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Nasci numa quarta-feira do dia 14 de Dezembro, uma manhã quente do mês de verão em Angola.

Kássia Paloma Costa de Aguiar, nome escolhido pelos meus país, para a sua primeira menina.

Minha infancia

Cresci a ser uma criança muito tímida, maioria das pessoas que cuidaram de mim alegam que eu
era muito fechada. Não que eu fosse anti-social, ou algo do tipo, mas de certeza não era uma daquelas
crianças que sentia-se confortável em qualquer ambiente que era colocada, tinha os meus momentos ,
lembro-me de não conseguir estar calada com certas pessoas e de não dizer uma única palavra com
outras.Era uma pessoa bastante seletiva, até hoje sou, encontro-me várias vezes a questionar se isso faz
parte da minha personalidade ou se trata de um defeito meu.

Por ser uma criança "muito quieta", frequentemente encontrava-me no meu canto a
desenhar.Comecei a desenhar muito cedo, por volta dos meu quatro anos, lembro que era uma das
minhas atividades predilétas, era tão devotada nisso que até hoje uma das minhas memórias mais
antigas trata-se de um episódio meu, em que pintei o cadeirão inteiro da minha avó Chica, minha
primeira obra de arte que consistia em inúmeros desenhos de "bolhas de sabão" espalhadoas desde a
cabeceira até as almofadas do sofá, um marco que de certeza deu o início á minha "vida artistica" .

Tirando a minha pesonalidade acanhada e obcessão com doces, outro fator que influenciou
diretamente o meu interesse pelas artes, foi uma das minhas maiores fixações.Violetta ,minha primeira
ídola, uma personagem de uma série da Disney com o mesmo nome, que nem se quer existia na vida
real, era para mim uma Whitney Houston para minha mãe. Tinha uma coleção enorme, desde cds,
roupa, cadernos, livros, tudo que fosse fabricado com seu nome, implorava a minha mãe para
comprasse-mo .Lembro-me de ter um espaço no meu quarto exclusivo para a minha coleção, parecia um
altar para algum culto aquilo. Passava horas a decorrar todas as letras de todas suas músicas , que
curiosamente eram todas em espanhol ,língua que eu não dominava mas fiz o esforço de aprender
apenas por ela.Outra personagem que prestigiava na série era Tomás, ele tocava guitarra e era
apaixonado pela Violetta , dai a minha inspiração de futuramente aprender guitarra.

Angola
Até então eu morava com a minha mãe, irmão e padrasto em Luanda, capital de Angola,
especificamente na "Cidade", o que seria o centro de Luanda. Tinha morado lá toda minha vida , estava
habituada a uma única rotina, ia de manhã á escola todos os dias com o motorista da minha avó, o
Cláudio, voltava com ele ou uma das minhas primas mais velhas que me iam buscar, voltávamos a pé até
a casa da minha avó paterna, que ficava relativamente perto da minha escola, passava lá todas as minhas
tardes, almoçava, fazia os meus trabalhos de casa, brincava com os meus primos,lanchava pão com chá
ou ocasionalmente arroz doce, a minha tia trançava-me o cabelo, ela e a minha mãe eram as únicas que
tocavam no meu cabelo, e, no final do dia voltava para casa com a minha mãe que vinha sempre me
buscar logo que ela saísse do trabalho.Uma rotina repetitiva mas reconfortante, passei bem durante
esses anos, estava perto da minha família e não tinha grandes preocupações que ocupavam a minha
mente constantemente.

Isso tudo acabou quando a minha mãe e padrasto,que trabalhavam no mesmo banco, foram
tranferidos e tivemos que nos mudar para o Talatona.Era apenas 30 minutos da Cidade, mas obviamente
não consegui manter a mesma rotina que tinha. Agora, ia para a escola com um motorista diferente,
dessa vez o Carvalho, gostava muito do Carvalho ele trabalhou para a minha família durante uns 3 anos,
era um homem de baixa estatura, e aceitava sempre me levar aop Candado para comprar doces depois
das aulas, voltava para casa logo que terminassem as minhas aulas, e aí passava o resto das minhas
tardes livres em casa até a minha mãe chegar .

