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Ano 23 | Edição 136 | Julho/Agosto 2021 | Conselho Regional de Psicologia do Paraná

Psicologias de
todas as cores
Pessoas são diversas em suas culturas, origens, identidades de
gênero, etnias, subjetividades, e a Psicologia precisa atuar para
reconhecer e despatologizar estas vivências

NEUROPSICOLOGIA RESENHA EDUCAÇÃO


Como as nossas emoções – e a Uma homenagem a Contardo Psicologia nas escolas se
Psicologia – se relacionam com Calligaris e a vida como consolida e revela desafios
nossas dores crônicas? aventura para o futuro pós-pandemia
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05 Curtas

SUMÁRIO
Revista CadernoS de PsicologiaS recebe textos para segunda edição
CFP debate exclusividade da Psicoterapia para Psicólogas(os)

06 Resenha
Calligaris e a vida como aventura

08 Luta Antimanicomial
Vidas Lokas Importam: os ecos de uma campanha por uma Luta Antimanicomial,
Antirracista e Antiproibicionista

11 Diverges
As vitórias da nossa luta: a garantia dos direitos da população LGBTI+

14 Políticas Públicas
Um panorama das políticas públicas voltadas para a população LGBTI+ no Brasil

17 Capa
Psicologias de todas as cores

23 Neuropsicologia
Como as nossas emoções – e a Psicologia – se relacionam com nossas dores crônicas?

27 Psicologia Escolar/Educacional
Psicologia Escolar e da Educação se consolida e revela desafios para o futuro pós-pandemia

29 Ética
A articulação com a rede a partir do encarceramento

31 Orientação e Fiscalização
Um Código de Ética comprometido com os valores sociais fundamentais

33 Administrativo-Financeiro
Assembleia Geral Orçamentária segue online para maior participação em 2021

34 Espaço Psi Ψ
Do for all ao forró: para todas as pessoas

Conselho Regional de Psicologia - 8ª Região (CRP-PR)


Produção: Revista Contato: Informativo Bimestral do Conselho Regional de Psicologia 8º Região (ISSN – 1808-2645) • Site: www.crppr.org.br
Endereço (sede): Avenida São José, 699, Cristo Rei, Curitiba-PR | CEP 80050-350 • Contatos: (41) 3013-5766 | ellen.nemitz@crppr.org.br
Tiragem: 22 mil exemplares • Impressão: Lunagraf • Jornalista responsável: Ellen Nemitz (17.589/RS) • Estagiária de jornalismo: Valkyria Dantas
Rattmann • Redação: Ellen Nemitz, Rebeca Amaral e Valkyria Dantas Rattmann • Coordenador da Comissão de Comunicação Social: Pedro
Braga Carneiro • Revisão: Ellen Nemitz e Pedro Braga Carneiro
Diagramação: Regiane Mores • Ilustrações: Freepik (www.freepik.com), Pixabay (www.pixabay.com), Shutterstock (www.shutterstock.com).
• Projeto gráfico: Agência Cupola • Preço da assinatura anual (6 edições): R$ 30,00

OS ARTIGOS SÃO DE RESPONSABILIDADE DE SEUS AUTORES, NÃO EXPRESSANDO NECESSARIAMENTE A OPINIÃO DO CRP-PR
Conselheiras e conselheiros: Psic. Ana Ligia Bragueto (CRP-08/08334), Psic. Andreia Moessa de Souza Coelho (CRP-08/08896), Psic. Andressa
Roveda (CRP-08/08990), Psic. Angela Aline Haiduk Rosa (CRP-08/21752), Psic. Caetano Fischer Ranzi (CRP-08/14605), Psic. Celia Mazza de Souza
(CRP-08/02052), Psic. Denis dos Santos Costa (CRP-08/10950), Psic. Denise Lisboa de Almeida (CRP-08/14540), Psic. Flavio Voigt Komonski (CRP-
08/19733), Psic. Gustavo Lacatus da Costa de Oliveira (CRP-08/20191), Psic. Joao Batista Martins (CRP-08/07111), Psic. Jose Alexandre de Lucca
"in memoriam" (CRP-08/23802), Psic. Luccas Danniel Maier Cechetto (CRP-08/27520), Psic. Luciana de Almeida Moraes (CRP-08/14417), Psic. Marcel
Cesar Julião Pereira (CRP-08/20665), Psic. Maria Ester Falaschi (CRP-08/06606), Psic. Natalia Cesar de Brito (CRP-08/17325), Psic. Nayanne Costa
Freire (CRP-08/14350), Psic. Paulo Cesar de Oliveira (CRP-08/17066), Psic. Pedro Braga Carneiro (CRP-08/13363), Psic. Priscila Soares Pereira do Nasci-
mento (CRP-08/12303), Psic. Ramon Andrade Ferreira (CRP-08/28114), Psic. Renata Campos Mendonça (CRP-08/09371), Psic. Sabrina Meira Pimentel
(CRP-08/28265), Psic. Sara Gladys Toninato (CRP-08/07092), Psic. Talitha Priscila Cabral Coelho (CRP-08/29094), Psic. Thaynara Bianchessi Nagliate
(CRP-08/28273), Psic. Vanessa Jacqueline Monti Chavez (CRP-08/19849).

CONTATO 136 | 3
EDITORIAL

Olá, Psicólogas e Psicólogos do Paraná e todas as pessoas que nos leem.


A edição de Julho/Agosto da Revista Contato é um aquecimento para as
ações do Dia das(os) Psicólogas(os) no CRP-PR. Na campanha deste ano cele-
bramos a pluralidade de nossa ciência e profissão sob o mote: Psicologias
de todas as cores. Tomamos a multiplicidade de tons e matizes como ilus-
tração das diversidades que precisamos reconhecer em nossa atuação: as
diversas possibilidades de existência e manifestações da sexualidade, das
relações raciais, das trajetórias de vida, origem e migração dos sujeitos e
grupos. Também as várias experiências de subjetividade e de sofrimentos,
que não devem ser patologizadas nem estigmatizadas.
Reconhecer-se em cores é também admitir potências e limitações, em
contraposição a uma suposta (e impossível) neutralidade homogeneizan-
te. Nesta direção, as Psicologias, sabendo-se multicoloridas, permitem-se
o encontro com outros saberes, conhecimentos e epistemologias para a
produção do bem-viver.
Esperamos que estas reflexões ecoem e façam sentido. Acompanhem as
demais ações da campanha por meio dos nossos canais de comunicação.
Uma boa leitura a todas(os)!
Revista CadernoS

CURTAS
de PsicologiaS
recebe textos para segunda edição

E
m 2020, o Conselho Regional de A segunda edição traz uma nova proposta:
Psicologia do Paraná (CRP-PR) lançou ela será aberta, tanto com relação aos te-
a revista CadernoS de PsicologiaS, mas dos artigos quanto ao fluxo de recep-
um espaço para trocas de experiências ção dos textos, que será contínuo. Outra
entre Psicólogas(os) paranaenses, seja de novidade da revista é a possibilidade de se
suas práticas ou inquietações teóricas, por produzir e submeter trabalhos para uma
meio de textos, ensaios ou mesmo de ino- nova categoria, denominada “Estilhaços”:
vações estético-literárias. fragmentos autorais, depoimentos, etc.,
relacionados à atuação da(o) Psicóloga(o).
A primeira CadernoS de PsicologiaS gerou
um conjunto de 42 textos selecionados, Deseja compartilhar sua experiência, fazer
bit.ly/3fw6K6Q
produzidos individual ou coletivamente uma reflexão teórica ou mesmo um texto
por 127 pessoas. As contribuições de to- com uma estrutura estético-literária “livre”?
das(os) as(os) envolvidas(os) tornaram a Então, consulte as normas de publicação do
primeira edição um sucesso. texto no site: www.crppr.org.br.

CFP debate exclusividade


da Psicoterapia para
Psicólogas(os)

A
regulamentação da Psicoterapia como Fruto de uma iniciativa do Sistema
atividade privativa de profissionais da Conselhos de Psicologia, aprovada na
Psicologia — e da Psiquiatria — tem Assembleia de Políticas, da Administração e
sido discutida por profissionais em todo o das Finanças (Apaf) em dezembro de 2020,
país por meio de diferentes instituições. Neste a ação teve como objetivo ampliar o deba-
sentido, o Conselho Federal de Psicologia te e receber contribuições da categoria em
relação ao tema.
(CFP) convidou a categoria a participar de
uma Consulta Pública sobre Psicoterapia, que Acompanhe as novidades no site e nas re-
ficou disponível entre abril e maio de 2021. des sociais do CFP!

