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MATERIAL COMPLEMENTAR

SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE


PONTOS RELEVANTES DA
LEI Nº 14.133/2021

1
Agradecemos sua participação no Zênite Online e, para apri-
morar seus estudos, disponibilizamos este material complemen-
tar, que envolve uma série de artigos doutrinários, além de per-
guntas e respostas divulgadas na ferramenta eletrônica Zênite
Fácil, tratando de aspectos relevantes da nova lei de licitações,
apresentando as polêmicas e desafios do novo regime legal e
caminhos para solução.

Esperamos que o conteúdo aqui exposto, o material da apostila,


a apresentação e solução dos casos práticos e os ensinamentos
dos professores contribuam para seu aperfeiçoamento profis-
sional, bem como para a resolução das dificuldades vividas no
exercício de sua atividade.

Outubro/2022

A revisão linguística do conteúdo desta apostila é realizada de acordo com a norma culta da Língua Por-
tuguesa. As citações doutrinárias, jurisprudenciais e legislativas são reproduzidas conforme o original. É
proibida a reprodução total ou parcial do conteúdo desta apostila sem a permissão expressa da Zênite.
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ZÊNITE EDITORA
SUMÁRIO

DOUTRINAS

Lei nº 14.133/21: A nova lei de licitações está vigente e é


aplicável........................................................................................................06

Aplicação da Lei nº 14.133/2021 depende da edição de novos


regulamentos?..................................................................................................11

Nova lei de licitações: o princípio do planejamento................................17

Lei nº 14.133/21 e “jornal diário de grande circulação”: pode ser


eletrônico?..........................................................................................................20

A polêmica da singularidade como condição para a


inexigibilidade de licitação que visa à contratação de serviço
técnico especializado de natureza predominantemente
intelectual.....................................................................................................26

Alterações contratuais na nova lei de licitações.......................................38

Nova lei de licitações: algumas inovações.................................................47

Nova lei de licitação e contratação pública – A hora e a vez de


estados e municípios.......................................................................................56

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PERGUNTAS E RESPOSTAS

Em sede de diligência, é permitida a inclusão de documento com


data de emissão posterior ao início da sessão do pregão? A solução
será a mesma nas Leis nºs 8.666/1993 e 10.520/2002, Decreto nº
10.024/2019 e na Lei nº 14.133/2021? O que tem orientado o TCU? ....60

Qual o conteúdo do estudo técnico preliminar e do termo de


referência e a distinção entre eles, de acordo com a nova Lei de
Licitações? Na prática, percebe-se uma tendência de repetição no
conteúdo desses documentos. Isso faz sentido?......................................65

Se já realizada dispensa por valor com fundamento na Lei


nº 8.666/1993 no exercício de 2021, é possível realizar novas
dispensas por valor com base na Lei nº 14.133/2021 no mesmo
exercício?............................................................................................................69

Como comprovar a exclusividade do fornecedor para a


inexigibilidade na nova Lei de Licitações? Quais as novidades em
relação a esse tema?........................................................................................73

Em relação à instrução das contratações diretas, o que prevê a


nova Lei de Licitações?....................................................................................76

Nas dispensas em razão do valor na nova Lei de Licitações, como


avaliar a ocorrência de fracionamento indevido nos contratos
cujas vigências ultrapassem o crédito orçamentário ou quando
admitida a prorrogação?................................................................................80

Quais as diretrizes da Orientação Normativa AGU nº 69/2021, que


trata da dispensa de parecer jurídico?........................................................85

Considerando o que dispõe o art. 75, § 7º da Lei nº 14.133/2021,


será possível realizar várias contratações de até R$ 8.000,00 para
manutenção de veículos automotores, incluído o fornecimento de
peças, sem que se caracterize parcelamento indevido? ........................90
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Há incompatibilidade em usar o decreto que regulamenta a


aquisição de artigos de luxo em contratações realizadas pela Lei
nº 8.666/1993 e Lei nº 10.520/2002?...........................................................96

Em relação às modalidades de licitação, quais são as principais


novidades da nova Lei de Licitações?..........................................................103

O preço estimado deve ser entendido como máximo na nova Lei


de Licitações?....................................................................................................111

O orçamento será sigiloso na Nova Lei de Licitações?............................115

Qual a novidade da nova Lei de Licitações em relação à ordem da


fase de habilitação e apresentação da proposta? Qual o impacto
dessa novidade no pregão e na concorrência?.........................................117

É possível incluir documento novo, quando da análise da


habilitação, no regime da nova Lei de Licitações? Qual o
entendimento do TCU?...................................................................................120

É possível a formalização de termo aditivo a contratos com


efeitos retroativos, de acordo com a nova Lei de Licitações?................125

Com o término da vigência da Lei nº 8.666/1993 em abril de


2023, um contrato de serviço continuado pode ser prorrogado
de acordo com o art. 57, inc. II, da citada lei?............................................130

ORIENTAÇÃO PRÁTICA

Nova Lei de Licitações: a ratificação e publicidade nas


contratações diretas........................................................................................133

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

DOUTRINAS

LEI Nº 14.133/21: A NOVA LEI DE LICITAÇÕES ESTÁ VIGENTE E


É APLICÁVEL1-2
EQUIPE TÉCNICA ZÊNITE

Uma questão tem gerado discussões nos últimos dias, desde


que a nova Lei de Licitações nº 14.133/2021 foi sancionada:
a nova lei já seria aplicável?

A Lei entrou em vigor no dia 1º de abril último (art. 194). Ainda, nos
artigos 190 e seguintes criou algumas regras de transição: (i) contra-
tos firmados antes do dia 1º.04.2021 continuarão sendo regidos pela
Lei nº 8.666/1993 (art. 190); (ii) até o dia 1º.04.2023 a Administração
poderá optar por licitar/contratar diretamente conforme o regime da
legislação até então vigente ou a nova, cumprindo indicar, uma des-
sas 2 opções, na instrução pertinente (art. 191 c/c art. 193, inc. II); (iii)
a seção “Dos crimes e das Penas” prevista na Lei nº 8.666/1993 ficou
revogada em 1º.04.2021 (art. 193, inc.I); e (iv) as Leis nº 8.666/1993,
Lei nº 10.520/2002, e os arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462/2011 estarão
revogados em 1º.04.2023 (art. 193, inc. II).

Ao definir que a nova Lei passou a viger em 1º.04.2021 e que em 2


anos, a contar dessa data (até 1º.04.2023, portanto), a Administração
1 Artigo publicado originalmente no Blog Zênite. Disponível em: https://www.zenite.blog.br/lei-no-14-133-21-a-nova-lei-de-
-licitacoes-esta-vigente-e-e-aplicavel/.
2 Zênite, Equipe Técnica. Lei nº 14.133/21: a Nova Lei de Licitações está vigente e é aplicável. Zênite Fácil, categoria Doutrina,
22 mai. 2021. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 06 ago. 2021.

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

poderá optar pelo regime jurídico que observará em cada processo de


contratação, fica muito clara a intenção do legislador no sentido de:

1º – anunciar a existência de um novo regime jurídico para as


licitações e contratos da Administração Pública, que já está
vigente; e,

2º – definir um período para “exercitar” esse novo regime


jurídico, para um adequado aprendizado e internalização
correspondente pelos agentes públicos, de modo que, entre
1º.04.2021 e 1º.04.2023 estes poderão, mediante aposição
expressa em cada processo administrativo de contratação,
optar pelo novo regime ou pelo regime até então vigor.

Um argumento que tem sido colocado como óbice à possibilidade de


aplicar o novo regime, desde o dia 1º.04.2021, tem em vista o disposto
no art. 94, caput, da Lei nº 14.133/2021, segundo o qual a “divulgação
no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) é condição indis-
pensável para a eficácia do contrato e de seus aditamentos”.

A nova Lei cria o Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP),


enquanto sítio eletrônico oficial destinado à divulgação centraliza-
da e obrigatória dos atos exigidos pela Lei (art. 174, inc. I, da Lei nº
14.13320/21), a exemplo dos avisos de contratação direta e editais de
licitação e respectivos anexos, bem como minutas contratuais.

Por ser uma Lei muito preocupada com governança, fica bastante clara
a intenção do legislador pela transformação num governo fortemente
digital e com mecanismos de centralização. O PNCP compreenderá,
sem sombra de dúvida, importante instrumento nesse sentido.

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Agora, não se pode confundir o “instrumento” com a “nor-


ma”, esta subjacente ao dispositivo.

E a “norma”, ao tratar do uso do PNCP como instrumento de pu-


blicidade dos atos praticados nos processos de contratação, antes
de qualquer outro fator, pretendeu materializar o dever de pu-
blicidade dos atos praticados nos processos de contratação,
e todos os reflexos a ele inerentes (transparência, controle,
prestígio à competitividade etc.).

Logo, até que seja criado o PNCP, cabe aos órgãos e entidades que
optarem por já adotar o regime da Lei nº 14.133/2021 (conforme ex-
pressamente autorizado no art. 191 c/c art. 193, inc. II e art. 194) obser-
varem, enquanto instrumento de publicidade, os veículos de
divulgação oficial atualmente existentes e que têm cumpri-
do a finalidade normativa, inclusive o próprio sítio eletrôni-
co oficial do órgão ou entidade.

E há outro aspecto que não pode passar despercebido. A Lei nº


8.666/1993 perderá a vigência apenas em 1º.04.2023. Portanto, en-
quanto o PNCP não estiver disponível, continua regendo a publicidade
dos atos praticados nos processos de contratação, em termos legais
e materiais, o disposto no art. 6º, inc. XIII, da Lei nº 8.666/1993, se-
gundo o qual, é a “Imprensa Oficial – veículo oficial de divulgação da
Administração Pública, sendo para a União o Diário Oficial da União, e,
para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, o que for definido
nas respectivas leis”.

Sabe-se que, na forma do art. 191 c/c art. 193, inc. II, da Lei nº
14.133/2021, cumprirá à Administração optar, em cada processo

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

de contratação, por um dos 2 regimes (Lei nº 14.133/2021 ou Lei nº


8.666/1993 e legislações correlatas), não sendo possível mesclá-los.
Contudo, frise-se, não se deve confundir o “instrumento”
com a “norma”. O que ambas as legislações pretendem, com os dis-
positivos da Lei nº 14.133/2021 que tratam do PNCP e o art. 6º, inc. XIII,
da Lei nº 8.666/1993, é indicar, no que tange à publicidade dos
atos praticados nos processos de contratação, qual será o ve-
ículo oficial de divulgação da Administração Pública, ou seja,
qual deve ser o instrumento por meio do qual ocorrerá a divulgação
oficial da Administração Pública.

Se o instrumento indicado pelo novo regime – PNCP – não existe, até


que seja criado e esteja disponível, para cumprir a norma, deve-se
empreender a divulgação pelos instrumentos de divulgação oficial em
vigor e disponíveis (dever de publicidade), na forma do art. 6º, inc.
XIII, da Lei nº 8.666/1993, somado à divulgação no sítio eletrônico oficial.

Não fosse assim, daqui a um ano, ao lançar um pregão, por exemplo,


adotando o regime da Lei nº 8.666/1993, ainda que já disponível e
operante o PNCP, este instrumento não poderia ser utilizado para di-
vulgação do procedimento, o que seria completamente questionável.
Eventual raciocínio nesse sentido colocaria em xeque um dos objeti-
vos de criação do PNCP, não somente enquanto veículo de divulgação
oficial das contratações públicas, mas igualmente de centralização,
transparência e controle.

Portanto, a partir do instante em que o PNCP estiver dispo-


nível, a veiculação nele será obrigatória, conforme disposto
no art. 54 da Lei nº 14.133/2021. Até lá os atos praticados nas

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

licitações e contratos serão publicados nos órgãos oficiais de


publicidade, como Diário Oficial e sítios eletrônicos oficiais
dos órgãos e entidades da Administração Pública. 

Reforça esse alinhamento o disposto no art. 8º, parágrafo 1º, inc. IV, e
parágrafo 2º, da Lei de Acesso à Informação, segundo o qual, ao tratar
do dever dos órgãos e entidades públicas de promover a divulgação de
informações de interesse coletivo ou geral, citam as “informações con-
cernentes a procedimentos licitatórios, inclusive os respectivos editais
e resultados, bem como a todos os contratos celebrados”, de modo
que, para o cumprimento desse dever, “deverão utilizar todos os
meios e instrumentos legítimos de que dispuserem, sendo
obrigatória a divulgação em sítios oficiais da rede mundial
de computadores (internet).” (Grifamos.)

Importante reforçar: adotar racionalidade diversa, além de ir de encon-


tro à autorização expressa na Lei que possibilita, desde logo, adotar o
novo regime que inaugura, seria desarrazoado, uma vez que é possível
cumprir a norma  (finalidade de publicidade) pelos veículos de
Imprensa oficial/sítio eletrônico oficial, e legítimos, até que o PNCP
seja criado e esteja disponível.

Em suma, para a Zênite a Lei nº 14.133/2021 está vigente e já


pode ser aplicada.

Aspectos que dependem de regulamentação (sendo, nessa medida,


normas de eficácia contida), serão tratados em novo post, em breve.

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

APLICAÇÃO DA LEI Nº 14.133/2021 DEPENDE DA EDIÇÃO DE


NOVOS REGULAMENTOS?3-4
EQUIPE TÉCNICA ZÊNITE

A nova Lei de Licitações nº 14.133/2021 prevê expressões


como regulamento, regulamentação, ato do Poder, ato nor-
mativo/ato, num total de 53 vezes. 

A questão que fica: em todas essas referências é possível concluir que a Lei
ainda não é aplicável, compreendendo, desse modo, normas de eficácia
limitada? A resposta, no entendimento da Zênite, é negativa.

Sobre a aplicabilidade das normas, José Afonso da Silva comenta que,


“uma norma só é aplicável plenamente, se estiver aparelha-
da para incidir, o que suscita várias questões, além da interpretação,
como: estará em vigor; será válida ou legítima; é apta para pro-
duzir os efeitos pretendidos, ou precisará de outras normas
que lhe desenvolvam o sentido, em outras palavras, tem, ou
não tem, eficácia? Se a norma não dispõe de todos os requisitos para
sua aplicação aos casos concretos, falta-lhe eficácia, não dispõe de apli-
cabilidade. Esta se revela, assim, como possibilidade de aplicação. Para
que haja essa possibilidade, a norma há que ser capaz de produzir efei-
tos jurídicos.” (AFONSO DA SILVA, José. Aplicabilidade das normas cons-
titucionais. 2. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982, p. 41 e 50.)  
3 Artigo publicado originalmente no Blog Zênite. Disponível em: https://www.zenite.blog.br/aplicacao-da-lei-no-14-
-133-2021-depende-da-edicao-de-novos-regulamentos/.
4 Zênite, Equipe Técnica. Aplicação da Lei nº 14.133/2021 depende da edição de novos Regulamentos? Zênite Fácil, categoria
Doutrina, 22 mai. 2021. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 06 ago. 2021.

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Na Lei nº 14.133/2021 há normas que, apesar de vigentes e válidas,


não têm eficácia. Ou seja, sua aplicação pressupõe prévia atividade re-
gulamentar ou normativa (são normas de eficácia limitada). Outras,
no entanto, são vigentes, válidas e plenamente aplicáveis/eficazes.
Em outros termos, há normas na nova Lei de Licitações que
estão aparelhadas para plena aplicação.

Para fundamentar juridicamente essa conclusão partiremos de algu-


mas premissas interpretativas.

Conforme o art. 2º do Decreto-Lei nº 4.657/1942 (Lei de Introdução às Nor-


mas do Direito Brasileiro), “Não se destinando à vigência temporária, a lei
terá vigor até que outra a modifique ou revogue.” Ainda: “A lei posterior
revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja
com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria
de que tratava a lei anterior” (parágrafo 1º); e “A lei nova, que esta-
beleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes,
não revoga nem modifica a lei anterior” (parágrafo 2º). 

Logo, a lei nova (a exemplo do que ocorre com uma mudança constitu-
cional) recepciona a normatividade legal e infralegal anterior desde
que: (i) não tenha sido expressamente revogada; (ii) seja compatível
com o novo regime legal; (iii) não tenha sido objeto de total regulação
pela nova lei. Observados esses elementos, temos aqui a aplicação da
chamada “teoria da recepção”, comumente citada em análises en-
volvendo normas constitucionais, mas que não se restringem a elas.

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Portanto, se a lei anterior ou, mesmo, uma norma infralegal anterior (de-
creto, instrução normativa, ou outro) é compatível materialmente
com a lei nova; não adota “rótulo normativo” (decreto, instrução
normativa ou outro) incompatível com a nova lei (de modo que
teria rito diferente de elaboração/aprovação); e, ainda, a aplicação per-
tinente não gera conflito de competência à luz da nova lei (in-
suscetível de validação pela autoridade indicada na nova lei), então essa
normatização legal/infralegal anterior foi recepcionada. 

É essa análise que se exigirá relativamente a cada ponto indicado na


nova Lei de Licitações, como sujeito à regulamentação/edição de ato.  

Vejamos alguns exemplos.  

O art. 23, parágrafo 1º, da Lei nº 14.133/2021 pontua que, no “processo


licitatório para aquisição de bens e contratação de serviços em geral,
conforme regulamento, o valor estimado será definido com base
no melhor preço aferido por meio da utilização dos seguintes parâ-
metros, adotados de forma combinada ou não: I – composição de cus-
tos unitários menores ou iguais à mediana do item correspondente
no painel para consulta de preços ou no banco de preços em saúde
disponíveis no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP); II –
contratações similares feitas pela Administração Pública, em execução
ou concluídas no período de 1 (um) ano anterior à data da pesquisa
de preços, inclusive mediante sistema de registro de preços, observa-
do o índice de atualização de preços correspondente; III – utilização
de dados de pesquisa publicada em mídia especializada, de tabela de
referência formalmente aprovada pelo Poder Executivo federal e de

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sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo, desde que con-


tenham a data e hora de acesso; IV – pesquisa direta com no mínimo
3 (três) fornecedores, mediante solicitação formal de cotação, desde
que seja apresentada justificativa da escolha desses fornecedores e
que não tenham sido obtidos os orçamentos com mais de 6 (seis) me-
ses de antecedência da data de divulgação do edital; e V – pesquisa na
base nacional de notas fiscais eletrônicas, na forma de regulamento.”  

Essa é uma matéria que, no nosso entendimento, não depende de


nova regulamentação para ser aplicada. É válida, vigente e eficaz. Fica
muito evidente que a teleologia da nova Lei é a mesma presente na
Instrução Normativa nº 73/2020, a qual dispõe sobre o procedimento
administrativo para a realização de pesquisa de preços para a aquisi-
ção de bens e contratação de serviços em geral, no âmbito da admi-
nistração pública federal direta, autárquica e fundacional. Logo, toda
a disciplina prevista nessa Instrução Normativa que não conflitar/con-
trariar a nova Lei, foi recepcionada e, nesse sentido, sem sombra de
dúvida, compreenderá o norte de aplicação da nova Lei, até que um
novo regulamento seja editado.  

O mesmo se diga relativamente às terceirizações, sobretudo aquelas


envolvendo mão de obra em regime de exclusividade. O tratamento
conferido pela nova Lei de Licitações está alinhado com a discipli-
na presente no Decreto nº 9.507/2018 e na Instrução Normativa nº
05/2017, de modo que, possível entender, estes normativos foram re-
cepcionados pela nova Lei de Licitações, até que novos normativos se-
jam elaborados e publicados. Aliás, será um importante alicerce para
o tratamento de aspectos não disciplinados pela nova Lei, cobrindo

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

essas lacunas, bem como porque compreende, na atualidade, o marco


normativo que encerra as boas práticas em terceirizações de serviços
amplamente recomendadas pelos órgãos de controle. Evidentemente,
não serão aplicadas as disposições que contrariarem/conflitarem com
a Lei nº 14.133/2021.  

Por outro lado, podemos citar um exemplo de disciplina da nova Lei de


Licitações cuja aplicação depende do exercício do poder normativo, sen-
do norma de eficácia limitada: “Art. 26. No processo de licitação, poderá
ser estabelecida margem de preferência para: I – bens manufaturados e
serviços nacionais que atendam a normas técnicas brasileiras; II – bens
reciclados, recicláveis ou biodegradáveis, conforme regulamento. § 1º A
margem de preferência de que trata o caput deste artigo: I – será defi-
nida em decisão fundamentada do Poder Executivo federal, no caso do
inciso I do caput deste artigo; II – poderá ser de até 10% (dez por cento)
sobre o preço dos bens e serviços que não se enquadrem no dispos-
to nos incisos I ou II do caput deste artigo; III – poderá ser estendida a
bens manufaturados e serviços originários de Estados Partes do Merca-
do Comum do Sul (Mercosul), desde que haja reciprocidade com o País
prevista em acordo internacional aprovado pelo Congresso Nacional e
ratificado pelo Presidente da República. § 2º Para os bens manufatura-
dos nacionais e serviços nacionais resultantes de desenvolvimento e
inovação tecnológica no País, definidos conforme regulamento do Po-
der Executivo federal, a margem de preferência a que se refere o caput
deste artigo poderá ser de até 20% (vinte por cento).”  

Em conclusão: a Lei nº 14.133/2021 está vigente e é aplicável, desde


1º.04.2021. E apesar de em diversas vezes sujeitar determinada discipli-

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

na a regulamento/edição de ato, nem todas essas regras podem ser con-


sideradas “normas de eficácia limitada”.  Pela “teoria da recepção”, utili-
zada até mesmo para amparar a receptividade de normas anteriores a
novo texto constitucional (quiçá, novo texto legal, como é o caso),
devem ser acolhidas instruções, orientações normativas e, mesmo, de-
cretos, desde que exista identidade de teleologia/compatibilidade ma-
terial (e observadas as demais diretrizes indicadas no texto) e, é claro,
naquilo que não conflitar materialmente com o novo regime jurídico. 

Com a sobrevinda de novos normativos, o que deve acontecer e é


de todo recomendável, é que esses deixarão de ser aplicados. 

Esse encaminhamento, além de operar em favor da eficiência e da se-


gurança jurídica, potencializa a aplicação da nova Lei de Licitações por
parte dos órgãos e entidades da Administração Pública, prestigiando
o novel regime jurídico das contratações públicas. 

O que se orienta, de toda forma, sobretudo em razão da grande polê-


mica envolvendo a temática, é que o edital da licitação seja expresso
relativamente às normas utilizadas no processo de contratação.

POST ATUALIZADO: o racional desenvolvido no texto envolve as


normas de eficácia limitada e não contida, como constava da re-
dação anterior.

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

NOVA LEI DE LICITAÇÕES: O PRINCÍPIO DO PLANEJAMENTO5


JOSÉ ANACLETO ABDUCH SANTOS

Advogado, Procurador do Estado, Mestre e Doutor em Direito Admi-


nistrativo pela UFPR.

“Não há bons ventos para quem não sabe para onde vai” (Sêneca). Para
saber para onde ir, é preciso planejar. Planejamento é o conjunto de
providencias e de decisões adotadas previamente à execução de uma
determinada ação. Planejar uma contratação implica uma pluralidade
de providências preliminares, basicamente destinadas a identificar a
necessidade que deve ser satisfeita com a execução do contrato, a so-
lução ou objeto que seja o mais adequado para satisfazer esta neces-
sidade pública e estimar o preço a ser pago por esta execução, sempre
com vistas à melhor relação custo-benefício (“value for Money”).

Embora tenhamos algumas normas infralegais tratando do plane-


jamento das contratações públicas, como a Instrução Normativa nº
05/07 da Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento, Desen-
volvimento e Gestão, o trato substancial do planejamento não estava
previsto em uma Lei contendo normas gerais de licitações e contra-
tos. O Projeto de Lei (PL) nº 4.253/2020 aprovado no Senado Federal,
que cria um marco legal para substituir as Leis: 8.666/93, 10.520/02
e 12.462/11 traz uma disciplina específica sobre o planejamento das
licitações e dos contratos públicos, e com ela, um dever legal de bem
planejar as contratações a partir do princípio do planejamento.

5 SANTOS, José Anacleto Abduch. Nova lei de licitações: o princípio do planejamento, Zênite Fácil, categoria Doutrina, 18 dez.
2020. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 06 ago. 2021.

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

A nova lei passa a prever, no art. 5º, que o planejamento é um dos prin-
cípios que devem ser observados na sua aplicação.

O princípio do planejamento tem duplo conteúdo jurídico.

Por primeiro, o de fixar o dever legal do planejamento. A partir deste


princípio, se pode deduzir que a Administração Pública deverá plane-
jar toda a licitação e toda a contratação pública. Mas não é só isso. Não
é a realização de qualquer planejamento que atenderá dito princípio.
O planejamento que se exige é aquele que seja eficaz e eficiente, e que
se ajuste a todos os outros princípios, regras e valores jurídicos previs-
tos na Constituição Federal e na Lei.

