fragmento basilar par a unidade nacional. O Historiador Boris Fausto (2014. P 41)
divide a história do brasil colonial em três períodos conforme ele desiguais em termos
cronológicos. O primeiro da chegada de Cabral a instalação do governo geral,( 1500
à 1549), o segundo entre a instalação deste mesmo governo geral ao fim do século
XVIII e por último, o terceiro, originando-se nesta fase final do século XVIII e início do
século XIX, período da instalação da família real portuguesa na então colônia
brasileira, no rio de janeiro, até a proclamação da independência, em 1822, iniciando
de fato o Estado Brasileiro, configurado politicamente nesse momento histórico como
império do Brasil. Em suas palavras na obra história do Brasil, expondo os fatos
relativos a esta independência afirma:

A consolidação da independência se deu em poucos anos, mas isso não se


fez sem alguns conflitos militares relativamente graves. Os brasileiros
favoráveis à independência reuniram forças consideráveis para lutar contra
as tropas portuguesas que aqui estavam desde a vinda da família real, em
1808. (fausto, 2004.p 143)

Essa nova configuração política do estado brasileiro, sofreu uma administração monárquica
constitucionalista, regida pelo então príncipe regente da casa de Bragança que viria ser o primeiro
governante desse novo regime, tornando-se ele D. Pedro I. Segundo CARVALHO 2012:

O príncipe regente preparava-se, em fevereiro de 1821, para retornar à


Europa, obedecendo às ordens das cortes de Lisboa, quando foi convencido
por representantes dessas províncias e da capital a permanecer no país. A
independência de 1822, sob a liderança do príncipe, foi decorrência dessa
opção. Além das pressões das lideranças politicas as decisões de ficar e
proclamar a independência também contaram com forte apoio popular na
capital. (CARVALHO 2012 P.26)

Ainda sob o pensamento do historiador José Murilo de Carvalho, ao longo dessa consolidação da
independência, o regime monárquico constitucional, a qual foi aplicado politico administrativamente
no novo reino, fora mantido sem ruptura até a proclamação da republica. Obedecendo o pacto que
incluíra a representação popular e a separação dos poderes, mesmo que oposto o que já existia na
Inglaterra. Sobre esse fato afirma CARVALHO:
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Os redatores da constituição outorgada de 1824, escolhidos por um


imperador cuja formação se dera dentro do absolutismo, encontraram um
meio hábil de conferir, constitucionalmente, ao chefe de Estado mais poderes
do que os soberanos britânicos. Recorreram a ideia de poder neutro
desenvolvida pelo pensador franco-suiço Benjamin Costant (1767-1830) em
seu livro princípios de política, republicado em 1815. (CARVALHO 2012 P.27)

1.0 Análise histórica das constituições


1.1 conceito de Direito constitucional e a distinção de constituição Outorgada e
promulgada.

Na doutrina, há uma múltipla variação de conceitos que definem o que é a


constituição, partido da visão de Bonavides (2020, p.33). Direito constitucional tem por
objetivo determinar a forma de Estado, a forma de governo e o reconhecimento dos
direitos individuais.
O direito constitucional é uma esfera da ciência jurídica que está ligada ao ramo
do Direito Público, José Afonso da silva (2013, p 36) observa que o direito
constitucional “configura-se como Direito Publico Fundamental por referir-se
diretamente a organização e funcionamento do Estado, à articulação dos elementos
primários do mesmo e ao estabelecimento das bases da estrutura política”.
A constituição, pode ser classificada quanto a sua tipologia em duas vertentes,
sendo esta outorgada e promulgada, cesaristas (ou bonapartistas) e pactuadas (ou
dualistas). Para tanto, neste artigo escolho falar de duas destas classificações que
mais se enquadram no padrão tipológico pelas quais foram as sete constituições
brasileiras.

1.2 Constituição outorgada.


Dar-se por outorgada, aquele tipo de constituição onde fora imposta como carta
magna do Estado, por quem no controle político deste estiver. Seguindo o
pensamento jurídico doutrinário, LENZA afirma:

“outorgada é a Constituição imposta, de maneira unilateral, pelo agente


revolucionário (grupo, ou governante), que não recebeu do povo a
legitimidade para em nome dele atuar.” (LENZA, 2018, p.109)
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Conforme NUNES JUNIOR 2014, dar-se o nome de outorgada a primeira


constituição do estado brasileiro, este na condição de império do Brasil. Instituída pelo
imperador D. Pedro I, previa alguns dispositivos normativos que diziam respeito a
interferência dos do Estado na esfera de liberdade do indivíduo. Em suas palavras
expressa que:

A constituição monárquica, ao tratar do “Poder Judicial”, afirmava que uma


das principais funções do imperado como chefe do Poder Executivo era de
nomear magistrados. Dispunha o artigo 102 da constituição: “O Imperador é
o Chefe do Poder Executivo, e o exercita pelos seus Ministros de Estado. São
suas principais atribuições: Convocar a nova Assembleia Geral ordinária no
dia três de junho do terceiro anno da Legislatura existente; II Nomear Bispos,
e prover os Benefícios Ecclesiasticos; III- Nomear Magistrados” (NUNES
JÚNIOR 2014, p. 27)

No brasil, tivemos ao longo desde a independência do Brasil ao período


republicano pós regime militar, entre 1822-1988, quatro constituições outorgadas,
tendo como primaria a constituição do primeiro Império do Brasil, imposta por seu
imperador D. Pedro I. LOPES (1982), analisando esta constituição, afirma:

Em 1824, impondo sua vontade à aristocracia agraria, fosse ela de tendencia


liberal ou centralista, D. Pedro outorgou uma Constituição, tecnicamente uma
Cata Constitucional, a Carta Outorgada. (LOPES, 1982, p. 41)

Ainda sob a égide do pensamento jurídico de Pedro Lenza (2018, p.109) as


demais constituições brasileiras de cunho outorgada são as de “ 1937 (inspirada em
modelo fascista, extremamente autoritária imposta por Vargas); 1967 (constituição do
período do Regime Civil-Militar) e a EC n 1\ 69.