CONTATO 136 | 5
*O profissional escreveu a convite da Revista Contato
Calligaris
e a vida como aventura
Por Psic. Vinícius Romagnolli Rodrigues Gomes* (CRP-08/16521)
RESENHA

F
alecido em 30 de março de 2021, o psi- Nova York, e na Universidade de Berkeley, na
canalista e escritor Contardo Calligaris Califórnia). Em Hello Brasil (2017), Calligaris
legou uma vasta obra que atravessou conta sua saga cosmopolita e relata os bene-
gerações de Psicólogas(os) e Psicanalistas fícios e impasses de quem encarou diferen-
em suas formações, mas que também alcan- tes idiomas e gramáticas em sua trajetória.
çou curiosos e interessados pelos assuntos A meu ver, um dos grandes méritos de
da alma. Erudito, o italiano fez sua forma- Calligaris foi aliar seu rigor conceitual
ção intelectual na França com nomes de a uma escrita fluida, dirigida ao grande
peso como Jacques Lacan, Michel Foucault, público; algo que fez com maestria nas
Roland Barthes e Jacques Derrida. Veio ao suas colunas das quintas-feiras na Folha
Brasil nos anos 1980 para algumas confe- de São Paulo. Essa vasta contribuição
rências e por aqui se instalou (sempre na foi compilada em livros como Terra de
ponte aérea com os EUA, onde ministrou Ninguém (2004), Quinta coluna (2008) e
aulas na New School for Social Research, em Todos os reis estão nus (2013). Calligaris se

6 | CONTATO 136
aventurou também pelo romance, tendo para ser um bom analista alguém deve ter
escrito Conto do amor (2008) e A mulher encarado suas dores e ter feito um percurso Para ler e
de vermelho e branco (2011) – o protago- de análise pessoal.
conhecer
nista de ambos era o psicoterapeuta Carlo
Calligaris advertia, no entanto, que para
Antonini, espécie de alter ego de Contardo.
aqueles que se importam muito com reco- Cartas a um
Antonini fez sucesso também na série
nhecimento e gratidão a nossa profissão jovem terapeuta:
Psi (HBO), cujo roteiro foi assinado pelo
não seria recomendável. Curiosamente, sua reflexões para
psicanalista.
partida acabou por suscitar justamente tal psicoterapeutas,
Em entrevista à revista Trip, Contardo relatou reconhecimento e gratidão. Espero ter ex- aspirantes e
seu interesse pela aventura e lamentou não pressado isso de modo singelo neste texto. curiosos | Contardo
ter tempo para vagar aleatoriamente pelas Se pudesse dizer algo a ele hoje, seria: obri- Calligaris | Ed. Paidós
ruas sem um destino definido. Disse, ain- gado por me ajudar a encarar a minha práti- (2ª edição), 2021.
da, que seus personagens nos romances lhe ca (e a vida) como uma aventura!
possibilitavam isso. No entanto, penso que
Contardo se aventurava diariamente dentro
de seu consultório e de sua mente, acolhen-
do o humano em seus mistérios e também
em suas frivolidades, como dito em uma de
suas colunas. Giorgio Agambem (2015) postu-
lou que não basta vir ao mundo, é necessário
aventurar-se, entrar em contato com o mais
distante pela observação do mais próximo;
saber viver o presente como modo de viver
o passado, aventurando-se amorosamente
de uma singularidade à outra. Um verdadeiro
elogio ao psicanalista em geral, um elogio a
Calligaris, em particular.
Ao receber o convite para pagar um tributo
a ele, pensei de saída na obra que o popu-
larizou e o fez próximo de tantos analis-
tas: Cartas a um jovem terapeuta (2021).
Inequivocamente é a obra que expressa a
generosidade e sagacidade de Calligaris ao
trocar figurinhas com dois terapeutas ini-
ciantes. Longe de ser um manual com pres-
crições do que se deve fazer ou não, encon-
tramos nestas Cartas um instigante recurso
para re-pensar nossa prática psicoterapêu-
tica. Fábio Hermann disse que a psicanálise
é uma escuta fora da rotina. Calligaris levou
essa escuta adiante, sempre possibilitan-
do um novo olhar para aquilo que parecia
dado naturalizado.
Dentre as virtudes de um bom analista,
ele citou o gosto pela palavra, um carinho
espontâneo por pessoas, uma curiosida-
de pela variedade da experiência humana
(com o mínimo preconceito possível) e uma
boa dose de sofrimento psíquico, isto é,

CONTATO 136 | 7
ARTE DA CAMPANHA VIDAS LOKAS IMPORTAM, DO ARTISTA PLÁSTICO
PARANAENSE GUSTAS, NO MURO DA SEDE CURITIBA DO CRP-PR
Vidas Lokas Importam:
os ecos de uma campanha por uma
LUTA ANTIMANICOMIAL

Luta Antimanicomial, Antirracista


e Antiproibicionista

N
o dia 18 de maio deste ano, Dia COMO FOI A ESCOLHA PELA ABORDAGEM?
Nacional da Luta Antimanicomial, o O trabalho de construção da campanha teve
Conselho Regional de Psicologia do início muito antes do 18 de maio. Desde fe-
Paraná (CRP-PR) lançou a campanha Vidas vereiro, iniciamos conversas com trabalha-
Lokas Importam, com o objetivo de convo- doras(es) da Rede de Atenção Psicossocial
car à reflexão pela necessidade de aprofun- (RAPS), pesquisadoras(es) sobre saúde
damento dos debates sobre o fim dos ma- mental, representantes do Controle Social,
nicômios para a superação, também, das conselheiras(os), equipe técnica e colabo-
estruturas sociais racistas e do proibicionis- radoras(es) do CRP-PR com identificação e
mo como resposta à questão das drogas. acúmulos sobre o tema – a quem agrade-
Após a disseminação da campanha, vimos cemos muito pelas contribuições! Como
aqui dialogar sobre alguns ecos, reverbera- resultado dessa série de debates, identifica-
ções, a fim de ampliar o debate com toda a mos a necessidade de radicalizar a aborda-
categoria profissional: gem, no sentido de ir à raiz dos problemas.

8 | CONTATO 136
Ou seja, a agudização das dinâmicas de da Luta Antimanicomial, mas, pelo contrá-
exclusão no campo da saúde mental exige rio, um necessário aprofundamento e atua-
uma perspectiva crítica que traga luz àquilo lização dos debates.
que, muitas vezes, se relegou ao segundo
QUEM SÃO AS “VIDAS LOKAS” REIVINDI-
plano da Luta Antimanicomial: o quanto o
CADAS NA CAMPANHA?
racismo e a chamada “Guerra às Drogas” es-
tão no centro do problema. O termo Vidas Lokas é um signo aberto, com
diversos usos e conotações. Desde 2002, pelo
Ao mesmo tempo, compreendemos tam-
menos, aparece nas músicas dos Racionais
bém a necessidade de dialogar com grande
MC’s, associado às diversas formas de vida
parte da população que geralmente está
e de relações nas “quebradas”, nas fronteiras
apartada dos debates sobre saúde mental,
nem sempre sólidas entre a legalidade e a
RAPS, o terror dos hospícios e congêneres,
ilegalidade, considerando as dinâmicas so-
a reforma psiquiátrica... Nesse sentido,
ciais atravessadas pela exclusão, material e
compreendemos que dialogar com elemen-
simbólica, nas periferias urbanas brasileiras.
tos da “cultura de rua”, do RAP, do grafite,
das periferias urbanas, seria uma grande Em 2012, o cientista social Paulo Artur
estratégia para “furar a bolha”, apontando Malvasi, em tese de doutorado em Saúde Tese: Interfaces da
convergências entre dinâmicas históricas e Pública na USP, realizou um debate acadê- Vida Loka: um estudo
atuais da sociedade que se relacionam com mico primoroso sobre o termo, que nos ser- sobre jovens, tráfico
uma lógica manicomial. viu de inspiração para essa campanha, re- de drogas e violência.
conhecendo sua utilização entre jovens no Paulo Artur Malvasi,
E POR QUE NÃO UMA ABORDAGEM MAIS
processo de construção de subjetividades a USP, 2012:
TRADICIONAL, QUE RECUPERASSE A HIS-
partir das interpretações dos problemas de
TÓRIA DA LUTA ANTIMANICOMIAL NO
vida (e de morte) por elas(es) vividos. bit.ly/3c6tHvd
BRASIL, POR EXEMPLO?
Muito já foi feito nesse sentido. Diversas ins- Sendo assim, o significado que defendemos
tituições promovem, anualmente, importan- aqui para as Vidas Lokas, prestando tributo
tes debates históricos sobre a promulgação à ética e à estética cultural das periferias,
da Lei Paulo Delgado e seu contexto de luta, é a identificação das pessoas que muitas
sobre as bases e antecedentes da Reforma vezes são consideradas descartáveis sob o
Psiquiátrica, sobre os parâmetros do cuida- modo de vida que reproduzimos: pessoas
do em liberdade. Contudo, entendemos que que estão à margem das (cada vez mais ra-
cabe ao CRP-PR um papel de vanguarda nes- ras) relações formais de trabalho, que não
se debate, de estimular discussões que ainda se encaixam nos padrões normativos vigen-
não estão sendo feitas em larga escala, com tes, que não são acolhidas nos espaços ur-
a abrangência necessária. banos das trocas e dos encontros permea-
dos pela lógica da produção e do consumo,
Além disso, há uma preocupação em localizar
que reivindicam a legitimidade de formas
a Luta Antimanicomial sob um aspecto histó-
de estar no mundo que muitas vezes são as-
rico, que dê margem a se compreender que
sociadas à loucura, a um lugar de inadequa-
é algo do passado, um conjunto de conquis-
ção. E, sobretudo, que importam, que têm
tas que possa ter se encerrado com a Lei nº
direito a uma vida digna e à saúde mental!
10.216/2001. E isto absolutamente não é ver-
dade: os manicômios estão aí, ainda, mais ou A CAMPANHA RECEBEU ALGUMAS CRÍ-
menos escondidos sob outras nomenclaturas, TICAS QUANTO AO SIGNO DA “LOUCU-
mas presentes no orçamento público, nos dis- RA” E APROXIMAÇÕES COM O EMBLEMA
cursos, nas práticas excludentes e opressoras. VIDAS NEGRAS IMPORTAM. O QUE DIZER
SOBRE ISSO?
Trazer outros temas, como o racismo e o
proibicionismo, para o centro da campanha A receptividade e repercussão da campa-
não significa, portanto, um descolamento nha foram muito positivas em sua enorme