No inicio não gostava muito do sítio em que morei quando nos mudamos para Talatona. A
"Cidade Financeira", o lugar que tinhamos nos mudado, era um condomínio que estava dentro da sede
do trabalho dos meus pais, ou seja as residências lá, eram apenas ocupadas por trabalhadores daquele
banco, e que a sua maioria não tinha filhos, logo, eu sentia-me sozinha a maior parte do tempo. Até que
no primeiro final de ano que passamos lá descobri que morava ali uma menina da minha idade, o nome
dela era Lucena, ela era completamente o oposto de mim, era muito extrovertida, energética e atlética.
Eu e a Lucena rapidamente ficamos muito próximas e começamos a ir brincar quase todos os dias,íamos
sempre a piscina do condomínio pois era o nosso lugar preferido . Naquele tempo eu e ela tinhamos
respetivamente nove e dez anos ,ela era quase um ano mais velha que eu, já que que ela nasceu no
inicio de ano e eu no final. Apesar das nossas diferenças de gostos e desentendimentos, eu e a Lucena
funcionavamos bem, era agradável estar com ela, sem dúvida foi a melhor coisa que aquele condomínio
podia ter me presentiado.Eventualmente ela e o seu pai mudaram-se para Portugal três anos depois.

Depois da ida da Lucena comecei a passar mais tempo sozinha e aborrecida, e como resultado
disso passei novamente a usar a arte como refúgio.Naquela altura o meu gosto por música só tinha
aumentado, so que desta vez, a minha playlist não estava repleta de músicas da Violetta, aos poucos o
meu gosto musical diversifiou-se,aprendi a apreciar diversos tipos de música.Também tive muita
influência dos gostos musicais da minha família,a parte do meu pai era cabo-verdiana, e desde pequena,
em todas as festas que ia, decorava as letras da gigantesca playlist que usavam em todos eventos
daquela família, era música brasileira, angolana, cabo-verdiana, uma mistura de tudo que constituía a
minha família.

Os meus últimos anos em Angola devido a conflitos pessoais, não foram os melhores, mas
ajudaram a me encontrar-me como pessoa num ambiente em que chamarei sempre de casa, foi em
Angola que passei os melhores momentos e guardo as memórias mais preciosas da minha vida . A
verdade é que Angola realmente não é o um país "perfeito" e tal como qualquer outro, tem os seus
problemas, sejam esses complicações politicas ou económicas, realmente não é o sitio mais fácil de se
viver, mas apesar de tudo, o povo angolano é a prova de que não sao apenas esses fatores que tornam
um país bom ou não.O angolanos são alegres, humildes e fortes, um povo cheio de esperança e vontade,
algo que muitas pessoas de outros paises não conseguem ser,mesmo pertecendo a regiões "organizadas
". Sou grata à Angola para sempre, se um dia ter o desejo de criar a minha própia família, e ter filhos, fá-
lo-ei lá, para que os meus filhos possam experienciar tudo que eu tive o privilégio de vivenciar, uma
cultura rica de tradições e crenças que eu pretendo passar para eles.

Caju

Caju, o nome do colégio que frenquentei os seis anos mais desvairados de minha vida. Apesar de até
então já ter passado por duas outras escolas, sinto que a que marcou mais foi o Caju. Entrei para lá com
oito anos e saí aos meus quatorze, não obstante de continuar a ser uma criança quando saí, esta
pequena fase marcou completamente a minha vida. Fui transferida para lá no meu quarto ano, estava
enquadrada numa realidade ligeiramente diferente do que era o Caju, não que ele fosse um lugar
incomum as outras escolas, mas a impacto que senti foi drástico, desde o ensino até o própio
funcionamento do colégio, passei de usar saias e laços verdes com o logo da minha escola bordado no
lado esquerdo da minha camisa para roupas escolhidas por mim.

Nunca tive dificuldade de fazer amigos, apesar do meu acanhamento, crianças serão sempre crianças e
não demorará muito tempo até elas decidirem brincar juntas.No meu primeiro dia de aulas conheci a
Alicia, uma menina da minha sala ,a primeira com quem falei. Alicia foi a primeira amiga que fiz no Caju e
que acabaria por tornar-se minha melhor amiga para a vida, ela era da minha altura,tinha o cabelo
castanho e cheio, usava-lhe quase sempre solto ou em dois puxinhos, muitas vezes fomos confundidas
por sermos aparentemente parecidas, eu e ela nunca vimos mínima semelhança.Ela apresentou-me para
as suas amigas , não me identifiquei logo com elas, então andava com outras três meninas, a Nayara,
uma menina mulata, usava sempre o cabelo em tranças, a Maria, que era portuguesa, e tinha os olhos e
os cabelos claros e por fim a Nayara Kutenda, ela era baixa e tinha o cabelo curto.Lembro pouco do meu
primeiro ano no Caju, foi um ano de pura adaptação.

