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PLÁSTICO
artes visuais além do cubo branco

SILAS MARTI

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23.out.2021 às 16h20

SP-Arte volta com


descoberta do ‘pink
money’ e saudades loucas
da euforia

Obras de Ana Maria Tavares, Marcelo Cidade e Francisco Hurtz


na SP-Arte (Divulgação)

Silas Martí

É um globo espelhado, desses de boate. Na


pintura de Marcelo Cidade, ele flutua
sozinho, no branco imenso do papel, as
cores esmaecidas, um cinza morto. A festa
ali está mais para um cadáver estendido na
luz fria do necrotério, asséptica e talvez
ainda impossível.

Na volta da SP-Arte ao mundo de carne e


osso depois de duas edições virtuais, os
looks de vernissage enfim saíram do
armário e galerias, como a Vermelho, de
Cidade, puseram na linha de frente obras
que refletem um clima de euforia, ou que ao
menos tentam fazer isso sem a quebra do
decoro imposto por esses quase dois anos
de pandemia.

Do outro lado da Arca, o imenso galpão na


Vila Leopoldina que virou a nova casa da
feira na zona leste paulistana, Francisco
Hurtz encheu de homens pelados um
estande-vestiário montado pela galeria
Verve, com azulejos no chão e nas paredes e
os desenhos de traço limpo e alta carga
homoerótica do artista, agora em franca
ascensão.

Veja obras que estão nesta edição da feira SP-


Arte

+ 7 fotos

Faz sentido. Talvez poucas coisas neste


início de pós-pandemia façam tanta falta
quanto uma festa e a intimidade de outro
corpo ao alcance do toque das mãos.
Sentimos saudades da boate e da pegação,
parecem dizer esses dois artistas muito
distintos mas em total sintonia com o
momento.

Quem conhece a obra de Cidade vai lembrar


que seu trabalho sempre foi uma reflexão
forte sobre o embate do homem com a
metrópole, a brutalidade do brutalismo, o ar
sinistro da modernidade erguida em
concreto aparente.

Ele é o cara que, pelado num museu, se


deixou alvejar por arremessos de cimento
molhado, que cravejou de balas os cavaletes
de cristal de Lina Bo Bardi, que virou do
avesso a rua Augusta numa performance-
passeio contra o fluxo. E ele é o cara que
agora lamenta o fim de uma era, disseca o
que sobrou da festa —a gente era feliz e nem
sabia.

Francisco Hurtz investiga o corpo masculino em


desenhos, pinturas e fotografias; veja tatuagens
inspiradas em sua obra

+ 5 fotos

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Hurtz saiu do underground queer e agora


experimenta o sucesso comercial
explorando o que nunca coube num nicho
—a beleza torta do corpo masculino e junto
dela a masculinidade frágil. Seus belos
desenhos falam do que é ser homem e desse
lugar do homem, gay ou hétero, numa
sociedade acostumada com expressões
como pôr o pau na mesa. Nas suas obras,
vemos esse cara, mas também os rapazes
desajustados, a solidão na ressaca da festa, a
“broderagem” sem culpa, a expiação do
tóxico no macho tóxico.

Outros homens em outras telas também


causam um curto-circuito à luz do MeToo,
do lavrador com uma lágrima que escorre
do rosto numa pintura de Glauco Rodrigues,
na Frente, ao lindo retrato de Desali
batizado “Corpo Amigo”, na galeria Rodrigo
Ratton, de Belo Horizonte, aos rapazes
negros erotizados nas telas de Renan Teles,
na Bailune Biancheri, e ao kitsch garoto de
cueca com uma borboleta e flores de
Fernando Cardoso, na Ybakatu, de Curitiba.

Os artistas nunca tiveram qualquer receio


de trabalhar esse erotismo do corpo do
homem, mas agora as galerias aqui
encampam como nunca essa bandeira —não
seria exagero dizer que há mais homens nus
nesta feira do que mulheres, as Guerrilla
Girls notariam a flagrante descoberta do
“pink money” pelos marchands do
establishment.

Outras bandeiras, é claro, estão em jogo.


Artistas negros, indígenas e trans, muitos
deles na atual Bienal de São Paulo, ganham
os holofotes. É o caso de Jaider Esbell, na
Millan, Uýra Sodoma, na galeria C., do Rio
de Janeiro, Gustavo Nazareno, na também
carioca Portas Vilaseca, e todo o estande da
paulistana HOA.

Vozes mais experientes também brilham. Na


Central, estão duas pinturas de Gretta
Sarfaty que deveriam estar num museu.
Numa delas, seu próprio rosto se repete em
fotogramas, da beleza ao horror. Se há
muitos homens nesta SP-Arte, há também
ao menos a artista que construiu essa visão
caleidoscópica e vertiginosa da mulher em
carne viva, potente e exuberante.

Enquanto Sarfaty desconstrói o erotismo e


joga com os estereótipos machistas da
mulher histérica no seu esquema de frames
que lembram a nouvelle vague, ecos do
passado chamam a atenção. Na
Pinakotheke, uma parede inteira mostra as
telas de mulheres negras que Pedro Correia
de Araujo fez na década de 1930.

Elas são beldades, troféus, seios


empinadíssimos, mas embaladas num
geometrismo art déco. À frente delas, uma
escultura com o rosto altivo de uma delas. É
lindo, mas bom saber que há outras
revoluções em curso nessa volta —eufórica?
— das feiras de arte ao chamado presencial.

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