O dever jurídico é de um planejamento adequado, suficiente, tecnica-


mente correto e materialmente satisfatório.

Este planejamento adequado pressupõe a adoção de todas as provi-


dências técnicas e administrativas voltadas a identificar com precisão
a necessidade a ser satisfeita com a execução do contrato, a correta
definição do objeto ou solução técnica, e a precisa estimativa do preço
de referência, bem como todas as demais definições indispensáveis
para configurar de modo eficaz e eficiente a licitação e o contrato.

O segundo conteúdo jurídico extraível do princípio do planejamento


diz respeito com a responsabilidade por omissão própria. A omissão se
evidencia quando “o agente não faz o que pode e deve fazer, que lhe é
juridicamente ordenado”.1 A ação determinada pela Lei, nesta medida,
é a de planejamento correto, suficiente e adequado da licitação e da

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

contratação. O descumprimento desta determinação legal, de bem


planejar, pode caracterizar conduta omissiva própria2.

Assim, não existindo justificativa para realizar o planejamento adequa-


do da licitação e do contrato, a falta ou insuficiência dele pode ensejar
a responsabilidade

Nos termos do disposto no art. 28 do Decreto-Lei nº 4.657/42, “o agen-


te público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões
técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro”.

O Decreto nº 9.830/18 prevê que “considera-se erro grosseiro aquele


manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracte-
rizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, impru-
dência ou imperícia”.

A omissão de planejamento, para ensejar responsabilização pessoal


do agente público será apenas aquela de maior gravidade, que supere
a simples falta de diligência, de pequena imprudência ou de imperícia
que não seja grave.

A conduta descuidada, equivocada, incorreta, apressada, desidiosa,


ineficiente, se não for dolosa, somente ensejará responsabilidade pes-
soal se for grave de modo a caracterizar o erro grosseiro.

19
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

LEI Nº 14.133/21 E “JORNAL DIÁRIO DE GRANDE


CIRCULAÇÃO”: PODE SER ELETRÔNICO?6
EQUIPE TÉCNICA ZÊNITE

Quando da edição da Lei nº 8.666/1993, que determinou inicialmente,


no seu art. 21, a publicação de aviso de licitações em jornal de grande
circulação, somente o jornal físico poderia atender a tal exigência le-
gal, haja vista a inexistência, à época, de jornais eletrônicos.

Por conta do cenário vivenciado por várias décadas, onde havia-se tão-
-somente jornal físico, construiu-se o entendimento de que, a grande
circulação seria medida com base na tiragem, somada à efetiva circu-
lação e disponibilidade.

O STJ – Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 41969-7/


DF, rel. Min. Costa Leite, se posicionou exatamente nesse sentido:

“A quantificação da circulação de um jornal, para definir se ela é


grande, média ou pequena, repousa, em princípio, em um dado
numérico, que é a sua tiragem, o número de exemplares im-
pressos a cada dia, algo distinto da perenidade ou longevidade do
diário, de serem seus leitores assinantes ou adquirentes avulsos do
periódico, e mesmo do seu público-alvo situar-se ou não no meio em-
presarial, dados incapazes, por si sós, de autorizar seja um órgão da
imprensa qualificado como de grande circulação.” (destacamos)
6 ZÊNITE, Equipe Técnica. Lei nº 14.133/21 e “jornal diário de grande circulação”: pode ser eletrônico? Zênite Fácil, categoria
Doutrina, 03 jun. 2022. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 03 ago. 2022.

20
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

A diretriz existente por muitos anos voltava-se apenas para jornais im-
pressos, portanto.

No entanto, não se pode desconsiderar a evolução tecnológica viven-


ciada no País nos últimos anos, a qual, inclusive, já era sinalizada por
Marçal Justen Filho ao indicar que, com o tempo, a publicação em jor-
nal de grande circulação seria objeto de substituição pela divulgação
eletrônica:

“O conceito de ‘grande circulação’ é avaliado em vista do nú-


mero de exemplares da edição física do jornal. Essa é uma
característica que tende a ser superada em vista da evolução
tecnológica. A generalidade dos jornais apresenta versões físicas e
digitais e a circunstâncias tendem a eliminar a relevância daquelas pri-
meiras. O grande problema é que, na versão digital, os avisos de lici-
tação são de visualização mais difícil. Portanto, pode-se estimar que a
alteração das características da vida social conduzirá, num momento
futuro, à eliminação da exigência da publicação do aviso em jornais
comuns. Será muito mais eficiente a divulgação dos avisos de
licitação em sítios eletrônicos especializados, que permitem
aos possíveis interessados o conhecimento muito mais pre-
ciso quanto à existência de licitações.” (JUSTEN FILHO, Marçal.
Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 2. ed., São
Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2016. 14, 1 Mb; PDF – 2. edição e-book
baseada na 17 ed. impressa. Destacamos.)

A nova Lei de Licitações – Lei nº 14.133/2021 se insere nesse


cenário de evolução tecnológica. E é sob essa perspectiva que

21
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

o dispositivo que determina a publicação em jornal diário de grande


circulação havia sido objeto de veto quando da sanção presidencial da
referida lei, pelos seguintes fundamentos:

A determinação de publicação em jornal de grande circulação contraria


o interesse público por ser uma medida desnecessária e antieconômica,
tendo em vista que a divulgação em ‘sítio eletrônico oficial’ atende ao
princípio constitucional da publicidade. Além disso, tem-se que o princí-
pio da publicidade, disposto no art. 37, caput da Constituição da Repú-
blica, já seria devidamente observado com a previsão contida no caput
do art. 54, que prevê a divulgação dos instrumentos de contratação no
Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), o qual passará a cen-
tralizar a publicidade dos atos relativos às contratações públicas.

No entanto, como é sabido, o Congresso derrubou esse veto, retoman-


do a obrigatoriedade de os entes publicarem o extrato no Diário Ofi-
cial e em jornal diário de grande circulação.

Aliás, sem qualquer margem de dúvida, um grande retroces-


so. Perdeu-se a oportunidade de corrigir esse notório equí-
voco.

A questão é que, para a Zênite, embora haja a obrigatoriedade de di-


vulgar o aviso de licitação em jornal de grande circulação, por força do
disposto no art. 54, § 1º da Lei nº 14.1333, o conceito de jornal de
grande circulação não está atrelado unicamente ao formato
físico da mídia, vale dizer, impresso, sendo plenamente acei-
tável para o atendimento da norma a publicação em jornal

22
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

eletrônico, desde que a divulgação seja de grande alcance


e possibilite o amplo acesso pelos interessados, de modo a
não violar o caráter competitivo da licitação.

Aliás, esse já era o entendimento da Zênite em análise do tema no re-


gime da Lei nº 8.666/93 (ILC 600/268/JUN/2016).

Dentro desse propósito, não pode ser ignorada a opção do legislador


da Lei nº 14.133/21 em privilegiar, de maneira muito clara, o uso de re-
cursos da tecnologia como instrumentos de divulgação oficial acerca
da realização de licitações públicas. Tanto é assim que um dos veículos
de publicação obrigatória é justamente o PNCP, concebido como um
sítio eletrônico dirigido a promover a divulgação dos atos praticados
na aplicação da Lei nº 14.133/2021 (art. 174 e seguintes). Some-se a
isso que boa parte dos Diários Oficiais mencionados no art. 54, § 1º,
nos quais também é obrigatória a divulgação do aviso de licitação,
igualmente não possuem versões físicas, mas apenas digitais.

Exemplo disso é o Diário Oficial da União. Confira a notícia:

Com a versão digital cada vez mais confiável e acessível ao público em


geral, o DOU deixou de circular em meio impresso em 30 de novembro
de 2017. Nesse mesmo ano, a publicação passou a ser disponibiliza-
da, também, em dados abertos. A publicação do DOU é regida pelo
Decreto nº 9.215, de 2018, sendo o periódico editado em três seções,
as quais publicam: os atos normativos de interesse geral dos poderes
da União (1); os atos relativos aos servidores da administração pública
federal (2); e os atos decorrentes das contratações públicas e outros de

23
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

particulares determinados pela legislação (3) (https://www.in.gov.br/


en/web/dicionario-eletronico/-/diario-oficial-da-uniao)

A divulgação em jornal eletrônico é a tendência não apenas no âmbito


das licitações e contratações públicas. Veja, como exemplo, que a Jun-
ta Comercial do Estado de Pernambuco (JUCEPE) editou a Resolução
nº 01/2021 no seguinte sentido:

CONSIDERANDO, ainda, que nos últimos anos, por razões eco-


nômicas, ambientais, de inovação, de transformação digital
ou de outra natureza, diversos jornais migraram para plata-
formas eletrônicas, com a consequente descontinuidade das
suas versões em suporte físico (papel), inclusive o Diário Oficial
da União, que passou a ser exclusivamente eletrônico e publicado no
sítio eletrônico da Imprensa Nacional, em decorrência do Decreto nº
9.215/2017; (…) 1. No âmbito da competência desta JUCEPE, nos atos
inerentes ao registro ou dele decorrentes, em conformidade com os
precisos limites do mencionado artigo 32, inciso II, da Lei nº 8.934/94,
as publicações determinadas pelos artigos 1.152, § 1º, da Lei nº
10.406/2002 (Código Civil), 2895 da Lei nº 6.404/1976 e 386 da Lei nº
5.764/1971, poderão ser realizadas em jornais eletrônicos ou
digitais, cujas edições sejam necessariamente diárias e dis-
ponibilizadas ao público em geral, através de plataformas
eletrônicas organizadas e mantidas pela empresa jornalísti-
ca, que possibilitem a eventual impressão pelo interessado,
e desde que o jornal eletrônico ou digital contenha, cumulativamente,
o nome, o número da edição e a data da publicação, bem como haja

24
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

a indicação das páginas sequencialmente numeradas, em perfeita


consonância com os respectivos Anexos IV (Manual de Registro de So-
ciedade Limitada), V (Manual de Registro de Sociedade Anônima) e VI
(Manual de Registro de Cooperativa) da Instrução Normativa DREI nº
81/2020. (destacamos)

Portanto, em atenção à finalidade da norma, e eficácia pertinente, en-


tende-se que o jornal diário de grande circulação a que alude o art. 54,
§ 1º, da Lei nº 14.133/21 não se restringe apenas aos periódicos
físicos, abrangendo, também, aqueles exclusivamente eletrônicos,
desde que de amplo acesso, disponibilizados ao público em
geral.

25
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

A POLÊMICA DA SINGULARIDADE COMO CONDIÇÃO PARA A


INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO QUE VISA À CONTRATAÇÃO
DE SERVIÇO TÉCNICO ESPECIALIZADO DE NATUREZA
PREDOMINANTEMENTE INTELECTUAL7
JOEL DE MENEZES NIEBUHR

Advogado, Doutor em Direito do Estado pela PUC/SP.

Armou-se uma bela controvérsia em torno da inexigibilidade de licita-


ção contida no inciso III do artigo 74 da Lei n. 14.133/2021, especial-
mente ao comparar a sua redação com a do inciso II do artigo 25 da
Lei n. 8.666/1993, que, de certa forma, lhe é equivalente, porque am-
bas tratam da contratação de serviços técnicos prestados por notórios
especialistas. Sucede que o inciso II do artigo 25 da Lei n. 8.666/1993
exige, literalmente, que o serviço objeto da inexigibilidade seja qua-
lificado como singular. Por sua vez, o inciso III do artigo 74 da Lei n.
14.133/2021, também literalmente, exige apenas que o serviço seja
considerado técnico especializado de natureza predominantemente
intelectual e não menciona a expressão singular nem algo do gênero.
O dispositivo da nova Lei, pelo menos em sua literalidade, não restrin-
ge a inexigibilidade ao serviço singular.

O mesmo ocorreu, é bom lembrar, com o inciso II do artigo 30 da Lei


n. 13.303/2016, que trata da hipótese equivalente de inexigibilidade
para as empresas estatais, cujo teor não prescreve expressamente a
singularidade como condição para a inexigibilidade, bastando que o
7 NIEBUHR, Joel de Menezes. A polêmica da singularidade como condição para a inexigibilidade de licitação que visa à contra-
tação de serviço técnico especializado de natureza predominantemente intelectual, Zênite Fácil, categoria Doutrina, 11 mai.
2021. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 06 ago. 2021.

26
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

contratado seja notório especialista e que o serviço seja técnico es-


pecializado. A controvérsia já se abriu diante da Lei n. 13.303/2016 e
agora se se intensifica, pela semelhança, na Lei n. 14.133/2021.

Leiam-se os dispositivos, lado a lado:


Lei nº Lei nº
Lei nº 8.666/1993
13.303/2016 14.133/2021
Art. 25.  É inexigível Art. 30. A contra- Art. 74. É inexigível
a licitação quando tação direta será a licitação quando
houver inviabilidade feita quando houver inviável a competi-
de competição, em inviabilidade de com- ção, em especial nos
especial: [...] II - para petição, em especial casos de: [...] III - con-
a contratação de ser- na hipótese de: [...] tratação dos seguin-
viços técnicos enu- II - contratação dos tes serviços técnicos
merados no art. 13 seguintes serviços especializados de na-
desta Lei, de natureza técnicos especiali- tureza predominan-
singular, com profis- zados, com profis- temente intelectual
sionais ou empresas sionais ou empresas com profissionais ou
de notória especia- de notória especia- empresas de notória
lização, vedada a lização, vedada a especialização, veda-
inexigibilidade para inexigibilidade para da a inexigibilidade
serviços de publici- serviços de publicida- para serviços de pu-
dade e divulgação; de e divulgação: [...] blicidade e divulga-
(grifo acrescido) ção: [...]

27
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Em síntese, a questão é se, nas hipóteses do inciso II do artigo 30 da Lei


n. 13.303/2016 e do inciso III do artigo 74 da Lei n. 14.133/2021, a ine-
xigibilidade depende ou não da singularidade do objeto do contrato.

Vozes gabaritadas da doutrina defendem que a inexigibilidade não


depende da singularidade; apenas da qualificação do objeto do con-
trato como serviço técnico especializado e do contratado como notó-
rio especialista. Destacam-se, nessa direção, três argumentos:

i. Literalidade - O inciso II do artigo 30 da Lei n. 13.303/2016 e o


inciso III do artigo 74 da Lei n. 14.133/2021 não prescrevem a singu-
laridade como condição para a inexigibilidade, o que decorre da von-
tade clara do legislador, especialmente se compararmos os referidos
dispositivos com o inciso II do artigo 25 da Lei n. 8.666/1993.1 As leis
mais recentes, Lei n. 13.303/2016 e Lei n. 14.133/2021, não deveriam
ser interpretadas com excessivo apego à Lei n. 8.666/1993.

(ii) Indeterminação – O conceito de singularidade é indeterminado,


bastante subjetivo e, por via de consequência, de difícil aplicação, o
que abre espaços para excessos dos órgãos de controle que acabam
por inviabilizar hipóteses de inexigibilidade legítimas previstas pelo
legislador e por responsabilizar agentes administrativos e pessoas
contratadas que atuam de boa-fé e em acordo com a legalidade.2

(iii) Distinção entre necessidade e objeto – O objeto do contrato


não precisa ser singular, porém a necessidade da Administração que
motiva a contratação é que deve sê-lo, o que demanda a caracteriza-
ção da necessidade administrativa e da proporcionalidade da solução
dada.3
28
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Refutam-se os argumentos, com a máxima deferência aos que os de-


fendem.

i. Refutação do argumento da literalidade – A inexigibilidade


pressupõe inviabilidade de competição. Os próprios caput do artigo
30 da Lei n. 13.303/2016 e caput do artigo 74 da Lei n. 14.133/2021
condicionam as hipóteses previstas nos seus incisos à inviabilidade de
competição. O decisivo é que não há inviabilidade de competição para
a contratação de serviços que não sejam singulares, que sejam ordiná-
rios e comuns, ainda que eventualmente se pretenda contratar pro-
fissional ou empresa de notória especialização. Sucede que serviços
ordinários e comuns, que não são serviços singulares, podem ser pres-
tados por quaisquer profissionais ou empresas e não necessariamen-
te por profissionais ou empresas de notória especialização. Portanto,
todos os profissionais ou empresas, qualificados para prestar tais ser-
viços, por força do princípio da isonomia, têm o direito de disputar os
respectivos contratos com igualdade, o que depende da licitação pú-
blica. A inviabilidade de competição somente se configura se o serviço
a ser contratado por meio da inexigibilidade requeira os préstimos de
alguém que possa ser qualificado como notório especialista, a ponto
de recusar critérios objetivos de julgamento. A existência de critérios
objetivos para comparar propostas impõe a obrigatoriedade de licita-
ção pública, sendo que a inexigibilidade ocorre somente nas hipóteses
em que o serviço pretendido pela Administração Pública é apreciado
por critérios subjetivos. Logo, não basta que o profissional seja repu-
tado notório especialista, porque, antes de levá-lo em consideração, é
essencial que o serviço visado requeira os préstimos de alguém assim

29
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

qualificado.4 Dito de outro modo, se o serviço é ordinário ou comum e


quaisquer profissionais ou empresas podem prestá-lo, não se visualiza
a inviabilidade de competição, que é a premissa lógica de qualquer
hipótese de inexigibilidade de licitação. Dessa forma, as hipóteses
de inexigibilidade do inciso II do artigo 30 da Lei n. 13.303/2016 e do
inciso III do artigo 74 da Lei n. 14.133/2021 são sim condicionadas e
dependem de serviços singulares, não encontrando lugar para a con-
tratação de serviços ordinários e comuns. O fundamento legal literal
não reside no inciso II do artigo 30 da Lei n. 13.303/2016 ou no inciso
III do artigo 74 da Lei n. 14.133/2021, porém nas cabeças dos referidos
artigos, que condicionam qualquer inexigibilidade à inviabilidade de
competição e, sendo assim, ainda que não o façam de forma expressa,
remetem à singularidade. De mais a mais, como sabido, a eventual e
suposta vontade do legislador não é o que deve prevalecer, porém sim
o teor dos enunciados normativos, sobremodo em acordo com a Cons-
tituição Federal, em que se destaca a parte inicial do inciso XXI do seu
artigo 37, cujo teor prescreve a licitação como regra e a contratação
direta como exceção.5

(ii) Refutação do argumento da indeterminação – O conceito


de serviço singular é sim indeterminado. Conceitos jurídicos indeter-
minados são frequentes e permeiam o Direito Administrativo e o uni-
verso das licitações e contratações. O conceito de interesse público,
que corresponde à pedra de toque do Direito Administrativo, também
o é, da mesma forma que outros centrais para as licitações e contratos,
como os de normas gerais, emergência, e bens e serviços comuns.
Alegar que um conceito jurídico é indeterminado e que ele causa pro-

30
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

blemas em razão da sua indeterminação não é razão suficiente para


negá-lo e para defender o seu oposto. O problema, na verdade, não
é a indeterminação do conceito de singularidade, porém os supostos
excessos dos órgãos de controle, que, muitas vezes, não respeitam as
competências dos agentes administrativos e o atributo da presunção
de legitimidade e da legalidade dos atos administrativos. Esse é o ver-
dadeiro problema que precisa ser enfrentado, de solução difícil e com-
plexa, e não o fato de a inexigibilidade depender da qualificação do
objeto do contrato como singular.

(iii) Refutação do argumento da distinção entre necessidade


e objeto – Necessidade (demanda) e objeto são sim coisas diferentes,
porém diretamente ligadas. O objeto singular depende da necessida-
de (demanda) singular. Dizendo de outra forma, a necessidade (de-
manda) singular é o que justifica a contratação de um objeto singular,
sendo que a singularidade presente na necessidade (demanda) deve
ser a mesma presente no objeto, porque necessidade (demanda) e ob-
jeto andam juntos, não se dissociam. Por exemplo, a Administração
identifica a necessidade (demanda) singular de contratar parecer ju-
rídico sobre a matéria A, considerada de elevada complexidade. Não
seria plausível que, para atender a tal demanda, o objeto do contrato
fosse parecer jurídico sobre a matéria B, considerada de baixa comple-
xidade. Por evidente, o objeto precisa seguir a necessidade (deman-
da) e o cerne da questão continua o mesmo: a singularidade. Mudar
o endereço da discussão sobre a singularidade do objeto para a da
necessidade (demanda) não resolve problema prático algum. Afora
não resolver, não faz sentido, porque a discussão sobre a singularida-
de do objeto sempre trouxe consigo a discussão sobre a singularidade

31
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

da necessidade (demanda). E, nesse passo, a necessidade (demanda)


singular não justifica a contratação de objeto não singular, dado que,
insista-se, o objeto deve atender à necessidade (demanda). A singu-
laridade da necessidade (demanda) e a do objeto devem ser justifica-
das sob a mira do princípio da proporcionalidade, nas suas facetas da
adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Dar
ênfase ao princípio da proporcionalidade é útil, mas, em sua essência,
não altera o fato que a inviabilidade da competição depende da singu-
laridade do objeto da contratação, o que pressupõe a singularidade da
necessidade (demanda).

Convém frisar que o Tribunal de Contas da União já se posicionou


acerca da controvérsia com vistas ao inciso II do artigo 30 da Lei n.
13.303/2016, exigindo para a configuração da inexigibilidade a carac-
terização do serviço como singular. Por coerência, porque a redação
é praticamente idêntica, é de esperar que mantenha o entendimento
em face do inciso III do artigo 174 da Lei n. 14.133/2021. Leia-se:

A contratação direta de escritório de advocacia por empresa estatal en-


contra amparo no art. 30, inciso II, alínea “e”, da Lei 13.303/2016, desde
que presentes os requisitos concernentes à especialidade e à singulari-
dade do serviço, aliados à notória especialização do contratado.6

O debate é bem-vindo e, em que pese as discordâncias, põe luz sobre


aspectos relevantes, notadamente os excessos dos órgãos de contro-
le no tocante à análise das contratações firmadas por inexigibilidade
diante da indeterminação do conceito do vocábulo singular. Infeliz-
mente, é frequente que os órgãos de controle apenas substituam o

32
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

juízo sobre a singularidade empreendido pela Administração pelo seu


próprio juízo, tudo impregnado por grau elevado de subjetividade,
causando insegurança jurídica, inviabilizando inexigibilidades legíti-
mas e penalizando agentes públicos e pessoas contratadas que atuam
de boa-fé e dentro da legalidade. A atuação dos órgãos de controle,
nesse e em muitos outros assuntos, precisa ser aprumada à presunção
de legitimidade e de legalidade dos atos administrativos, com defe-
rência aos juízos administrativos e em postura de autocontenção.

Os eventuais desacertos de órgãos de controle não justificam hipótese


de inexigibilidade que prescinda da singularidade, para a contratação
de serviços que possam ser prestados com técnica comum, julgados
por critérios objetivos e que não dependam da intervenção de notó-
rios especialistas. A inexigibilidade, qualquer que seja, é fundada na
inviabilidade de competição e, por consequência, na singularidade do
seu objeto. Não se trata de apego à Lei n. 8.666/1993. O apego, bem in-
tenso por sinal e com uma pitada de orgulho vintage, é à parte inicial
do inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal.

________________________________________
1
Murilo Queiroz Melo Jacoby Fernandes enfatiza o tratamento distinto dispensa-
do pelo legislador com mira na Lei n. 13.303/2016: “Na inexigibilidade, destaca-
-se a supressão da singularidade como condição para contratação do notório
especialista. Na Lei n. 8.666/1993, para a contratação de especialista, exigia-se
tanto a notoriedade deste quanto a singularidade do objeto. Para as estatais,
a partir de agora, basta que o serviço se enquadre entre algum daqueles trazi-
dos no inciso II do artigo 30” (FERNANDES, Murilo Queiroz Melo Jacoby. Lei n.
13.303/2016: novas regras de licitações e contratos para as Estatais. Revista IOB
de Direito Administrativo, São Paulo, v. 12, n. 134, p. 9-15, fev. 2017).