Depois do meu quarto ano as coisas foram melhorando, fiquei mais próxima das meninas da
minha sala, já sentia-me muito mais integrada. O meu quinto ano passou como uma brisa do vento na
cara, a mesma coisa com o sexto até o sétimo, entretando esse já me fez alguma diferença, duas das
minhas amigas tinham reprovado, e apesar de coninuarmos na mesma escola, há sempre coisas que
mudam e não voltam ao normal.No oitavo conheci a Daniela, a partir de algumas amigas minhas, e
aproximei-me do João, um menino que já estudava comigo desde o sexto.E então cheguei ao meu nono
ano e último no Caju, metade dele foi passado em casa já que foi durante o início do COVID 19, em
2020.Considero o meu nono ano a parte mais alta da montanha russa da minha vida, calhei numa turma,
que apesar de conhecer mais de metade das pessoas, que já estudavam comigo há mais de cinco
anos ,não passavam de conhecidos, a outra metade eram pessoas de quem eu nunca havia falado ou
ouvido falar em toda minha vida.Neste momento maioria dos meus amigos tinham quase todos saído do
colégio ou encontravam-se em turmas diferentes da minha, contava apenas a Daniela e a Júlia, as três
nos aproximamo-nos muito naquele último ano.

Caju não me ofereceu as memórias mais agradáveis no entando presentiou-me as melhores


amizades que podia fazer,aquelas que me reconfortaram quando precisei , e me fizeram rir até nas
situações mais inapropriadas para se rir . Foi também no Caju em que pensei pela primeira vez seguir
arte, ideia apresentada pelo meu professor Nisvaldo, de Artes Visuais, ele foi o professor que mais
admirei durante aqueles seis anos ,recordo-me dele como uma pessoa extremamente calma e sábia,
diria uma das minhas primeiras inspirações.

Uma paixão
Como já havia mencionado o meu gosto pelas artes esteve comigo desde os primeiros anos da
minha minha vida e durante a minha infância manifestei esse meu gosto pelo artístico de diversas
formas.Pratiquei ballet durante dois anos, gosto de acreditar que era boa naquilo, dedicação era o que
não me faltava, foi muito suor derramado,passava horas a treinar em casa , e, apesar de ter sido um
capítulo marcante da minha vida, o ballet não chegou a ser uma paixão para mim, o meu gosto pela
dança não cresceu muito mais e o meu lugar na ballet passou de ser bailarina a apenas uma
espectadora.

Escolhi então forcar-me à unica coisa que até então não tinha me fartado, a música,no meu 12º
aniversario pedi a minha mãe um cavaquinho de presente e comecei a aprender sozinha, não tinha um
único conhecimento sobre como funcionava um cavaquinho, demorei uns três meses para apanhar
jeito , e logo que aprendi os acordes mais usados comecei então a aprender algumas das minhas músicas
favoritas do momento.Foram uns 2 anos a melhorar as minhas habilidades com o instrumento,os meus
dedos demoraram para habituarem-se a pressão das cordas, deixando assim marcas e calos nas pontas
deles e eventualmente aumentando a flexiblidade da minha mão esquerda,quando reconheci que estava
boa o suficiente, considerei então experimentar aventurar-me com a guitarra.Durante umas férias que
passei em Portugal pedi ao meu pai que me oferece-se uma guiatarra, fomos juntos comprá-la,
acompanhados com um amigo do meu pai que era produtor, ele ajudou-nos a escolher o modelo mais
indicado para mim,optamos por uma Yamaha, foi a minha primeira guitarra.Lembro-me de ficar muito
feliz e ansiosa, mas fui rapidamente derrotada pelas "inúmeras" cordas que pareciam ser grandes
demais para os meus dedos,acabei por não fazer muito progresso no meu primeiro ano com a guitarra,
parecia demasiado dificil para mim ,portanto continuei com o meu pequeno cavaquinho durante mais
algum tempo.

Quanto aos meus desenhos passei a explorar mais os meus gostos pessoais, até que desenvolvi
uma particuldade de so desenhar fisionomia humana, especialmente rostos,muitas vezes de meus
amigos, famosos, família tudo que fosse um rosto fazia questão de me desafiar a desenhar.Não cheguei
a ter nenhuma aula de desenho até ao meu décimo ano, as minhas "técnicas"eram desenvolvidas a
partir de experiências minhas, nada de novo ou revolucionário e como trabalhava muito com carvão,
criei então o "mal hábito" de muitos artistas iniciantes de usar o meu dedo para fazer sombras e esfumar
os meus desenhos, só anos depois descobri o quão prejudial isso era para o meu desenho.

Confome fui desenhando mais, comecei a procurar um estilo único apesar de acabar sempre por
optar pelo realismo, que independentemente de ser considerado por muitas pessoas um estilo básico e
sem graça, satisfazia-me detalhar os meus desenhos cuidadosamente e com extrema delicadeza.