CONTATO 136 | 9
maioria, mas as críticas, mesmo que pou- construção da campanha. Nesse sentido,
cas, são oportunidades importantes de realizamos uma série de debates e consultas
diálogo. para se verificar uma eventual delicadeza
na utilização do mote. Afinal, compreende-
O termo “loucura” é mais um signo em
mos que Vidas Lokas Importam não esva-
disputa na sociedade – seja no campo das
zia o debate das Vidas Negras Importam,
ciências, como mostra Michel Foucault em
pois se trata de um movimento convergen-
História da Loucura (1961), ou nas artes, tal
te de reivindicação de um lugar de inclusão,
qual expressam Arnaldo Baptista e Rita Lee
reconhecimento e respeito a grupos inter-
na Balada do Louco (1972). Deste modo,
seccionais que são marginalizados, oprimi-
o que se reivindica aqui é que a chamada
dos e ameaçados sob um contexto social
loucura não precisa ser tomada de for-
tão desigual.
ma pejorativa, estereotipada, oprimida e
patologizada. QUAIS SÃO OS RESULTADOS E IMPACTOS
DA CAMPANHA?
Usuárias(os) e trabalhadoras(es) de servi-
ços de Saúde Mental têm reconhecido há A avaliação que fazemos é extremamente
anos a possibilidade de empregar uma co- positiva, reconhecendo que a campanha
notação positiva à loucura, como forma chegou a uma grande parcela da categoria
legítima de subjetividade e de relação que e tem, ainda, diversos ecos na sociedade.
não precisa de correção, de padronização. Além das mais de 34 mil pessoas alcança-
Assim se faz com o “orgulho louco”, tal das diretamente por meio das publicações
como outros movimentos sociais historica- em redes sociais, percebemos o compar-
mente fazem ao reivindicar sua identidade tilhamento das produções por grupos de
apropriando-se e revertendo o uso negativo pesquisa, associações, páginas e espaços
Para ler e de palavras como viado, bicha , vadia, puta , relacionados à temática da saúde mental, a
assistir entre outras. utilização dos materiais em aulas e eventos
Óbvio que não se trata aqui de nenhuma acadêmicos e profissionais, e uma série de
glamourização do sofrimento mental. O convites para interlocuções do CRP-PR com
Conheça mais sobre
que está em debate é justamente o que instituições de ensino.
a campanha, leia o
potencializa, em sociedade, essas dores e Ainda, a campanha fica marcada com a re-
manifesto e assista
quais as melhores formas de se conviver formulação do muro da sede de Curitiba,
ao vídeo Vidas Lokas
com elas. Deste modo, é preciso reconhecer em nova parceria com o artista plástico
Importam em:
que se referenciar a pessoas com diversas paranaense Gustas. Como legado, deixa-
vivências de sofrimento como “pacientes mos um consistente manifesto em texto e
bit.ly/3uEDIpG
psiquiátricas”, “pessoas com transtornos
vídeo, além de materiais gráficos disponí-
mentais”, a depender do contexto, pode ser
veis na página do Conselho, e o apelo para
reforçador de um modelo biomédico que
que repensemos nossas práticas, enquanto
precisa ser superado.
profissionais de Psicologia, para que sejam
Além disso, é evidente que a estética do mo- sempre antimanicomiais, em todos os nos-
vimento Vidas Negras Importam inspirou a sos espaços de atuação.

10 | CONTATO 136
As vitórias
DIVERGES
da nossa luta:
a garantia dos direitos da
população LGBTI+
Por Psicólogas(os) Thainã Dionísio (CRP-08/26927), Flávia Verceze (CRP-08/20236), Leandro
Fazzano (CRP-08/21756), Christiane Henriques (CRP-08/22399) e Gabrielly de Souza (CRP-08/33393),
colaboradoras(es) do Núcleo de Diversidade de Gênero e Sexualidades do CRP-PR

J
unho é o mês do Orgulho LGBTI+. O as notícias sobre a pouca expansão e conso-
mês é uma grande conquista desta lidação de políticas públicas voltadas para
população em busca da quebra do ci- esta população, assim como os números
clo de violência, deslegitimação e opressão crescentes da violência que a atinge.
que esta minoria vem sofrendo em diversos Uma pesquisa inédita feita com base nos da-
países por séculos a fio, inclusive em terras dos do Sistema Único de Saúde (SUS) mos-
brasileiras. No entanto, ainda são comuns trou que a cada hora uma pessoa LGBTI+

CONTATO 136 | 11
é agredida no Brasil, sendo as travestis – deu um grande impulso para diversas con-
e as pessoas transgênero as mais atingi- quistas nos anos seguintes, dentro e fora dos
das, seguido pelas lésbica (dados retirados Estados Unidos, inclusive no Brasil.
do Sistema de Informação de Agravos de
O histórico de lutas e conquistas da popu-
Notificação (Sinan) que faz parte do SUS).
lação LGBTI+, no entanto, é bem anterior à
Estes dados ressaltam a necessidade de Rebelião de Stonewall, e segue até os dias de
ainda falarmos e agirmos em relação à ga- hoje. Em 1830, as relações sexuais homoafe-
rantia de direitos das pessoas LGBTI+. Vale, tivas deixaram de ser consideradas crime
neste momento, abrirmos a discussão com no Brasil com a promulgação do Código
um dos princípios fundamentais do Código Penal do Império – até hoje, estima-se que
de Ética da Psicologia: aproximadamente 72 países ainda crimina-
lizam as relações homossexuais, segundo a
II. O psicólogo trabalhará visando pro- ILGA (Associação Internacional de Lésbicas,
mover a saúde e a qualidade de vida Gays, Bissexuais, Trans e Intersexuais).
das pessoas e das coletividades e con-
Porém, só em 1973 a homossexualidade
tribuirá para a eliminação de quaisquer
deixou de ser considerada doença pela
formas de negligência, discriminação,
Associação Americana de Psiquiatria e, no
exploração, violência, crueldade e
ano de 1975, pela Associação Americana
opressão (Princípios Fundamentais).
de Psicologia. A decisão no Brasil foi to-
Em um contexto tão difícil e trágico que te- mada antes de manifestações da OMS
mos vivido no Brasil atualmente, o Núcleo (Organização Mundial de Saúde) e da CID
de Diversidade de Gêneros e Sexualidades (Classificação Internacional das Doenças),
(Diverges) do CRP-PR em Londrina tem que se posicionaram da mesma forma em
como proposta retomar as diversas con- 1990 e 1992, respectivamente.
quistas da população LGBTI+ ao longo dos
Este contexto também serviu de plano
últimos anos, fruto de grande luta popular
de fundo para a formulação da Resolução
e engajamento político diante das desigual-
CFP nº 001/99, que estabelece normas de
dades e discriminações de gênero. Conhecer
atuação para as(os) Psicólogas(os) em re-
os marcos desta luta é importante para que
lação à orientação sexual, enunciando que
a categoria esteja sempre atenta à garantia
não cabe às(aos) profissionais da Psicologia
de direitos das minorias.
no Brasil a oferta de qualquer tipo de terapia
REBELIÃO DE STONEWALL E CONQUIS- de reversão sexual, popularmente conhecida
TAS HISTÓRICAS como “Cura Gay”, já que a homossexualida-
de não é considerada patologia e, portanto,
O mês de Orgulho LGBTI+ é celebrado em
não precisa de cura. A formulação dessa re-
Saiba mais junho devido ao acontecimento conhecido
solução só se deu graças a dois processos: a
como Rebelião de Stonewall, que ocorreu
luta pelos direitos civis nos Estados Unidos
no dia 28 de junho de 1969 no bar Stonewall
nas décadas de 1960 e 70 e aos estudos cien-
Acesse as Resoluções Inn, localizado em Manhattan, Nova York,
tíficos, que passaram a colocar a homosse-
e Notas Técnicas Estados Unidos. O bar era conhecido na épo-
xualidade como uma orientação sexual tão
mencionadas neste ca por ser frequentado principalmente por
válida quanto a heterossexual.
artigo em: pessoas LGBTs, e vinha sendo alvo de várias
batidas policiais, muitas delas extremamen- É importante também ressaltar os Princípios
www.crppr.org.br/
guia-de-orientacao
te violentas. Nesta data específica, uma ba- de Yogyakarta, promulgados após reunião
tida policial particularmente agressiva foi entre especialistas na Indonésia. O Brasil é
combatida pelos frequentadores do local. signatário deste documento que estabelece
O fato, que ficou marcado na história com 29 princípios universais que dizem respei-
alguns nomes em destaque – como Martha to aos direitos humanos, dentre os quais
P. Johnson, Miss Major Griffin-Gracy e Sylvia se encontra o direito à igualdade e não
Rivera, as três mulheres trans e não brancas discriminação.

12 | CONTATO 136
Desde 2011 as uniões estáveis foram permiti- Humanos e o núcleo Diverges, produziu a
das e, em 2013, o casamento entre pessoas Nota Técnica CRP-PR nº 002/2018, voltada
do mesmo sexo no Brasil foi regulamentado. para orientações de caráter técnico da atua-
Além disso, mais uma conquista em relação ção de profissionais com a população trans.
aos direitos da população LGBTI+ foi a apro- No ano de 2019, o Diverges redigiu a Nota
vação do PL 672/2019, que incluiu "os crimes Técnica CRP-PR nº 001/2019, que orienta
de discriminação ou preconceito de orienta- profissionais na prática com pessoas LGB+,
ção sexual e/ou identidade de gênero" na Lei atentando para algumas especificidades de
de Racismo, criminalizando a LGBTfobia. cada orientação sexual.

A PSICOLOGIA NA PROMOÇÃO DE Tais conquistas são de extrema importância


DIREITOS para a luta da população LGBTI+ como um
todo, e as(os) profissionais da Psicologia en-
No ano de 2018, muitas mudanças ocorre- quanto indivíduos e categoria profissional
ram nos cenários nacional e internacional. muito têm a aprender com todo este his-
Neste ano, a Organização Mundial de Saúde
tórico de luta. A nossa prática sempre deve
(OMS) determinou a retirada da transexuali-
ser voltada para nossos princípios éticos e
dade como doença do CID. A Psicologia bra-
pautada no saber construído não apenas
sileira também avançou mais um passo em
academicamente ou em cursos de especia-
seu papel social e político no enfrentamen-
to ao preconceito, e foi lançada a Resolução lização específicos de cada área de atuação,
CFP nº 001/2018, que regularizou o atendi- mas com o próprio desenvolvimento de
mento de Psicólogas(os) voltado a pessoas nossa história no contexto geral. Ao traba-
transexuais e estabeleceu, em consonân- lharmos com pessoas LGBTI+, o histórico de
cia com a Res. CFP 001/99, o dever social luta, opressão e discriminação deve sempre
de profissionais da Psicologia na luta pela ser levado em conta, pois são fatores impres-
erradicação de formas de opressão contra cindíveis para uma atuação eficaz e ética,
esta população, de forma a não reproduzir não apenas no contexto do trabalho, mas
violências. No mesmo período, o CRP-PR, na nossa formação como indivíduos ativos e
juntamente com a Comissão de Direitos motores de transformação social.

