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DISK OFENSA
Linha Vermelha

Tragicomédia telefônica

De Pedro Vicente

(Estreou na garagem da Casa das Rosas, SP SP, em 08/1998,


co-direção Newton Bicudo e Pedro Vicente, com Regina França,
Leona Cavalli e o autor no elenco; depois fez várias temporadas
em São Paulo e Rio de Janeiro com diferentes equipes)

CENA1

Mandrake e Mabel escutam, uma gravação com a voz de uma


locutora de aeroporto alternada a de um locutor de rádio.

LOCUTORA - Atenção senhores passageiros com destino a Puta


que Pariu, embarque imediato, portão do inferno!
LOCUTOR - E o Espírito de Porco “Bacon Fantasma” - o único
com Desprezo Total - informa: na promoção “Imbecil da Noite”,
você concorre à uma viagem à Casa do Caralho - com
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acompanhante sem pregas! E ainda pode levar um pau na bunda


inteiramente grátis!

Mandrake levanta, sério, encara Mabel.

MANDRAKE - E aí, o que você achou?


MABEL - Razoável.
MANDRAKE - Você não gostou.
MABEL - Gostei sim!
MANDRAKE - Eu te conheço.
MABEL - Tá engraçado.
MANDRAKE - Tá uma bosta.
MABEL - Pro que é, está ótimo. Não é literatura, é um Disk 900.
MANDRAKE - E pensar que era para ser uma crítica à isso tudo!
Uma peça de teatro!
MABEL - Ih! Vai começar!
MANDRAKE - Você deturpou a minha idéia para satisfazer sua
compulsividade consumista!
MABEL - Começou!
MANDRAKE -Você me fez desistir da literatura por essa
palhaçada.
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MABEL - Se você não consegue escrever e trabalhar ao mesmo


tempo, o problema é seu.
MANDRAKE - Escrever é trabalhar.
MABEL - Escrever para o Disk Ofensa, para ser reproduzido
milhões de vezes a R$3,99 o minuto é trabalhar. Agora, o que
você fazia antes é masturbação mental de mau gosto. Você
vivia duro! Escrevia uns negócios que ninguém lia e ficava se
achando o máximo!
MANDRAKE - Pelo menos eu era fiel à mim mesmo.
MABEL - Que papo furado, Mandrake! Você sempre disse que
gostava de mim porque eu era ambiciosa!
MANDRAKE - Pois é! … Mas eu não aguento pensar que, nem
explorando a doença, a raiva, a frustração, a paranóia, a maldade,
a baixaria e a pobreza das pessoas eu consigo ganhar dinheiro!
MABEL - Calma, Mandrake! A gente está começando. As coisas
demoram a funcionar nesse país. A gente fez tudo direito, vai dar
tudo certo. Você teve uma grande idéia! O Disk Ofensa é uma
mina de ouro! Você é um gênio! Você merece ganhar tudo o que
você quiser! Você merece ser o rei do Disk 900!! E eu estou aqui
para te ajudar! E para não deixar você se perder nesse narcisismo
medíocre de burguesinho falido metido a escritor ! Você tem tudo
o que precisa para arrebentar de ganhar dinheiro! Você tem a idéia,
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a documentação, a estrutura! Não é hora de entrar em crise, meu


amor! Você é um cara de sorte, Mandrake. Tem tudo pra
conseguir chegar no topo do topo do topo!
MANDRAKE - Eu adoro quando você fica cínica!
MABEL - Eu não estou sendo cínica.
MANDRAKE - Desculpe … Eu acho que você tem razão, mas eu
não sei … Às vezes me dá vontade de parar tudo!
MABEL - Não, meu amor … A gente não está fazendo mal a
ninguém.
MANDRAKE - Você sabe que a gente é responsável por tudo o
que diz, porque isso de alguma forma se imprime em algum lugar
e passa a fazer parte da nossa vida.
MABEL - E você sabe que as pessoas ligam no Disk Ofensa
justamente para expurgar um monte de lixo sem ter essa
responsabilidade! Um som que não rebate não existe. É ruído,
sujeira. Quem liga, mata o desejo agressivo sem se comprometer.
É profissional. Não faz parte da vida de ninguém!
MANDRAKE - Faz parte da minha vida! Você é louca, Mabel.
Você tem prazer com essa loucura toda, com esses gatos
pingados que ligam aqui gritando de ódio xingando uma
gravação eletrônica.
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MABEL - O Disk Ofensa é um serviço de utilidade pública! As