33
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

2
É a opinião sempre abalizada e contundente de Ivan Barbosa Rigolin: “Uma
importantíssima novidade desta L. 13.303/16 nesta questão é a de que a lei não
mais se refere à natureza singular do objeto como requisito para a contratação
direta. Eliminou-se um pesadelo da legislação, nunca compreendido nem por
iminentes juristas, juízes e estudiosos, nem por quem quer que seja - sobretudo
por quem tem competência para ingressar com ações civis públicas contra con-
tratantes de objetos com ou sem natureza singular – quem sabe? –, e que o faz
a torto e a direito contra culpados e contra inocentes em igual medida, e que
quanto aos últimos rouba a saúde, destrói a economia e arruína reputações pro-
fissionais como um tornado que eclode sem aviso prévio. Ao não prestigiar essa
praga asquerosa que a lei de licitações denomina natureza singular do objeto e
que ninguém jamais soube o que significa nem com mínima nitidez – porque é
um conceito abstrato, indeterminado, necessariamente impreciso e inteiramen-
te subjetivo, etéreo como o fogo de santelmo e na prática similarmente fantas-
magórico -, exalçou-se o legislador, nesse passo, a uma grandeza inesperada.
Pode ter sido boa a intenção do legislador ao referir-se à natureza singular do
objeto, porém o que ensejou foi uma genuína desgraça na prática da lei, que
dura ainda e não se sabe por quanto tempo. Lei não é poesia nem discurso fi-
losófico, e também o inferno legislativo está cheio de boas intenções [...]. Cum-
pre entretanto, aqui novamente, dizer algo sobre aqueles específicos serviços.
O primeiro a repisar é que na lei das estatais não existe a figura da natureza
singular do serviço, como requisito à sua contratação direta. Assim, por exemplo,
qualquer treinamento e aperfeiçoamento de pessoal pode ser contratado dire-
tamente, desde apenas que o contratado seja notoriamente especializado nesse
assunto” (RIGOLIN, Ivan Barbosa. As licitações nas empresas estatais pela Lei n.
13.303, de 30 de junho de 2.016. Rigolin Advocacia. Disponível em: https://rigo-
linadvocacia.com.br/artigos/detalhes/14. Acesso em: abril 2018).

3
Luciano Ferraz, um dos grandes nomes do Direito Administrativo nacional, sus-
tenta: “Logo, qualquer cogitação sobre se a Administração deveria ou não ter
contratado um profissional notório especializado para a execução de dado obje-
to (serviço) — juízo sobre a conveniência da contratação — não é uma discus-
são que reside no conteúdo em si do objeto do contrato, senão no âmbito da

34
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

necessidade administrativa a ser satisfeita por seu intermédio. Com a previsão


da hipótese de contratação por inexigibilidade baseada fundamentalmente em
notória especialização do prestador, o legislador democrático objetivou afastar
o teste, a experimentação, o risco, optando pela qualificação certa e comprova-
da de profissionais experts que se podem colocar a serviço da Administração
Pública. O diferencial subjetivo é que prepondera nesse caso, mercê da vincu-
lação da atividade administrativa ao princípio da eficiência (artigo 37, caput,
da Constituição). [...] O que se quer significar, com o exemplo, é que discussões
sobre a necessidade da contratação vis-à-vis aos meios que se colocam à dis-
posição da Administração para cumprir a finalidade pública subjacente, com
o mesmo grau de certeza, segurança e qualidade (eficiência), não dizem
respeito à singularidade do objeto (que no novo dispositivo legal encontra-se
implicitamente pressuposta à hipótese de contratação direta do artigo 74, III),
reclamando embates de outra ordem (sobre a necessidade administrativa e a
proporcionalidade da solução dada). É que a identificação da necessidade pú-
blica e a definição quanto ao meio mais eficiente para o seu provimento são, no
exame das situações de inexigibilidade, um processo avaliativo de matriz qua-
litativa e não quantitativa. A razão de ser é singela: nesse tipo de contratação
predomina o aspecto subjetivo, a ver a balança pesar em favor da garantia de
qualidade e eficiência do serviço, que decorrem essencialmente do diferencial
técnico do executor.” (FERRAZ, Luciano. ‘The walking dead na Administração’ –
temporada final (nova lei de licitações). https://repositorio.ufsc.br/bitstream/
handle/123456789/222440/%5Bartigos%5D%20the%20walking%20dead%20
na%20administração%20pública%20-%20temporada%20final%20-%20conjur.
pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: maio 2021).

4
“E esse outro dado conceitual importante é o de que a notória especialização, que
serviu para que determinado contratante fosse selecionado com escudo e o man-
to da inexigibilidade da licitação, seja em si um dado essencial para a satisfação
do interesse público a ser atendido. Se o serviço é daqueles em que a notória es-
pecialização é absolutamente acidental, apenas uma moldura que enfeita o pres-
tador de serviços, mas não integra a essência da realização, tal como desejada, do
objeto contratual, nesse caso sua invocação será viciosa e viciada, e, portanto, ata-

35
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

cável através de todas as figuras de vício do ato administrativo, com a consequente


apenação do administrador” (FIGUEIREDO, Lúcia Valle e FERRAZ, Sérgio. Dispensa
e Inexigibilidade de Licitação. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 46).

5
“Afinal, a legitimidade da contratação direta via inexigibilidade de licitação
pressupõe a motivação quanto à ‘inviabilidade de competição’. E essa – a
“inviabilidade de competição”  -, se faz presente especialmente em duas
hipóteses: (i) diante de fornecedor ou prestador de serviço exclusivo –  invia-
bilidade absoluta de competição; ou (ii) diante da impossibilidade de definir
critérios objetivos de comparação e julgamento entre propostas – a chamada
“singularidade do objeto” – inviabilidade relativa de competição. Portanto,
afora as situações envolvendo exclusividade da solução a ser contratada, bem
como de credenciamento (em que o adequado atendimento da demanda da
Administração pressupõe a contratação de todos os possíveis interessados), os
demais casos passarão pela análise de singularidade”. (Disponível em: https://
www.zenite.blog.br/nova-lei-de-licitacoes-inexigibilidade-e-a-ausencia-da-ex-
pressao-singularidade/. Acesso em: maio 2021).

“Por decorrência lógica, ao vincular a ideia de singularidade à impossibilidade


de fixação de critérios objetivos de julgamento, é possível concluirmos que a
exclusão do rótulo ‘de natureza singular’ em nada muda o cenário e o campo
de incidência do permissivo legal. Em outras palavras, a supressão do termo na
Lei n. 13.303/2016 não trouxe consigo qualquer nova hipótese apta a ser funda-
mentada no inciso II de seu art. 30, pois, caso a estatal necessite contratar ser-
viço técnico-profissional especializado outrora classificado como ‘não singular’,
a situação não culminaria em inexigibilidade de licitação, tendo em vista que
não poderia escapar da verificação acerca da possibilidade de definição de crité-
rios objetivos para a disputa e, notadamente, da comprovação do pressuposto
comum a qualquer inexigibilidade: a inviabilidade de competição.” (BARCELOS,
Dawison; TORRES, Ronny Charles. Licitações e Contratos nas empresas estatais.
Salvador: Juspodivm, 2018. p. 199).

“Ademais, precisamos deixar claro que não é qualquer serviço técnico profissio-
nal que pode ser contratado diretamente com empresas ou profissionais noto-

36
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

riamente especializados. Em que pese à lei não fazer menção expressa, é forçoso
concluir que o serviço, além de técnico profissional espeicializado, deve ser de
natureza singular, ou seja, deve ser excepcional, incomum ao cotidiano adminis-
trativo, diferenciando-se de outros similares a ponto de ser considerado pecu-
liar” (GUIMARÃES, Edgar; SANTOS, José Anacleto Abduch. Lei das Estatais. Belo
Horizonte: Fórum, 2017. p. 83).

“Com efeito, parece óbvio que a contratacão direta de um profissional ou empresa


notoriamente especializada para execucão de serviço ordinário ou que não exija,
por suas peculiaridades, a expertise própria de um especialista, nos termos do §
3° do art. 74, não se justifica. Aparentemente, não há razões para entendimen-
to diverso no caso da Lei n° 14.133/2021”. (PERCIO, Gabriela. A inviabilidade de
competição relativa na nova lei de licitações e contratos administrativos (lei nº
14.133/2021): principais mudanças e proposta de interetação para maximizar a
eficiência da contratação direta. Diálogos sobre a nova lei e licitações e contrata-
ções. Coord. Julieta Mendes Lopes Vareschini. Pinhais: JML, 2021. p. 151).

“Por tais razões, não obstante o texto legal da nova Lei de Licitacões não possua
tal previsão (de observância da singularidade), entendemos que a singularidade é
requisito que deve ser mantido pela Administracão quando da verificacão da con-
tratacão direta por inexigibilidade em serviços técnicos executados por notórios
especialistas, mesmo porque, o que justifica a contratacão de um profissional que
detenha qualificacão diferenciada é a complexidade do objeto, ou seja, a singula-
ridade” (ÁVILA, Diego. Inexigibilidade: serviços técnicos, notória especialização e
a ausência de singularidade.  Diálogos sobre a nova lei e licitações e contratações.
Coord. Julieta Mendes Lopes Vareschini. Pinhais: JML, 2021. p. 165).

6
TCU, Acórdão nº 2.761/2020, Plenário. Rel. Min. Raimundo Carreiro. Julg.
14.10.2020.

37
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

ALTERAÇÕES CONTRATUAIS NA NOVA LEI DE LICITAÇÕES8


JOSÉ ANACLETO ABDUCH SANTOS

Advogado, Procurador do Estado, Mestre e Doutor em Direito Admi-


nistrativo pela UFPR.

A Lei nº 14.133/21 manteve sistema de alterações contratuais muito


semelhante ao previsto na Lei nº 8.666/93, contudo, com algumas al-
terações significativas.

Foi mantida a prerrogativa da Administração Pública de alterar unila-


teralmente os contratos. As alterações podem ser, então, por consenso
entre as partes, e por determinação unilateral da Administração Pública.

A distinção entre alterações quantitativas e alterações qualitativas


também foi mantida na lei nova.

As inovações normativas mais relevantes são as seguintes:

1. LIMITES PARA AS ALTERAÇÕES CONTRATUAIS

O primeiro limite para as alterações contratuais fixado na Lei é o objeto


da contratação. A Lei expressamente prevê que as alterações unilate-
rais, a que se refere o inciso I do caput do art. 124, não poderão trans-
figurar o objeto da contratação.

Este limite é também de natureza constitucional, na medida em que


o art. 37, XXI da Constituição Federal preceitua que as contratações
8 SANTOS, José Anacleto Abduch. Alterações contratuais na nova Lei de Licitações. Zênite Fácil, categoria Doutrina, 16 jun.
2022. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 03 ago. 2022.

38
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

públicas deverão ser precedidas de licitação ou de processo de con-


tratação direta. Na hipótese de uma alteração contratual produzir um
resultado que modifique substancialmente o objeto contratado, a Ad-
ministração receberá, com efeito, algo que não foi licitado.

Destaque-se que, ainda que a Lei faça referência a que “as alterações
unilaterais” não poderão transfigurar o objeto, é preciso dar ao disposi-
tivo uma interpretação conforme à Constituição. Evidente que as alte-
rações contratuais consensuais, igualmente, não poderão transfigurar
o objeto da contratação.

A norma contida no art. 125 da Lei introduz, por seu turno, uma signi-
ficativa modificação em relação ao regime das alterações contratuais
previsto na Lei nº 8.666/93.

Explica-se. A Lei nº 8.666/93 preconiza, no art. 65 § 1º, que “o contratado


fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acrésci-
mos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até
25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato,
e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o
limite de 50% (cinqüenta por cento) para os seus acréscimos”.

Estes limites legais não podem ser excedidos, seja por alteração unila-
teral, seja por alteração consensual, consoante fixado pela norma do §
2º do art. 65: “nenhum acréscimo ou supressão poderá exceder os limi-
tes estabelecidos” com exceção das supressões resultantes de acordo
celebrado entre os contratantes.

39
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Pelo regime da Lei nº 8.666/93, então, as alterações unilaterais e as


alterações consensuais (ressalvada a exceção legal) estão submetidas
aos limites percentuais delimitados.

A regra acerca de limites percentuais para as alterações contratuais


prevista na Lei nº 14.133/21 é significativamente diversa.

O art. 125 da Lei preceitua que “nas alterações unilaterais a que se refe-
re o inciso I do caput do art. 124 desta Lei, o contratado será obrigado a
aceitar, nas mesmas condições contratuais, acréscimos ou supressões
de até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do con-
trato que se fizerem nas obras, nos serviços ou nas compras, e, no caso
de reforma de edifício ou de equipamento, o limite para os acréscimos
será de 50% (cinquenta por cento)”.

Atente-se para que a lei, expressamente, indica que apenas as altera-


ções unilaterais estão submetidas aos limites percentuais, para acrés-
cimos e supressões, em relação ao valor original do contrato atualiza-
do. Não há regra similar à do art. 65, § 2º da Lei nº 8.666/93.

Tal implica que as alterações contratuais consensuais, na dicção literal


da Lei, não estão sujeitas aos limites percentuais impostos pelo art.
125, mas tão somente ao limite previsto no art. 126, em razão da ne-
cessária interpretação conforme à Constituição, antes referida.

A regra do art. 125 da Lei nº 14.133/21 propicia ampla margem de dis-


cussão. Mas, é inegável, o legislador excluiu as alterações contratuais

40
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

consensuais de qualquer limite percentual em relação ao valor inicial


do contrato atualizado.

Sugere-se uma interpretação da norma à luz dos princípios da razoabi-


lidade, da proporcionalidade e da segurança jurídica.

Não parece razoável ou proporcional, ou juridicamente seguro, admitir


que uma alteração contratual consensual possa produzir acréscimos
ou supressões em montante tal que desnature o contrato original.

Não é correto, igualmente, que uma alteração contratual produza um


resultado que, se tivesse sido previsto no processo licitatório, poderia
ter atraído potenciais licitantes diversos – modificando significativa-
mente o universo concorrencial original.

Uma interpretação segura indica que, diante da omissão legal no que


tange a limites percentuais para as alterações consensuais, sejam elas
realizadas apenas no montante necessário, e justificado, para adapta-
ções da execução do contrato ao interesse efetivo e legítimo da Admi-
nistração, ainda que superiores àqueles limites previstos no art. 125.

2. RESPONSABILIDADE POR ALTERAÇÕES CONTRATUAIS DE-


CORRENTES DE FALHA DE PROJETO

Se forem decorrentes de falhas de projeto, as alterações de contratos


de obras e serviços de engenharia ensejarão apuração de responsabi-
lidade do responsável técnico e adoção das providências necessárias
para o ressarcimento dos danos causados à Administração (art. 124, §
1º).

41
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

A situação administrativa ideal seria aquela em que a execução con-


tratual, tal qual originalmente configurada, pudesse resultar na satis-
fação integral da necessidade que deu causa ao contrato.

Nesta linha, em caso de correto, adequado e suficiente o planejamen-


to da contratação, por hipótese, as necessidades de alterações contra-
tuais se restringiriam a situações decorrentes de fatos supervenientes,
fatos novos, imprevisíveis e imprevistos.

Para evitar alterações contratuais que não sejam decorrentes de fatos


supervenientes, é preciso dar atenção ao princípio do planejamento
previsto no art. 5º e à norma do art. 18 (ambos da Lei nº 14.133/21),
que dispõe que a fase preparatória da contratação é caracterizada
pelo planejamento. Há, assim, um dever jurídico de realizar o corre-
to e adequado planejamento do contrato, com precisa identificação
da necessidade a ser satisfeita e descrição também precisa do objeto
contratual.

Contudo, não é incomum que alterações contratuais sejam necessá-


rias em razão de defeitos de planejamento.

De muito o Tribunal de Contas da União aponta que os defeitos de pla-


nejamento podem ensejar a responsabilidade dos agentes públicos
que lhes deram causa. A Lei, agora, determina esta responsabilização
e constitui a alta administração dos órgãos e entidades públicas em
dever jurídico inarredável.

42
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

O dever jurídico de instaurar processo administrativo para apuração


de responsabilidade por falha de projeto que tenha ensejado altera-
ção de contrato de obra ou de serviço de engenharia.

Podem ser responsabilizados, neste caso, os engenheiros, arquitetos,


ou profissionais de áreas afins, agentes públicos ou não, que tenham
elaborado o anteprojeto, o projeto básico ou o projeto executivo da
obra ou do serviço de engenharia.

Esta responsabilização se dará nos limites do disposto no art. 28 do


Decreto-Lei nº 4.657/42. Desta feita, somente responderá o agente
público que tenha atuado com dolo – intenção de realizar um projeto
defeituoso -, ou erro grosseiro, vale dizer, culpa grave: grave negligên-
cia, grave imprudência ou grave imperícia.

Evidenciado o dolo ou o erro grosseiro de que trata a Lei, o profissional


responsável pelo projeto defeituoso deverá ressarcir os danos causa-
dos, sem prejuízo de aplicação de outras sanções legalmente previstas.
Tudo somente após o curso do devido processo legal, com garantias
de contraditório e de ampla defesa, por óbvio.

3. DEFINIÇÃO DE PREÇOS UNITÁRIOS NO CASO DE INCLUSÃO


DE INSUMOS, MATERIAIS, OBRAS OU SERVIÇOS NOVOS

No curso da execução contratual pode ser identificada a necessidade


de inclusão de materiais, insumos, serviços, inclusive de engenharia,
ou obras novas, imprevistos no contrato original.

43
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Neste caso, o contrato certamente não contempla preços de referência


para os novos itens que devem ser incorporados à contratação.

A Administração Pública deverá identificar no mercado específico o


preço de referência para os insumos, materiais, serviços ou obras que
pretende incluir no encargo contratual quando da alteração. A refe-
rência para a definição destes preços serão os parâmetros fixados no
art. 23 da Lei nº 14.133/21.

Identificados os preços de mercado dos itens que se pretende acres-


cer, a definição dos preços a serem incorporados ao contrato será feita
“por meio da aplicação da relação geral entre os valores da proposta
e o do orçamento-base da Administração sobre os preços referenciais
ou de mercado vigentes na data do aditamento, respeitados os limites
estabelecidos no art. 125” da Lei.

Por exemplo: imagine-se que o valor do orçamento base da licitação


foi de R$ 1.000.000,00, e a proposta do licitante no certame foi de R$
900.000,00. A relação entre orçamento e proposta é de 10%. Este será
o desconto que deve ser aplicado nos preços de mercado encontrados
para os itens novos para o fim de fixação dos preços no contrato alte-
rado.

A Lei fixa, também, que a diferença percentual entre o valor global do


contrato e o preço global de referência não poderá ser reduzida em
favor do contratado em decorrência de aditamentos que modifiquem
a planilha orçamentária.

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Esta hipótese diz respeito à definição de preços para fins de acrésci-


mos de insumos, materiais, obras e serviços que já estão previstos no
contrato. Assim, a cada alteração contratual, é preciso identificar o pre-
ço atual de mercado daquilo que será objeto de acréscimo. Sobre este
preço atual de mercado, será aplicado o mesmo desconto dado pelo
contratado, em relação ao orçamento de referência, para se sagrar
vencedor da disputa licitatória.

Trata-se de incorporação expressa do método do desconto, preconi-


zado pelo Tribunal de Contas da União por intermédio do Acórdão nº
1.755/2004, para manter, após cada alteração contratual, o desconto
original entre o valor global contratado e o valor estimado pela Admi-
nistração Pública.

4. TERMO ADITIVO COMO CONDIÇÃO PARA EXECUÇÃO DAS


ALTERAÇÕES CONTRATUAIS

O art. 132 da Lei nº 14.133/21 fixa que “a formalização do termo aditivo


é condição para a execução, pelo contratado, das prestações determina-
das pela Administração no curso da execução do contrato, salvo nos ca-
sos de justificada necessidade de antecipação de seus efeitos, hipótese
em que a formalização deverá ocorrer no prazo máximo de 1 (um) mês”.

Com efeito, qualquer execução material diversa daquela originalmente


prevista no contrato deverá ser precedida de formalização, mediante
termo aditivo, afinal, é nulo todo contrato verbal com a Administração
Pública, ressalvada a exceção prevista no art. 95, § 2º. E, qualquer exe-
cução material diversa daquela contratualmente prevista, caracteriza
contratação verbal.

45
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Inobstante, é bastante comum que gestores ou fiscais de contrato au-


torizem ou determinem execuções contratuais a descoberto de termo
aditivo contratual. Tal conduta é ilegítima, irregular e pode ensejar a
responsabilização pessoal.

Caso evidenciada situação de fato na qual a execução do contrato


deva ser alterada de imediato, sob pena de prejuízo para o interesse
público, a Lei autoriza seja efetivada, mesmo sem formalização prévia
de termo aditivo ao contrato.

De modo impreciso, a lei faz referência a que esta autorização legal


para execução de alterações contratuais, sem termo aditivo prévio, se-
ria uma espécie de antecipação dos seus efeitos – do termo aditivo.

Não parece a expressão mais correta. De fato, o que é autorizado por


pela lei é a postergação da formalização da alteração contratual, que
deve ocorrer no prazo máximo de um mês.

Não há antecipação de nenhum efeito de termo aditivo, mas antes, au-


torização legal para imediata efetivação material da alteração contratu-
al, que será objeto de formalização em momento futuro. Registre-se que
o prazo de um mês de que trata a Lei se conta data a data (art. 183, II).

Acompanhe também novidades sobre contratações públicas no Insta-


gram: @joseanacleto.abduch.

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

NOVA LEI DE LICITAÇÕES: ALGUMAS INOVAÇÕES9


JOSÉ ANACLETO ABDUCH SANTOS

Advogado, Procurador do Estado, Mestre e Doutor em Direito Admi-


nistrativo pela UFPR.

Foi aprovado no Senado Federal o Projeto de Lei (PL) nº 4.253/2020,


que cria um marco legal para substituir as seguintes Leis: 8.666/1993,
10.520/2002 e 12.462/2011.

Trata-se de uma importantíssima medida legislativa que produz pro-


fundas inovações no regime jurídico das licitações e das contratações
públicas.

Em síntese, se tratará de algumas das inovações significativas.

1ª inovação significativa: relativa ao planejamento das lici-


tações

A nova lei incorpora de modo expresso alguns princípios que deverão


nortear a aplicação da legislação, como o do planejamento.

A previsão de que o planejamento é um princípio cria um correlato


e imediato dever jurídico para os administradores públicos, que des-
cumprido ensejará a responsabilidade. Vale dizer, agora é expresso o
dever de planejamento correto, suficiente e adequado da licitação e
do contrato público.
9 SANTOS, José Anacleto Abduch. Nova lei de licitações: algumas inovações, Zênite Fácil, categoria Doutrina, 12 dez. 2020. Dis-
ponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 06 ago. 2021.

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Há, dentre outras, definições de serviços contínuos e serviços não con-


tínuos, o que pode auxiliar, em muito, o planejamento da licitação, seja
no que tange às obrigações principal e acessória, seja no que tange à
definição do prazo contratual.

Desaparece a modalidade de convite, e é criada a modalidade de “dia-


logo competitivo”.

A contratação direta por intermédio do credenciamento passou tam-


bém a ser expressamente prevista, assim como a pré-qualificação, ob-
jetiva e subjetiva.

Foi aprimorada a figura do seguro-garantia. O seguro garantia, numa


das hipóteses legais, deverá garantir o fiel cumprimento das obriga-
ções contratadas. O custo do seguro será integrado ao preço ofertado.

A Administração Pública poderá prever a obrigação de a seguradora


assumir a execução e concluir o objeto do contrato.

A Lei prevê ainda que o contrato “poderá identificar os riscos de riscos,


alocando-os entre contratante e contratado, mediante indicação da-
queles a serem assumidos pelo setor público ou pelo setor privado ou
daqueles a serem compartilhados” (art. 102).

A alocação de riscos considerará, em compatibilidade com as obriga-


ções e os encargos atribuídos às partes no contrato, a natureza do risco,
o beneficiário das prestações a que se vincula e a capacidade de cada
setor para melhor gerenciá-lo. Serão preferencialmente transferidos ao
contratado os riscos que tenham cobertura oferecida por seguradoras.

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

No que tange ao orçamento estimativo da contratação, a nova lei con-


tém regras bem interessantes. Prevê que o valor estimado da contratação
deve ser compatível com o mercado “considerados os preços constantes
de bancos de dados públicos e as quantidades a serem contratadas, ob-
servadas a potencial economia de escala e as peculiaridades do local de
execução do objeto (art. 23)” e oferece um protocolo administrativo para
a obtenção do preço de referência das contratações.

O orçamento estimado da contratação poderá ser sigiloso, tal qual já


ocorre no plano das licitações e contratações das empresas estatais,
com a ressalva de que no âmbito da Lei nº 13.303/16 o orçamento esti-
mativo deverá ser sigiloso, enquanto que no plano da nova lei, o sigilo
do orçamento deverá ser justificado (art. 24).

2ª inovação significativa: definição do prazo do contrato

Há previsão de que os contratos de serviços e de fornecimento con-


tínuo poderão ser celebrados por prazo de até cinco anos (lembre-se
que este prazo era exclusivo para os contratos de prestação de servi-
ços contínuos). Os contratos de locação de equipamentos e utilização
de programas de informática também poderão ser celebrados por até
cinco anos.

Estes contratos de prestação de serviços e de fornecimento contínuo


podem ser prorrogados até o limite máximo de dez anos “desde que
haja previsão em edital e que a autoridade competente ateste que as
condições e os preços permanecem vantajosos para a Administração,

49
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

permitida a negociação com o contratado ou a extinção contratual


sem ônus para qualquer das partes” (art. 106).