CONTATO 136 | 13
UM PANORAMA DAS POLÍTICAS
PÚBLICAS VOLTADAS PARA A
POPULAÇÃO LGBTI+ NO BRASIL
Por Psic. Thainã Dionísio (CRP-08/26927), Psicólogo Clínico e membro do Diverges – Londrina,
POLÍTICAS PÚBLICAS

e Igor Marçal Mena, estudante de Psicologia e pesquisador de políticas públicas na saúde em


relação à população LGBTI+

H
á muitos motivos para que as in- tunidade para refletirmos sobre a atuação
formações a respei­ to da história da Psicologia frente a este fenômeno.
do movimento LGBTI+, das lutas Uma das grandes áreas em que profis-
e atribulações diárias desta população sionais da Psicologia estão inseridas(os)
devido ao preconceito estrutural sejam e têm papel ativo ao lidar com pessoas
difundidas. Especificamente para nós, LGBTI+ são as políticas públicas. Para
Psicólogas(os), o mês de junho é uma opor- adentrarmos no assunto, é importante

14 | CONTATO 136
elucidar o que são as políticas públicas: Travestis e Transexuais (PNSI-LGBT) e o
iniciativas governamentais para ten- Processo Transexualizador (PrTr).
tar resolver problemas de ordem so-
Resumidamente, a PNSI-LGBT traça dire-
cial, seja no campo da Saúde, Educação,
trizes norteadoras para garantir a imple-
Empregabilidade, entre outros. Neste
mentação de ações que visam a não dis-
sentido, uma política pública tem como
criminação de lésbicas, gays, bissexuais,
objetivo identificar tais problemáticas
travestis e transexuais nos espaços e du-
e, a partir da resolutividade, garantir a
rante o atendimento nos serviços do SUS,
inclusão social de pessoas ou comunida-
alinhando-se aos princípios e diretrizes
des/populações que se encontram em
que embasam a atuação profissional no
vulnerabilidade.
referido sistema.
Aprofundando-nos mais na questão des-
Já o PrTr atua para tornar possível o acom-
sas comunidades/populações em situação
panhamento multiprofissional gratuito
de vulnerabilidade, voltamos nosso foco
para pessoas transgênero, transexuais,
para a população LGBTI+, em especial ao
mulheres travestis e pessoas intersexuais,
que concerne à saúde. Quando falamos
caso decidam iniciar um processo de tran-
de saúde, não estamos restritos apenas a
sição, que pode incluir acompanhamento
uma visão biológica dos indivíduos: a saú-
psicológico, hormonioterapia e interven-
de contempla todos os aspectos da vivên-
ções cirúrgicas.
cia humana, sendo eles psicológicos, bio-
lógicos, econômicos e sociais. Com isto, Também vale ressaltar a existência da
podemos entender a importância crucial Política Nacional de Atenção Integral
que tanto o Sistema Único de Saúde (SUS) à Saúde da Mulher e Política Nacional
como o Sistema Único de Assistência de Atenção Integral à Saúde do Homem.
Social (SUAS) têm para a manutenção, Ambas citam a existência de mulheres
prevenção e promoção da saúde e do lésbicas e homens gays, respectivamente,
bem-estar social para a população bra- mas não adentram as questões específicas
sileira. Nisto, já vemos uma consonância destes indivíduos.
com o primeiro e terceiro princípios fun-
Um exemplo paranaense de servi-
damentais do Código de Ética Profissional
ço à população LGBTI+ é o Centro de
da(o) Psicóloga(o):
Pesquisa e Atendimento para Travestis
e Transexuais (CPATT), em Curitiba. O Saiba mais
espaço disponibiliza assistência médica
I. O psicólogo baseará o seu trabalho
em hormo­ nioterapia, acompanhamento
no respeito e na promoção da liber-
psicológico e oferece orientações sobre
dade, da dignidade, da igualdade e da Conheça mais so-
como iniciar o processo transexualizador.
integridade do ser humano, apoiado bre esta realidade
nos valores que embasam a Declaração Todas estas políticas focam ou citam a com o curso gratuito
Universal dos Direitos Humanos. população LGBTI+; entretanto, nem só “Política Nacional de
em textos redigidos as políticas públicas Saúde Integral LGBT”.
III. O psicólogo atuará com responsabi- se sustentam. Atualmente vivemos um
Acesse no QR Code
lidade social, analisando crítica e histo- momento em que as já precarizadas polí-
abaixo:
ricamente a realidade política, econô- ticas, desde suas concepções, vêm sendo
mica, social e cultural. cada vez mais atacadas e desmanteladas
bit.ly/3voKNMA
em níveis nacional e regionais, seja no
âmbito jurídico ou mesmo como conse-
quência direta do desmonte sistemático
Pensando na importância des­ t as polí-
do SUS e do SUAS.
ticas, podemos ressaltar duas em ní­ vel
nacional: a Política Nacional de Saúde Um ponto de partida para começar a
Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, compreender como se deu – e ainda vem

CONTATO 136 | 15
ocorrendo – o desmonte dos Sistemas
recai na ausência de capital social, ou
seja, investimentos governamentais ad-
vindos dos impostos, aplicado nas polí-
ticas públicas. Este processo é agravado
quando considerados os cenários de falta
de avaliação da efetividade das políticas
e também o desvio de verbas para pa-
gamento de dívidas externas e acordos
políticos.
Uma das mais evidentes consequências
para a efetividade das políticas públicas
em decorrência dos desmontes é a bai-
xa disponibilidade de recursos materiais
e humanos para o seu funcionamento.
Existe, por exemplo, uma concentração
de centros de referência específicos, am-
bulatoriais e hospitalares, cadastrados
no Ministério da Saúde para a população
LGBTI+ nas capitais de alguns Estados. Na
prática, isto leva a uma demanda muito
maior pelos serviços do que estes são ca-
pazes de suprir, culminando muitas vezes,
no caso de pessoas trans, por exemplo,
em uma espera de mais de 10 anos para
ter acesso a cirurgias relacionadas ao pro-
cesso transexualizador.
Também é importante ressaltar a falta
de capacitação para e assertividade no
atendimento às pessoas LGBTI+, por par-
te de muitas(os) profissionais, incluindo
Psicólogas(os), inse­ridas(os) nestas polí-
ticas. Isto ocorre devido ao desconheci-
mento das políticas públicas e, também,
a não compreensão da sua importância,
culminando em uma atuação desqualifi-
cada e possivelmente antiética por parte
das(os) profissionais por não terem co-
nhecimento das demandas específicas em
saúde da população LGBTI+. Isto reforça a
importância de que as(os) profissionais te-
nham maior conhecimento das especifici-
dades desta e de outras populações mino-
ritárias, visando a uma construção maior
de saberes e promoção de práticas mais
adequadas de acordo com a necessidade
das pessoas que atendemos.

16 | CONTATO 136
Psicologias de
todas as cores
Por Ellen Nemitz, Rebeca Amaral e Valkyria Dantas Rattmann

DIA DA(O) PSICÓLOGA(O)

Pessoas são diversas em suas culturas, origens, identidades


de gênero, etnias, subjetividades, e a Psicologia precisa atuar
para reconhecer e despatologizar estas vivências
CONTATO 136 | 17
O
Dia da(o) Psicóloga(o), em 27 de agosto, é uma data de comemoração, que relembra
a regulamentação da profissão em 1962. O mês todo costuma ensejar a realização
de eventos e encontros (agora online, enquanto durar a pandemia) de profissionais
que refletem sobre a profissão e a atuação nos mais diferentes contextos.
Em 2021, o Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP-PR) faz um convite para que
vejamos as Psicologias de todas as cores.

MAS, QUE CORES SÃO ESSAS?


São as cores da diversidade de gênero e se- Essa é a discussão que queremos propor a você
xualidades; das culturas, países, idiomas; nas próximas páginas. Conversamos com pro-
das etnias diversas que compõem nosso fissionais que atuam em diferentes áreas para
país e o mundo. Mas, também e não menos responder a uma pergunta: como promover
importante, são as cores das ciências, das Psicologias que reconheçam todas as cores?
áreas do saber, das epistemologias. Venha com a gente conferir o resultado!