pessoas ficam loucas porque não deixam sair o ódio, e muito
menos o amor. Aí o amor vira utopia e o ódio vira um monstro que
enche a sua casa de sangue! Um cara é esquizofrênico, porque não
consegue mandar um outro cretino à merda! Todo mundo é sádico,
todo mundo precisa disso. Eu preciso de dinheiro. Por isso dou o
que eles querem.
MANDRAKE - Você é má.
MABEL - E você é bonzinho demais. Eu estou nesse negócio
porque acredito na sua idéia. Mas você não pode ter medo dela.
MANDRAKE - Eu não estou com medo. Eu não estou é
com saco!
MABEL - Se você quer tanto escrever, porque não cria logo umas
ofensas boas de verdade e para com essa crise de fresco!
MANDRAKE - Eu já estou fazendo isso.
MABEL - Isso que você mostrou não está ofendendo nem freira!
Tem que ser mais podre, Mandrake !!
MANDRAKE - O problema é que ninguém liga no Disk Ofensa!
Nem ao menos isso!! Os telefones estão às moscas!!
MABEL - É questão de tempo, tenho certeza. Eu estou feliz de
estar com você nessa, e sei o que estou fazendo.
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MANDRAKE - E porque você está com essa cara de que chupou


um limão?
MABEL - Ih! Vai ter que se esforçar mais … Isso é ofensa de
quem sentou numa garrafa e gostou.
MANDRAKE - A gente está ficando bom nisso …
MABEL - Bom, eu preciso que você rubrique as cópias do
contrato … Estou indo ao cartório mais tarde … Tem a caneta aí?
MANDRAKE - Eu não uso mais caneta.
MABEL - Usa a minha, meu amor. Você tem tudo que quiser,
querido, até o mais difícil e mais importante - essa mulher gostosa
que te ama tanto.
MADRAKE - Então me dá um beijo …

Beijam-se.

MANDRAKE - Depois eu rubrico essas cópias … Vou dar uma


volta pra clarear as idéias.

CENA 2

Madalena, mendiga de rua, fala sozinha num canto de calçada.


Atraído pelas palavras, Mandrake assiste.
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MADALENA - Salve apaixonado pelo lixo morfético!! … Salve


futuro milionário infeliz e traidor!! … Nessa rua, o mau é bom e o
bom é mau … E eu mato os porcos na poluição, e a chuva ácida
faz vitória e derrota no mesmo jogo!! É!! Você aí, mesmo!!
Pederasta mauricinho impotente estuprador de menino de rua!
Bicho escroto filho da pulga mais doente da cadela mais leprosa
da favela! Boçal! Boçaal! Tá fazendo o que com essa cara de ovo
podre?! Olhando a bunda da vizinha?! Esperando mais uma
oportunidade pra foder com a vida de alguém!? É?! Seu frouxo!
Seu alcoólatra anômimo! Seu micho! Você é pouco! Você é pouco
demais! Você é um ratinho!! Vem cá, meu ratinho, pra eu te
esmagar! Pra eu pisar em cima dessa cabecinha pequenininha com
essa bunda enorme! Gigolô fim de linha! Eu sempre achei você
um idiota! Eu sempre achei você um babacão! Gorila!! Vai
sapatear!! Bota um fru fru e uma sapatilha nesse pezão de bosta!!
Seu bosta! Você pensa que eu sou princesa?! Pois eu nunca gozei
com você!! Eu sempre menti! Seu cafajestezinho de padaria! Vai
pro Xingú, meu filho!! Vai aprender com índio e para de me
encher o saco! É você mesmo! Você aí da cueca suja! Você aí
vendo TV! Sua palhaça! Sua gorda! Sua palhaça gorda!! Vai
comer catchup! Vai!! Vai comer maionese! Vai fazer tua unha e
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para de me olhar com essa cara de pizza califórnia! E com esse


olho gordo mastigando a minha vida cretina! Porque você não
enfia minha vida na bunda disforme cheia de ferida do seu marido
corno?! Sua idiota rastejante! Sua ratazana! Sua porca!! Você é
muito feia! Você é cafona! Você só sabe copiar os outros!! Eu
tenho pena de você!! Bebe!! Celulite ambulante!! Porque eu comi
todos os homens que você gostava!! Porque eles queriam! E
porque você, sua babaca, não presta nem pra chupar pau de
cadáver! Nem adianta ter dinheiro! Quer dinheiro!? Quer minha
buceta?! Seu bofe escroto!! Vai fazer novela da globo!! Vai usar
outra pessoa! Vai comprar diploma porque você nunca vai
aprender porra nenhuma!! Porque eu cuspo no que eu sei! Porque
eu rasgo, chuto, sangro e mato o que eu sei! Porque você é muito
caipira! Zé ninguém!! Você não dá pra aguentar!! Eu odeio
quando você fala! Eu odeio quando você fica quieta! Porque eu
odeio você me olhando!! Porque só Deus pode estar me olhando!!
Palhaço!! Eu espero que você esteja na cadeia!! Espero que você
esteja muito gordo! Muito barrigudo!! Espero que você esteja
casado com uma mulher muito feia!! E muito chata! Espero que a
sua vida seja uma merda!! Espero que você tenha virado faxineiro
de cine pornô! Que você passe a vida limpando a porra alheia e
que sua mulher seja uma prostituta aleijada!! E pára de me olhar
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desse jeito!! Não gostou?! Chora!! Seu trolha!! Seu monte de lixo!
Quero ver se alguma luz acende no meio de tanto prédio, tanto
poste, tanta buzina, tanta gente indo no supermercado, tanto velho
tarado me olhando!! Mas Pode vir porque eu tenho uma faca no
meu bolso e não me importo com mais nada!! Pode me estuprar,
pode me chupar, pode gozar em cima de mim porque eu vou te
matar de medo!! Sua farsante!! Não olha pra mim não!! Não
chega perto porque eu te sangro!! Eu te como! Seu filho da puta!!
Eu te mordo!! Te rasgo!! Porque eu sou uma leoa no meio do mato
e estou com fome!!

