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Sergne

Em uma floresta escura vivia um homem de cabelos alvos, dedos longos, olhar
penetrante. Sua morada era uma caverna que ficava bem no meio da mata densa. Lá
no âmago da caverna se escutava o passar de folhas. Estava ele debruçado em livros
velhos, em poeiras e ossos de seu almoço. Vivia com uma luz verde, que vinha de
uma gosma da mesma cor, encontrada em suas expedições. A gosma era colocada em
um pote de metal, sua combustão, quando misturada a uma pétala branca de certa
flor, era fácil. Ele e a lamparina improvisada encaravam os livros dia e noite, sem
descanso com uma sede de respostas.

Só se ouvia o som morto naquela caverna, até que um balbuciar ecoou. “is..so”.
Bem baixinho se escutava a voz rouca e trêmula. Aquele corpo magro e cansado,
paralisado diante dos papéis, de repente, é tomado por uma vivacidade e salta da
pedra que usava de cadeira. “É isso. É isso”. Encarava a luz esperando um sinal de
felicidade para com seu amigo, e a lamparina parada cintilava aquela luz verde.
Atabalhoado ele saiu daquele espaço e lançou-se à saída da caverna, levando consigo
uma mochila para viagem. Chegando na superfície seus olhos recuaram contra a luz,
pois havia 3 dias que não saia, para poder terminar seus trabalhos. Abriu um dos
muitos bolsos e retirou um papel enrolado. Desenrolou. Retirou seus instrumentos da
mochila. Após algumas medições no mapa, marca um “x”. Pega sua bússola para ir
na direção correta. A ponta assinala a direção, e rapidamente o põem a andar.

Em alguns dias chegou a uma parte da floresta desconhecida até então. Olha para
aquele trajeto íngreme com olhos de felicidade. Começa a subir em direção as pedras,
que parecia o maior esforço que fizera. O seu tempo na caverna não se comparava ao
esforço da escalada. A medida que subia por baixo das copas o ar tornava-se raro
efeito. Seu corpo estava exausto e esbaforido. Ouve-se então um respirar ressoante.
No exato momento o homem se recupera de súbito, e começa a se esgueirar pelas
pedras para não ser reconhecido. Avista a criatura e começa a sorrir. Ela era preta
como o ébano e brilhava como metal, era possível ver o reflexo das coisas e daquele
olhar de êxtase. O monstro tinha enormes asas que cobriam desde o pescoço até o
rabo, e também tinha um aspecto rígido. O seu joelho era estranho, pois não o
possuía.

O velho andava devagar para não chamar a atenção. Chegou bem perto da boca e
sentiu o bafo quente e pérfido, então se espantou. Paralisado, esperou fechá-la. Então
tirou a mochila das costas e a coloca no chão. De dentro retirou uma corda. Futucava
a boca para abri-la um pouco, nisso esbarra em um possível dente mole. A criatura
grunhe de dor com uma voz gutural. Imediatamente seus olhos abrem. Ficam fixos no
homem. Expira. Aproxima para cheirá-lo. O fedor lhe parecia familiar então diz com
densa e penetrante voz: O que quer?
Sua voz presa pelo medo na garganta embargava. Depois de uns minutos
contemplando aquela face horripilante replica: Um dente fresco.
O monstro ainda olhava a figura humana. Piscou duas vezes. “Tenho uma dor de
dente a dias, se o arrancar permito que leve”. O homem sorriu, como se tirasse a sorte
grande no acordo. Então sem demora pegou a corda e amarrou ao dente mole.
Conversaram e montaram um plano. O monstro subiu com ele na gruta que ficava
atrás de si, de cima dele o homem pula e abruptamente arranca o dente. Nunca se viu
aquele homem de aparência cadavérica tão feliz e com vida. Se despede da criatura,
que desce e se esgueirando entra na gruta. Coloca o dente em um pote para conservar
o frescor e vai embora.

Depois da longa viagem de retorno entra na caverna. Encontra tudo como tinha
deixado. Pega seu instrumento de talhar feito de bronze. Da mochila retira o pote.
Abre a tampa e tira o dente. Se senta na cadeira de pedra e coloca o dente sobre a
rocha, que lhe servia de mesa. Pega seu instrumento e começa a modelar. O que antes
tinha formato de arco foi tomado por um sentido espiral. O corpo tinha aspecto
escamoso. Na face dois olhos, na boca se projetavam inumeráveis e pontiagudos
dentes, também dela saia uma língua bifurcada. Após a obra ganhar forma, a banha
em um balde cheio daquela gosma verde. Segura uma pétala branca. Joga sobre a
cabeça, então o corpo se incendeia. A chama se estingue e a estátua da cor do ébano
começa a rachar, como um ovo comporta o pinto. E daquela casca antes vazia surge a
criatura. Seu olhos verdes encaram-no, sua língua dança no ar. O homem olhava,
olhava e olhava até que imitava o movimento ondulante da criatura. Para lá e para cá.
Para lá e para cá. Até que o movimento ia diminuindo, a pele de aparência morta
perde a última centelha de vida, tomada por uma cor cinza. O olhar foi se fixando
imóvel. Então o que do homem restou foi um aspecto rochoso, tinha-se petrificado. A
cobra começou a ficar em brasa e pegou fogo. E com suas chamas queima, já morta, a
figura petrificada.

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