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Prefácio

As montanhas estavam bem mais perto do que no dia anterior. Ao que

parecia, iria ser fácil de cruzá-las, muito mais fácil do que aquela montanha

há seis anos. Pelos seus cálculos achava que chegaria lá em cinco dias, se não

menos, e depois dessas grandes elevações talvez encontrasse o que

procurava. Estava anoitecendo, e a noite sempre trazia animais estranhos

nessas terras totalmente desconhecida pra ele.

A noite chegou numa antítese emocional de odiá-la e amá-la. Ela

trazia um frescor depois de um dia seco e quente, mas também fazia com

que os piores seres saíssem para a caça. Nessa região ao que parecia,

existiam muitos animais noturnos, uma variedade de formas de ser morto.

Mesmo depois de todos esses anos, ele ainda se sentia apreensivo com

relação aos animais. Eram tantos tipos, cada qual com seu próprio jeito de

atacar, de rastrear, uns mais inteligentes que outros, podiam ser tão

inteligentes que se tornavam ridículos. Certa vez encontrou um animal que

parecia um cavalo, no entanto, diferenciava-se, pois tinha patas em vez de

cascos e uma mistura de verdes de vários tons escuros para se misturar

com a floresta que se estendia ao seu redor. Passou quatros dias montando

esse animal, que parecia amigável, conseguiu fazer um bom caminho nas

costas dele, mas no quinto dia com o bicho, descobriu que ele só estava

esperando sua guarda baixar pra matá-lo enquanto dormia. Na quinta noite,

comeu uma carne difícil de engolir devido aos músculos e fibras.

Essa noite seria fria, mas não reclamaria. Procurou uma clareira no

meio da vegetação rasteira para poder dormir sem ter medo de deitar em

plantas venenosas. Encontrou, sentou e abriu a mochila, muito velha e

desgastada, mas ainda em condições de uso, de dentro tirou uma pequena

maleta de metal flexível, uma grande invenção, leve, resistente e maleável,

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abriu e dentro havia uma esponja preta já puída, com vinte minúsculos

compartimentos, onde só dois deles estavam ocupados por cápsulas de cor

verde neon. Dois, pensou. Mais seis anos, no máximo oito se economizasse.

Pegou uma das cápsulas, guardou a maleta na mochila e puxou uma pequena

lâmpada de um dos bolsos acolchoados da mochila. Ao abrir a cápsula, um

fino feixe de luz saia de dentro dela. Colocou o conteúdo da cápsula na

palma da mão. Uma pedra diminuta e transparente, que parecia um diamante,

exceto pelo fato que emanava uma fraca luminosidade. Oriun, a base de uma

vida com alguns confortos, o metal mais precioso, mesmo esses dois já bem

usados, seriam vendidos por um preço extraordinário. Pegou o Oriun e o

colocou em um compartimento na lâmpada. Ela acendeu e iluminou tudo em

um raio de 12 metros, numa luz branca e quente. Ouviu barulhos por todos

os lados da clareira. Riu com isso. Assustei metade desses animais, mas a

outra metade não se assusta tão fácil assim, pensou ele.

O céu estava estrelado, não reconhecia uma só constelação. Guiava-se

pelo sol e por sua bússola, guardada com o maior cuidado, e só olhava as

estrelas para admirá-las, pela enésima vez lembrou-se do passado.

Escolham um dos quatro sentidos, norte, sul, leste e oeste, eles

falaram. Pelo leste, disseram, e eu os seguiu. Duas mil pessoas foram junto

comigo para o leste, soldados em sua maior parte, alguns cientistas e

diversas pessoas com talentos específicos. Nessa jornada para o oriente,

passou-se dezessete anos e só eu cheguei até aqui. Despertou das

lembranças subitamente. Baixou o olhar das estrelas para a escuridão ao seu

redor. Essa poderia ter sido uma noite tranquila. Mas não seria.

Passos. Puxou uma adaga da mochila. A luz cegava, mas o raio

iluminado era grande e dava tempo de se preparar. Puxou uma segunda

adaga do tornozelo. Mais passos. Na esquerda. Não. Direita. Dois. Eram dois

ou mais, tinha certeza. Silêncio.

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- Sa...uhhnnrr!!!! – tentou falar para espantar qualquer animal que

estivesse espreitando, mais fazia muito tempo que não falava.

Mais silêncio. Levantou mais um pouco as adagas para perto do rosto.

Escutou. Vozes. Sorriu como há muito tempo não sorria. Sete anos desde a

última vez que escutara uma voz humana, ao menos parecia humana. Estavam

conversando, um no seu lado esquerdo e outro no direito. Flanqueado. Perigo.

No bolso, sim, estava no bolso de sua camisa, sobre o peito direito, sempre o

carregava ali. Uma saída de emergência para situações de risco de morte.

Esperava não usar, esperava resolver tudo pacificamente.

Então apareceram, entraram na luz lentamente. Dois homens, negros

como a noite. Vestido em roupas estranhas que lhes cobriam quase todo o

corpo e tão negras como quem as vestia. Não carregavam armas ou então

estavam escondidas em suas roupas. Começaram a falar algo, mas não

entendia. Estavam se aproximando, um de cada lado. Mais perigo. Talvez

desse para enfrentar, os anos tiraram-lhe a velocidade, mas lhe deram

experiência.

- Parem! – Disse, levantando as mãos em um gesto universal e

segurando as adagas com os polegares. Eles pararam e observaram.

- Pessoal, eu sou apenas um viajante em uma busca – Que talvez

tivesse acabado nesse momento. - Não quero problemas!

Não havia jeito, tinha que abaixar as adagas, se atacasse criaria uma

inimizade que poderia até lhe custar toda a missão, se ela ainda existisse.

Ainda com as mãos levantadas começou a baixá-las lentamente para

depositar as adagas no chão.

No exato momento em que se ergueu sentiu como se uma onda de ar

passasse pelo seu corpo vindo do seu lado direito. Virou automaticamente

para o homem da direita. Ele estava com a mão esquerda erguida em sua

direção e com a manga puxada até o cotovelo. Por todo o antebraço do

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homem fios de cor dourada se trançavam em uma complexa simetria,

formando em alguns pontos desenhos que não conseguia entender e junto

com essa trama, amarrados nesses fios em intervalos contínuos havia pedras

luminosas. Oriun. Acabou, pensou. Grandes, metade de um polegar achava.

Vários, contou uns dez, mas havia mais, com toda certeza. Um sorriso

dançou em seu rosto por um breve momento, antes de ser trocado por uma

expressão de espanto, seguida de desespero.

Seu corpo, cada parte dele estava paralisado, até a respiração

tornara-se impossível, por não conseguir fazer o tórax se expandir junto

com os pulmões. Não conseguia falar ou piscar, apenas pensar e isso era o

pior. Porque seu raciocínio não compreendia o que estava acontecendo, por

que não se movia?

O homem baixou o braço, fazendo a manga cobrir todos os Oriuns.

Olhou para a lâmpada no chão da clareira, chegou perto e pisou em cima,

destruindo-a por completo e junto com ela o Oriun. Não, pensou. O Oriun

podia ter grande potencial energético, mas era frágil. Tudo escureceu,

percebeu que estava sendo amarrado e quase desmaiando por falta de ar, só

depois de estar firmemente preso é que sua respiração voltou, mas sua

consciência se foi depois que sentiu uma pressão na sua nuca. Nos últimos

momentos antes de apagar pensou, dezessete anos perdidos, sem esperança,

Aline...

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