18 | CONTATO 136
A PSICOLOGIA É DE TODAS AS SEXUALI- hegemônico de formação e construir bases
DADES E GÊNEROS teórico-metodológicas que viabilizem à(ao)
profissional olhar para as pessoas concretas
O Código de Ética Profissional da(o)
a partir das múltiplas determinações que se
Psicóloga(o) veda qualquer tipo de discri-
intercruzam e fazem ela ser como é”.
minação por questões de sexualidade e
gênero e as Resoluções CFP nº 001/1999 Supervisão e orientação, além da busca por
e 001/2018 orientam sobre a não patolo- aprimoramento dos conhecimentos, são
gização destas vivências, mas a realidade importantes, mas só o conhecimento não
pode relevar-se diferente. “Graduar-se em é suficiente para a superação do preconcei-
Psicologia não torna as(os) profissionais to. “É necessário assumir o compromisso de
da área, automaticamente, profissionais abertura e de contato com outro, enquanto
éticas(os)”, afirma o Psicólogo e professor humano e profissional”, explica Ronaldo.
do curso de Psicologia da PUC-PR Campus Por fim, ele questiona: “A serviço de que e
Toledo, Ronaldo Adriano Alves dos Santos a serviço de quem você coloca a Psicologia
(CRP-08/17591). que você quer exercer? A resposta a essa
pergunta direciona todo o fazer e tudo
Ele destaca que muitas vezes os valores pes-
aquilo que se estuda, porque a resposta é
soais, religiosos e filosófico-políticos inter-
com o que você se compromete.”
ferem na atuação da(o) Psicóloga(o), o que
viola o Código de Ética. Contudo, um con- A PSICOLOGIA É DE TODAS AS NACIO-
junto grande de profissionais pode ter uma NALIDADES E CULTURAS
intervenção enviesada pela ausência de
A história do Brasil é marcada pela domi-
uma perspectiva correta sobre o fenômeno.
nação colonial e imigração – voluntária ou
Um exemplo é o maior risco de suicídio en- não. Ainda hoje o país continua recebendo
tre a população LGBTI+, que não se deve à migrantes e refugiadas(os) que deixaram
orientação sexual ou identidade de gênero seus lares, famílias e cultura porque sofriam,
em si, mas à LGBTfobia que se apresenta em em seus países de origem, o terror dos con-
forma de violência. “A adoção de cada uma flitos armados, crises humanitárias, viola-
dessas leituras muda totalmente a minha ções de direitos humanos e outras formas de
intervenção. Em uma eu localizo nesse su- violência – segundo a Agência da ONU para
jeito a causa do problema e na outra o pro- Refugiados (Acnur), até 2019 havia 32 mil
blema está na relação social e como essa re- pessoas reconhecidas como refugiadas pelo
lação impõe sobre esse sujeito a produção Estado brasileiro.
de sofrimento”, analisa o professor.
Ainda que conte com importantes mar-
Formar profissionais com aporte teórico- cos legais como o Acordo sobre Residência,
-metodológico para promover uma escuta o Estatuto do Refugiado e a nova Lei de
treinada para perceber as demandas espe- Imigração, o Brasil ainda apresenta desa-
cíficas da população LGBTI+ é fundamental fios às pessoas migrantes e refugiadas. A
para mudar essa realidade. Para evitar que Psicologia precisa estar atenta para não so-
preconceitos sejam reproduzidos por profis- mente intervir, mas sobretudo reconhecer e
sionais em suas práticas, é essencial que te- compreender as cores que compõem o mo-
máticas que versem sobre diversidade sexual saico do fluxo migratório no país. Afinal, a
e de gênero sejam abordadas na graduação diversidade não pode ser retratada apenas
não somente como temas transversais. numericamente.
Ronaldo explica que a construção de uma Com as constantes mudanças no fluxo de
Psicologia coerente com as demandas deslocamento de sujeitos entre países, em
concretas da população real que chega suas particularidades e motivos, a Psicologia
até os consultórios, aos serviços públicos, vem sendo demandada cada vez mais a
aos equipamentos das políticas públicas reconhecer as singularidades do atendi-
ou privadas precisa romper com “o modo mento à população estrangeira que chega

CONTATO 136 | 19
ao Brasil. Neste cenário, universidades e Psicologia é um espaço de resistência, espe-
profissionais começaram a aprofundar estu- cialmente nos contextos mais historicamente
dos e trabalhos sobre a temática ao longo da elitizados como o atendimento clínico.
última década.
As agressões, veladas ou explícitas, per-
De acordo com as Psicólogas Isabela Cim meiam diariamente a atuação dessas(es)
Fabricio de Melo (CRP-08/30839) e Luana profissionais. A Psicóloga Sirlene de França
Lubke de Oliveira (CRP-08/31102), coordena- de Souza (CRP-08/23837), representante do
doras do Núcleo de Psicologia e Migrações CRP-PR no Conselho Estadual de promoção
(NUPSIM) do CRP-PR, o deslocamento entre da Igualdade Racial (Consepir), conta que já
territórios, especialmente quando permea- foi questionada, em tom de surpresa, sobre
do por eventos traumáticos, mobiliza no su- sua profissão, como se pessoas negras não
jeito questões sobre seu reconhecimento de pudessem ocupar este lugar.
si, de seu lugar no mundo e de seus afetos.
Diante da profusão de cores, diversidades,
Além das dificuldades de comunicação, a
causas e sentimentos nos quais a Psicologia
condição de estrangeira(o) convoca a(o)
pousa – sem, no entanto, jamais repousar
migrante a rememorar sua própria histó-
–, faz-se ainda mais necessário pensar na
ria, produzindo sentidos e construindo um
população negra que procura atendimento
lugar novo para habitar. “Esse cenário de-
psicológico, e refletir sobre a forma com que
manda uma escuta atenta e de interseccio-
profissionais brancas(os) validam as expe-
nalidade, dando espaço para que o sujeito
riências traumáticas vividas por estas pes-
possa dizer de si mesmo, subjetivando sua
soas. É comum que elas queiram ser atendi-
experiência”, aponta Luana.
das por Psicólogas(os) igualmente negras(os)
O trabalho da Psicologia com pessoas mi- em busca de empatia e de evitar a deslegiti-
grantes, portanto, não se solidifica como mação do sofrimento causado pelo racismo.
uma área de atuação propriamente dita, mas
como uma temática que atravessa o atendi-
mento multifacetado no campo do trabalho,
da saúde, da educação e da assistência social.
Além disso, questões de vulnerabilidade so-
cial, relacionadas à cor, sexualidade, gê-
nero, religião e situação econômica estão
costuradas no atendimento da grande
maioria de migrantes e refugiadas(os).
Por esses motivos, Isabela conclui que
“não basta apenas a habilidade de manejo
técnico: o atendimento da população mi-
grante demanda sensibilidade e atenção
às diversidades e à representação social do
sujeito na sociedade em que habita”.
A PSICOLOGIA É DE TODAS AS
ETNIAS E RAÇAS
Em sua origem, a Psicologia foi ma-
joritariamente pensada por ho-
mens brancos para atender pri-
mordialmente a classes sociais
mais economicamente privi-
legiadas. Assim, ser um(a)
profissional negra(o) da

20 | CONTATO 136
Segundo Sirlene, a falta de letramento ra- que atua em um serviço de atenção para
cial das(os) profissionais da Psicologia ainda pessoas com deficiência e representa o CRP-
é muito preocupante. “Muitas(os) clientes PR no Conselho Municipal de Política sobre
precisam ensinar o que é o racismo à(ao) Drogas de Foz do Iguaçu.
própria(o) profissional e explicar o porquê
“Por muitos anos a Psicologia fez este ser-
de aquilo ser violento e adoecedor para
viço de adaptar as pessoas aos critérios de
elas(es). Parece absurdo, mas é mais comum
normalidade que nós estabelecemos como
do que imaginamos”, revela a Psicóloga.
padrão cultural. Há muito tempo estamos
Ela também questiona a que distância esta- tentando mudar isso: não é a pessoa que
mos de uma Psicologia que abraça a diversi- precisa se adaptar, é a sociedade que preci-
dade. "Quantas(os) profissionais brancas(os) sa ser inclusiva e entender que cada pessoa
não estão aptas(os) ou sequer querem pensar é única e diversa, criando uma cultura de
no recorte racial dos seus atendimentos? E liberdade, de escolha, de autonomia. Com
as(os) Psicólogas(os) negras(os), será que es- isso, todos ganham e podem aprender e
tão conseguindo acessar de forma íntegra os evoluir mais.”
conhecimentos necessários? Faço tais ques-
O Psicólogo Marcos Vinícius Barszcz (CRP-
tionamentos pensando no conhecimento
08/17680) resume a forma como a sociedade
científico branco. Ainda nem me refiro a uma
percebe as doenças como “uma personagem
Psicologia preta, africanizada”, pondera.
que carrega uma expectativa de performan-
Nessa mesma esteira, outro recorte válido ce social”. Neste sentido, é fundamental
quando se fala em preconceito é a forma- que a Psicologia busque a despatologização
ção acadêmica de grande parte das(os) pro- das diversas condições que nos constituem
fissionais negras(os) que, mesmo depois de como seres humanos – incluindo a loucura
graduadas(os), não conseguem se inserir no e o uso de drogas – sem deixar de conside-
mercado, não têm respaldo familiar e não rar os marcadores sociais que podem defi-
conseguem acesso a uma especialização. nir o futuro de uma pessoa. “Nossa ciência
Para Sirlene, o avanço ainda é pequeno e se desenvolveu de forma muito eugenista
faltam discussões sobre o racismo, mesmo e segregadora. Temos vários mecanismos
no meio acadêmico. É como se a sociedade que a própria ciência ajudou a construir e
brasileira, tão colorida, múltipla e diversa, legitimar. Os manicômios e as prisões são
não conseguisse se re(conhecer) em suas atributos recentes, de uma ordem política e
próprias cores. “Falar sobre as cores dentro histórica que precisava tirar os considerados
da nossa profissão é falar de resistência, desocupados, perigosos, violentos, da vista
mas eu pretendo ir um pouco mais longe, da outra parte da população em prol de uma
nesse contexto, e questionar à branquitu- ideia de que seria seguro”, explica Larissa.
de que ora nos rodeia: a quem serve a sua
A Psicóloga lembra que, nas últimas dé-
Psicologia?”, provoca a Psicóloga.
cadas, houve um importante movimen-
A PSICOLOGIA É DESPATOLOGIZANTE to de reversão deste paradigma – a Luta
Antimanicomial e pelo desencarceramen-
Uma “normalidade” socialmente construída é, to, por exemplo – mas que estes modelos
em diversos âmbitos da vida, um objetivo de estão voltando à tona no Brasil. “Nós en-
muitas pessoas. No entanto, esta construção carceramos pessoas pobres e negras, pri-
pode ser carregada de critérios opressores, es- mordialmente. Internamos usuárias(os) de
tigmatizantes e excludentes. “A normalidade drogas pobres e negras(os), as(os) que inco-
é um mito muito difundido na cultura ociden- modam, enquanto pessoas ricas têm acesso
tal que faz com que a gente rejeite certas di- a outros tipos de tratamento, mais moder-
ferenças. Não existe um normal, porque cada nos. Estigmatizamos as drogas usadas por
pessoa é única, diferente, com uma consti- pessoas pobres, como a cachaça e a cerveja,
tuição histórica, cultural, familiar", avalia a e não o fazemos com as drogas usadas pelas
Psicóloga Larissa Schelbauer (CRP-08/19051), pessoas ricas, geralmente menos acessíveis”,