Os contratos de receita e os contratos de eficiência podem ser celebra-


dos por até dez anos, caso não tenham investimentos, e os contratos
com investimento (aqueles que impliquem a elaboração de benfeito-
rias permanentes, realizadas exclusivamente a expensas do contrata-
do, que serão revertidas ao patrimônio da Administração Pública ao
término do contrato – art. 109) podem ser celebrados com prazo de
até 35 anos.

3ª inovação significativa: fase de execução dos contratos

O retardamento imotivado da execução do contrato passa a ser ex-


pressamente vedado, mesmo na hipótese de troca de chefia do Poder
Executivo ou de novo titular do órgão ou entidade contratante (art.
114).

Quando da contratação de obras a expedição da ordem de serviço será


obrigatoriamente precedida de depósito, em conta vinculada, dos re-
cursos financeiros necessários para custear as despesas relativas à eta-
pa a ser executada, e estes recursos são impenhoráveis (art. 114, § 2º).

A obtenção do licenciamento ambiental prévio, quando for de atribui-


ção da Administração Pública, obrigatoriamente se dará antes da di-
vulgação do instrumento convocatório (art. 114, § 4º).

Há uma importante determinação de sustentabilidade social no que


diz respeito as contratações de pessoal pelo contratado: “ao longo de

50
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

toda a execução do contrato, o contratado deverá cumprir a reserva de


cargos prevista em lei para pessoa com deficiência, para reabilitado da
Previdência Social ou para aprendiz, bem como as reservas de cargos
previstas em outras normas específicas” (art. 115).

De modo bastante suficiente, a nova lei disciplina a figura e as atribui-


ções do “fiscal do contrato”.

O fiscal do contrato “será auxiliado pelos órgãos de assessoramento


jurídico e de controle interno da Administração, que deverão dirimir
dúvidas e subsidiá-lo com informações relevantes para prevenir riscos
na execução contratual (art. 116, § 3º)”.

Há importante disciplina legal também para a contratação de terceiros


para assistir e subsidiar a fiscalização oficial da execução do contrato
(art. 116, § 4º).

Restou pacificada a questão relacionada à responsabilidade subsidi-


ária por encargos trabalhistas do contratado quando da execução de
contratos de prestação de serviços com dedicação exclusiva de mão
de obra. Na linha do entendimento já manifestado pelo Supremo Tri-
bunal Federal e pelo Tribunal Superior do Trabalho, “exclusivamente
nas contratações de serviços contínuos com regime de dedicação ex-
clusiva de mão de obra, a Administração responderá solidariamente
pelos encargos previdenciários e subsidiariamente pelos encargos
trabalhistas se comprovada falha na fiscalização do cumprimento das
obrigações do contratado (art. 120, § 2º).

51
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Para o fim de evitar o descumprimento de obrigações trabalhistas por


parte do contratado, nos casos de contratação de serviços com dedica-
ção exclusiva de mão de obra “a Administração, mediante disposição
em edital ou em contrato, poderá, entre outras medidas: I – exigir cau-
ção, fiança bancária ou contratação de seguro-garantia com cobertura
para verbas rescisórias inadimplidas; II – condicionar o pagamento à
comprovação de quitação das obrigações trabalhistas vencidas relati-
vas ao contrato; III – efetuar o depósito de valores em conta vinculada;
IV – em caso de inadimplemento, efetuar diretamente o pagamento
das verbas trabalhistas, que serão deduzidas do pagamento devido
ao contratado; V – estabelecer que os valores destinados a férias, a dé-
cimo terceiro salário, a ausências legais e a verbas rescisórias dos em-
pregados do contratado que participarem da execução dos serviços
contratados serão pagos pelo contratante ao contratado somente na
ocorrência do fato gerador (art. 120, § 3º)”. Esta nova disposição legal
contempla rotinas e exigências que já vinham sendo implementadas
por grande parte da Administração Pública, por força de entendimen-
to do Tribunal de Contas da União, ou de normas infralegais, como a
Instrução Normativa nº 05/17 da Secretaria de Gestão do Ministério
do Planejamento. Mas, se deve reconhecer que a previsão legal delas
constitui inegável avanço.

No que diz respeito às alterações contratuais, se deve salientar que (i)


se forem decorrentes de falhas de projeto, as alterações de contratos
de obras e serviços de engenharia ensejarão apuração de responsabi-
lidade do responsável técnico e adoção das providências necessárias
para o ressarcimento dos danos causados à Administração (uma regra

52
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

de fomento do planejamento adequado das contratações!); e (ii) a ele-


vação extraordinária do preço de insumo específico que tenha impac-
to em todo o custo de produção, será avaliada mediante novo exame
de preço dos principais insumos do contrato, e pode ensejar a revisão
do contrato.

Há previsão de que o pedido de recomposição do equilíbrio econômi-


co-financeiro do contrato (reajuste, revisão ou repactuação) deve ser
formulado durante a vigência do contrato, antes de eventual prorro-
gação, sob pena de preclusão. Trata-se de previsão expressa do insti-
tuto da preclusão lógica de muito defendido pelo Tribunal de Contas
da União.

4ª inovação significativa: meios alternativos de resolução de


controvérsias

Avançou a nova lei para conferir segurança jurídica para a adoção de


meios alternativos de resolução de controvérsias, ao prever que “po-
derão ser utilizados meios alternativos de prevenção e resolução de
controvérsias, notadamente a conciliação, a mediação, o comitê de
resolução de disputas e a arbitragem”, e que tais meios alternativos
podem ser aplicados às controvérsias relacionadas a direitos patrimo-
niais disponíveis, como as questões relacionadas ao restabelecimento
do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, ao inadimplemento
de obrigações contratuais por quaisquer das partes e ao cálculo de
indenizações” (art. 150).

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

5ª inovação significativa: apuração de responsabilidade, ti-


picidade e aplicação de sanções

No plano da Lei nº 8666/93, um dos grandes desafios jurídicos é o da


apuração da responsabilidade e o da aplicação de sanções, especial-
mente por lacunas normativas acerca da tipicidade.

De muito vinha se debatendo a doutrina acerca da validade e da legi-


timidade de sanções, diante da falta de previsão legal de fatos típicos
e da correspondente sanção.

A nova lei contempla um elenco de fatos típicos e de sanções a eles


correspondentes, bem como o instituto da desconsideração da perso-
nalidade jurídica, ao dispor que “a personalidade jurídica poderá ser
desconsiderada sempre que utilizada com abuso do direito para facili-
tar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei
ou para provocar confusão patrimonial, e, nesse caso, todos os efeitos
das sanções aplicadas à pessoa jurídica serão estendidos aos seus ad-
ministradores e sócios com poderes de administração, à pessoa jurídi-
ca sucessora ou à empresa do mesmo ramo com relação de coligação
ou controle, de fato ou de direito, com o sancionado, observados, em
todos os casos, o contraditório, a ampla defesa e a obrigatoriedade de
análise jurídica prévia” (art. 159).

6ª inovação significativa: disposições sobre controle das con-


tratações

A Lei nova estabelece determina a adoção de mecanismos de com-


pliance e de integridade nas contratações públicas, instituindo ex-

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

pressamente as denominadas “três linhas de defesa do compliance”:


“as contratações públicas deverão submeter-se a práticas contínuas e
permanentes de gestão de riscos e de controle preventivo, inclusive
mediante adoção de recursos de tecnologia da informação, e, além
de estar subordinadas ao controle social, sujeitar-se-ão às seguintes
linhas de defesa: I – primeira linha de defesa, integrada por servidores
e empregados públicos, agentes de licitação e autoridades que atuam
na estrutura de governança do órgão ou entidade; II – segunda linha
de defesa, integrada pelas unidades de assessoramento jurídico e de
controle interno do próprio órgão ou entidade; III – terceira linha de
defesa, integrada pelo órgão central de controle interno da Adminis-
tração e pelo tribunal de contas (art. 168)”.

São estas, dentre outras, algumas das muitas inovações legislativas


produzidas pela nova lei de licitações.

Acompanhe também novidades sobre contratações públicas no


instagram: joseanacleto.abduch.

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

NOVA LEI DE LICITAÇÃO E CONTRATAÇÃO PÚBLICA – A HORA E


A VEZ DE ESTADOS E MUNICÍPIOS10
EDGAR GUIMARÃES

Advogado. Pós-Doutor em Direito pela Università del Salento (Itália).


Doutor e Mestre em Direito Administrativo pela PUC/SP. Presidente do
Instituto Paranaense de Direito Administrativo. Árbitro da CAMFIEP/
PR. Conselheiro da OAB/PR.

O Senado Federal aprovou a redação final do Projeto de Lei nº


4.253/2020, substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei
nº 1.292-E de 1995 do Senado Federal (PLS nº 163/95 na Casa de ori-
gem), que estabelece normas gerais de licitação e contratação para a
Administração Pública Direta, Autárquica e Fundacional da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

De acordo com o devido processo legislativo, o Presidente da Repúbli-


ca, no exercício dos poderes que lhe são conferidos, deverá apreciar a
matéria apondo a respectiva sanção e, com isso, estabelecer um novo
regime jurídico para as licitações e contratações públicas por meio da
publicação da lei na Imprensa Oficial.

Além de novas regras para as licitações e contratos, o novel Diplo-


ma legal altera as Leis nº 13.105/2015, (Código de Processo Civil),
8.987/1995 (Lei das Concessões), 11.079/2004 (Lei das PPPs), o De-
creto-Lei 2.848/1940 (Código Penal), revoga dispositivos da Lei nº
10 GUIMARÃES, Edgar. Nova Lei de Licitação e contratação pública - a hora e a vez de estados e municípios, Zênite Fácil, categoria
Doutrina, 31 mar. 2021. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 06 ago. 2021.

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

12.462/2011 (Lei do RDC), bem como a íntegra das Leis nº 8.666/1993


(Lei de licitações e contratos) e 10.520/2002 (Lei do Pregão).

A nova lei incorpora grande parte dos dispositivos da Lei 8.666/1993, da


Lei 12.462/2011 (RDC) e da Lei 10.520/2002 (Lei do Pregão), bem como
de diversas Instruções Normativas expedidas pelo Governo Federal.

O que se percebe é uma consolidação das leis antes mencionadas e de


diversas instruções normativas em um único texto legal, o que pode
ser considerado algo positivo, pois, até então, o que se tinha no âmbi-
to federal era uma verdadeira “colcha de retalhos” com diversas leis,
decretos, portarias e outros atos regulamentares estabelecendo regras
para o processo de contratação pública.

Todavia é lamentável que, depois de anos em tramitação e discussão


no Congresso, o resultado não tenha sido aquele aguardado pela Ad-
ministração Pública e por parte da comunidade jurídica. Esperava-se
uma lei enxuta, menos formalista, menos burocrática, moderna, ade-
quada aos dias de hoje e, sobretudo, que indicasse expressamente
todas as prescrições consideradas como “normas gerais” de licitação
e contratação, criando um ambiente propício e seguro para que Es-
tados, Municípios e Distrito Federal legislem de forma concorrente e
suplementar tratando das suas peculiaridades locais.

A teor do que dispõe o artigo 22, inciso XXVII da Constituição Federal,


é inegável que compete à União legislar de forma privativa sobre nor-
mas gerais de licitação e contratação para as Administrações Públicas
Diretas, Autárquicas e Fundacionais da União, Estados, Distrito Federal

57
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

e Municípios, competindo ainda editar normas específicas estas, po-


rém, de observância obrigatória tão somente na órbita federal.

Ademais, por óbvio, a mencionada competência da União para legislar


privativamente sobre normas gerais não exclui, nem poderia excluir,
a competência suplementar dos Estados, Municípios e do Distrito Fe-
deral para disporem sobre normas específicas sobre a temática lici-
tatória e contratual.

Em razão dos níveis de poderes políticos, independentes e autônomos


estabelecidos pelo regime jurídico-constitucional, bem como das dife-
rentes realidades socioeconômicas do nosso País, as normas gerais
de licitação e contratação pública editadas pela União necessitam de
leis estaduais e municipais versando sobre normas específicas ade-
quadas, como dito anteriormente, ao trato de peculiaridades locais..

É lamentável que no Brasil, uma república federativa formada pela


união de 26 estados federados, 5.568 municípios e do Distrito Federal,
apenas os Estados do Paraná, Bahia, Sergipe, São Paulo e o Municí-
pio de São Paulo tenham editado leis de licitação e contratação públi-
ca. Os demais entes federativos que até o momento não exerceram a
competência suplementar que a Constituição lhes assegura adotam
integralmente as vetustas disposições da Lei nº 8.666/93.

Ao editar uma lei, para além de considerar a sua realidade socioeco-


nômica, o Estado, o Município ou o Distrito Federal poderá, por exem-
plo, promover a gestão por competências e designar agentes públicos

58
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

para o desempenho de funções essenciais ao processo de contratação,


de acordo com a estrutura física e de recurso humano de que dispõe.

Enfim, é chegada a hora e a vez de Estados e Municípios, no gozo dos


poderes que a Constituição da República lhes assegura, legislarem so-
bre a matéria licitatória e contratual, disciplinando normas especí-
ficas que atendam às respectivas organizações administrativas, cui-
dando sobretudo das peculiaridades locais e respeitando sempre as
normas gerais fixadas pela União.

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

PERGUNTAS E RESPOSTAS

Em sede de diligência, é permitida a inclusão de docu-


mento com data de emissão posterior ao início da ses-
são do pregão? A solução será a mesma nas Leis nºs
8.666/1993 e 10.520/2002, Decreto nº 10.024/2019 e
na Lei nº 14.133/2021? O que tem orientado o TCU?11

O Tribunal de Contas da União reconheceu a possibilidade de juntada


extemporânea de documento de habilitação em licitação processada
pela modalidade pregão, na sua forma eletrônica, sem que isso con-
figure violação ao disposto no art. 43, § 3º da Lei nº 8.666/1993, apli-
cado subsidiariamente no processamento dessa modalidade de licita-
ção. Trata-se da decisão adotada no Acórdão nº 1.211/2021– Plenário.

A interpretação do Tribunal de Contas da União, externada no Acórdão


nº 1.211/2021 – Plenário é a de que, caso o licitante não tenha entre-
gue um dado documento de habilitação ou de proposta no momen-
to adequado (o Decreto nº 10.024/2019, em seu art. 26, caput e § 3º,
exige o envio até a data e horário estabelecidos para sessão pública,
juntamente com a proposta em si), poderá fazê-lo posteriormente, de-
vendo ser requerido e aceito pela Administração, desde que referido
11 em sede de diligência, é permitida a inclusão de documento com data de emissão posterior ao início da sessão do pregão?
A solução será a mesma nas Leis nºs 8.666/1993 e 10.520/2002, Decreto nº 10.024/2019 e na Lei nº 14.133/2021? O que tem
orientado o TCU? Zênite Fácil, categoria Perguntas e Respostas, jun. 2022. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Aces-
so em: 03 ago. 2022.

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

documento retrate condição material preexistente à abertura da


sessão pública do certame.

Deixou assente que,

“o pregoeiro, durante as fases de julgamento das propostas e/ou habi-


litação, deve sanear eventuais erros ou falhas que não alterem a subs-
tância das propostas, dos documentos e sua validade jurídica, median-
te decisão fundamentada, registrada em ata e acessível aos licitantes,
nos termos dos arts. 8º, inciso XII, alínea "h"; 17, inciso VI; e 47 do De-
creto 10.024/2019; sendo que a vedação à inclusão de novo do-
cumento, prevista no art. 43, §3º, da Lei 8.666/1993 e no art.
64 da Nova Lei de Licitações (Lei 14.133/2021), não alcança
documento ausente, comprobatório de condição atendida
pelo licitante quando apresentou sua proposta, que não foi
juntado com os demais comprovantes de habilitação e/ou da
proposta, por equívoco ou falha, o qual deverá ser solicitado
e avaliado pelo pregoeiro”. (Destacamos.)

Em outubro de 2021, o TCU novamente se manifestou sobre o tema,


deixando muito claro que, mesmo que o documento apresenta-
do posteriormente, em sede de diligência, indique data pos-
terior à abertura do certame, caso ele retrate condição pre-
existente à referida abertura, deve ser aceito. Abaixo, alguns
trechos do Acórdão nº 2.443/2021 – Plenário, que inclusive também
estende essa interpretação às previsões contidas na Lei nº 14.133/21:

"ENUNCIADO

A vedação à inclusão de novo documento, prevista no art.


43, § 3º, da Lei 8.666/1993 e no art. 64 da Lei 14.133/2021

61
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

(nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos), não al-


cança documento destinado a atestar condição de habilita-
ção preexistente à abertura da sessão pública, apresentado
em sede de diligência.

RESUMO

Representação formulada ao TCU apontou possíveis irregularidades


no Pregão Eletrônico para Registro de Preços 45/2020, promovido
pelo Grupamento de Apoio do Rio de Janeiro do Comando da Aero-
náutica (GAP-RJ), cujo objeto era a contratação de empresa especiali-
zada na prestação de serviços de coleta, transporte e destinação final
de resíduos para a Odontoclínica de Aeronáutica do Aeroporto Santos
Dumont. Entre as irregularidades suscitadas, o representante noticiou
que, inicialmente, fora habilitado para a execução dos serviços licita-
dos, no entanto, quatro dias depois de o pregoeiro haver indeferido
recurso administrativo que questionava a sua habilitação, o GAP-RJ
entendeu necessária a comprovação da participação de engenheiro
químico indicado pelo representante, como responsável técnico, nos
serviços elencados no atestado apresentado pela empresa na licitação.
Por considerar que o representante trouxera documenta-
ção nova visando a essa comprovação, com data de emissão
posterior à abertura do certame, o órgão decidiu inabilitá-
-lo. Acompanhando a instrução da unidade técnica, o relator
entendeu, todavia, que a documentação trazida pela empre-
sa era apenas a atestação de situação anterior ao certame.
Para ele, "apesar de a CAT 24097/2021 ter sido emitida em

62
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

9/3/2021, esta se refere à participação do Engenheiro Quí-


mico nos serviços descritos a partir de 3/6/2020, quando foi
incluído no quadro técnico da empresa", portanto em mo-
mento anterior à realização do certame. O relator também as-
sinalou que os pareceres jurídicos que pautaram a decisão do GAP-RJ
ignoraram a jurisprudência mais recente do TCU, notadamente o Acór-
dão 1211/2021-Plenário, em que restou sumarizado o seguinte enten-
dimento: "Admitir a juntada de documentos que apenas venham a
atestar condição pré-existente à abertura da sessão pública
do certame não fere os princípios da isonomia e igualdade en-
tre as licitantes e o oposto, ou seja, a desclassificação do licitante, sem
que lhe seja conferida oportunidade para sanear os seus documentos
de habilitação e/ou proposta, resulta em objetivo dissociado do inte-
resse público, com a prevalência do processo (meio) sobre o resultado
almejado (fim) ". Além disso, conforme o subitem 9.4 do mencionado
acórdão, transcrito na instrução da unidade técnica, o Tribunal deixou
assente "que a vedação à inclusão de novo documento, prevista no
art. 43, §3º, da Lei 8.666/1993 e no art. 64 da Nova Lei de Licitações
(Lei 14.133/2021), não alcança documento ausente, comprobatório
de condição atendida pelo licitante quando apresentou sua proposta,
que não foi juntado com os demais comprovantes de habilitação e/
ou da proposta, por equívoco ou falha, o qual deverá ser solicitado e
avaliado pelo pregoeiro". Destarte, nos termos da proposta do relator,
o Plenário decidiu determinar ao órgão que promovesse a
anulação da decisão que inabilitou o representante no Pre-
gão 45/2020, tendo em vista que "a apresentação, em sede

63
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

de diligência, do CAT 24097/2021, emitido em 9/3/2021, des-


tinado a atestar condição preexistente à abertura da sessão
pública, não se configura motivo plausível para a inabilita-
ção do licitante, conforme entendimento firmado no Acór-
dão 1.211/2021-TCU-Plenário". (Destacamos.)

Portanto, sem prejuízo às discussões envolvendo o tema, em que pese


ser usual o licitante apresentar em sede de diligência documento fal-
tante expedido em data anterior à abertura do certame, caso apre-
sente documento com data posterior, mas que retrate condição
material preexistente ao certame, deve ser aceito, tal como trata
e exemplifica o Acórdão nº 2.443/2021, Plenário, TCU.

Interessante observar que, o TCU reforça a aplicação do racional acima,


seja para os regimes da Lei nº 8.666/1993, Lei nº 10.520/2002 e Decre-
to nº 10.024/2019, seja para a nova Lei de Licitações nº 14.133/21.

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Qual o conteúdo do estudo técnico preliminar e do


termo de referência e a distinção entre eles, de acordo
com a nova Lei de Licitações? Na prática, percebe-se
uma tendência de repetição no conteúdo desses do-
cumentos. Isso faz sentido?12

A Lei nº 14.133/2021 destinou atenção especial à fase de planejamen-


to, ou preparatória dos processos de contratação pública. E, dentre as
etapas formadoras dessa importante fase, previu a realização do Es-
tudo Técnico Preliminar e a elaboração do Termo de Referência.

Trata-se de instrumentos voltados ao planejamento da contratação,


mas que abrigam finalidades distintas.

O Estudo Técnico Preliminar tem como objetivo evidenciar o pro-


blema a ser resolvido e a solução mais adequada, de modo a permitir
a avaliação da viabilidade técnica e econômica da contratação.

À luz do art. 18, §1º, da Lei nº 14.133/2021, possível indicar os seguin-


tes elementos do ETP, objetivamente, sendo os destacados compre-
endidos como indispensáveis (§2º): I – descrição da necessidade,
considerado o problema a ser resolvido; II – identificação da
contratação no plano de contratações anual; III – requisitos da contra-
tação; IV – estimativas das quantidades para a contratação,
12 Qual o conteúdo do estudo técnico preliminar e do termo de referência e a distinção entre eles, de acordo com a nova Lei
de Licitações? Na prática, percebe-se uma tendência de repetição no conteúdo desses documentos. Isso faz sentido? Zênite
Fácil, categoria Perguntas e Respostas, mai. 2022. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 02. jun. 2022.

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

acompanhadas das memórias de cálculo e dos documentos


de suporte; V – levantamento de possíveis soluções de mercado;
VI – estimativa do valor da contratação, acompanhada dos
preços unitários referenciais, das memórias de cálculo e dos
documentos que lhe dão suporte; VII – descrição da solução
como um todo, inclusive das exigências relacionadas à manutenção e
à assistência técnica, quando for o caso; VIII – justificativas para o
parcelamento ou não da contratação; IX – demonstrativo dos re-
sultados pretendidos em termos de economicidade e de melhor apro-
veitamento dos recursos humanos, materiais e financeiros disponíveis;
X – providências a serem adotadas pela Administração previamente à
celebração do contrato; XI – contratações correlatas e/ou interdepen-
dentes; XII – descrição de possíveis impactos ambientais e respectivas
medidas mitigadoras, bem como logística reversa, quando aplicável;
XIII – posicionamento conclusivo sobre a adequação da con-
tratação.

Já o Termo de Referência é elaborado com amparo no Estudo Téc-


nico Preliminar e Gerenciamento de riscos, sintetizando as principais
decisões e informações acerca do objeto a ser contratado, a definição
da estratégia para a seleção da melhor proposta (com indicação da
modalidade eleita, critério de julgamento e modo de disputa), bem
como as condições que regerão a futura contratação (art. 6º, XXIII, alí-
neas e art. 18, II).

Nos termos do art. 6º, XXIII, possível indicar os seguintes elementos


para o TR, objetivamente: I - definição do objeto (em natureza, quan-

66
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

titativos, prazos, inclusive a possibilidade de sua prorrogação); II- fun-


damentação da contratação - referência aos estudos técnicos prelimi-
nares; III - descrição da solução como um todo, considerado todo o
ciclo de vida do objeto; IV - requisitos da contratação; V - modelo de
execução do objeto; VI - modelo de gestão e fiscalização do contrato;
VII- critérios de medição e de pagamento; VIII - forma e critérios de
seleção do fornecedor; IX - estimativas do valor da contratação, acom-
panhadas dos preços unitários referenciais, das memórias de cálculo
e dos documentos que lhe dão suporte; X - adequação orçamentária.

A exemplo da Instrução Normativa nº 05/2017, a Lei nº 14.133/2021,


ao enunciar os elementos e parâmetros descritivos dos Estudos Técni-
cos Preliminares e do Termo de Referência, replica, de fato, o conteúdo
em alguns pontos, a exemplo da estimativa do valor da contratação,
acompanhada dos preços unitários referenciais, das memórias de cál-
culo e dos documentos que lhe dão suporte. Nesse sentido, a literali-
dade das regras levou à prática, recorrente, de repetição no conteúdo
desses documentos.

Porém, tal praxe não faz qualquer sentido. O importante é que cada
instrumento de planejamento – ETP e TR – cumpra adequadamente a
finalidade a que se propõe.