INTERLÚDIO 1

Mabel incita a platéia:

MABEL - Senhoras e Senhores, estamos aqui para que nada mais


segure tudo que voces desejam botar para fora há tanto tempo!
Não se reprimam! Nós vamos libertá-los de toda carga negativa!
Ligue para o Disk Ofensa e deixe fluir a violência sufocada na sua
alma! Diga tudo que você sempre quis dizer à sua sogra! Ao seu
chefe! Ao vizinho! À Xuxa! À Sasha! Ao presidente e sua
quadrilha de cafajestes! Ao sinal eletrônico, solte os cachorros e
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tenha certeza de que, de uma forma ou de outra, suas mandíbulas


chegarão até eles! Pegue agora mesmo seu celular! Peça
emprestado ao seu vizinho de platéia! Não tenha vergonha! Pode
xingar baixinho! Pode gritar! Pode tudo! Não perca esta
oportunidade! Ao final do espetáculo, estaremos premiando a
melhor ofensa com um belíssimo nabo, à ser introduzido no
orifício de sua preferência, inteiramente grátis! Ligue já!

A luz se apaga sobre Mabel.

Foco de luz sobre um personagem anônimo, um “CLIENTE”, que


olha fixamente para um aparelho telefônico. Ele parece nervoso e
deprimido. Depois de alguma hesitação, disca ansiosamente.

A voz de Mabel numa gravação:

VOZ DE MABEL - Obrigado por ligar para o Disk Ofensa. É o


seguinte: se você tem problemas, essa é a sua chance de dar o que
você tem de melhor - o seu dinheiro! Mas vai xingando logo
porque eu tenho mais o que fazer! … Bip
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CLIENTE - Olha, eu não sei quem inventou esse negócio, mas


deve ter sido inspiração de algum diabo de terceira, que cantou a
idéia na orelha de algum cretino - que só podia ser brasileiro,
mesmo! E o pior é que esse infeliz vai acabar morrendo podre de
rico e cheio de culpa. Nadando em dinheiro e se afogando na
miséria espiritual dessa raça defeituosa - que só piora com a sua
colaboração patética! Quer dizer, isso se o povo for tão doente
quanto parece, o que ainda é uma dúvida para um otimista como
eu. Mas, antes que eu me esqueça, vá se foder! Escroque filho da
puta! Babaca! Boiola!

O cliente desliga o telefone.


Apaga-se o foco sobre ele.

CENA 3

Mandrake entra trazendo Madalena.

MANDRAKE - Entra e fica à vontade. Eu moro aqui com a minha


mulher. Você vai gostar dela.
MADALENA - Cadê a vodka?
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MANDRAKE - Tá aqui. Vou pegar um copo… ãh… Tudo bem,


eu também às vezes bebo no gargalo … Você quer fumar?
MADALENA - Eu nasci fumando.
MANDRAKE - Bom. Bebe aí tranquila, fuma o seu cigarro, a
gente vai se entender bem.
MABEL - Oi, Mandrake. Eu estou indo lá no cartório e você tem
que rubricar aquelas cópias. Mas vai logo que eu estou com pressa
… Que cheiro é esse?
MANDRAKE - Deixa eu te apresentar, essa aqui é a Madalena!
Essa aqui é a Mabel.
MABEL - Como assim? Quem é essa pessoa?
MANDRAKE - A gente se conheceu na rua. Você vai entender, ela
é uma pessoa muito envolvente.
MABEL - Envolvente é o cheiro dela!
MANDRAKE - Relaxa, Mabel, bebe alguma coisa você também e
vamos ver o que rola.
MABEL - Você está maluco! Traz uma mendiga pra casa e me
manda relaxar pra ver o que rola?!
MANDRAKE - É que essa mulher, Mabel … ! Ela vive na rua!
Ela é genuína! Ela é uma pessoa livre! Essa mulher é incrível!
MABEL - Tem milhões de pessoas vivendo na rua! Objetiva,
Mandrake! Objetiva!
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MANDRAKE - Ela vai resolver nosso impasse!