CONTATO 136 | 21
complementa a profissional, que atuou por qualquer abordagem que merece ter cre-
muitos anos nas políticas socioeducativas e dibilidade. É importante que sejam feitos
presenciou as desigualdades e injustiças que estudos sucessivos, e muitas áreas ditas
atingem mais as pessoas pobres e negras. novas não contam com essa perspectiva
científica. Lembrando que a ciência pode
Por fim, Larissa avalia que uma Psicologia de
se equivocar, mas tem seus mecanismos de
todas as cores é aquela que tem por base os
correção”, explica.
direitos humanos universais e válidos para
todos, reconhecendo as peculiaridades da Já o Psicólogo Luiz Antônio Mariotto Neto
história, da cultura e da vida de cada pessoa (CRP-08/17526), ex-conselheiro do CRP-PR,
atendida. “As nossas concepções pessoais lembra do dever ético da profissão. “O pilar
não podem servir para julgar o outro, em ético nos remete sempre a esse compromis-
qualquer contexto”, conclui. so científico, entre outras coisas, como a
não opressão, a preservação da autonomia
A PSICOLOGIA ROMPE FRONTEIRAS DO
do sujeito e preservação de seus direitos,
CONHECIMENTO
premissas que estão ligadas ao Conselho e
Se todas as cores das quais falamos até ago- à regulamentação da profissão, ao compro-
ra se baseiam acima de tudo no Código de misso profissional assumido na aplicação
Ética Profissional da(o) Psicóloga(o) – que desses conhecimentos”, avalia.
salienta a importância da promoção dos
Enquanto ciência que se propõe à escuta e
direitos humanos universais – existe ou-
ao acolhimento das diferentes subjetivida-
tro pilar fundamental que deve permear a
des, a Psicologia pode também crescer ao
Psicologia: a abertura a novos conhecimen-
promover a escuta de conhecimentos não
tos, ao intercâmbio com outras áreas da
científicos, especialmente os tradicionais.
Compartilhe ciência, a outras epistemologias.
Mariotto destaca, como exemplo, a arte e
suas ideias “As leituras de vários campos do conhe- as tradições orais dos povos originários e do
com a gente! cimento reconfiguram a Psicologia”, afir- oriente. “Nesse sentido a Psicologia pode
ma o Psicólogo Marcos Vinícius Barszcz assumir um papel coadjuvante, de quem
Entendemos que esta (CRP-08/17680), que concluiu seus estudos de acompanha esses processos e seus resulta-
discussão não se encerra mestrado em intercâmbio com a História e as dos, tanto no sentido de uma mensuração
nestas páginas. Queremos Ciências Sociais e hoje leciona nas Faculdades e compreensão desses processos, inclusive
conhecer o que você, Sagrada Família e Santana, em Ponta Grossa. como fator de mediação entre ciência e ou-
Psicóloga(o), tem a nos tras formas de conhecimento, como no su-
O Psicólogo Fábio Eduardo da Silva
dizer para contribuir porte a uma experiência difícil desses pro-
(CRP-08/13866), que se dedica aos estudos
com o debate. Envie suas cessos”, explica o profissional.
da Psicologia Anomalística – área na qual
respostas para psicolo-
concluiu mestrado e doutorado – tam- As reflexões de Mariotto e de Marcos Vinícius
giasdetodasascores@
bém defende que a Psicologia, enquanto Barszcz encontram sintonia e abrem espaço
crppr.org.br e nos ajude
ciência, precisa de constante atualização, para reflexões futuras: “Excluir a Psicologia
a construir Psicologias de
mas alerta: “Também é importante ter um do seu contexto histórico é fazer uma
todas as cores!
senso crítico. Não é qualquer mudança, Psicologia ingênua”, conclui o professor.

22 | CONTATO 136
COMO NOSSAS EMOÇÕES –
E A PSICOLOGIA – SE RELACIONAM
COM AS DORES CRÔNICAS?
Por Ellen Nemitz

NEUROPSICOLOGIA

V
ocê já foi a um(a) médica(o) rela- do situações como as dores crônicas. Há
tando uma dor, um desconforto muito tempo já desconfiávamos desta re-
físico, e ouviu que a causa era o lação: não é exclusividade do século XXI a
estresse? O diagnóstico muitas vezes pa- busca pela paz interior – com aplicativos
rece simplista e até mesmo desanimador. de meditação e dicas de influenciadores
Afinal, como controlar o estresse em nos- digitais. Apenas tentamos resgatar aquilo
sa sociedade acelerada e conectada, que que nossas avós já bem sabiam, ou seja,
tanto condena o ócio e valoriza o traba- estados emocionais negativos têm conse-
lho incessante? No entanto, em alguns ca- quências ruins para a nossa saúde física.
sos ele pode fazer sentido – pelo menos
Mais recentemente a ciência começou a
em parte.
se debruçar sobre o tema, e vem obtendo
Isso porque o nosso corpo físico pode re- respostas importantes para pacientes com
fletir nossas emoções, criando ou agravan- dores crônicas.

CONTATO 136 | 23
Estima-se que cerca de 30% da população químicos, segundo a Psicóloga Mariana
no mundo conviva com algum tipo de dor Mansur, podem ser disparados através das
crônica – no Brasil são 60 milhões de pes- nossas emoções.
soas. São tantas pessoas sofrendo com es-
Em sua pesquisa, a Psicóloga Olímpia
tas condições – caracterizadas por persisti-
Dornelles Couto, especialista em Neuro-
rem por um período igual a ou maior que
psicologia e Dor, identificou que existe
três meses – que a Associação Internacional
uma relação frequente entre a dor crônica
de Estudo da Dor (IASP) considera que o
e alterações neurológicas. Estas alterações
mundo vive uma epidemia deste problema.
foram percebidas em trabalhos científicos
Segundo a Psicóloga Mariana Mansur Soares produzidos em universidades conceituadas
Santos (CRP-08/15044), que se especializou no mundo todo e incluem questões cogniti-
no tratamento clínico de pacientes com es- vas e comportamentais, de memória, bem
tas condições, a lombalgia (dor nas costas) como sofrimentos psíquicos como ansieda-
e a cefaleia (dor na cabeça) são hoje a pri- de, depressão e estresse. Afetam pacientes
meira e a terceira causas, respectivamente, com dores, desde as causadas por condi-
de afastamentos laborais no mundo. ções como a fibromialgia, artrite reumatoi-
de, câncer, lúpus e esclerose múltipla, por
“As dores crônicas são um problema de saú-
exemplo, até a enxaqueca, dores lombares
de pública no mundo todo, e um dos maio-
e fadiga crônica.
res motivos que levam as pessoas a procurar
consultas médicas ou mesmo medicamentos, “A dor não é só física. Ela tem também as-
com ou sem receita, movidas pelo desespero”, pectos mentais, emocionais e neurológicos”,
destaca a Psicóloga Olímpia Maria Dornelles explica Olímpia. No artigo “Dor crônica e
Couto (CRP-08/06175), que estudou o assunto implicações neuropsicológicas: análise dos
em um curso de especializa­ção realizado no aspectos neuropsicológicos envolvidos nas
Hospital Albert Einstein em São Paulo. síndromes dolorosas que afetam a condi-
ção médica geral”, a pesquisadora destaca
MAS, O QUE SÃO DORES CRÔNICAS E
a estimativa de que 59% dos pacientes com
O QUE AS EMOÇÕES TÊM A VER COM
dor lombar crônica tratados em centros de
ELAS?
dor possuem pelo menos um diagnóstico de
As dores podem ser agudas ou crônicas, e transtorno mental. Além disso, fatores como
desencadeadas por fatores físicos ou quí- a qualidade de vida em diferentes aspectos –
micos. Quando batemos o pé em uma qui- afetiva, social, espiritual, sexual e financeira,
na, por exemplo, sentimos uma dor muito por exemplo – podem influenciar significati-
forte, mas que logo passa (o próprio corpo vamente na experiência da dor.
libera sedativos naturais para combatê-la).
SAÚDE MENTAL E DORES
Por outro lado, as dores podem ser de lon-
ga duração e causadas por fatores como A promoção do bem-estar físico, mental,
lesões permanentes ou mesmo doenças emocional e social é, portanto, a base para
como cânceres e fibromialgia, entre mui- um tratamento mais holístico das dores.
tas outras. Nestes casos, também podem “Se você está em um bom estado emocio-
aparecer estímulos químicos de disparo nal, isso pode ajudar a sentir menos dor.
das sensações dolorosas. E estes estímulos Não no sentido de que você vai estar mais