Nesse sentido, por exemplo, partindo de um ETP bem elaborado, com


identificação adequada da necessidade, estudo de soluções de mer-
cado e definição justificada da opção mais eficiente, com amparo em
descritivos detalhados, em termos quantitativos e qualitativos, bem
como uma ampla pesquisa de preços, detalhada, com memórias de

67
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

cálculo e documentos de suporte para a adequada compreensão do


valor estimado definido, não nos parece que, ao elaborar o TR, a Admi-
nistração necessite replicar todo esse conteúdo.

Evidentemente, identificará de forma sintética o descritivo da solução,


reportando os detalhes ao ETP. E mais, no que diz respeito às estimati-
vas de preço, se não for o caso de atualizar ou refinar o levantamento
de preços já realizado (devido ao tempo transcorrido/dúvida fundada),
possível indicar o valor estimado da contratação igualmente de forma
sintética, remetendo a análise dos detalhes a respeito para o ETP.

Portanto, o Estudo Técnico Preliminar e o Termo de Referência com-


preendem instrumentos relacionados a etapas distintas da fase de
planejamento ou preparatória, com finalidades próprias. E ainda que
a literalidade das disposições a respeito da Lei nº 14.133/2021 possa
levar à compreensão em torno da necessidade de replicar conteúdo
em ambos os instrumentos, não nos parece ser essa a melhor prática.

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Se já realizada dispensa por valor com fundamento


na Lei nº 8.666/1993 no exercício de 2021, é possível
realizar novas dispensas por valor com base na Lei nº
14.133/2021 no mesmo exercício?13

O art. 75 da Lei nº 14.133/2021 define as hipóteses em que será dis-


pensável a licitação e, nos seus incisos I e II, trata da dispensa de licita-
ção em função do valor:

“Art. 75. É dispensável a licitação:

I – para contratação que envolva valores inferiores a R$ 100.000,00


(cem mil reais), no caso de obras e serviços de engenharia ou de servi-
ços de manutenção de veículos automotores;

II – para contratação que envolva valores inferiores a R$ 50.000,00 (cin-


quenta mil reais), no caso de outros serviços e compras;”

A primeira novidade que se observa é a atualização dos valores para


R$ 100.000,00 para dispensa de licitação para contratação de obras e
serviços de engenharia e R$ 50.000,00 para compras e outros serviços.
Desde a publicação do Decreto nº 9.412, em 19 de junho de 2019, os
valores limites para dispensa previstos nos incisos I e II do art. 24 da Lei
nº 8.666/93 são, respectivamente, R$ 33.000,00 para obras e serviços de
engenharia e R$ 17.600,00 para compras, outros serviços e alienações.
13 SE JÁ REALIZADA DISPENSA POR VALOR com fundamento na Lei nº 8.666/1993 no exercício de 2021, é possível realizar novas
dispensas por valor com base na Lei nº 14.133/2021 no mesmo exercício? Zênite Fácil, categoria Perguntas e Respostas, jun.
2021. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: dd. 06 ago. 2021.

69
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

A Lei nº 14.133/2021 também prevê novidades em relação ao controle


para evitar o fracionamento indevido de despesas, resultante das con-
tratações realizadas por dispensa em razão do valor.

De acordo com o Manual de Licitações do Tribunal de Contas da União,


fracionamento “à luz da Lei de Licitações, caracteriza-se quando se di-
vide a despesa para utilizar modalidade de licitação inferior à reco-
mendada pela legislação para o total da despesa ou para efetuar con-
tratação direta”.1

A fim de evitar o fracionamento, a Lei nº 14.133/2021 traz a seguinte


orientação no § 1º do seu art. 75:

“Art. 75. (...)

§ 1º Para fins de aferição dos valores que atendam aos limites referidos
nos incisos I e II do caput deste artigo, deverão ser observados:

I – o somatório do que for despendido no exercício financeiro pela res-


pectiva unidade gestora;

II – o somatório da despesa realizada com objetos de mesma nature-


za, entendidos como tais aqueles relativos a contratações no mesmo
ramo de atividade”.2

De acordo com essas disposições, cada unidade gestora de recursos


do orçamento deverá, no início do exercício orçamentário, estimar o
valor anual a ser despendido com objetos de mesma natureza – assim
entendidos os objetos de um mesmo ramo de atividade – para iden-

70
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

tificar o cabimento da contratação direta por dispensa de licitação em


razão do valor.

Considerando que a Lei nº 14.133/2021 encontra-se em vigor desde


a data da sua publicação, 1º de abril de 2021, pode-se entender que,
desde essa data, os limites para as contratações diretas por dispensa
de licitação em razão do valor, formalizadas no novo marco legal, são
aqueles definidos nos incisos I e II do art. 75 da aludida lei.

Sendo assim, caso determinado órgão ou entidade da Administração


Pública, no ano de 2021, já tenha celebrado contratações diretas por
dispensa de licitação em razão do valor, com base no art. 24, incisos
I e II da Lei nº 8.666/1993, nos valores de R$ 33.000,00 para obras e
serviços de engenharia e R$ 17.600,00 para compras e outros serviços,
não poderá mais promover novas contratações diretas com base nesse
fundamento legal.

Mas isso não impede celebrar novas contratações diretas por dispensa
de licitação com base nos incisos I e II do art. 75 da Lei nº 14.133/2021,
observando, nesse caso, os limites de R$ 100.000,00 para contratação
de obras e serviços de engenharia e R$ 50.000,00 para compras e ou-
tros serviços, considerando, para fins da aferição desses limi-
tes, tanto as contratações formalizadas com base na Lei nº
8.666/1993 quanto as com fundamento na Lei nº 14.133/2021.

Nesse caso, esses limites deverão ser aferidos e atendidos observadas


as disposições do § 1º do art. 75 da Lei nº 14.133/2021, ou seja, o so-
matório despendido no ano de 2021 pela unidade gestora, com a con-

71
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

tratação de objetos de mesma natureza – entendidos como tais aque-


les relativos a contratações no mesmo ramo de atividade – não poderá
ultrapassar os limites de R$ 100.000,00 para contratação de obras e
serviços de engenharia e R$ 50.000,00 para compras e outros serviços.

Diante do exposto, concluímos que se já foi realizada dispensa pelo va-


lor com fundamento na Lei nº 8.666/1993 no exercício de 2021, será
possível realizar novas dispensas por valor com base na Lei
nº 14.133/2021 nesse mesmo exercício, desde que o somató-
rio despendido no ano de 2021 pela unidade gestora, com a con-
tratação de objetos de mesma natureza – entendidos como tais aque-
les relativos a contratações no mesmo ramo de atividade – não poderá
ultrapassar os limites de R$ 100.000,00 para contratação de obras e
serviços de engenharia e R$ 50.000,00 para compras e outros serviços
(considerando para esse fim tanto as dispensas formalizadas com base
na Lei nº 8.666/1993 quanto as fundadas na Lei nº 14.133/2021).

1
Licitações e contratos: orientações e jurisprudência do TCU. 4. ed. rev., atual. e
ampl. Brasília: TCU, Secretaria Geral da Presidência: Senado Federal, Secretaria
Especial de Editoração e Publicações, 2010. p. 104.

2
Consoante dispõe o § 7º do aludido art. 74, “Não se aplica o disposto no § 1º
deste artigo para as contratações de até R$ 8.000,00 (oito mil reais) de serviços de
manutenção de veículos automotores de propriedade do órgão ou entidade con-
tratante, incluído o fornecimento de peças”.

72
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Como comprovar a exclusividade do fornecedor para


a inexigibilidade na nova Lei de Licitações? Quais as
novidades em relação a esse tema?14

Dentre as hipóteses de inexigibilidade previstas no art. 74 da Lei nº


14.133/2021, tem-se a contratação envolvendo “aquisição de mate-
riais, de equipamentos ou de gêneros ou contratação de serviços que
só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante co-
mercial exclusivo”.

O dispositivo abriga situação envolvendo inviabilidade absoluta de


competição, na medida em que a demanda da Administração – por
materiais, equipamentos, gêneros ou serviços – é atendida por solução
comercializada por apenas um agente econômico (exclusividade).

E aqui um primeiro comentário relativamente à nova Lei, que dirimiu


discussão que havia relativamente ao art. 25, inc. I, da Lei nº 8.666/1993,
que trata apenas da contratação direta de “fornecedor exclusivo”, por-
tanto, ao menos textualmente, dirigia-se apenas às compras da Ad-
ministração. Eventuais contratações diretas de serviços prestados com
exclusividade vinham sendo fundamentadas no caput do art. 25, con-
forme orientação do TCU e AGU. Na nova Lei de Licitações, tanto as
14 Como comprovar a exclusividade do fornecedor para a inexigibilidade na nova Lei de Licitações? Quais as novidades em
relação a esse tema? Zênite Fácil, categoria Perguntas e Respostas, mai. 2021. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br.
Acesso em: 06 ago. 2021.

73
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

compras como os serviços disponibilizados com exclusividade podem


ser contratados pelo art. 74, inc. I, da Lei nº 14.133/2021.

A outra novidade fica por conta da comprovação da condição de


exclusividade. Conforme o parágrafo primeiro do art. 74 da Lei nº
14.133/2021, “Para fins do disposto no inciso I do caput deste artigo, a
Administração deverá demonstrar a inviabilidade de competição me-
diante atestado de exclusividade, contrato de exclusividade,
declaração do fabricante ou outro documento idôneo capaz
de comprovar que o objeto é fornecido ou prestado por pro-
dutor, empresa ou representante comercial exclusivos, veda-
da a preferência por marca específica.” (Grifamos.)

Aqui também o legislador dirimiu discussão envolvendo a parte final


do inc. I do art. 25 da Lei nº 8.666/1993, segundo o qual deveria “a
comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido
pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a lici-
tação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confedera-
ção Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes”.

Ocorre que nenhuma das entidades indicadas pela Lei nº 8.666/1993


como aptas para emitir o atestado em questão possui, dentre as suas
competências, a de certificar que os particulares fornecem bens em
regime de exclusividade. No mais das vezes, o que essas entidades fa-
zem é simplesmente arquivar ou declarar informações prestadas pelos
próprios interessados.

74
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Isso significava que a simples apresentação do atestado emitido pelas


entidades em questão não era capaz de, por si só, comprovar a exis-
tência de uma situação de inviabilidade absoluta de competição. Daí
porque, nesses casos, a orientação seguia no sentido de o processo ad-
ministrativo ser instruído com outros elementos capazes de demons-
trar que a solução pretendida era prestada em regime de exclusivida-
de por esse ou aquele particular (vide Súmula nº 255, TCU).

A nova Lei de Licitações recepcionou essa diretriz, na medida em que,


para fins de justificar a exclusividade, apenas citou exemplos de do-
cumentos – atestado de exclusividade, contrato de exclusividade,
declaração do fabricante ou outro documento idôneo –, contanto
que capaz de comprovar que o objeto é fornecido ou presta-
do por produtor, empresa ou representante comercial exclu-
sivos.

Portanto, de acordo com o art. 74, inc. I, da Lei nº 14.133/2021, a ine-


xigibilidade de licitação, decorrente da exclusividade de fornecedor
causadora da inviabilidade absoluta de competição, poderá envolver
tanto o fornecimento de bens como a prestação de serviços. Para jus-
tificar a condição de exclusividade do fornecedor/executor a Adminis-
tração poderá se valer de todo e qualquer documento, contanto que
idôneo e, sobretudo, capaz de comprovar, efetivamente, que o objeto
é fornecido ou prestado por produtor, empresa ou representante co-
mercial exclusivos.

75
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Em relação à instrução das contratações diretas, o que


prevê a nova Lei de Licitações?15

Diferente da Lei nº 8.666/1993, a nova Lei de Licitações aborda em de-


talhes da instrução dos processos de contratação direta.

O art. 72 da Lei nº 14.133/2021 indica que o processo administrativo


deve ser instruído com os seguintes atos:

1. documento de formalização de demanda;

2. se for o caso, estudo técnico preliminar, análise de riscos, termo de


referência, projeto básico ou projeto executivo;

3. estimativa de despesa, que deverá ser calculada na forma estabele-


cida no art. 23 da Lei;

4. parecer jurídico e pareceres técnicos, se for o caso, que demonstrem


o atendimento dos requisitos exigidos;

5. demonstração da compatibilidade da previsão de recursos orça-


mentários com o compromisso a ser assumido;

6. comprovação de que o contratado preenche os requisitos de habili-


tação e qualificação mínima necessária;

7. razão da escolha do contratado;


15 Em relação à instrução das contratações diretas, o que prevê a nova Lei de Licitações? Zênite Fácil, categoria Perguntas e Res-
postas, jul. 2021. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 06 ago. 2021.

76
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

8. justificativa de preço;

9. autorização da autoridade competente.

O primeiro passo na instrução do processo de contratação direta é ofi-


cializar a demanda. Cabe ao setor requisitante formalizar a necessi-
dade em torno da contratação, indicando a justificativa pertinente, o
quantitativo necessário de bens/serviços e indicar a data limite para o
atendimento da necessidade.

No que diz respeito aos estudos técnicos preliminares, análises


de riscos, termo de referência ou projeto básico e executivo,
em que pese estejam presentes na instrução dos mais variados pro-
cessos de contratação, será necessário ponderar a pertinência de cada
um deles no caso concreto, sobretudo em razão das particularidades
da hipótese de contratação direta a ser realizada.

Uma fase prévia de estudos técnicos preliminares se justifica,


por exemplo, em contratações nas quais há necessidade de olhar
para o mercado e ponderar soluções disponíveis, para então defi-
nir a opção que melhor se ajusta aos objetivos da Administração.
Caso a contratação seja de baixo custo ou não envolva complexidade e
riscos significativos a serem geridos (o que pode ser verificado a partir
da experiência da Administração em contratações anteriores), é possí-
vel afastar a etapa de análise de riscos.

Já o termo de referência – ou Projeto básico e Projeto Exe-


cutivo, na hipótese de obras e serviços de engenharia – deverá ser
observado. Afinal, é o instrumento que sintetiza as principais decisões

77
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

e informações acerca da contratação a ser realizada, inclusive no que


diz respeito à fundamentação legal da contratação direta.

Quanto à estimativa da despesa, conforme o parágrafo 4º do art.


23 da Lei nº 14.133/2021, nas “contratações diretas por inexigibilidade
ou por dispensa, quando não for possível estimar o valor do objeto
na forma estabelecida nos §§ 1º, 2º e 3º deste artigo, o contratado
deverá comprovar previamente que os preços estão em con-
formidade com os praticados em contratações semelhantes
de objetos de mesma natureza, por meio da apresentação de
notas fiscais emitidas para outros contratantes no período
de até 1 (um) ano anterior à data da contratação pela Admi-
nistração, ou por outro meio idôneo.” (Grifamos.)

Com base na adequada aferição do valor estimado da contratação é


que possível: (i) demonstrar a compatibilidade da previsão de recur-
sos orçamentários com o compromisso a ser assumido; (ii) propiciar
condições concretas para a autoridade competente autorizar a con-
tratação direta e (iii) justificar o preço frente à realidade de mercado.

Quanto ao particular/empresa a ser contratado diretamente, é neces-


sário elencar os fatores que determinaram a escolha. Deve-se verificar,
ainda, se atende aos quesitos de habilitação considerados indispen-
sáveis à aferição da capacidade para assumir a execução contratual
(dentre aqueles previstos nos artigos 66 a 69 da nova Lei). Para essa
análise, interessante observar que a Lei nº 14.133/2021, no art. 70, inc.
III, prevê a possibilidade de dispensar a documentação de habilitação,
total ou parcialmente: (i) nas contratações para entrega imediata; (ii)
nas contratações em valores inferiores a 1/4 (um quarto) do limite

78
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

para dispensa de licitação para compras em geral; (iii) e nas contra-


tações de produto para pesquisa e desenvolvimento até o valor de R$
300.000,00 (trezentos mil reais).

A adequada instrução do processo de contratação direta pressupõe,


igualmente, o controle prévio de legalidade mediante emissão de pa-
recer pela assessoria jurídica, conforme o art. 53, parágrafo 4º, da
Lei nº 14.133/2021. A Lei dispensa “a análise jurídica nas hipóteses
previamente definidas em ato da autoridade jurídica máxi-
ma competente, que deverá considerar o baixo valor, a baixa
complexidade da contratação, a entrega imediata do bem ou
a utilização de minutas de editais e instrumentos de contrato,
convênio ou outros ajustes previamente padronizados pelo
órgão de assessoramento jurídico” (art. 53, parágrafo 5º, grifamos).

Por fim, é necessário conferir a devida publicidade ao ato da autoridade


competente que autoriza a contratação direta ou o extrato decorrente
do contrato. E o meio eleito pela Lei nº 14.133/2021 para instrumen-
talizá-la compreende o sítio eletrônico oficial1  (art. 72, parágrafo
único). Note-se que, assim que disponível o PNCP, a Administração de-
verá providenciar a publicação do contrato em 10 dias úteis da sua
assinatura (art. 94, inc. II, da Lei nº 14.133/2021).
1
Na forma art. 6º, LII, da nova Lei de Licitações, trata-se do “sítio da internet,
certificado digitalmente por autoridade certificadora, no qual o ente federativo
divulga de forma centralizada as informações e os serviços de governo digital
dos seus órgãos e entidades”.

79
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Nas dispensas em razão do valor na nova Lei de Li-


citações, como avaliar a ocorrência de fracionamen-
to indevido nos contratos cujas vigências ultrapas-
sem o crédito orçamentário ou quando admitida a
prorrogação?16

A Lei nº 14.133/2021 tem previsão expressa acerca dos critérios


que devem ser adotados para afastar a configuração do fraciona-
mento indevido de despesas.

Conforme o § 1º do art. 75, para fins de aferição dos valores que


atendam aos limites para dispensa em razão do valor (art. 75, inc.
I e II), deverão ser observados:

“I - o somatório do que for despendido no exercício financei-


ro pela respectiva unidade gestora;

II - o somatório da despesa realizada com objetos de mesma na-


tureza, entendidos como tais aqueles relativos a contratações no
mesmo ramo de atividade.” (Destacamos.)

Na medida em que o legislador previu como critério “o soma-


tório do que for despendido no exercício financeiro”, uma pri-
meira leitura do poderia indicar uma “opção” no sentido de que,
16 Nas dispensas em razão do valor na nova lei de licitações, como avaliar a ocorrência de fracionamento indevido nos contratos
cujas vigências ultrapassem o crédito orçamentário ou quando admitida a prorrogação? Zênite Fácil, categoria Perguntas e
Respostas, abr. 2022. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 02. jun. 2022.

80
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

independentemente da vigência contratual (que ultrapasse o


crédito orçamentário ou, ainda que não ultrapasse, que permita
prorrogações), o somatório a ser considerado para fins de avaliar
o cabimento da dispensa seria a despesa do exercício em que é
celebrada a contratação.

Adotada essa racionalidade, em contrato envolvendo a execu-


ção de serviços de reprografia, por exemplo, com vigência ini-
cial de jan/2022 a dez/2022, autorizada prorrogação por até 5
anos, desde que a despesa, ao longo do exercício de 2022
apenas (exercício no qual formalizada a contratação), observas-
se o limite de R$50.000,00, seria possível celebrar a contratação
direta por dispensa com fundamento no art. 75, inc. II, da Lei nº
14.133/2021.

Logo, o fato de o valor do contrato para vigência inicial ser de,


por exemplo, R$45.000,00 (considerando o período de jan/2022
a dez/2022) e, mesmo podendo alcançar até R$ 225.000,00 (em
razão das prorrogações), não seria um impeditivo para a contra-
tação direta fundamentada em dispensa em razão do valor.

Uma segunda forma de compor a previsão legal seria, a depen-


der do objeto pretendido, sobretudo se a realidade de merca-
do não indicar outra solução como a mais econômica, optar por
não autorizar a prorrogação na minuta contratual. Nesse caso,
cogita-se da celebração de uma dispensa em razão do valor por
exercício (de forma que a vigência observe o período entre 1º/
jan a 31/dez), desde que o valor pertinente, somado ao de outras

81
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

despesas de mesma natureza ao longo do mesmo exercício, ob-


serve o limite legal.

Agora, para ajustes cuja vigência irá abranger mais de um exer-


cício (plurianuais) ou que admitam prorrogação, até que tenha-
mos precedentes claros a respeito, não parece ser essa a inter-
pretação mais adequada e cautelosa.

Na nossa percepção, o legislador contemplou apenas “diretrizes


gerais” envolvendo os critérios a serem observados para confi-
guração do fracionamento indevido de despesas. Não tratou,
portanto, dos contratos cujas vigências iniciais superassem
o crédito orçamentário ou que admitissem prorrogação. Para
esses casos, necessário buscar a interpretação mais consentânea
à finalidade da norma.

Para tanto, cumpre ter em vista que os valores indicados como


limite para dispensa não compreendem um “crédito”, de modo
que seria possível realizar tantas contratações quantas fossem
possíveis, de mesma natureza, até atingir o limite legal, a partir
do qual deverá ser observado o dever de licitar.

Pelo contrário, toda diretriz trabalhada ao longo dos últimos


anos pelo TCU (a respeito, vide o Acórdão nº 1.851/2018 – Plená-
rio), incorporada agora na nova Lei de Licitações e Contratos nº
14.133/2021, com a previsão de um Plano de Contratações Anual
(art. 12, caput, inc. VII, da Lei nº 14.133/2021), tem em vista enfa-
tizar o dever de planejamento.

82
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Em outros termos, é necessário antever toda despesa de


mesma natureza previsível a ser alcançada “em princípio”
no mesmo exercício para, a partir do somatório pertinente,
identificar a necessidade ou não de licitar.

Agora, dissemos “em princípio” no mesmo exercício. Afinal,


na medida em que a vigência plurianual (ou autorização para
prorrogação) representa fator que impacta no resultado da lici-
tação, seja no interesse pelo certame, seja na produção de refle-
xos sobre as propostas (economia de escala) em razão do poten-
cial financeiro, é bastante racional e concatenado aos reflexos
do dever de planejamento que apenas será possível firmar
contratos por dispensa em razão do valor se o montante to-
tal a ser alcançado com o ajuste observar o limite legal da
dispensa.

Diversamente, se o potencial financeiro a ser alcançado é su-


perior ao limite da dispensa, deve-se respeitar o dever de licitar,
priorizando a disputa pública e a seleção da melhor propos-
ta.

Interessante observar que essa racionalidade já está presente na


jurisprudência do TCU1 e, também, em orientação normativa da
AGU2.

Portanto, sem deixar de destacar a polêmica que envolve o


tema, quando o contrato admitir prorrogação ou admitir du-
ração inicial superior a um exercício orçamentário/contratação

83
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

plurianual (arts. 105 e seguintes da Lei nº 14.133/2021), em prin-


cípio, conforme orientação jurisprudencial atual, a qual, pare-
ce-nos, pode subsidiar a interpretação do art. 75, §1º da Lei nº
14.133/2021, a diretriz mais cautelosa é considerar todo o perío-
do da sua possível duração para avaliar o cabimento da dispensa
em razão do valor.

________________________________________
1
A respeito, vide os seguintes precedentes do TCU: Acórdão nº 2.080/2007
– Plenário, Acórdão nº 11.150/2011 – 2ª Câmara, Acórdão nº 745/2011 – 2ª
Câmara, Acórdão nº 159/2012 – Plenário, Acórdão nº 3.217/2014 – Plená-
rio.
2
AGU - Orientação Normativa nº 10, de 1º de abril de 2009

"PARA FINS DE ESCOLHA DAS MODALIDADES LICITATÓRIAS CONVENCIO-


NAIS (CONCORRÊNCIA, TOMADA DE PREÇOS E CONVITE), BEM COMO DE
ENQUADRAMENTO DAS CONTRATAÇÕES PREVISTAS NO ART. 24, I e
II, DA LEI Nº 8.666/1993, A DEFINIÇÃO DO VALOR DA CONTRATAÇÃO
LEVARÁ EM CONTA O PERÍODO DE VIGÊNCIA CONTRATUAL E AS POS-
SÍVEIS PRORROGAÇÕES. NAS LICITAÇÕES EXCLUSIVAS PARA MICROEM-
PRESAS, EMPRESAS DE PEQUENO PORTE E SOCIEDADES COOPERATIVAS,
O VALOR DE R$ 80.000,00 (OITENTA MIL REAIS) REFERE-SE AO PERÍODO DE
UM ANO, OBSERVADA A RESPECTIVA PROPORCIONALIDADE EM CASOS
DE PERÍODOS DISTINTOS." (Destacamos.)

84
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Quais as diretrizes da Orientação Normativa AGU nº


69/2021, que trata da dispensa de parecer jurídico?17

O art. 53 da Lei nº 14.133/2021 prevê que:

“Ao final da fase preparatória, o processo licitatório seguirá para o ór-


gão de assessoramento jurídico da Administração, que realizará con-
trole prévio de legalidade mediante análise jurídica da contratação”.