MABEL - Ela dá dinheiro? Se dá dinheiro, serve, se não, não
serve. Ela faz o que?
MANDRAKE - Ela fala!
MABEL - Ela fala?
MANDRAKE - Ela fala bem! Ela fala muito bem! Ela
manda bem!
MABEL - Ah! Então você gostou?! Quer dizer que ela
manda bem?!
MANDRAKE - Por favor, Mabel. Não é isso. É o seguinte, a
Madalena vai trabalhar com a gente. Eu tenho certeza que você vai
gostar do que ela tem para dizer.
MABEL - Trabalhar com você! Comigo ela não vai trabalhar!
Que é isso?! Você está enlouquecendo! Essa coitada não tem
nada para me dizer!
MANDRAKE - Dá um tempo, Mabel! Ela está bebendo um
negocinho pra se acostumar com o ambiente.
MABEL - Ela está bebendo a garrafa inteira!
MANDRAKE - Vamos conversar com calma!
MABEL -Você perdeu tudo o que você teve um dia! Está sem
criatividade nenhuma! Não tem o que dizer e sai pegando gente na
rua para ver se alguma coisa te inspira!
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MANDRAKE - Por sua causa.


MABEL - Se você continuar procurando inspiração na rua
você vai secar! Você só reproduz o que vê por aí e vai ficar
cada vez mais estéril e morrer seco! Eu quero ver você me
dizer alguma coisa sua!
MANDRAKE - Mas é isso, Mabel!! Essa mulher é um achado!!
Botar essa mulher numa linha telefônica é arte!! É Pop!! É Marcel
Duchamps!! É genial!!
MABEL - Você está numa situação miserável. Você está no
escuro! Na solidão! Você está morto! Você não quer se dar o
trabalho de superar essa crise e retomar sua criatividade e resolveu
sacrificar alguém pra resolver seu problema!! Eu não preciso de
nenhuma mendiga morando comigo. A gente não precisa disso,
Mandrake! A gente precisa tocar nosso projeto pra ganhar muito
dinheiro!
MANDRAKE - Só que eu estou atolado até a cabeça e não tem
uma alma torturada que ligue aqui nesse Disk Ofensa! Mas agora
eu tive uma idéia! Uma idéia bacana! Uma idéia definitiva!
MABEL - Nosso projeto precisa de qualidade, não de uma
mendiga!
MANDRAKE - Desde quando qualidade dá dinheiro?! Sabe do
que o nosso projeto precisa?!! De verdade! Uma verdade que eu e
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você não temos! O que essa mulher fala tem interesse! Ela sabe de
alguma coisa que eu e você nem imaginamos!
MABEL - Você pega ela na rua, traz pra casa, dá uma garrafa de
vodka e fica esperando ela dizer coisas geniais pra você su-gar!
MANDRAKE - Você não está me entendendo! Eu não vou me
inspirar nela, eu vou canalizar a loucura dela! É diferente! Vê se
me entende! Eu estava na rua em crise, questionando se valia a
pena trair a literatura para seguir nessa barca furada com você!
Porque eu te amo e quero me dar bem junto com você! Mas eu já
estava quase desistindo de tudo e mandando o Disk Ofensa e
você junto pro inferno quando essa mulher começou a falar! E eu
tive que parar para escutar! Porque ela estava lá fazendo um
discurso tão violento que era até poético - mas pra ninguém,
desperdiçando uma inspiração preciosa! E a gente tem que
capitalizar isso! Aí, sim, nosso projeto pode ser um projeto
interessante! Aí sim, pode não ser mais só um projeto calhorda,
só um projeto pra ganhar grana!
MABEL - Mas é um projeto só pra ganhar grana!
MANDRAKE - Mas pode ser muito mais que isso! Ninguém ouve
o que ela fala na rua por preconceito! Mas pelo telefone, as
pessoas vão querer escutar o que ela tem pra dizer! Essa mulher é
o máximo!
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MABEL - Se ela te dá prazer, então tá.


MANDRAKE - Não é nada disso, Mabel! Se liga! Vai ter ciúmes
de mendigo, agora?! A gente dá um trato, bota ela pra trabalhar, é
bola na rede com certeza!
MADALENA - Meu panetone! Meu panetonezinho! Ele falou que
eu era meu panetonezinho dele! Cheio de frutas cristalizadas! Ele
falou: mia! Mia que você está no cio, minha gata!
MABEL - Você falou isso?
MANDRAKE - Claro que não!
MABEL - Seu gosto está cada vez mais doente! Eu não sabia que
o seu mazoquismo chegava a esse ponto!
MANDRAKE - Se liga no que está acontecendo, Mabel! Ela não
tem limite! É essa loucura que a gente vai usar!
MADALENA - Dá pra falar mais baixo?! Fala baixo!! Senão te
engolem!! Eu já entendi! Vocês são do tipo de burguesinho
folgado que não tem tempo pra nada! Você tem complexo de
Glória Menezes e você parece um galã de novela mexicana que
não deu certo! Vocês me acham com cara de palhaça? Mico de
circo?! Eu estou com fome! É diferente! Só que que o Tarcísio aí
falou que ia me dar uma comida gostosa e eu só escuto esse papo
furado de gente frustrada afim de ser cobaia de fábrica de pinto de
borracha! Mas não tem problema! Eu tenho agulha pra costurar
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sua buceta! Porque meus dentes caíram, mas sobrou a língua para
contar a história. E o meu nariz pra sentir o fedor do seu mau
gosto covarde, hipocondríaco, apoplético e histérico e da sua
impotência mefítica de principiante remelento sem graça,
repulsivo e podre!
MABEL - Cala a boca!!
MADALENA - Cala a boca já morreu! Quem manda na minha
boca sou eu! Sua pulga morfética, pegajosa e cafona!!