24 | CONTATO 136
anestesiado, mas porque a dor deixa de ser dições emocionais de um determinado dia.
o foco da sua vida. O estado emocional afe- “Mesmo sem perceber, as notícias vão te
ta a modulação da dor”, explica Mariana. abalar. Você vai ficando mais tenso, mais
rígido... Mas a gente vai aguentando. Aí
Enquanto fenômeno biopsicossocial, é im-
temos uma dor de cabeça no final do dia
portante que a dor seja tratada levando em
aparentemente inexplicável, por exemplo.
consideração estes aspectos. No entanto, é
Enquanto que, num outro dia em que você
fundamental que se tenha em mente a saú-
não teve acesso a notícias tão pesadas, ou
de mental não apenas como uma questão
que o trabalho foi legal, essa dor não fica
individual, o que pode legitimar um discurso
tanto em evidência”, exemplifica Mariana.
que centraliza no indivíduo a responsabili-
“Mas, isso não significa que você precisa
dade por sua felicidade. Além disso, não se
estar sempre positivo, feliz. O que você pre-
trata de buscar uma felicidade constante e
cisa é olhar para a sua dor e ver qual a di-
idealizada, uma felicidade utópica.
mensão vai ter na sua vida.”
A pandemia da Covid-19 é um bom exem-
Se dores crônicas podem ser afetadas pelas
plo. Por um lado, todos os dias convivemos
emoções, o caminho contrário também é
com enorme carga emocional que a situa-
possível. Ao imergir em um estado de do-
ção envolve – os lutos pelas mortes reais e
res constantes, que afetam a vida social e
simbólicas. Por outro, com a limitação das "Não é porque é
profissional, a qualidade das relações e até
possibilidades de exercícios físicos e a roti- emocional que não
mesmo do sono, pacientes podem vir a de-
na de trabalho totalmente alterada – nem
sempre com todas as condições ergonômi-
senvolver depressão ou outras condições seja real. Não existe
como a sinesiofobia, ou medo de se mo-
cas de um escritório, por exemplo – o se-
vimentar – sendo que os exercícios físicos
dor imaginária. A
dentarismo aumentou e a postura piorou.
feitos com acompanhamento são, ao con- gente precisa ter
O resultado? Dores, principalmente na área
do pescoço, ombros e costas.
trário, de extrema importância para o tra- sensibilida­de para
tamento das dores.
No entanto, estas dores podem ser mais entender que,
O excesso de estímulos de dor vai criando
ou menos intensas de acordo com as con-
uma sensibilidade aumentada, como se
independentemente
os neurônios fossem “fios desencapados”, da causa da dor, é
como define Mariana. Se mesmo com me- uma dor"
dicamentos, fisioterapia e até
Psicóloga Mariana
o “pensamento positivo” a dor Mansur Soares Santos
não vai embora, a desesperan- (CRP-08/15044)
ça pode se instalar. “A terapia
vai ajudar muito neste proces-
so de identificar os gatilhos da
dor, os momentos e fatores
que mais desencadeiam estas
crises. Este trabalho inves-
tigativo pode ajudar a iden-
tificar estes gatilhos e dar
mais controle ao paciente”,
destaca.
Olímpia compartilha da mes-
ma opinião e experiência.
Durante pesquisas e atendi-
mentos, observou o papel da
psicoterapia no tratamentos
de dores crônicas. “A escuta
é fundamental. Muitas vezes

CONTATO 136 | 25
atendemos pacientes que, só por pode- “Uma dor causada ou agravada por ques­
Para ler e rem falar sobre suas angústias, já se sen- tões emocionais não pode ser deslegitima­
saber mais tem melhores. Quando dedicamos menor da porque é ‘emocional’”, explica Mariana,
atenção à dor, canalizando a energia para alertando que, muitas vezes, profissionais
outros aspectos da nossa vida, também tratam a dor como algo que a(o) paciente
Capítulo do livro tendemos a sentir uma diminuição no so- precisa suportar. “Não é porque é emocio-
“A Psicologia e frimento”, explica. nal que não seja real. Não existe dor imagi-
Suas Interfaces na nária. A gente precisa ter sensibilida­de para
Saúde, Educação e Por estas razões, o tratamento da dor pre-
entender que, independentemente da cau-
Sociedade”: “Dor crô- cisa ser, em muitos casos, multidisciplinar
sa da dor, é uma dor”.
nica e implicações – Medicina, Fisioterapia e Psicologia, entre
neuropsicológicas outras áreas profissionais relacionadas. As "Todo sofrimento importa, demanda com-
análise dos aspectos medicações não são inimigas, mas devem ser preensão e sempre há algo que se possa
neuropsicológicos usadas com parcimônia em conjunto com ou- fazer para que a dor pare ou seja aliviada",
envolvidos nas tras terapias, sempre de forma humanizada. acrescenta Olímpia.
síndromes dolorosas
que afetam a condi-
ção médica geral”,
de Olímpia Maria
Dornelles Couto, AUTOCUIDADO
disponível em: A Psicóloga Mariana Mansur Soares 4. Ingerir alimentos saudáveis,
Santos (CRP-08/15044) compartilha da melhor maneira possível a
bit.ly/3yYLfmX em seu Instagram profissional diver- cada um e cada momento;
sas dicas para pessoas que convivem
5. Permitir-se pequenos pra-
com a dor crônica possam se sentir
zeres, “mimos” de que a pessoa
melhor nos momentos de crises mais
gosta, como um chá ou café;
agudas. Ela explica que, por mais sim-
ples que as dicas possam parecer, não 6. Aproveitar pequenas ale-
são óbvias para todas as pessoas, que grias e conquistas, momen-
muitas vezes não recebem orientação tos corriqueiros que trazem
adequada das(os) profissionais que a bem-estar.
acompanham.
Na rede social, Mariana também
Em um dos posts, a Psicóloga reúne compartilha mitos sobre a dor: que
as seguintes atividades que podem ela nunca vai melhorar, que evitar
auxiliar as(os) pacientes: exercícios e movimentos é a me-
lhor opção e que ter dor é normal.
1. Fazer exercícios físicos leves “Procurar a terapia, especialmente se
(“Movimento é fundamental”); for com especialistas em dor crônica,
é a melhor opção para aprender a li-
2. Desconectar-se das redes
dar com ela e ter uma melhor quali-
sociais e da internet, que podem
dade de vida”, explica.
trazer gatilhos emocionais;
3. Cuidar do sono, preparando
o corpo e a mente para o mo-
mento do descanso noturno;

26 | CONTATO 136
Psicologia Escolar
e da Educação
se consolida e revela desafios
para o futuro pós-pandemia
Por Psic. Nathália Lopes Mariano de Souza (CRP-08/31616), colaboradora da
Comissão de Psicologia Escolar e da Educação do CRP-PR em Londrina

O
PSICOLOGIA ESCOLAR/EDUCACIONAL
s anos de 2020 e 2021 foram e estão a atuação profissional da Psicologia a uma
sendo um marco para todos os seto- única atividade, além de reforçar a “patolo-
res, principalmente para a Psicologia gização” das(os) estudantes tidas(os) como
e a Educação. Diversas formas de trabalho “alunos-problema”.
tiveram que se adaptar ao sistema remoto No âmbito da Psicologia Educacional,
às pressas e todas as dificuldades trazidas a(o) aluna(o), seus aprendizados e outras
aumentaram significativamente o estresse e questões que a(o) permeiam são analisados
as questões de saúde mental, após o início de maneira global, tecendo uma rede
do isolamento social. A Psicologia Escolar que leva em consideração suas relações
tem intensificado, nos últimos 20 anos, dentro e fora da instituição. Assim, pode-
discussões mais críticas sobre a formação se refutar a fantasia de um(a) Psicóloga(o)
e atuação das(os) profissionais da área, a Clínica(o) atuando dentro de uma escola,
fim de formar profissionais capacitadas(os) ao compreender que o trabalho ultrapassa
para atuar de forma assertiva no espaço uma análise clínica em um setting
educacional. terapêutico.
Hoje em dia, ainda há pessoas que acredi- A(O) Psicóloga(o) Escolar deve trabalhar com
tam que a(o) Psicóloga(o) Escolar seja um(a) as(os) professoras(es) o seu papel ativo no
Psicóloga(o) Clínica(o) atuando dentro da processo educacional, estimulando o pensa-
escola. Essa noção evidencia um problema, mento crítico, a fim de promover sua melhor
dado que é limitante, equivocada e reduz atuação profissional. Segundo Paulo Freire, a

CONTATO 136 | 27
No âmbito prática educativa deve ser problematizado- orientando familiares, buscando conhecer
ra, buscando a superação entre as contradi- o projeto de biossegurança da escola, para
da Psicologia ções existentes nas relações professor(a)-alu- então desenvolver um plano que possibilite
Educacional, a(o) na(o). Nesse sentido, a criticidade instigada promover saúde mental neste espaço.
aluna(o), seus pela(o) Psicóloga(o) acerca da atuação da(o)
A PANDEMIA ESCANCAROU UMA REA-
professor(a) possui caráter reflexivo e realiza
aprendizados e uma análise mais profunda sobre a realidade
LIDADE: PRECISAMOS URGENTEMEN-
TE FALAR SOBRE SAÚDE MENTAL NAS
outras questões que na qual está inserida(o).
ESCOLAS.
a(o) permeiam são Com a aprovação da Lei nº 13.935/19, pro-
A literatura em saúde mental tem identifica-
analisados de maneira mulgada em dezembro de 2019, surgiram
do o sistema escolar como um espaço estra-
muitas mobilizações que possibilitaram
global, tecendo uma ampliar o diálogo e os olhares para a prá-
tégico e privilegiado na implementação de
políticas de saúde pública para jovens, pas-
rede que leva em tica da(o) Psicóloga(o) no meio escolar.
sando a destacá-lo como principal núcleo
Entretanto, há alguns desafios a serem en-
consideração suas de promoção e prevenção de saúde mental
frentados. Considerando a lei, cabe dizer
relações dentro e fora para crianças e adolescentes, atuando no de-
que atualmente o desafio da(o) Psicóloga(o)
senvolvimento de fatores de proteção e na
da instituição. Escolar está em consolidar um perfil profis-
redução de riscos ligados à saúde mental.
sional que esteja comprometido com a pes-
quisa, o desenvolvimento de competências Assim, a escola precisa estar preparada para
e posturas éticas quanto a sua atuação, reconhecer sinais e fazer a abordagem e en-
demonstrando à sociedade o seu papel nas caminhamento adequados. Não tem como
instituições educacionais, principalmente separar educação de saúde, porque não
nesse cenário pandêmico. tem como separar um indivíduo. E a esco-
la tem a chance de fazer uma intervenção
Como dito acima, as mudanças para os
precoce, que garante uma evolução mais
meios de tecnologias digitais de informa-
positiva de todo e qualquer caso.
ção e comunicação (TDIC) e a adequação
do currículo escolar trouxeram questiona- Bem sabemos que, se pudéssemos escolher,
mentos sobre a efetividade do processo de já estaríamos falando da pandemia no pas-
ensino e aprendizagem, já que há uma de- sado. Contudo, a realidade é outra, precisa-
sigualdade social que escancarou as falhas mos de paciência e tempo. Todas as habili-
do sistema educacional presentes em nosso dades adquiridas serão mantidas no futuro.
país. É nesse cenário que a(o) Psicóloga(o) As lutas pela garantia da(o) Psicóloga(o)
Escolar se insere. Um contexto que evoca nas instituições educativas estão ganhando
forças. A carreira da(o) Psicóloga(o) Escolar
compreensão e uma prática profissional
está se configurando como uma nova possi-
A(O) Psicóloga(o) que está fundamentada em uma ação críti-
bilidade de atuação, pois mais pessoas com-
ca e que se aproxima das escolas.
Escolar deve preendem a importância da promoção de
trabalhar com as(os) As demandas atendidas pelas(os) profissio- saúde mental nos contextos educacionais.
nais da Psicologia Escolar neste contexto Como categoria, foi necessário aprender
professoras(es) o de pandemia estão relacionadas à angústia novas ferramentas, buscar novos recursos
seu papel ativo no de professoras(es) e gestoras(es) que perce- e nos adaptarmos. Nos próximos anos isso
processo educacional, bem a defasagem das(os) alunas(os) mais não irá mudar. Será necessário criativida-
de um ano após o fechamento; o medo da de para dar conta das demandas que irão
estimulando o infecção por uma nova variante e a ansieda- surgir, já que o nosso fazer se tornou ainda
pensamento crítico, de de mais uma vez ter um futuro incerto. mais necessário.
a fim de promover Mais do que qualquer outro momento, as(os) É tempo de acolhimento, resistência e cria-
sua melhor atuação profissionais que trabalham com a educação tividade para promover uma prática que
precisam estar próximas(os) da comunida- traga protagonismo às(aos) integrantes da
profissional. de escolar, acolhendo seus sentimentos, comunidade escolar.