Quando finalmente entrei para o curso de Artes Visuais no meu décimo ano, diverti-me bastante
no ínicio principalmente com as minhas aulas de desenho, aliviava-me muito poder desenhar depois de
aulas cansativas de história, muitas das vezes eu nem fazia o que era suposto fazer, só levava o meu
diário gráfico para aula e distraía-me a terminar desenhos inacabados que tinha por lá, eventualmente a
brincadeira teve que acabar e a pressão de terminar trabalhos á tempo e desenhar coisas que não estava
muito habituada ou interessada estressava-me muito, mas era mais que necessário sair daquela zona de
conforto em que estava acomodada e exprimentar novos temas e matériais.Nem tudo deu certo comigo,
pessoalmente não fiquei muito fã do pastel de óleo, consigo usá-lo quando necessário mas de certeza
não é um material de escolha para mim ao contrário dos pastéis secos ou as minhas queridas aquarelas,
também não tratou-se de paixão á primeira vista, mas com tempo ganhei prazer em trabalhar com eles.

Portugal

Apesar de vivermos bem em Angola, a minha mãe sempre teve intenções de nos mudarmos
para Portugal quando eu inicia-se o meu ensino médio e em 2019 matriculou-me nos Salesianos para
que eu fizesse lá o meu nono ano, ano que que repetir devido a diferença de ensino e adaptação.

Mudámo-nos em Setembro de 2020, só eu e a minha mãe, foi um ano muito difícil , passei por
uma recuperação de um distúrbio alimentar que tinha desenvolvido na quarentena, o que não facilitou a
minha adaptação tanto a escola como á vida em Portugal em si.

Dizem que o inicio é sempre difícil e é normal não nos aconchegarmos logo de primeira,não foi
diferente comigo, odiei Portugal durante os meus primeiros meses aqui, sentia falta dos meus amigos e
família , não me agradava a personalidade da maioria das pessoas aqui, sem falar no clima totalmente
diferente que para alguém que estava habituada com 30 graus quase o ano inteiro, levei um choque
termico quando cheguei e tive que lidar com temperaturas abaixo dos 10 graus durante o inverno.

Algo que mexeu totalmente comigo quando cheguei em Portugal foram as diversas situações
extremamente constragedoras de racismo que passei , comentários desnecessarios sobre o meu cabelo,
meu país até a forma como eu falo eram feitos constantemente por desconhecidos, e pela minha
experiência pessoal, os portugueses são um povo geralmente racista, apropriando-se apenas do que lhes
traz o próprio benefício.Poderia estar a ser muito dura e negativa quanto a minha opinião com este povo
e devo adimitir que não gosto de generalizar estes aspectos a todos os portugueses porque chego a
conclusão que eles tem essas atitudes de forma incosciente, a sua ignorancia vem da sua educação, do
que aprendem dos seus pais, dos seus avos, das suas escolas que enaltecem o seu passado com orgulho,
orgulho de colonizar e destruir, por terem conquistado terras que nunca foram deles, e assim se
chamarem os tais "herois do mar".Inconscientes e limpos das suas proprias ações.

Nada do que passei aqui chocou-me, quando se é uma pessoa negra no estrangeiro, principalmente
vinda de um país africano, os meus pais tiveram sempre o cuidade de me abrir os olhos a essas situações
e não me ocultar da realidade de ser emigrante e negra.Obviamente que enquanto criança eu não tive
essas preocupações , ja que nasci e cresci em Angola, país onde mais da maioria da população é negra,
não faria sentido algum, mas mesmo assim cresci com a tal "mentalidade branca" aquela em que a
mídia ensina as crianças, que o padrão de beleza consiste no tal cabelo liso, olhos claros e a pele branca,
características que muitas vezes nem eles própios possuem. Podia falar muito mais sobre esse assunto
mas prefiro guardar para outro público.

Foco a minha arte na exaltação de povos afetados pela colonização europeia e exposição de problemas
sociais de maneira a conseguir tocar em tobus muito censurados pela nossa sociedade.Daí vem o nome
da minha biografia, Vapor di imigrason surge de uma música, com o mesmo nome, da Mayra Andrade .
Nela ela fala sobre os sacrifícios que muitos africanos tem de passar de forma aconseguir buscar
melhores oportunidades em países da Europa e Américas, a necessidade de um africano de se deslocar
para poder ter acesso a uma melhor educação, aquela que abriria mais portas em comparação ao
diploma que receberás se terminares o teu ensino em Africa. As inúmeras famílias seperadas como
resultado da falta de senso dos europeus, a perca do nossos nomes verdadeiros, da nossa língua
materna, a vergonha plantada em nós por sermos africanos.

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