Ainda, de acordo com o disposto no § 4º do artigo citado:

“Na forma deste artigo, o órgão de assessoramento jurídico da Admi-


nistração também realizará controle prévio de legalidade de contra-
tações diretas, (...), adesões a atas de registro de preços, outros instru-
mentos congêneres e de seus termos aditivos”.

Fica claro, portanto, que nos termos da Lei nº 14.133/2021, indepen-


dentemente do procedimento adotado para seleção da proposta mais
vantajosa – processo licitatório, contratação direta por dispensa ou
inexigibilidade de licitação adesão a ata de registro de preços – os pro-
cessos de contratação deverão ser precedidos de controle prévio de le-
galidade, elaborado pelo órgão de assessoramento jurídico do órgão
ou entidade contratante.
17 Quais as diretrizes da orientação normativa AGU nº 69/2021, que trata da dispensa de parecer jurídico? Zênite Fácil, categoria
Perguntas e Respostas, nov. 2021. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. 02. jun. 2022.

85
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

A orientação adotada pela nova Lei de Licitações reflete o entendimen-


to consolidado na jurisprudência do Tribunal de Contas da União.1

Contudo, importante ter em vista que o dever de submeter os proces-


sos de contratação a prévio exame e controle de legalidade pelo órgão
de assessoramento jurídico do órgão ou entidade contratante não é
absoluto. Essa conclusão encontra amparo na disciplina instituída pelo
§ 5º do art. 53 da Lei nº 14.133/2021:

“Art. 53. (...)

§ 5º É dispensável a análise jurídica nas hipóteses previamente


definidas em ato da autoridade jurídica máxima competente,
que deverá considerar o baixo valor, a baixa complexidade da contrata-
ção, a entrega imediata do bem ou a utilização de minutas de editais e
instrumentos de contrato, convênio ou outros ajustes previamente pa-
dronizados pelo órgão de assessoramento jurídico”. (Destacamos.)

No exercício dessa prerrogativa, o Advogado Geral da União expediu a


Orientação Normativa AGU nº 69, de 13 de setembro de 2021, publica-
da no Diário Oficial da União de 23 setembro de 2021:

“NÃO É OBRIGATÓRIA MANIFESTAÇÃO JURÍDICA NAS CONTRATAÇÕES


DIRETAS DE PEQUENO VALOR COM FUNDAMENTO NO ART. 75, I OU II,
E § 3º DA LEI Nº 14.133, DE 1º DE ABRIL DE 2021, SALVO SE HOUVER
CELEBRAÇÃO DE CONTRATO ADMINISTRATIVO E ESTE NÃO FOR PA-
DRONIZADO PELO ÓRGÃO DE ASSESSORAMENTO JURÍDICO, OU NAS
HIPÓTESES EM QUE O ADMINISTRADOR TENHA SUSCITADO DÚVIDA A

86
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

RESPEITO DA LEGALIDADE DA DISPENSA DE LICITAÇÃO. APLICA-SE O


MESMO ENTENDIMENTO ÀS CONTRATAÇÕES DIRETAS FUNDADAS NO
ART. 74, DA LEI Nº 14.133, DE 2021, DESDE QUE SEUS VALORES NÃO
ULTRAPASSEM OS LIMITES PREVISTOS NOS INCISOS I E II DO ART. 75,
DA LEI Nº 14.133, DE 2021.”

A literalidade da Orientação acima, deixa claro que nas contratações


por dispensa de licitação em razão do valor (art. 75, incs. I e II e § 3º, da
Lei nº 14.133/2021), não é obrigatória manifestação jurídica. Exceção
ocorrerá se a contratação direta por dispensa de licitação em razão do
valor exigir a celebração de contrato administrativo e este não for pa-
dronizado pelo órgão de assessoramento jurídico ou nas hipóteses em
que o administrador tenha suscitado dúvida a respeito da legalidade
da dispensa de licitação.

Ainda, de acordo com a Orientação Normativa AGU nº 69/2021, a obri-


gatoriedade será afastada nas contratações diretas por inexigibilidade
de licitação, firmadas com amparo no art. 74 da Lei nº 14.133/2021,
mas cujos valores não ultrapassem os limites previstos nos incisos I e II
do art. 75 da Lei nº 14.133/2021.

Ou seja, na hipótese de ser apontado como fundamento para a con-


tratação direta a inexigibilidade de licitação, caso o montante esteja
dentro dos limites para a dispensa de licitação em razão do valor (art.
75, incisos I e II), será aplicado o entendimento que afasta a obrigato-
riedade da análise de legalidade pela assessoria jurídica.

87
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Enfrentada a questão sob o enfoque do princípio da simetria das for-


mas, em se tratando de contratação direta por dispensa de licitação
com fundamento no art. 75, incisos III e seguintes, desde que o valor
não ultrapasse os limites previstos nos incisos I e II do art. 75 da Lei nº
14.133/2021, entendemos possível adotar a mesma solução.

Nesses termos, com base em interpretação finalística e sistemática que


se extrai da Orientação Normativa AGU nº 69/2021, conclui-se:

- não é obrigatória manifestação jurídica nas contratações diretas por


dispensa de licitação em razão do valor com fundamento no art. 75, I
ou II, e § 3º da Lei nº 14.133/2021;

- não é obrigatória manifestação jurídica nas contratações diretas por


dispensa de licitação com base no art. 75, incisos III e seguintes da Lei
nº 14.133/2021, desde que o valor praticado observe os limites esta-
belecidos no art. 75, inciso I ou II da citada lei, conforme o caso;

- não é obrigatória manifestação jurídica nas contratações diretas por


inexigibilidade de licitação com base no art. 74 da Lei nº 14.133/2021,
desde que o valor praticado observe os limites estabelecidos no art.
75, inciso I ou II da citada lei, conforme o caso;

Caso seja necessário formalizar essas relações contratuais por meio de


instrumento de contrato que não tenha sido previamente padroniza-
do pelo órgão de assessoramento jurídico ou nas hipóteses em que o
administrador tenha suscitado dúvida a respeito da legalidade da con-

88
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

tratação direta, a própria Orientação Normativa AGU nº 69/2021 prevê


que não está afastada a obrigatoriedade da análise de legalidade.

Diante do exposto, entendemos que a primeira cautela a ser adotada


é observar o valor praticado para a contratação direta. Atendidos os
limites estabelecidos nos incisos I e II do art. 75 da Lei nº 14.133/2021
e desde que não seja necessário formalizar a relação contratual por
meio de instrumento de contrato que não tenha sido previamente pa-
dronizado pelo órgão de assessoramento jurídico e desde que o ad-
ministrador não tenha suscitado dúvida a respeito da legalidade da
contratação direta, nos Orientação Normativa AGU nº 69/2021 fica
dispensado o prévio exame e controle de legalidade do processo de
contratação direta pelo órgão de assessoramento jurídico.

________________________________________
1
Nesse sentido, citamos o Acórdão TCU nº 93/2008 – Plenário; Acórdãos TCU nº
2.203/2005 e nº 373/2012, ambos da 1ª Câmara; e Acórdãos TCU nº 1.853/2012 e
nº 112/2014, ambos da 2ª Câmara.

89
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Considerando o que dispõe o art. 75, § 7º da Lei nº


14.133/2021, será possível realizar várias contrata-
ções de até R$ 8.000,00 para manutenção de veículos
automotores, incluído o fornecimento de peças, sem
que se caracterize parcelamento indevido?18

A fim de evitar o fracionamento indevido de despesa por meio de con-


tratação direta por dispensa de licitação em razão do valor, a Lei nº
14.133/2021 define a seguinte regra no § 1º do seu art. 75:

“Art. 75. É dispensável a licitação:

I – para contratação que envolva valores inferiores a R$ 100.000,00


(cem mil reais), no caso de obras e serviços de engenharia ou de servi-
ços de manutenção de veículos automotores;

II – para contratação que envolva valores inferiores a R$ 50.000,00 (cin-


quenta mil reais), no caso de outros serviços e compras;”

(...)

§ 1º Para fins de aferição dos valores que atendam aos limites referidos
nos incisos I e II do caput deste artigo, deverão ser observados:
18 Considerando o que dispõe o art. 75, §7º da Lei nº 14.133/2021, será possível realizar várias contratações de até R$ 8.000,00
para manutenção de veículos automotores, incluído o fornecimento de peças, sem que se caracterize parcelamento inde-
vido? Zênite Fácil, categoria Perguntas e Respostas, set. 2022. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: dd.
mmm. aaaa..

90
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

I – o somatório do que for despendido no exercício financeiro pela res-


pectiva unidade gestora;

II – o somatório da despesa realizada com objetos de mesma nature-


za, entendidos como tais aqueles relativos a contratações no mesmo
ramo de atividade”.1

Para efeito de identificar o cabimento da contratação direta por dis-


pensa de licitação em razão do valor, qualquer que seja o objeto, deve-
-se aferir o somatório a ser gasto ao longo do exercício de financeiro
com objetos da mesma natureza. Identificada previsão de valor infe-
rior aos limites estabelecidos pelos incisos I e II do art. 75, admite-se a
celebração de contratações diretas por dispensa de licitação em razão
do valor. Do contrário, a contratação com base nesse fundamento re-
presentará fracionamento indevido da despesa, implicando em fuga
do dever de licitar.

Atente-se, contudo, que o § 7º do art. 75 estabelece que:

“§ 7º Não se aplica o disposto no § 1º deste artigo às contratações de


até R$ 8.000,00 (oito mil reais) de serviços de manutenção de veículos
automotores de propriedade do órgão ou entidade contratante, inclu-
ído o fornecimento de peças”.

Em termos literais, a determinação contida no §7º do art. 75 possi-


bilita promover, ao longo do exercício orçamentário, inúmeras contra-
tações de até R$ 8.000,00 (oito mil reais) de serviços de manutenção
de veículos automotores de propriedade do órgão ou entidade con-

91
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

tratante, incluído o fornecimento de peças, de modo que somadas o


limite de R$ 100.000,00 (cem mil reais), previsto no inciso I do aludido
art. 75, seja superado, sem que isso caracterize o fracionamento inde-
vido de despesa.

A opção da Lei tem causado reflexões entre os especialistas, uma vez


que, em princípio, é contrária à diretriz geral envolvendo a temática,
que impõe o dever de planejamento das contratações públicas como
forma de evitar os efeitos danosos do fracionamento indevido de des-
pesas.

Ao abordar o ponto, Joel de Menezes Niebhur2, por exemplo, explica:

“Significa que a Administração foi autorizada pelo dispositivo a firmar


diversos e sucessivos contratos de manutenção, desde que cada um
deles não ultrapasse os R$ 8.000,00, pouco importando o valor total
de todos os serviços havidos no exercício financeiro. O dispositivo é
casuístico e equivocado, pressuporia a impossibilidade de planejar e
modular licitação para tais serviços, o que não se verifica, tanto que,
até o advento da Lei n. 14.133/2021, os mesmos são licitados pela Ad-
ministração Pública. E, aliás, continuarão a ser licitados, haja vista que
muitos destes serviços ultrapassam o valor de R$ 8.000,00.

Ronny Charles Lopes de Torres, pontua:

"A interpretação que parece ser extraída desta disposição é que, mes-
mo quando a unidade gestora já tenha alcançado o limite legal para a
adoção de dispensa de pequenos valores, no exercício financeiro, para

92
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

a contratação de serviços de manutenção de veículos automotores,


caso surja, ainda neste exercício financeiro, a necessidade de contrata-
ção deste serviço, com valor limitado a até R$ 8.000,00 (oito mil reais)
e sendo o veículo de propriedade do órgão ou entidade contratante,
será possível a dispensa, sem caracterização do fracionamento ilícito.
É um dispositivo que merece críticas. A solução para estas
demandas administrativas não seria afastar a caracteriza-
ção do fracionamento ilícito, mas sim incentivar o escorreito
planejamento e adotar ferramentas previstas na própria Lei,
como seu credenciamento."3 (Destacamos.)

Por sua vez, outros especialistas indicam o nicho de mercado que


pode justificar a solução legal. Confira, a título de exemplo, a opinião
de Marçal Justen Filho e Flávio Garcia Cabral, respectivamente:

"O reconhecimento dos riscos decorrentes de soluções infle-


xíveis quanto ao tema conduziu à consagração de ressalva
quanto à manutenção de veículos automotores (§7º). É evi-
dente que as variáveis relativas a certos equipamentos, serviços ou si-
tuações nem sempre comportam planejamento e controle pelos agen-
tes públicos. Mas a solução de excluir o somatório foi prevista
apenas em relação a um segmento específico. Quanto a ser-
viços de manutenção de veículos automotores, o que inclui
também o fornecimento de peças, não se aplica o somatório.
Em tal hipótese, caberá tomar em vista o valor da despesa,
de modo isolado, caso a caso."4 (Destacamos.)

93
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

"O parágrafo trabalha sob a premissa de que veículos necessitam de


reparos constantes e com agilidade e presteza. Ademais, reconhece
que órgãos públicos possuem diversos veículos automotores (pense
o número de veículos pertencentes à Polícia Militar de um Estado, por
exemplo). Caso se fizesse a limitação de valor para a dispensa, como
estipula o parágrafo primeiro, limitando por fracionamento e por
exercício financeiro, isso impediria a contratação direta de serviços de
manutenção de diversos veículos automotores. Trata-se, como se
vê, de uma dispensa em um nicho setorial de contratações
específicas. O parágrafo, portanto, cria uma subespécie de
dispensa, em razão do objeto, que, até o montante de 8 mil
reais, não se submete à limitação do valor global da dispen-
sa por exercício financeiro, nem é considerada fracionamen-
to indevido."5 (Destacamos.)

À luz do exposto, considerando a literalidade do que dispõe o art.


75, § 7º da Lei nº 14.133/2021, seria possível realizar várias contrata-
ções de até R$ 8.000,00 para manutenção de veículos automotores ao
longo do exercício, incluído o fornecimento de peças, sem que se ca-
racterize fracionamento indevido de despesa.

Para a Zênite, em especial tendo em vista as reflexões que o dispo-


sitivo tem gerado, a recomendação é de cautela, ao menos até que
tenhamos precedentes dos Órgãos de Controle. Nesse sentido, so-
bretudo em realidades administrativas com frotas próprias relevan-
tes, talvez se apresente como solução mais eficiente planejar uma

94
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

licitação, franqueando a disputa a todos os possíveis interessados e


potencializando a seleção da proposta mais vantajosa.

1
Consoante dispõe o § 7º do aludido art. 74, “Não se aplica o disposto no § 1º
deste artigo para as contratações de até R$ 8.000,00 (oito mil reais) de serviços
de manutenção de veículos automotores de propriedade do órgão ou entidade
contratante, incluído o fornecimento de peças”.

2
E-book Nova Lei de Licitações e Contratos, Zênite 2ª edição, 2021, p. 58.

3
TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas. 12 ed.
São Paulo: Ed. Juspodivm, 2021. p. 416.

4
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Adminis-
trativas: Lei nº 14.133/21. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. p. 1011.

5
Tratado da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos: Lei 14.133/21.
Comentada por Advogados Públicos/organizador Leandro Sarai - São Paulo: Edi-
tora JusPodivm, 2021. p. 944 e 945.

95
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Há incompatibilidade em usar o decreto que regu-


lamenta a aquisição de artigos de luxo em contra-
tações realizadas pela Lei nº 8.666/1993 e Lei nº
10.520/2002?19

O art. 20, da Lei nº 14.133/2021 estabelece que:

“Os itens de consumo adquiridos para suprir as demandas das estru-


turas da Administração Pública deverão ser de qualidade comum, não
superior à necessária para cumprir as finalidades às quais se destinam,
vedada a aquisição de artigos de luxo”.

Para a compreensão desse dispositivo, interessante recordar o previsto


no art. 37, inciso XXI da Constituição da República, segundo o qual a
Administração deve realizar licitação pública, na qual somente serão
permitidas as exigências de qualificação técnica e econômica indis-
pensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

A Lei nº 14.133/2021, incorporando essa racionalidade, prevê, no seu


art. 9º, inciso I, alínea "c" que, ressalvados os casos previstos em lei,
é vedado admitir, prever, incluir ou tolerar, quaisquer situações que
sejam impertinentes ou irrelevantes para o objeto específico do con-
trato.

19 Há incompatibilidade em usar o decreto que regulamenta a aquisição de artigos de luxo em contratações realizadas pela
Lei nº 8.666/1993 e Lei nº 10.520/2002? Zênite Fácil, categoria Perguntas e Respostas, jan. 2022. Disponível em: http://www.
zenitefacil.com.br. Acesso em: 02. jun. 2022.

96
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

As disposições citadas se relacionam com os princípios da indisponi-


bilidade do interesse público e da economicidade, por força dos quais
a Administração deve praticar atos capazes de satisfazer os interesses
públicos envolvidos, sem onerar indevidamente o Erário.

Com isso, a Administração, na etapa de planejamento das suas contra-


tações, deve se atentar à identificação da sua necessidade e, na sequ-
ência, ao levantamento das soluções do mercado que possam atendê-
-la de forma satisfatória.

Essa é a inteligência extraída do art. 20 da Lei nº 14.133/2021, que de-


mandará da Administração uma avaliação cautelosa da necessidade
que será atendida, a partir do que deve definir a solução a ser con-
tratada, que não poderá estar aquém nem além do que é mínimo e
indispensável.

Apesar de ser possível construir essa análise em torno da aplicação do


art. 20, a Lei nº 14.133/2021 impõe a regulamentação do assunto por
parte dos Chefes de cada Poder:

"Art. 20 (...)

§ 1º Os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário definirão em re-


gulamento os limites para o enquadramento dos bens de
consumo nas categorias comum e luxo.

§ 2º A partir de 180 (cento e oitenta) dias contados da promulgação


desta Lei, novas compras de bens de consumo só poderão ser efetiva-

97
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

das com a edição, pela autoridade competente, do regulamento a que


se refere o § 1º deste artigo." (Destacamos.)

No âmbito do Poder Executivo federal, o Decreto nº 10.818/2021 regu-


lamenta o art. 20 da Lei nº 14.133/2021 estabelecendo critérios para
que bens de consumo sejam classificados nas categorias comum e de
luxo.

De acordo com o regulamento federal, cuja aplicabilidade se restringe


à Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional e às
contratações realizadas por outros entes federativos com a utilização
de recursos da União oriundos de transferências voluntárias, não será
classificado como bem de luxo aqueles cuja qualidade superior decor-
ra da estrita necessidade de atender competências finalísticas especí-
ficas do órgão ou entidade.

Outro fator consagrado pelo regulamento é o critério econômico de


alta elasticidade-renda da demanda – que pode ser explicado como o
aumento do valor da aquisição do produto em proporção maior que
um possível acréscimo de renda – será o critério adotado para a defini-
ção de bem de luxo. Esse critério será identificável por meio de carac-
terísticas tais como:

a) ostentação;

b) opulência;

c) forte apelo estético; ou

98
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

d) requinte;

De acordo com material divulgado pela Secretaria-Geral da Presidên-


cia da República, a sistemática instituída pelo Decreto nº 10.818/2021
determina que

“as entidades públicas deverão considerar as variáveis econômica e


temporal no enquadramento do bem como de luxo. A econômica inci-
de sobre o preço do bem, principalmente a facilidade ou a dificuldade
logística regional ou local de acesso. A temporal considera as mudan-
ças de mercado do bem ao longo do tempo, em função de aspectos
como evolução tecnológica, tendências sociais, alterações de disponi-
bilidade no mercado e modificações no processo de suprimento logís-
tico”.1

Os bens de consumo que restarem classificados como de luxo, se-


gundo os critérios do Decreto nº 10.818/2021 e nos termos da Lei nº
14.133/2021, terão a aquisição vedada.

Por se tratar de um decreto que regulamenta a Lei nº 14.133/2021 –


aplicando o entendimento da Advocacia Geral da União com base no
princípio da simetria das formas – a rigor, suas disposições não vincu-
lam os agentes públicos quando a contratação se submeter ao regime
instituído pela Lei nº 8.666/1993 ou pela Lei nº 10.520/2002. Explica-
mos.

No Parecer nº 00002/2021/CNMLC/CGU/AGU, a Advocacia Geral da


União formou entendimento de que: “Não é possível a recepção de

99
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

regulamentos das leis nº 8.666/93, 10.520/02 ou 12.462/11 para a Lei


nº 14.133/21, enquanto todas essas leis permanecerem em vigor, in-
dependentemente de compatibilidade de mérito, ressalvada a possi-
bilidade de emissão de ato normativo, pela autoridade competente,
ratificando o uso do regulamento para contratações sob a égide da
nova legislação”.

Com base no princípio da simetria das formas, pode-se concluir


que também não é possível a recepção de regulamentos da Lei nº
14.133/2021 pelas Leis nºs 8.666/1993 e 10.520/2002.

Ademais, para além desse fundamento, outra razão que afasta a inci-
dência do Decreto nº 10.818/2021 nos regimes das Leis nº 8.666/1993
e 10.520/2002 se relaciona com a falta de previsão similar àquela que
consta do § 1º do art. 20 da Lei nº 14.133/2021.

Apesar de as disposições do Decreto nº 10.818/2021 não incidirem


de forma cogente nas contratações celebradas pelo regime da Lei nº
8.666/1993 ou da Lei nº 10.520/2002, para a Zênite não existe incom-
patibilidade que impeça de aplicá-lo e a razão é simples.

Assim como prevê a Lei nº 14.133/2021, a Lei nº 8.666/1993 também


veda aos agentes públicos “admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos
de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam
ou frustrem o seu caráter competitivo, inclusive nos casos de socieda-
des cooperativas, e estabeleçam preferências ou distinções em razão
da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer

100
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico ob-


jeto do contrato” (art. 3º, § 1º, inciso I).

Sob esse enfoque, a disciplina instituída pelo Decreto nº 10.818/2021


pretende conferir um grau de objetividade e assertividade maior para
identificar o limite imposto pela lei2. Sendo assim, caso a Administra-
ção celebre a compra de bens aplicando o regime da Lei nº 8.666/1993,
ainda que esta não preveja textualmente, também será vedada a aqui-
sição de bens de luxo, sem que exista uma necessidade pública que
assim justifique3. Nesse sentido, vale destacar precedente do TCU, ex-
traído do Zênite Fácil:

“Trata-se de representação em razão de irregularidades na contrata-


ção de serviços, estrutura e equipamentos. Foi apontado que o ter-
mo de referência contempla “itens de luxo, alguns com características
muito específicas, sem a devida justificativa acerca da necessidade, e
incompatíveis com a finalidade da contratação". Segundo o julgador,
a referida previsão sem a justificativa contraria “os princípios da eco-
nomicidade e da moralidade administrativa e a jurisprudência do TCU
(Acórdãos 2.924/2019 e 2.155/2012, ambos do Plenário)”. (Grifamos.)
(TCU, Acórdão nº 1.895/2021, Plenário, Rel. Min. Marcos Bemquerer, j.
em 04.08.2021.)”.4

Nesse contexto, se a Administração aplicar os parâmetros definidos


pelo Decreto nº 10.818/2021 para identificação do bem de luxo (obje-
to da vedação legal), isso não prejudicará ou conflitará com a sistemá-
tica definida pela Lei nº 8.666/1993.

101
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Com base nessas razões, concluímos que não há incompatibilidade


em usar o Decreto nº 10.818/2021, que regulamenta o art. 20, §§ 1º
e 2º da Lei nº 14.133/2021, em contratações realizadas pelas Leis nº
8.666/1993 e 10.520/2002.

________________________________________

1 Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2021-09/


decreto-regulamenta-aquisicao-de-itens-de-luxo-pela-administracao>.

2 Vale destacar que a tratativa do Decreto sobre a definição de bens de luxo en-
volve conceitos e parâmetros complexos, o que certamente envolverá dificulda-
des e desafios práticos para a interpretação e aplicação das suas diretrizes.

3 Destacamos: não se cogita, portanto, a interpretação de que uma contratação


realizada com fundamento no regime da Lei nº 8.666/1993 permitiria a contra-
tação de bens de luxo sem qualquer justificativa e acurada motivação. Isso nun-
ca foi possível no regime da Lei nº 8.666/1993; e, com a diretriz clara da Lei nº
14.133/2021, isso ganha tratativa expressa e parâmetros definidos, nos termos
do Decreto nº 10.818/2021.

4 Zênite Fácil. Disponível em: <http://www.zenitefacil.com.br>. Categoria Ano-


tações, Lei nº 8.666/1993, nota ao art. 40, Acesso em: 25 jan. 2022.)

102
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Em relação às modalidades de licitação, quais são as


principais novidades da nova Lei de Licitações?20

A Lei nº 14.133/2021 promove alterações nas modalidades de licitação.