Mabel dá um murro na cara de Madalena, que cai, desacordada.

MABEL - Ela é daquelas que começa a dizer verdades


quando bebe!
MANDRAKE - Entendeu agora? … Ela é boa nisso.
MABEL - A gente vai precisar de muita pinga.
MANDRAKE - Então você topa?
MABEL - Só se a gente colocar ela numa jaula.
MANDRAKE - Eu tirei ela da rua, ela já está presa!
MABEL - Não dá pra pegar leve! Tem que pegar pesado.
MANDRAKE - Tudo bem… Acho que enjaulada ela pode até
render mais.
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MABEL - Mas qual é a proposta? A gente coloca ela direto na


linha? O que a gente faz com ela?
MANDRAKE - A gente grava ela falando, depois eu edito, e a
gente põe na linha.
MABEL - Eu dou quinze dias pra ver se funciona.
MANDRAKE - Um brinde, Mabel! Ao sucesso do nosso
empreendimento!

INTERLÚDIO 2

O cenário se transforma dando a idéia do crescimento comercial


do Disk Ofensa, um escritório sofisticado, um poster da capa de
uma revista famosa com a cara de Mandrake e Mabel, etc.
Ao mesmo tempo, uma jaula com Madalena dentro.

Mandrake incita a platéia:

MANDRAKE - Senhoras e Senhores! Estamos aqui para que nada


mais segure a culpa que voces desejam botar para fora há tanto
tempo! Não se reprimam! Nós vamos libertá-lo da sua
consciência pesada! Ligue para o Disk Ofensa e deixe que nossos
atendentes acabem com você!! Deixe que digam tudo o que você
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precisa ouvir sobre sua existência inútil! Você, que tem sido um
estorvo para a sociedade, um peso morto, um idiota, não deixe que
a culpa continue atrapalhando a sua vida! Pegue agora mesmo seu
celular! Peça emprestado ao seu vizinho de platéia! Não perca esta
oportunidade! Ligue já!

A luz se apaga sobre Mandrake.

Um foco de luz se acende sobre o personagem anônimo, o


“CLIENTE”, que novamente olha fixamente para um aparelho
telefônico. Parece nervoso e deprimido. Depois de alguma
hesitação, disca ansiosamente e aguarda o atendimento com
angústia crescente.

CLIENTE - Alô?

Uma gravação com a voz de Madalena atende a ligação:

VOZ DE MADALENA - Ligou, né, coitadinho?! Impressionante


o papel idiota que as pessoas fazem pra se divertir! Mas era até
previsível que um surfista de privada como você, um imbecil,
imprestável, insosso, inútil, bolorento e babão como você ligasse
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nessa merda de Disk Ofensa!! Você não tem mesmo motivo para
ter vergonha nessa cara de frieira em pé de morto! Eu quero mais
é que seu cú pegue fogo e que os bombeiros estejam em greve!
Agora vai fazer uma plástica porque a poluição visual já tá demais
nessa periferia fedida metida a besta que você só piora com seu
bafo de onça!

Aparentando satisfação profunda, o Cliente desliga o telefone. O


foco de luz se apaga sobre ele.

CENA 4

Madalena na jaula, fala sozinha.

Entra Mabel, trazendo uma garrafa de pinga e um maço de


cigarros para Madalena enjaulada.

MABEL - Bom dia, Madalena. Trouxe o seu café da manhã.

MADALENA - Eu quero meu telefone.


MABEL - Telefone é pra quem pode, não é pra quem quer. Toma a
sua pinga e não enche o saco.
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Madalena avança com o braço para fora da jaula e arranca o


celular de sobre Mabel, que se assusta.

MABEL - Me dá meu telefone!


MADALENA - Que telefone?! Que telefone!! Eu não estou vendo
nada! Está tudo escuro!
MABEL - Cala a boca! Me dá meu telefone!!
MADALENA - Você está muito nervosa! Demais!! Você precisa
tomar um relaxante! Toma um dorflex! Enche um pote de açúcar
com água e enfia nessa goela de puta!
MABEL - Cala boca! Eu não tenho que aguentar isso! Cala a boca
ou eu te corto a língua e te jogo de volta no esgoto! E não quero
nem saber o quanto você está rendendo!
MADALENA - Quanto?! vale a minha língua?!
MABEL - Você não vale nada!
MADALENA - Você está deprimida porque entrou num
consórcio de carro e não tem como pagar! Não é isso?!! Você
se deu mal! Porque você não rouba um carro em vez de entrar
num consórcio?!! É fácil pagar o primeiro lance! Quero ver
pagar depois, todo o mês. É por isso que você está no inferno!
Para pagar a prestação da sua casa! Da minha casa! Da nossa
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casa! Eu não quero mais ofender ninguém! Eu quero paz! Eu