1.3 Constituição promulgada


Conforme o entendimento da doutrina, Promulgada: é
a constituição democrática, ou seja, feita pelos representantes do povo. são as
constituições elaboradas por um órgão constituinte previamente escolhido pelo povo
para o fim de elaborar a constituição. Conforme MORAES 2008:

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São promulgadas, também denominadas democráticas ou populares, as


Constituições que derivam do trabalho de uma Assembleia Nacional
Constituinte composta de representantes do povo, eleitos com a finalidade de
sua elaboração (exemplo: Constituições brasileiras de 1891, 1934, 1946 e
1988) (MORAES, 2008, p 35)

2.0 A ELABORAÇÃO DA PRIMEIRA CONSTITUIÇÃO


2.1 A Constituição de 1824 (Constituição da Mandioca)

O primeiro projeto de Constituição do Brasil, como nação independente, ocorre


no seu período imperial. Elaborado em 1823, por uma Assembleia Constituinte, Esse
projeto foi classificado popularmente de Constituição da Mandioca. Tal fato ocorre
devido o seu sistema de exclusivista relacionado a um dos seus mais peculiares
aspectos, o voto. O sistema de votação se dava de cunho restrito, apenas àqueles
que tivessem certo nível de renda, que por sua vez era medida em quantidade de
farinha de mandioca. Quem tivesse menos de 150 alqueires de plantação de
mandioca não teria direito ao voto.

A constituição do Império, também chamada de outorgada, por ter sido ela


imposta pelo então imperador D. Pedro I, expõe em seu texto constitucional, no art.
94, inciso I, sobre das limitações ao ato de cidadania, a exigência de possuir “renda
liquida anual duzentos mil réis por bens de raiz, indústria, comércio, ou emprego”. Lopes
(1982), assertivamente expressa quanto a biografia desta carta constitucional,
verbaliza que:

Elaborada por por uma comissão de dez membros, chefiada por José
Joaquim Carneiro de Campos, Marquês de caravelas, a Carta Outorgada
assegurava os direitos do senhor de escravo, privando estes dos mínimos
direitos de cidadania. ( LOPES, 1982, p. 42)

O mesmo historiador, trazendo a memória as limitações que esta constituição


impusera na sociedade imperial brasileira, relacionando a questão eleitoral também
expressa que:

O direito de voto era extremamente limitado, dele estando excluídos não só


os escravos como também os “criados de servir” e mais as mulheres, filhos

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casados que morassem na casa do pai (“filhos-familia”) e indivíduos que não


preenchessem os quesitos de renda mínima. ( LOPES, 1982, p. 42)

Vemos então que o proposito desta constituição imperial era a manutenção do


poder central e político na pessoa do imperador, bem como a continuidade dos
ditames sociais que já comumente era aceito pela sociedade da época.
Segundo afirma o jurista Pedro Lenza (2018, p 127) a constituição de 1824
possui além da questão já tratada em texto anterior, outras especificidades que
enumeradas temos a forma de governo de cunho monárquico, hereditário.
Constitucional e representativo, onde havia a forma unitária de estado, com uma
centralização político-administrativo na pessoa do seu governante.
Quanto a questão territorial, as antigas capitanias do período colonial em
províncias, subordinadas ao poder central, cuja capital era o Rio de Janeiro, tendo seu
governo político administrativo local, sendo gerenciada por um “presidente de
província.
Outra característica desta constituição era quanto a questão religiosa, o
catolicismo mantido como religião oficial do império brasileiro, distante do que é hoje,
um estado democrático de direito onde a laicidade é uma marca da constituição
republicana promulgada em 1988.
Um dos pontos marcantes na constituição imperial, é a celebre Poder
Moderado, Um instrumento político que servia ao imperador, como uma ferramenta
de controle dos demais poderes. Escrevendo sobre este ponto específico, PALMA
(2019) expressa:

“... receoso em perder espaços no cenário da política nacional, pois, como


bem observou Braz Florentino Henriques de Souza, é o imperador, com
efeito, quem, no exercício regular das atribuições próprias do poder
moderador, corrige os desvios, modera os excessos, e contem em suas
respectivas orbitas aos outros poderes, sobre as quais vela incessantemente;
e desde então é ele quem de certo modo dirige e governa como chefe
supremo da nação, sendo incontestável a supremacia ou a superioridade do
vigilante sobre os vigiados... ( PALMA,2019, p. 408)

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Referências

CARVALHO, José Murilo (coord.). História do Brasil Nação (1808-2010) – Vol. 2 – A


construção nacional (1830-1889). Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiro, 2020

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Ed.
Malheiros, 1999.

MORAES, Alexadre de. Direito Constitucional. 23ª edição. São Paulo: Editora Atlas,
2008.

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