De acordo com o disposto no seu art. 28, foram excluídos o convite a
e tomada de preços do novo regime e restaram apenas as seguintes
modalidades:

“I – pregão;

II – concorrência;

III – concurso;

IV – leilão;

V – diálogo competitivo”.

Além dessas modalidades de licitação, a Administração pode servir-se


dos seguintes procedimentos auxiliares:

“Art. 78. São procedimentos auxiliares das licitações e das contrata-


ções regidas por esta Lei:

I – credenciamento;
20 Em relação às modalidades de licitação, quais são as principais novidades da nova Lei de Licitações? Zênite Fácil, categoria
Perguntas e Respostas, jan. 2021. Atualizada em 09.04.2021, considerando a redação final da Lei nº 14.133/2021. Disponível
em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 06 ago. 2021.

103
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

II – pré-qualificação;

III – procedimento de manifestação de interesse;

IV – sistema de registro de preços;

V – registro cadastral.”

Tal como já previsto pela Lei nº 8.666/1993 (art. 22, § 8º), é vedada a
criação de outras modalidades de licitação ou, ainda, a combinação
daquelas referidas no art. 28 da Lei nº 14.133/2021 (art. 28, § 2º).

Em relação às modalidades que remanescem da legislação anterior,


também há novidade. A maior delas, prevista no art. 29 da nova Lei de
Licitações, prevê que “A concorrência e o pregão seguem o rito proce-
dimental comum a que se refere o art. 17 desta Lei”.

Isso significa que a concorrência assumirá a mesma dinâmica procedi-


mental atualmente empregada para o pregão, de acordo com a qual
ocorre, primeiro, a seleção da oferta mais vantajosa, depois a habilita-
ção e, por fim, a concentração da fase recursal.1

Atente-se, no entanto, que o § 1º do art. 17 permite, desde que me-


diante ato motivado com explicitação dos benefícios decorrentes, pro-
mover a inversão das fases, fazendo com que o processo licitatório as-
suma a dinâmica prevista para a concorrência pela Lei nº 8.666/1993.

Sobre o cabimento das modalidades de licitação, o já citado art. 29 pre-


vê que o pregão será adotado “sempre que o objeto possuir padrões

104
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

de desempenho e qualidade que possam ser objetivamente definidos


pelo edital, por meio de especificações usuais de mercado”.

No seu parágrafo único, também deixa claro os casos em que não se


admite a adoção da modalidade pregão:

“Art. 29. (...)

Parágrafo único. O pregão não se aplica às contratações de serviços


técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual
e de obras e serviços de engenharia, exceto os serviços de engenharia
de que trata a alínea a do inciso XXI do caput do art. 6º desta Lei”.

Além disso, a nova Lei de Licitações deixa claro que o pregão poderá
ser aplicado para contratação de bens e serviços comuns, cujo critério
de julgamento poderá ser o de menor preço ou o de maior desconto.

A concorrência, por sua vez, terá cabimento para contratação de bens


e serviços especiais e de obras e serviços comuns e especiais de enge-
nharia. Além disso, nas licitações processadas pela modalidade con-
corrência, a Administração poderá adotar qualquer um dos seguintes
critérios de julgamento:

a) menor preço;

b) melhor técnica ou conteúdo artístico;

c) técnica e preço;

d) maior retorno econômico;

e) maior desconto;

105
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Nos certames processados pela modalidade concurso, objetiva-se a


escolha de trabalho técnico, científico ou artístico, cujo critério de jul-
gamento será o de melhor técnica ou conteúdo artístico, e para con-
cessão de prêmio ou remuneração ao vencedor.

Se o objetivo do concurso for selecionar a elaboração de projeto, o


vencedor deverá ceder à Administração Pública, nos termos do art. 93
da Lei nº 14.133/2021, todos os direitos patrimoniais relativos ao pro-
jeto e autorizar sua execução conforme juízo de conveniência e opor-
tunidade das autoridades competentes.

Sobre a modalidade leilão, a nova Lei de Licitações prevê ser modali-


dade aplicada na alienação de bens imóveis ou de bens móveis inser-
víveis ou legalmente apreendidos a quem oferecer o maior lance.

Sua condição poderá ser designada tanto a leiloeiro oficial quanto a


agente designado pela autoridade competente da Administração, e
caberá a regulamento dispor sobre seus procedimentos operacionais.

A maior novidade a respeito das modalidades de licitação talvez seja a


criação da modalidade diálogo competitivo.

Trata-se “modalidade de licitação para contratação de obras, serviços


e compras em que a Administração Pública realiza diálogos com lici-
tantes previamente selecionados mediante critérios objetivos, com o
intuito de desenvolver uma ou mais alternativas capazes de atender
às suas necessidades, devendo os licitantes apresentar proposta final
após o encerramento dos diálogos”.

106
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Sua adoção é restrita a contratações em que a Administração:

“I – vise a contratar objeto que envolva as seguintes condições:

a) inovação tecnológica ou técnica;

b) impossibilidade de o órgão ou entidade ter sua necessidade satis-


feita sem a adaptação de soluções disponíveis no mercado; e

c) impossibilidade de as especificações técnicas serem definidas com


precisão suficiente pela Administração;

II – verifique a necessidade de definir e identificar os meios e as alter-


nativas que possam satisfazer suas necessidades, com destaque para
os seguintes aspectos:

a) a solução técnica mais adequada;

b) os requisitos técnicos aptos a concretizar a solução já definida;

c) a estrutura jurídica ou financeira do contrato;

III – Vetado”.

A respeito do seu processamento, a Lei nº 14.133/2021 traz a seguinte


previsão no § 1º de seu art. 32:

“Art. 32. (...)

§ 1º Na modalidade diálogo competitivo, serão observadas as seguintes


disposições:

107
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

I – a Administração apresentará, por ocasião da divulgação do edital


em sítio eletrônico oficial, suas necessidades e as exigências já defini-
das e estabelecerá prazo mínimo de 25 (vinte e cinco) dias úteis para
manifestação de interesse de participação na licitação;

II – os critérios empregados para pré-seleção dos licitantes deverão


ser previstos em edital, e serão admitidos todos os interessados que
preencherem os requisitos objetivos estabelecidos;

III – a divulgação de informações de modo discriminatório que possa


implicar vantagem para algum licitante será vedada;

IV – a Administração não poderá revelar a outros licitantes as soluções


propostas ou as informações sigilosas comunicadas por um licitante
sem o seu consentimento;

V – a fase de diálogo poderá ser mantida até que a Administração, em


decisão fundamentada, identifique a solução ou as soluções que aten-
dam às suas necessidades;

VI – as reuniões com os licitantes pré-selecionados serão registradas


em ata e gravadas mediante utilização de recursos tecnológicos de áu-
dio e vídeo;

VII – o edital poderá prever a realização de fases sucessivas, caso em


que cada fase poderá restringir as soluções ou as propostas a serem
discutidas;

108
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

VIII – a Administração deverá, ao declarar que o diálogo foi concluído,


juntar aos autos do processo licitatório os registros e as gravações da
fase de diálogo, iniciar a fase competitiva com a divulgação de edital
contendo a especificação da solução que atenda às suas necessida-
des e os critérios objetivos a serem utilizados para seleção da proposta
mais vantajosa e abrir prazo, não inferior a 60 (sessenta) dias úteis, para
todos os licitantes apresentarem suas propostas, que deverão conter
os elementos necessários para a realização do projeto;

IX – a Administração poderá solicitar esclarecimentos ou ajustes às


propostas apresentadas, desde que não impliquem discriminação
nem distorçam a concorrência entre as propostas;

X – a Administração definirá a proposta vencedora de acordo com cri-


térios divulgados no início da fase competitiva, assegurada a contrata-
ção mais vantajosa como resultado;

XI – o diálogo competitivo será conduzido por comissão de contrata-


ção composta de pelo menos 3 (três) servidores efetivos ou empre-
gados públicos pertencentes aos quadros permanentes da Adminis-
tração, admitida a contratação de profissionais para assessoramento
técnico da comissão;

XII – Vetado”.

Vimos, então, as principais novidades em relação às modalidades de


licitação da nova Lei de Licitações.

109
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

1
Essa compreensão se forma em face do que dispõe o art. 17 da Lei nº
14.133/2021:

“Art. 17. O processo de licitação observará as seguintes fases, em se-


quência:

I – preparatória;

II – de divulgação do edital de licitação;

III – de apresentação de propostas e lances, quando for o caso;

IV – de julgamento;

V – de habilitação;

VI – recursal;

VII – de homologação.”

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

O preço estimado deve ser entendido como máximo


na nova Lei de Licitações?21

Em diversos dispositivos a Lei nº 14.133/2021 alude a preço estima-


do da licitação. Citamos, por exemplo, o previsto no art. 18, inciso IV,
segundo o qual a fase preparatória do processo licitatório é caracteri-
zada pelo planejamento e deve compreender “o orçamento estima-
do, com as composições dos preços utilizados para sua formação”.

Já no art. 22, há previsão segundo a qual o “edital poderá contemplar


matriz de alocação de riscos entre o contratante e o contratado, hipó-
tese em que o cálculo do valor estimado da contratação poderá
considerar taxa de risco compatível com o objeto da licitação e com os
riscos atribuídos ao contratado, de acordo com metodologia predefi-
nida pelo ente federativo”.

E, de acordo com o art. 23:

“O valor previamente estimado da contratação deverá ser compatível


com os valores praticados pelo mercado, considerados os preços cons-
tantes de bancos de dados públicos e as quantidades a serem contra-
tadas, observadas a potencial economia de escala e as peculiaridades
do local de execução do objeto”.
21 O preço estimado deve ser entendido como máximo na nova Lei de Licitações? Zênite Fácil, categoria Perguntas e Respostas,
set. 2021. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 04 out. 2021.

111
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Importante frisar que em todos esses dispositivos a lei alude ao valor


estimado da contratação ou ao orçamento estimado, fazen-
do remissão ao valor aproximado pelo qual o contrato pretendido
deverá ser celebrado, sem que isso importe concluir que a Ad-
ministração possa definir, como critério para aceitabilidade
da oferta mais vantajosa esse valor estimado e, nesse caso,
aceitar valor superior ao estimado, desde que compatível.

Essa condição era admitida na Lei nº 8.666/1993, cujo art. 40, inciso
X definia o dever de o edital indicar, obrigatoriamente, “o critério de
aceitabilidade dos preços unitário e global, conforme o caso, permi-
tida a fixação de preços máximos”. Ora, na medida em que a Lei nº
8.666/1993 admitia e não obrigava a fixação de preço máximo como
critério para aceitabilidade das propostas, a Administração poderia
fixar como tal o preço estimado. E, nesse caso, o simples fato de a pro-
posta mais vantajosa consignar preço superior ao estimado não deter-
minava, de plano, sua desclassificação.

O próprio Tribunal de Conta da União reconheceu essa condição, no


Acórdão nº 392/2011 – Plenário:

“Voto

32. A propósito, “orçamento” ou “valor orçado” ou “valor de referência”


ou simplesmente “valor estimado” não se confunde com “preço máxi-
mo”. O valor orçado, a depender de previsão editalícia, pode eventu-
almente ser definido como o preço máximo a ser praticado em deter-
minada licitação, mas não necessariamente. Num dado certame, por

112
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

exemplo, o preço máximo poderia ser definido como o valor orçado


acrescido de determinado percentual. São conceitos, portanto, abso-
lutamente distintos, que não se confundem.

33. O orçamento deverá ser elaborado (fixado) em quaisquer situações,


haja vista o disposto no art. 7º, § 2º, II (específico para obras e serviços
de engenharia), c/c o art. 40, § 2º, II (aplicado a obras, serviços – de en-
genharia ou não – e compras), ambos da Lei de Licitações. Já a fixação
do preço máximo está disciplinada no art. 40, X, da Lei nº 8.666/93,
com a interpretação que lhe foi conferida pela Súmula TCU nº 259”.

Segundo essa diretriz de entendimento, no âmbito da Lei nº 8.666/1993,


uma vez adotado o critério de aceitabilidade das propostas baseado
no preço estimado, a Administração poderia contratar por valor supe-
rior, desde que compatível com os valores usualmente praticados no
mercado, aferidos na pesquisa de preços realizada na fase de planeja-
mento da contratação.

O tema é polêmico, havendo precedentes do TCU em que se entendeu


não ser possível acatar preço superior ao estimado, retratando orien-
tação de aplicar o estimado como valor máximo. Nesse sentido, Acór-
dão nº 3.381/2013 – Plenário:

“Enunciado

O preço estimado pela Administração Contratante, em princípio, seja


o tido por aceitável ou o máximo que ela se disporá a pagar na contra-

113
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

tação pretendida, fazendo com que todos os esforços de negociação


com os licitantes se desenvolvam em torno dessa importância.”

Na nova Lei de Licitações o tema está previsto no art. 59, que trata da
aceitabilidade das propostas, com previsão expressa determinando o
dever de desclassificar propostas que apresentem preços superiores
ao valor estimado para a contratação:

“Art. 59. Serão desclassificadas as propostas que:

(...)

III - apresentarem preços inexequíveis ou permanecerem acima do


orçamento estimado para a contratação;” (Destacamos.)

Desse modo, com base no previsto no art. 59, inciso III da Lei nº
14.133/2021, concluímos que, para efeito de aceitabilidade das pro-
postas, na Lei nº 14.133/2021 o preço estimado deve ser entendido
como máximo, haja vista o dever de desclassificar propostas que con-
signem preços superiores ao valor do orçamento estimado para a con-
tratação.

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

O orçamento será sigiloso na Nova Lei de Licitações?22

O art. 13 da nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021) disciplina que


os atos praticados no processo licitatório são públicos, ressalvadas as
hipóteses de informações cujo sigilo seja imprescindível à segurança
da sociedade e do Estado, na forma da lei.

Apesar de assegurar a publicidade dos atos praticados no desenvolvi-


mento dos processos licitatórios, o parágrafo único do art. 13 da nova
lei determina que essa publicidade será diferida, nos seguintes casos:

“I – quanto ao conteúdo das propostas, até a respectiva abertura;

II – quanto ao orçamento da Administração, nos termos do art. 24 desta Lei”.

Especificamente sobre o tratamento a ser dado ao orçamento da licita-


ção, o art. 24 da nova lei dispõe:

“Art. 24. Desde que justificado, o orçamento estimado da contratação


poderá ter caráter sigiloso, sem prejuízo da divulgação do deta-
lhamento dos quantitativos e das demais informações necessárias
para a elaboração das propostas, e, nesse caso:

I – o sigilo não prevalecerá para os órgãos de controle interno e externo;


22 O orçamento será sigiloso na Nova Lei de Licitações? Zênite Fácil, categoria Perguntas e Respostas, mar. 2021. Atualizada em
12.04.2021, considerando a redação final da Lei nº 14.133/2021. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 06
ago. 2021.

115
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

II – VETADO.

Parágrafo único. Na hipótese de licitação em que for adotado o critério


de julgamento por maior desconto, o preço estimado ou o máximo
aceitável constará do edital da licitação”. (Grifamos.)

Vemos que a nova lei estabelece uma competência discricionária, de


forma que a autoridade responsável pela licitação decida se o orçamen-
to estimado da contratação será ou não sigiloso. Isso porque, o art. 24
não obriga a adoção do caráter sigiloso, mas apenas prevê que:
“Desde que justificado, o orçamento estimado da contratação poderá
ter caráter sigiloso”. A palavra “poderá” materializa a discricionariedade
do agente responsável, que decidirá por divulgar ou não o orçamento.

Essa orientação encontra amparo no inciso XI do art. 18 da nova Lei, o


qual prevê que a fase preparatória do processo licitatório deverá com-
preender, dentre outras informações, “a motivação sobre o momento da
divulgação do orçamento da licitação, observado o art. 24 desta Lei”.

Optando por manter em sigilo o valor orçado da contratação, conso-


ante dispõe o inciso I do art. 24 em comento, “o sigilo não prevalecerá
para os órgãos de controle interno e externo”.

Por fim, destacamos que uma vez adotado o critério de julgamento


por maior desconto, o preço estimado ou o máximo aceitável deverá
constar, obrigatoriamente, do edital da licitação, conforme dispõe o
parágrafo único do art. 24 da nova Lei de Licitações.

116
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Qual a novidade da nova Lei de Licitações em relação


à ordem da fase de habilitação e apresentação da pro-
posta? Qual o impacto dessa novidade no pregão e na
concorrência?23

Diferente da Lei nº 8.666/1993, a nova Lei de Licitações e Contrato (Lei


nº 14.133/2021) opta por uma sequência de fases no processo licita-
tório semelhante à prevista no Regime Diferenciado de Contratações
- RDC (Lei nº 12.462/2011) e na Lei do Pregão (Lei nº 10.520/2002).

De acordo com o art. 17, o processo de licitação observará as seguintes


fases, em sequência: I – preparatória; II – de divulgação do edital de
licitação; III – de apresentação de propostas e lances, quando
for o caso; IV – de julgamento; V – de habilitação; VI – recursal; VII
– de homologação.

Portanto, a regra geral é licitar observando essa sequência de fases,


de modo que a habilitação será realizada depois do julgamen-
to das propostas.

Porém, o § 1º do art. 17 autoriza antecipar a fase de habilitação, an-


tecedendo as fases de apresentação de propostas, lances e do julga-
mento, desde que expressamente previsto no edital e, importante,
23 Qual a novidade da nova Lei de Licitações em relação à ordem da fase de habilitação e apresentação da proposta? Qual o
impacto dessa novidade no pregão e na concorrência? Zênite Fácil, categoria Perguntas e Respostas, fev. 2021. Atualizada em
09.04.2021, considerando a redação final da Lei nº 14.133/2021. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 06
ago. 2021.

117
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

mediante ato que explicite os benefícios decorrentes dessa


decisão.

Com essa diretriz do novo regime, poderemos ter um cenário diferente


do que estamos acostumados.

O rito procedimental do pregão - conforme art. 29 combinado com o


art. 17 da Lei nº 14.133/2021 - permanecerá muito próximo do estabe-
lecido atualmente pela Lei nº 10.520/2002. Porém, na forma do citado
§ 1º do art. 17, será possível realizar um pregão, com a excepcio-
nal e motivada inversão de fases, em que primeiro se realiza
a habilitação e, depois, a apresentação de lances.

Diferente da Lei nº 8.666/1993, a regra geral do art. 17 do nova Lei de


Licitações prevê que na concorrência1 primeiro serão avaliadas
as propostas e, após, a habilitação. Lembrando que o § 1º do art.
17 autoriza, mediante ato motivado, a inversão correspondente2.

Para a Zênite, embora a nova Lei de Licitações tenha definido o julga-


mento das propostas como prioritário, é necessário cautela.

Em muitas contratações, nas quais a qualificação do contratado for de-


terminante para a boa execução do objeto, a estratégia de seleção em
que a habilitação antecede a seleção das propostas pode ser mais efi-
ciente, calibrando e qualificando melhor a disputa entre os licitantes.

Lembrando que a próprio Lei nº 14.133/2021, no art. 18, inc. VIII, ao


descrever a fase preparatória do processo de licitação, ou seja, o plane-
jamento da contratação, indica, como fatores a serem observados: “a

118
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

modalidade de licitação, o critério de julgamento, o modo de disputa e


a adequação e eficiência da forma de combinação desses parâmetros,
para os fins de seleção da proposta apta a gerar o resultado de contra-
tação mais vantajoso para a Administração Pública, considerado todo
o ciclo de vida do objeto”.

Percebamos que o objetivo desse dispositivo é indicar a necessidade


de a Administração avaliar a estratégia de seleção – inversão de fases,
as modalidades, o modo de disputa e outros – apta a propiciar um
resultado ótimo para a Administração.

________________________________________
1
Destinada à contratação de bens e serviços especiais e de obras e serviços co-
muns e especiais de engenharia.

2
Percebe-se um desvirtuamento da lógica procedimental do pregão, consolida-
da no regime jurídico, que certamente levará a uma série de dúvidas e polêmicas
sobre o cabimento das modalidades pregão e concorrência.

119
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

É possível incluir documento novo, quando da análise


da habilitação, no regime da nova Lei de Licitações?
Qual o entendimento do TCU?24

De acordo com o art. 64 da Lei nº 14.133/2021, após a entrega dos


documentos para habilitação, não será permitida a substituição ou a
apresentação de novos documentos, salvo em sede de dili-
gência, para:

“I – complementação de informações acerca dos documen-


tos já apresentados pelos licitantes e desde que necessária
para apurar fatos existentes à época da abertura do certame;
II – atualização de documentos cuja validade tenha expirado
após a data de recebimento das propostas.” (Destacamos.)

Ainda, conforme o §1º do mesmo dispositivo:

“Na análise dos documentos de habilitação, a comissão de licitação


poderá sanar erros ou falhas que não alterem a substância
dos documentos e sua validade jurídica, mediante despacho
fundamentado registrado e acessível a todos, atribuindo-lhes eficácia
para fins de habilitação e classificação.” (Destacamos.)
24 É possível incluir documento novo, quando da análise da habilitação, no regime da nova Lei de Licitações? Qual o entendi-
mento do TCU? Zênite Fácil, categoria Perguntas e Respostas, ago. 2021. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Aces-
so em: 04. out. 2021.

120
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Apesar de o saneamento na documentação da habilitação gerar, re-


gra geral, uma série de polêmicas, é fato que a nova Lei de Licitações
contemplou disciplina expressa quanto à correção de falhas na docu-
mentação apresentada, desde que o caso concreto esteja inserido nas
hipóteses que elenca.

Ou seja, a Lei nº 14.133/2021 admite excepcionalmente a inclu-


são de documento novo, em sede de diligência, contanto que vise
complementar/esclarecer aspecto relacionado à condição de
habilitação pertinente do licitante e, sobretudo, que tenha
em vista confirmar um fato/capacidade já existente mate-
rialmente à época da abertura da sessão pública de licitação.

O Tribunal de Contas da União abordou a questão, no recente Acór-


dão nº 1.211/2021 – Plenário, sob a relatoria de Walton Alencar Rodri-
gues, envolvendo Representação, com solicitação de adoção de medi-
da cautelar para suspender pregão eletrônico fundado no Decreto nº
10.024/2019. Na oportunidade, o representante

“alegou que o pregoeiro concedeu irregularmente, aos licitantes, nova


oportunidade de envio da documentação de habilitação, após a aber-
tura da sessão pública, o que beneficiou um único licitante, ao fim,
declarado o vencedor do certame, e afrontou o disposto no Decreto
10.024/2019 e no edital de licitação.”

No que diz respeito à abrangência do saneamento, o Relator criticou a


interpretação literal do termo “[documentos] já apresentados” do art.
26, §9º, do Decreto 10.024/2019 e a vedação à inclusão de documento

121
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

“que deveria constar originariamente da proposta”, prevista no art. 43,


§ 3º, da Lei 8.666/1993, pontuando ser contrária ao entendimento da
jurisprudência do TCU. Apontou que o procedimento licitatório dever
ter por objetivo assegurar a contratação da proposta mais vantajosa
para a Administração, garantindo igualdade de oportunidade de par-
ticipação aos interessados.

E continuou:

“Em alinhamento com esse entendimento, a vedação à inclusão de do-


cumento ‘que deveria constar originariamente da proposta’, prevista
no art. 43, §3º, da Lei 8.666/1993, deve se restringir ao que o licitan-
te não dispunha materialmente no momento da licitação. Caso o
documento ausente se refira a condição atendida pelo licitante quan-
do apresentou sua proposta, e não foi entregue juntamente com os
demais comprovantes de habilitação ou da proposta por equívoco ou
falha, haverá de ser solicitado e avaliado pelo pregoeiro. Isso porque
admitir a juntada de documentos que apenas venham a atestar condi-
ção pré-existente à abertura da sessão pública do certame não fere
os princípios da isonomia e igualdade entre as licitantes e o
oposto, ou seja, a desclassificação do licitante, sem que lhe seja con-
ferida oportunidade para sanear os seus documentos de habilitação,
resulta em objetivo dissociado do interesse público, com a prevalência
do processo (meio) sobre o resultado almejado (fim).”

Ao final, citando o art. 64 da Lei nº 14.133/2021, destacou que,


apesar de o dispositivo reproduzir a vedação à inclusão de novos docu-
mentos, prevista no art. 43, §3º, da Lei 8.666/1993, “deixa salvaguarda

122
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

a possibilidade de diligência para a complementação de informações


necessárias à apuração de fatos existentes à época da abertura
do certame, o que se alinha com a interpretação de que é possível e
necessária a requisição de documentos para sanear os comprovan-
tes de habilitação ou da proposta, atestando condição pré-existente
à abertura da sessão pública do certame.” (destaques no original) E
finalizou citando exemplo: “Assim, nos termos dos dispositivos citados,
inclusive do art. 64 da Lei 14.133/2021, entendo não haver vedação
ao envio de documento que não altere ou modifique aquele anterior-
mente encaminhado. Por exemplo, se não foram apresentados ates-
tados suficientes para demonstrar a habilitação técnica no certame,
talvez em razão de conclusão equivocada do licitante de que os docu-
mentos encaminhados já seriam suficientes, poderia ser juntado, após
essa verificação no julgamento da proposta, novos atestados de forma
a complementar aqueles já enviados, desde que já existentes à época
da entrega dos documentos de habilitação.”