quero paz e amor!
MABEL - Há há há há há! Então porque você não se mata?
MADALENA - Porque eu não posso.
MABEL - Você não consegue?
MADALENA - Eu não quero. Meu veneno só mata quem não vê o
rei pelado! Miha língua é vacina! Quem fala comigo morre!
MABEL - Devolve o meu telefone!!
MADALENA - Eu não falo … Eu só fumo e bebo. O que sai da
minha boca não é nada … Eu não vou mais falar nada!
MABEL - Você vai falar, sim. Porque você não consegue
ficar quieta!
MADALENA - Eu não preciso falar … Minha cabeça continua
escutando
MABEL - Acho que você nem percebeu que é o sucesso do meu
projeto! Você é uma máquina de fazer dinheiro, querida
MADALENA - Eu nunca vi dinheiro … nem sei a cor que tem …
MABEL - Dinheiro é muito bom. É verde, amarelo, branco e
azul anil.
MADALENA - E porque você não enfia este dinheiro colorido no
meio desse intestino arrombado?!
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MABEL - Não sei como pode! Tem alguma coisa que agrada,
porque não pára de tocar o telefone! Você sabia disso?! O Disk
Ofensa é um sucesso! Desde que você apareceu, a gente saiu em
tudo quanto é capa de revista, e o dinheiro não para de entrar …
Além disso, o Mandrake te adora!
MADALENA - Seu marido pode ir chupar a úlcera da vaca que te
pôs no mundo! Você é mais patética do que todo mundo que liga
aqui … Minha jaula é maravilhosa! Eu amo essa jaula! Ah! Como
o tempo passa quando a gente se diverte!
MABEL - Você é engraçada.
MADALENA - E você não tem graça. Está tudo na rua! Está tudo
na rua e você não tem a menor graça! Você não vê nada! Você nem
sente o cheiro maravilhoso dos ratos! Os Ratos! Você nem sente os
ratos entrando no seu nariz!
MABEL - É interessante como você faz essas conexões.
MADALENA - Você é um rato! Você é uma ratazana chupadora
de conversa alheia! Você é uma chupadora de palavras! Porque
você não vai chupar alguma coisa mais consistente e aproveita e
traz alguma coisa pra mim também! Eu estou com fome! Eu quero
mastigar alguma coisa, eu quero mastigar seu cérebro de macaco
infectado!
MABEL - Você quer comida?
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MADALENA - Eu quero frango assado! Eu quero farofa! Eu


quero feijoada com orelha de porco! Porco! Igual aquele seu
marido que parece mais seu capacho! Seu dono! Seu supositório
concentrado de lixo!
MABEL - Lixo cultural, querida!
MADALENA - É tudo mentira! Dinheiro é lixo! E lixo é
maravilhoso! Porque parece real! E a realidade é dura! Mais dura
do que qualquer coisa que você já sentiu no meio das suas pernas
cheias de varize e celulite!!
MABEL - Você fala demais!
MADALENA - Eu amo essa jaula!!
MABEL - É bom, porque daí você não sai nunca mais.
MADALENA - Você é sádica! O Silvio Santos é sádico! Ele vai
morrer com aquele microfone espetado no peito, jogando dinheiro
para a platéia.
MABEL - As palavras são uma prisão pra você. Você faz a rede e
se enrola tanto que não consegue mais se soltar! Você não tem
controle do que fala! Você anda, anda e não sai do lugar!
MABEL - Sem mim as suas palavras não são nada… Quem tem o
poder da comunicação aqui sou eu!
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MADALENA - Você não tem o que dizer! Você nunca vai ter
nenhuma cumplicidade comigo e vai acabar se apaixonando por
mim, sua vaca!
MABEL - Me dá meu telefone!
MADALENA - Telefone é a espinha inflamada na bunda da
cadela da sua avó!
MABEL - Me dá meu telefone, sua louca! Me dá o que é meu!
Você é minha! Você não vale nada! Você veio da rua e ninguém te
aguenta! Você está aqui porque eu quero! Quando eu não precisar
mais, você volta pra rua - se eu quiser!! … Você quer fumar?!
Quer beber? Então me respeita senão eu te mato de fome!
MADALENA - Acho que você veio do inferno!!
MABEL - Se eu vim do inferno eu estou indo para o céu. Porque
eu ajudo as pessoas, eu recolho pessoas como você da rua e
transformo em sucesso!
MADALENA - Eu tive um cavalo que chamava sucesso … mas
ele morreu de velho …
MABEL - Você é o sucesso do Disk Ofensa… o sucesso da minha
conta bancária… o sucesso do meu marido… o meu sucesso.
MADALENA -O além não existe. O além é uma fiasco.
MABEL - O além é aqui.
MADALENA - O além é esta jaula … Eu quero ir embora!!
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MABEL - Você não vai à lugar nenhum!


MADALENA - E você é uma velha perversa que violenta criança!
Você vai ser assassinada, velha! Minha velinha safada! Você é o
amor da minha vida! Até um marido corno manso você me
arruma! Mas eu não vou dar pra nenhum publicitário calhorda! Eu
mato mesmo!! Eu não sou puta nem sou atriz!! Eu prefiro os ratos
aos porcos!! Eu prefiro os ratos aos porcos!! Seus porcos! Enfia
esse telefone no cú!! Sua vaca de presépio de puteiro de mocréia!

Madalena joga o celular longe. Mabel pega, testa, vê que está


funcionando e sai, satisfeita.

MABEL - Continua assim, querida, que a gente vai longe.

CENA 5

Solitário pela rua, Mandrake liga um gravador de bolso e grava:

MANDRAKE - São Paulo, 23 de fevereiro de 99 … O trabalho no


Disk Ofensa está difícil … Difícil demais … Eu me sinto
diariamente estuprado pelo mercado doente da comunicação
nociva, e o sorriso cada vez mais servil do meu gerente de banco
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só me avisa que eu continuo sendo um escravo. Tenho algumas


idéias para escrever contos, mas não tenho ânimo … Eu quero
dizer a verdade … Eu não sei se é um código ou uma paranóia,
mas parece que toda madrugada um oficial de justiça me acorda
com uma intimação para o leilão da minha dignidade, minha
identidade perdida num cartório afundado nas dunas da minha
preguiça e eu navegando na anestesia de uma insônia eterna,
escutando um demônio que me cobra um pacto, e uma hiena
gritando que é tudo verdade. Sempre tive a ilusão de no fundo
ainda ser fiel à minha opção inconsciente. Sempre tive a
autocomplacência de achar que um dia, quando eu ficasse velho e
rico, eu podia simplesmente voltar correndo para a trilha
escarpada da literatura, vencer o atraso e vingar a sede do meu
sangue, dos meus dedos e do meu cérebro. Mas agora a voz
começa me fugir da garganta, o chumbo do escapamento gruda no
meu saco plástico da verdade, e esse vento frio só me assusta
ainda mais o sono. Não tenho mais dúvidas. Preciso diluir o
sangue pisado na linha vermelha que define os contornos do meu
inferno, meu suor vetado, meus olhos procurando uma anulação
oficial ou a possibilidade de um suborno. E tudo se espalha como
um virus pelas linhas telefônicas, multiplicando o que seria
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melhor anulado. Chega. Quero que todos se fodam sem contar


comigo pra ajudar nisso.

CENA 6

Madalena enjaulada.

MADALENA - Banha de orelha pegajosa, sem graça, vira bosta,


ovo podre contaminado, asqueroso, tosco, atolado, babão…

Mandrake entra. Ela respira. Depois recomeça com mais raiva.

MADALENA - Mosca morta e enterrada no esterco da vaca


da sua mãe bexiguenta sifilítica chupadora de sovaco de
cadáver empestado, piolhento, bisonho, capado, maricas,
ignorante, manco, brega, nojento, palmeirense, congressista
covarde decadente.

Mandrake se aproxima. De repente, abre a porta da jaula e encara


Madalena, que recua.
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MANDRAKE - Pode parar de falar bonito que eu descobri a


sua história.

Ele se afasta, deixando a porta aberta.

MADALENA - Eu não tenho história nenhuma.


MANDRAKE - Eu sabia que tinha explicação pra esse seu
jeito de falar.
MADALENA - Explicação de urubú é rola no seu rabo!
MANDRAKE - O gravador não está ligado. Não precisa
desperdiçar a sua inspiração.
MADALENA - Eu não tenho isso. Não tenho esse arroto de
carniça asmática que você tanto inveja.
MANDRAKE - É verdade. Eu tenho inveja de você.
MADALENA - Tá estampado na sua cara de imbecil.
MANDRAKE - Mas se eu tivesse um pingo do seu talento, eu
faria coisas bonitas. Coisas que levassem as pessoas a ver e a
compreender a beleza do mundo.

Madalena gargalha.
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MADALENA - Há há há! Tá afim de me encher o saco ou tá


concorrendo ao Prêmio Nobel da babaquice?
MANDRAKE - Eu entendo você. Eu sei de onde você veio.
MADALENA - Eu não vim de lugar nenhum. Eu fui vomitada.
MANDRAKE - Você trabalhou desde criança como assistente de
uma escritora que morava sozinha num sítio cheio de cachorros.
MADALENA - Minha mãe adotiva.
MANDRAKE - Sua patroa.
MADALENA - Minha mulher.
MANDRAKE - Você casou com um jardineiro que ela te
apresentou, o Naldo …
MADALENA - Cala a boca, seu bosta …
MANDRAKE - Voces tiveram uma filha, mas o tal do Naldo,
acabou não gostando de como a sua patroa te tratava, e acabou
matando ela … Por ciúmes …
MADALENA - Filho da puta! Filho da puta!! FILHO DA
PUTA!!!
MANDRAKE - Ele te jurou de morte, depois vendeu sua filhinha
de um ano …
MADALENA - Cala essa boca! Cala essa boca ou eu te mato!
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MANDRAKE - Você veio pra cidade, virou puta, mas acabou