Portanto, a Lei nº 14.133/2021 admite excepcionalmente a inclusão de


documento novo, em sede de diligência, contanto que vise comple-
mentar/esclarecer aspecto relacionado à condição de habilitação em
análise, e tenha em vista confirmar um fato/capacidade já existente
materialmente à época da abertura da sessão pública licitatória. E o
TCU, no Acórdão nº 1.211/2021 – Plenário, confere clara diretriz inter-
pretativa ao art. 64 da Lei nº 14.133/2021, que confirma essa raciona-
lidade.

123
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

O enfoque usualmente empregado, pela doutrina e jurisprudência,


para permitir ou não o saneamento decorria da diferença entre vícios
formais e materiais e de uma análise bastante restrita do princípio da
isonomia. Na atualidade, inclusive conforme tese já defendida pela
Zênite há alguns anos, tal avaliação ganha um novo parâmetro,
com ênfase para o objetivo central da licitação: seleção da proposta
mais vantajosa, observado procedimento isonômico (conforme sequ-
ência dos incisos I e II do art. 11 da Lei nº 14.133/2021).

A respeito, confira post da Equipe Técnica da Zênite: <https://www.zenite.blog.


br/tcu-nao-cabe-interpretacao-literal-para-a-vedacao-a-inclusao-de-documen-
to-novo/>. Acesso em jul. 2021.

124
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

É possível a formalização de termo aditivo a contratos


com efeitos retroativos, de acordo com a nova Lei de
Licitações?25

O art. 132 da Lei nº 14.133/2021 prevê que a “formalização do termo


aditivo é condição para a execução, pelo contratado, das prestações
determinadas pela Administração no curso da execução do contrato,
salvo nos casos de justificada necessidade de antecipação de seus efei-
tos, hipótese em que a formalização deverá ocorrer no prazo máximo
de 1 (um) mês”.

A partir desse dispositivo, fica claro que a formalização prévia do aditi-


vo contratual é condição para a modificação das cláusulas e condições
previamente ajustadas entre as partes.

Assim, para promover alterações nos contratos, ainda que unilaterais,


a Administração contratante deve, antes da execução das alterações
pretendidas, instruir o processo administrativo com as justificativas ne-
cessárias para tanto, submetê-lo a controle prévio de legalidade pelo
órgão de assessoramento jurídico (art. 53, § 4º da Lei nº 14.133/2021),
providenciar a expedição do correspondente termo aditivo e, na for-
ma do art. 94, atentar que a “ divulgação no Portal Nacional de Con-
25 É possível a formalização de termo aditivo a contratos com efeitos retroativos, de acordo com a nova Lei de Licitações? Zênite
Fácil, categoria Perguntas e Respostas, jun. 2021. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 06 ago. 2021.

125
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

tratações Públicas (PNCP) é condição indispensável para a eficácia do


contrato e de seus aditamentos”.

Em relação à publicidade, enquanto não instituído o PNCP: “para a Zê-


nite, enquanto o portal citado não for criado, a publicidade dos atos e
contratos descritos deverá ocorrer nos termos em que o são na atua-
lidade, ou seja, nos órgãos oficiais de publicidade, como Diário Oficial
e sítios eletrônicos oficiais dos órgãos e entidades da Administração
Pública1.

Contudo, a regra acima se aplica para as situações em que o adita-


mento pretendido pela Administração não se reveste de urgência e
essencialidade, a ponto de justificar a antecipação de seus efeitos. Para
casos urgentes, o art. 132 da Lei nº 14.133/2021 admite que, demons-
trada a necessidade de antecipação dos efeitos do aditamento, a sua
formalização ocorra no prazo máximo de um mês.

A teoria da antecipação dos efeitos do aditamento contratual não era


desconhecida. Pelo contrário, Joel de Menezes Niebuhr já postulava
sua aplicação quando da aplicação da Lei nº 8.666/1993, nos seguintes
termos:

“Como sabido por aqueles que militam na área, grande parte


dos órgãos e entidades administrativas não conseguem con-
cluir os procedimentos para a formalização de termo aditivo
em prazo razoável. É bastante comum que a formalização comple-
ta, na forma da lei, requeira meses. Sem embargo, muitas das de-
mandas administrativas são urgentes e não podem aguardar

126
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

os meses que se leva até a publicação na Imprensa Oficial do


termo aditivo.

A título ilustrativo, suponha-se que para executar uma parcela da obra


seja necessário proceder a alterações no contrato, realizando ajustes
na planilha inicial. A rigor jurídico, a Administração deveria dar cum-
primento ao procedimento descrito no tópico anterior com o objetivo
de firmar termo aditivo e publicá-lo na Imprensa Oficial. Depois disto,
com a publicação do termo aditivo na Imprensa Oficial, é que o contra-
tado poderia dar execução aos ajustes.

Em que pese o procedimento estabelecido para a formali-


zação das alterações contratuais, frisando-se o estatuído
no parágrafo único do artigo 61 da Lei nº 8.666/93, ocorre
usualmente que a Administração, diante de situações urgen-
tes, para não paralisar a execução das obras, forma acordo
de vontades com o contratado para alterar o objeto do con-
trato e determina que o mesmo dê execução à alteração de
imediato, independentemente da devida formalização do
termo aditivo.

(...)

Explicando melhor, o contrato existe a partir do momento que se for-


ma o acordo de vontades entre as partes. O instrumento de contrato
é o modo que a legislação administrativa prescreve para que o mes-
mo seja formalizado (parágrafo único do artigo 61 da Lei nº 8.666/93).
Daí que a ausência do instrumento de contrato não significa

127
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

ausência de contrato. A ausência de instrumento de contra-


to importa vício procedimental, haja vista o desrespeito de
formalidade prescrita em lei, que é um dos pressupostos de
validade do ato administrativo. Ou seja, o contrato existe in-
dependentemente do modo como é formalizado.

O mesmo raciocínio deve ser aplicado em relação às altera-


ções contratuais. Importa dizer que a formação do acordo de
vontades entre os Contratantes importa por si na alteração
contratual. Esta, a alteração contratual, deve ser formalizada por
meio de termo aditivo, como expressa o parágrafo único do artigo 61
da Lei nº 8.666/93. A ausência do termo aditivo não significa
ausência de alteração contratual. A ausência de termo aditi-
vo implica vício de formalidade.

(...)

A antecipação dos efeitos da alteração contratual é medida


legítima e encontra amparo na legalidade, desde que funda-
mentada nos princípios jus administrativos, especialmente
no princípio da proporcionalidade, evidenciando-se a ne-
cessidade da imediata execução da alteração contratual sob
pena de perecimento dos interesses públicos e a impossibili-
dade de cumprir ao tempo as formalidades legais pertinen-
tes ao termo aditivo. Trata-se de espécie de tutela de urgência, que
remete ao princípio da razoável duração do processo, que é de alçada
constitucional e estruturante para a Teoria Geral do Processo”.2 (Grifa-
mos.)

128
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Considerando a previsão contida no art. 132, da Lei nº 14.133/2021,


nos casos em que a Administração demonstre, justificadamente, a ne-
cessidade de antecipação dos efeitos do aditivo contratual, a formali-
zação deverá ocorrer no prazo máximo de 1 (um) mês e será atribuído
efeito retroativo.

Sugerimos, como boa prática, a formalização mínima da alteração an-


tes da execução como, por exemplo, por troca de mensagem eletrôni-
ca entre gestor e contratado, indicando que a formalização do termo
aditivo ocorrerá oportunamente, conforme previsão do dispositivo le-
gal acima comentado.

________________________________________
1
Confira post de autoria da Equipe Técnica Zênite: https://www.zenite.blog.br/
pode-a-administracao-licitar-pela-lei-no-8-666-1993-e-realizar-dispensas-em-
-razao-do-valor-pela-lei-no-14-133-2021/

2
NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação Pública e contrato administrativo. 4. ed.
rev. ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2015, págs. 992-998.

129
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Com o término da vigência da Lei nº 8.666/1993 em


abril de 2023, um contrato de serviço continuado
pode ser prorrogado de acordo com o art. 57, inc. II,
da citada lei?26

A Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, estabelece normas gerais de


licitação e contratação para os órgãos e entidades dos 3 Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e determina
a revogação da Lei nº 8.666/1993, da Lei nº 10.520/2002, e dos arts.
1º a 47-A da Lei nº 12.462/2011, após decorridos 2 (dois) anos da sua
publicação (art. 193).

Desde a data da sua publicação, a Lei nº 14.133/2021 está em vigor e,


conforme dispõe seu art. 191, durante o prazo de dois anos contado
a partir desta data a nova Lei de Licitações coexistirá com a legislação
anterior que disciplina o assunto. Assim, a Lei nº 14.133/2021 autoriza
a Administração optar por licitar ou contratar diretamente de acordo
com o novo regime ou de acordo com as leis do regime antigo. Qual-
quer que seja a opção escolhida, ela deverá ser indicada expressamen-
te no edital ou no aviso ou instrumento de contratação direta, sendo
vedada a aplicação combinada dos regimes.
26 Com o término da vigência da Lei nº 8.666/1993 em abril de 2023, um contrato de serviço continuado pode ser prorrogado de
acordo com o art. 57, inc. II, da citada lei? Zênite Fácil, categoria Perguntas e Respostas, jul. 2022. Disponível em: http://www.
zenitefacil.com.br. Acesso em: 03 ago. 2022.

130
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Importante ressaltar, no entanto, que de acordo com o disposto no pa-


rágrafo único do art. 191 da Lei nº 14.133/2021, optando por licitar de
acordo com a legislação antiga, o contrato celebrado será regido pelas
regras do regime escolhido durante toda a sua vigência.

A mesma condição é aplicada aos contratos celebrados com base no re-


gime jurídico anterior antes da entrada em vigor da Lei nº 14.133/2021,
pois conforme estabelece seu art. 190: “O contrato cujo instrumento
tenha sido assinado antes da entrada em vigor desta Lei continuará a
ser regido de acordo com as regras previstas na legislação revogada”.

Desse modo, tanto os contratos celebrados com fundamento na Lei nº


8.666/1993 antes da entrada em vigor da Lei nº 14.133/2021, quanto
os contratos firmados com base na Lei nº 8.666/1993 no prazo de até 2
anos após a entrada em vigor da nova Lei de Licitações, serão regidos
pelas regras neles previstas durante toda a sua vigência, ou seja, serão
regidos exclusivamente pelas regras fixadas pela Lei nº 8.666/1993.

Essa condição decorre da garantia prevista no art. 5º, inciso XXXVI da


Constituição Federal, segundo a qual “a lei não prejudicará o direito
adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” e, no caso, conside-
ra-se ato jurídico perfeito o contrato celebrado de acordo com a nor-
ma vigente ao tempo em que se efetuou o ato.

Com base nesses fundamentos, uma vez celebrado contrato de presta-


ção de serviço de natureza continuada de forma regular, com base na
Lei nº 8.666/1993, deverá observar as disposições da referida lei duran-
te toda sua vigência. E, nesse caso, como a Lei nº 14.133/2021 não im-

131
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

põe a extinção dos contratos firmados com base na Lei nº 8.666/1993


quando da revogação desta lei, entende-se que, desde que atendidos
os requisitos exigidos pelo art. 57, inciso II da Lei nº 8.666/1993, o ajus-
te poderá ser prorrogado por até 60 (sessenta) meses, mesmo depois
da revogação da Lei nº 8.666/1993.

Agora, não obstante a possibilidade de mesmo após a revogação da


Lei nº 8.666/1993, em abril de 2023, um contrato de prestação de ser-
viço continuado ser prorrogado na forma do art. 57, inciso II, não se
deve perder de vista que essa prorrogação envolve uma competência
discricionária. Significa dizer, a autoridade competente deverá optar
entre prorrogar o contrato mantendo o ajuste submetido às regras da
Lei nº 8.666/1993 ou celebrar um novo contrato, com base na Lei nº
14.133/2021, devendo escolher a opção que no caso em exame se re-
velar mais conveniente e oportuna.

Disso decorre, então, que com o término da vigência da Lei nº


8.666/1993 em abril de 2023, eventual prorrogação de contrato de
prestação de serviço continuado com base no art. 57, inciso II exigirá
demonstração, no respectivo processo administrativo de contratação,
de que, no caso concreto, essa opção é a mais vantajosa para o aten-
dimento do interesse público, especialmente quando comparada com
a celebração de um novo contrato, nos moldes da Lei nº 14.133/2021.

132
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

ORIENTAÇÃO PRÁTICA

EMENTA: Nova Lei de Licitações – Contratação direta – Ratifi-


cação e publicidade27

ORIENTAÇÃO PRÁTICA – SET/2022


TÍTULO: Nova Lei de Licitações: a ratificação e publicidade
nas contratações diretas

Questão apresentada à Equipe de Consultores Zênite:

“Nas hipóteses de dispensa e inexigibilidade, de acordo com a Lei nº


14.133/2021, haverá a obrigatoriedade do ato de reconhecimento e co-
municação à autoridade superior para ratificação e publicação? Quanto
à publicação dos instrumentos contratuais, atualmente publicamos so-
mente no Diário da Justiça eletrônico (DJe). Com a nova Lei de Licitações,
as contratações com base no art. 75, incisos I e II deverão ser publicadas
no Portal Nacional de Contratações, Públicas (PNCP), sendo dispensado
o DJe? Em se tratando do art. 72, parágrafo único, a publicação ocorrerá
somente em sítio oficial, no nosso caso o DJe, não sendo necessário a
publicação no PNCP? E quanto aos contratos decorrentes de pregão e
credenciamento, como se dará a publicação dos extratos?”

ORIENTAÇÃO ZÊNITE

O art. 72, da Lei nº 14.133/2021, não previu a ratificação ao elencar os


atos que instruem o processo de contratação direta – dispensa e ine-
xigibilidade de licitação.
Nova Lei de Licitações: a ratificação e publicidade nas contratações diretas. Zênite Fácil, categoria Orientação Prática, XX
27

setembro 2022. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: dd mmm. aaaa.

133
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Em verdade, o inc. VIII do art. 72, após toda a instrução do processo,


previu a “autorização” da autoridade competente.

A despeito da expressão utilizada – “autorização”, entendemos que


essa manifestação da autoridade responsável pelo processo de con-
tratação direta terá, igualmente, o conteúdo de “ratificação”. Vale di-
zer que, para autorizar a continuidade do processo com a convocação
do particular para assinatura do contrato ou retirada do instrumento
equivalente terá que ponderar, anteriormente, a regularidade dos atos
praticados e a preservação do interesse público pela contratação.

Essa interpretação é confirmada a partir da previsão contida no art. 71


da Lei nº 14.133/2021, vejamos:

“Art. 71. Encerradas as fases de julgamento e habilitação, e exauridos


os recursos administrativos, o processo licitatório será encaminhado à
autoridade superior, que poderá:

I – determinar o retorno dos autos para saneamento de irregularida-


des;

II – revogar a licitação por motivo de conveniência e oportunidade;

III – proceder à anulação da licitação, de ofício ou mediante provoca-


ção de terceiros, sempre que presente ilegalidade insanável;

IV – adjudicar o objeto e homologar a licitação. (Vide art. 54, § 3º.)

§ 1º Ao pronunciar a nulidade, a autoridade indicará expressamente os


atos com vícios insanáveis, tornando sem efeito todos os subsequen-

134
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

tes que deles dependam, e dará ensejo à apuração de responsabilida-


de de quem lhes tenha dado causa.

§ 2º O motivo determinante para a revogação do processo licitatório


deverá ser resultante de fato superveniente devidamente comprova-
do.

§ 3º Nos casos de anulação e revogação, deverá ser assegurada a pré-


via manifestação dos interessados.

§ 4º O disposto neste artigo será aplicado, no que couber, à contrata-


ção direta e aos procedimentos auxiliares da licitação.” (Destacamos.)

A respeito, vejamos nota constante da ferramenta Zênite Fácil:

"O art. 72 da nova Lei de Licitações, “não previu a ratificação ao elen-


car os atos que instruem o processo de contratação direta – dispen-
sa e inexigibilidade de licitação. Em verdade, no inc. VIII do art. 72,
após toda a instrução do processo, incluiu a “autorização” da autori-
dade competente. A despeito da expressão utilizada – “autorização”,
entendemos que essa manifestação da autoridade responsável pelo
processo de contratação direta terá, igualmente, o conteúdo de “ratifi-
cação”. Vale dizer que, para autorizar a continuidade do processo com
a convocação do particular para assinatura do contrato ou retirada do
instrumento equivalente terá que ponderar, anteriormente, a regula-
ridade dos atos praticados e a preservação do interesse público pela
contratação”. Portanto, “ainda que a Lei nº 14.133/2021 não tenha se
referido à ratificação expressamente, o conteúdo dela está compreen-

135
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

dido no momento do procedimento dedicado à autorização da con-


tratação direta pela autoridade competente”. (Grifamos.) (NA LEI Nº
14.133/21 ESTÁ PREVISTA A RATIFICAÇÃO da contratação direta pela
autoridade competente? Zênite Fácil, categoria Perguntas e Respos-
tas, nov. 2021.)"1

Portanto, ao receber os autos de processo de contratação direta, a au-


toridade competente poderá: (i) ao identificar alguma irregularidade e
determinar o retorno para possível saneamento; (ii) determinar a revo-
gação por motivo de conveniência e oportunidade; ou, (iii) se verificar
alguma ilegalidade, insuscetível de saneamento, determinar a anula-
ção do processo.

Portanto, para “autorizar” a contratação direta, a autoridade deverá reali-


zar, previamente, as análises acima, as quais, em verdade, abarcam o pró-
prio conteúdo do ato de “ratificação”. Nas palavras de Marçal Justen Filho:

“Cabe à autoridade superior ratificar a decisão de promover a contrata-


ção direta, assim como as condições contratuais. A aprovação pela auto-
ridade superior é condição de eficácia da decisão do subordinado”.2

Diferentemente da Lei nº 8.666/1993, que prevê no seu art. 26 que


a publicação do ato de ratificação da contratação direta na imprensa
oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, constitui condição para a eficácia dos
atos, a Lei nº 14.133/2021 apenas estabelece que o “ato que autoriza a
contratação direta ou o extrato decorrente do contrato deverá ser di-
vulgado e mantido à disposição do público em sítio eletrônico oficial”
(art. 72, parágrafo único, destacamos).

136
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Por sua vez, o art. 94 da Lei nº 14.133/2021 estabelece o seguinte:

“Art. 94. A divulgação no Portal Nacional de Contratações Públicas


(PNCP) é condição indispensável para a eficácia do contrato e de seus
aditamentos e deverá ocorrer nos seguintes prazos, contados da data
de sua assinatura:

I - 20 (vinte) dias úteis, no caso de licitação;

II - 10 (dez) dias úteis, no caso de contratação direta.” (Destacamos.)

Com base na interpretação sistemática desses 2 dispositivos, é pos-


sível concluir que: se o ato que autoriza a contratação direta não foi
publicado, mas o contrato dela decorrente foi, não haverá vício, pois o
parágrafo único do art. 72 determina a divulgação do ato que autoriza
a contratação direta ou o extrato decorrente do contrato; se o ato que
autoriza a contratação direta foi publicado, mas o contrato dela decor-
rente não foi, haverá vício, pois o art. 94 define que a divulgação do
contrato constitui condição indispensável para a eficácia do contrato;
neste caso o vício afeta apenas o contrato e não o processo de con-
tratação direta; se nem o ato que autoriza a contratação direta e nem
o contrato dela decorrente foi publicado, haverá vício contaminando
tanto o processo administrativo de contratação direta quanto o con-
trato dela decorrente, que não será eficaz.

Quanto ao veículo para publicação, ainda que a literalidade do pa-


rágrafo único do art. 72 da Lei nº 14.133/2021 determine que o “ato
que autoriza a contratação direta ou o extrato decorrente do contrato

137
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

deverá ser divulgado e mantido à disposição do público em sítio ele-


trônico oficial”, sem fazer menção expressa ao Portal Nacional de Con-
tratação Pública – PNCP, não se deve perder de vista que, na forma do
art. 174, inciso I da Lei nº 14.133/2021, "o PNCP é um sítio eletrônico
oficial destinado à divulgação centralizada e obrigatória dos atos exi-
gidos por esta Lei”.

Logo, com base nessa previsão legal, esta Consultoria entende que to-
dos os atos para os quais a Lei nº 14.133/2021 exige divulgação, devem
ser divulgados no PNCP, sem prejuízo de que sejam adotados meios al-
ternativos e complementares à essa divulgação, tal como prevê o art.
175 da aludida lei:3

Esse também é o entendimento de Edgar Guimarães e Ricardo Sam-


paio:

“Dessa feita, entendemos que a publicidade do ato que autoriza a con-


tratação direta ou do extrato do contrato dela decorrente deve ocor-
rer, obrigatoriamente, no Portal Nacional de Contração Pública (PNCP)
e, facultativamente, no sítio eletrônico do ente federativo ao qual se
vincula o órgão ou entidade contratante, desde que na forma do art.
175 da Lei nº 14.133/2021 este tenha sido instituído”.4

CONCLUSÕES OBJETIVAS

1. Em que pese a Lei nº 14.133/2021 não exija a prática de um "ato de


ratificação" seguido da publicação na imprensa oficial, como condição
para a eficácia das contratações diretas por dispensa e inexigibilidade

138
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

de licitação, nos moldes previstos pelo art. 26 da Lei nº 8.666/1993,


esta Consultoria entende ser imprescindível a autorização do processo
administrativo de contratação direta pela autoridade competente, o
que, em ternos práticos, seria equivalente ao ato de ratificação.

2. Quanto à publicação do processo de contratação direta, a Lei nº


14.133/2021 estabelece que o “ato que autoriza a contratação direta
ou o extrato decorrente do contrato deverá ser divulgado e mantido
à disposição do público em sítio eletrônico oficial” (art. 72, parágrafo
único, destacamos).

Para a Consultoria Zênite, ainda que o parágrafo único do art. 72 não


faça menção expressa ao Portal Nacional de Contratação Pública –
PNCP, não se deve perder de vista que, na forma do art. 174, inciso I
da Lei nº 14.133/2021, o PNCP é um sítio eletrônico oficial destinado à
“divulgação centralizada e obrigatória dos atos exigidos por esta Lei”.

Em razão disso, responde-se que para atender à condição fixada pela


Lei nº 14.133/2021 não bastará promover a simples divulgação do ex-
trato de contratação direta no Diário da Justiça eletrônico (DJe). Para
atender a disciplina fixada pela nova Lei de Licitações, impõe-se pro-
mover, obrigatoriamente, a divulgação do ato que autoriza a contrata-
ção direta ou o extrato decorrente do contrato no Portal Nacional de
Contratações Públicas (PNCP). Quanto à publicação no DJe, esta as-
sumirá caráter complementar e deverá continuar sendo realizada na
medida em que exista ato normativo no âmbito do órgão/entidade
impondo esse dever.

139
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

3. Conforme apontado anteriormente, para a Consultoria Zênite o


PNCP é um sítio eletrônico oficial destinado à divulgação centralizada
e obrigatória de todos os atos exigidos pela Lei nº 14.133/2021. Logo,
o ato que autoriza a contratação direta ou o extrato decorrente do con-
trato deverá ser divulgado e mantido à disposição do público no PNCP.

4. Já com base no art. 94, da Lei nº 14.133/2021, a “divulgação no Por-


tal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) é condição indispensável
para a eficácia do contrato e de seus aditamentos”, o que alcança, por-
tanto, os contratos decorrentes de pregão e credenciamento.

Salvo melhor juízo, essa é a orientação da Zênite, de caráter opinativo


e orientativo, elaborada de acordo com os subsídios fornecidos pela
Consulente.

NOTAS E REFERÊNCIAS

1 Zênite Fácil. Disponível em: <http://www.zenitefacil.com.br>. Categoria Ano-


tações, Lei nº 14.133/21, nota ao art. 72, Acesso em: 10 mar. 2022.

2 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Admi-


nistrativas: Lei nº 14.133/21. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. p. 954.

3 Lei nº 14.133/2021:

“Art. 175. Sem prejuízo do disposto no art. 174 desta Lei, os entes federativos po-
derão instituir sítio eletrônico oficial para divulgação complementar e realização
das respectivas contratações”.

4 GUIMARÃES, Edgar e SAMPAIO, Ricardo. Dispensa e inexigibilidade de licitação:


Aspectos jurídicos à luz da Lei nº 14.133/2021. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 59.

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