sendo presa pelo assassinato de um publicitário diretor de filme
pornográfico.
MADALENA - Ele era broxa e ameaçou furar o meu olho com
uma seringa de cocaína.
MANDRAKE - Depois de um tempo na cadeia, durante uma
rebelião, você fugiu e foi pra rua, onde eu te encontrei … Certo?
MADALENA - Não te interessa.
MANDRAKE - Agora, se você quiser … Pode voltar pra rua.

Mandrake vira as costas e acende um cigarro.


Madalena sai da jaula, e lentamente se aproxima dele. De repente
quebra uma garrafa e o ameaça.

MADALENA - Pode voltar é o caralho! Pelo menos me leva de


volta onde você me pegou.
MANDRAKE - Tudo bem.

Mandrake sai, com a garrafa quebrada contra o pescoço.

INTERLÚDIO 3
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Áudio: o ruído de rádio mal sintonizado é interrompido pela voz


metálica e animada de um locutor.

LOCUTOR - E aí, Márcio?


REPÓRTER - Tudo certo, Almeida! Acaba de chegar à redação a
última notícia sobre o desaparecimento do rei do 0-900, o
empresário Mandrake Mota, dono do Disk Ofensa. Foi
encontrada, num beco próximo à sede da empresa, no bairro do
Limão, a carteira do empresário suja de sangue. Segundo o
delegado Omar Motta, da 57 D.P., o achado reforça depoimentos
recentes de funcionários que envolvem a empresa em crimes de
seqüestro e trabalho escravo. Agora falta descobrir de quem é o
sangue que estava na carteira! É com você, Almeida.
LOCUTOR - É, Márcio, parece que há algo de podre no império
do 0-900… E agora com voces, a música da última cena.

CENA 7

Mabel lava suas mãos nervosamente.

MABEL - Não sei de onde veio essa maldita mancha de caneta na


minha mão! Essa maldita mancha preta que não me sai da mão
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desde o maldito dia em que aquele cachorro do meu marido me


fez assinar sem ler aquele maldito contrato de venda! … Porque
eu? traidor! … Eu, que fui produtora de um negócio que me
parecia uma grande idéia! Eu, que achava aquele calhorda incapaz
do mal necessário para cumprir a ambição que nos unia tanto, e
gastei minha saliva destruindo o pudor que mantinha meu amor
afastado do destino que o seu talento oferecia. Eu, que alimentei
uma víbora na minha própria casa e usei seu veneno para
enriquecer e anular a culpa que atrapalhava meu trabalho e me
avisava das consequências. Eu, que transformei meu leite em
sangue para alimentar o mal - tantas vezes vacilante na minha mão
que assinava cheques e contratos deletérios, nocivos e corruptos!
Eu! Que nunca tive medo de fazer do meu homem o rei que ele
merecia ser! Agora a noite negra que eu usei para não ver o brilho
assassino da minha fábrica de insultos parece que não sai mais de
mim! Porque aquele filho da puta me roubou! Aquele filho da puta
me deixou sozinha com a minha consciência, depois de assistir
comigo a violência que o nosso empreendimento improvável
deflagrou na alma torturada de milhões de infelizes nesse país
absurdo. Agora sai, mancha maldita! Sai! Inferno tenebroso! Que
vergonha, meu amor, que vergonha! Como era saudável o seu
medo e como era infantil a minha ganância cega, que se acreditava
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imune ao poder das palavras! Que se acreditava livre do peso de


tanto ódio canalizado pelas linhas telefônicas! Mas quem podia
dizer que tanto sangue jorraria pelas feridas abertas na memória de
cada um dos meus telefonistas? Como eu poderia supor que meu
próprio sócio, meu amante, meu amor, me destruiria a fonte de
renda e roubaria o dinheiro que devia à mim ter acumulado!
Mandrake! Eu não imaginei que você chegaria tão baixo, a ponto
de amar aquele lixo ambulante! A ponto de ser mais fiel à ela do
que à mim! … Você tinha uma esposa, Mandrake, mas onde ela
foi parar agora?! Em que lugar absurdo - onde nem o perfume de
milhões de dólares consegue lavar minha mão suja de tinta?
Chega, Mandrake!… Chega com o meu dinheiro! … Chega,
porque um morto enterrado não pode sair da tumba! Chega,
porque o que foi feito não pode ser desfeito! Chega! porque eu
tenho um caminhão de ofensas lindas para jogar na sua cara de
pau maravilhosa … Chega, meu amor …

Fim

Pedro Vicente 1998

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