28 | CONTATO 136
A articulação com
a rede a partir do
encarceramento
Por Psic. Nayanne Costa Freire (CRP-08/14350), conselheira do XIV Plenário do CRP-PR, e Psic. Jenniffer
Lucas (CRP-08/22481), colaboradora da Comissão de Direitos Humanos do CRP-PR em Maringá

A
s discussões sobre a prisão como pena ticular práticas respaldadas na promoção de
devem ser feitas a partir da análi- liberdade, de dignidade, de integralidade,

ÉTICA
se crítica de nossa história nacional, conforme prevê o Código de Ética Profissional
marcada pelo racismo estrutural que fundou da(o) Psicóloga(o)? Sobretudo entendendo a
relações sociais assimétricas, assim como fun- exclusão por meio da pena de prisão como
damentou a construção dos Códigos Criminal uma violência, como não potencializar as vio-
e Penal ao longo de nossa história. Tais dispo- lências do confinamento, do silenciamento e
sitivos reproduziram a assimetria de classe e do apagamento das pessoas encarceradas?
raça/etnia e definiram a criação das primeiras
Sabemos que a partir da década de 1980, com
instituições penitenciárias brasileiras.
a redemocratização do país, surgiram nos
Assim, no Brasil, mesmo antes de a Psicologia Conselhos Federal e Regionais de Psicologia
ser reconhecida como profissão, em 1962, já as problematizações acerca do papel e da res-
se encontravam os(as) profissionais denomi­ ponsabilidade social da categoria. A partir da
nadas(os) psicologistas com suas práticas instituição do Sistema Único de Saúde (SUS)
discursivas acerca do crime e das penas, em 1988, a categoria vem buscando atrelar o
associadas ao discurso médico-psiquiátrico fazer psicológico aos princípios da universali-
sobre o indivíduo criminoso e sua persona- dade, equidade, integralidade e participação
lidade “degenerada”. A junção da prisão à social, não apenas no âmbito da Saúde, como
Justiça com o fator do racismo estrutural também na Assistência Social.
no contexto brasileiro aponta que, em seu
Acerca da integralidade, Roseni Pinheiro
“fracasso” em reintegrar, a prisão atinge seu
e Ruben Araujo de Mattos apontam, na
objetivo de excluir.
obra “Os sentidos da integralidade na aten-
E como fica a Psicologia no cenário catastrófi- ção e no cuidado à saúde”, a forma como
co do encarceramento em massa? Como ar- tal conceito amplia as possibilidades de

CONTATO 136 | 29
entendimento das necessidades de saúde de situações e condições que visem à promo-
grupos populacionais, como as populações ção social da pessoa que se encontra priva-
encarceradas. Atuar segundo o princípio da da de liberdade, de forma a favorecer a pro-
integralidade implica uma abertura das(os) dução do laço social, pois julgar e punir não
Psicólogas(os) para o diálogo e uma recusa são práticas da profissão. Esse fazer deve
à postura reducionista, ampliando as per- gerar, inclusive, a reflexão sobre a continui-
cepções acerca do que constitui as neces- dade do Sistema Penitenciário.
sidades dos grupos sociais. Portanto, é em
Para tanto, o acompanhamento do projeto
sua integralidade que os indivíduos devem
individualizado se faz articulado a um traba-
ser atendidos na atuação em Psicologia.
lho coletivo. As diretrizes postas pela Política
Saiba mais A condição de integralidade do sujeito tam- Nacional de Atenção Integral à Saúde das
bém nos remete à incompletude das insti- Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema
tuições como a prisão e, por consequência, Prisional (PNAISP) devem ser consideradas
Leia as “Referências à importância de um trabalho intersetorial nessa atuação. Esta somente poderá ser rea-
técnicas para prática envolvendo as áreas da Assistência Social lizada se sustentar a articulação dessa rede
de Psicólogas(os) no e da Saúde, especialmente a da Saúde intersetorial de modo permanente.
Centro de Referência Mental. De acordo com o Conselho Federal
As Referências Técnicas do CFP cita-
Especializada da de Psicologia (CFP), as intervenções da(o)
das acima estabelecem que cabe à(ao)
Assistência Social – Psicóloga(o) devem estar articuladas a par-
Psicóloga(o), no contexto prisional,
CREAS”, do CFP, em: cerias, a ações de modo unificado e com-
bit.ly/3p09U5R plementar, buscando uma integração do direcionar seu fazer e escuta aos confli-
trabalho em rede. Essa articulação deve ser tos subjacentes aos discursos produzi-
preconizada desde os cursos de graduação, dos, tanto pela pessoa que se encontra
enfatizando a não fragmentação dos indiví- privada de liberdade, quanto pelas insti-
duos e, portanto, a insuficiência de qualquer tuições prisionais e os agentes jurídicos
olhar unidisciplinar sobre suas demandas. e sociais em ação, fazendo com que as
suas intervenções possam constituir-se
No Sistema Prisional, garantir direitos signi-
como possibilidades que viriam a pro-
fica, primeiramente, reconhecer que a sele-
duzir um outro discurso mais criativo e
Leia as “Referências tividade penal opera a partir dos ditames do
libertador. (p. 180 e 181)
técnicas para atua- racismo estrutural e que toda intervenção
psicológica e interdisciplinar nesse contex- Cabe, portanto, a cada profissional desen-
ção de Psicólogas(os)
to é também uma ação de enfrentamento a volver uma postura crítica e ética para ava-
no sistema prisional”,
essa realidade. Além disso, significa garantir liar as demandas, de modo a encontrar os
do CFP, em:
à população acessibilidade aos recursos ne- caminhos que garantam o bom exercício
bit.ly/3wAP9QW da Psicologia, com fundamentação teórica
cessários para a tentativa de criação de um
projeto de vida fora dos muros. e técnica, com respeito à pessoa privada
de liberdade, de modo a garantir as con-
Como destacado nas Referências Técnicas dições para o exercício de sua liberdade,
para Atuação de Psicólogas(os) no Sistema dignidade, igualdade e integridade, apoia-
Prisional do CFP com relação à ética, a(o) do nos valores que embasam a Declaração
Psicóloga(o) deve trabalhar para promover Universal dos Direitos Humanos.

ÉTICA PROFISSIONAL E PU- DAS CORRENTES ÀS


NITIVISMO, texto da COE na ALGEMAS: como o Sistema
edição maio/junho 2021 que Prisional enraíza o racismo e
Leia faz um apanhado de dados viola direitos humanos?, ma-
também sobre o sistema prisional : téria sobre desencarceramento
bit.ly/2SwGpMI publicada na edição janeiro/
fevereiro 2021: bit.ly/39sMwHR

30 | CONTATO 136
Um Código de Ética

ORIENTAÇÃO E FISCALIZAÇÃO
comprometido com os
valores sociais fundamentais
Por Psic. Débora Larissa Lopes Quinelato (CRP-08/16959) com a colaboração da
Comissão de Orientação e Fiscalização (COF)

A
Resolução CFP nº 010/2005, que deontológico, com determinações rígidas
corresponde ao atual Código de sobre os deveres e vedações, para que as(os)
Ética Profissional da(o) Psicóloga(o) Psicólogas(os), frente às suas demandas, pu-
(CEPP), já teve outras versões: a 1ª edição dessem lançar mão da sua autonomia pro-
foi publicada no ano de 1975 por meio da fissional em busca do melhor benefício para
Resolução CFP nº 008/75 e contou com es- a(o) usuária(o) de seu serviço e a garantia de
pecial participação da Associação Brasileira seus direitos fundamentais. Porém, se por um
de Psicólogos em sua elaboração. lado essa autonomia constitui mais liberdade
A edição de 1975 apresentava propostas à(ao) profissional, por outro exige maior res-
distintas da atual, pois tinha como referên- ponsabilização pelos serviços que presta.
cia principal a área clínica e com uma visão Considerando que um Código de Ética repre-
corporativista com o objetivo primordial senta mais do que um conjunto de regras a
de delinear a identidade da(o) profissional ser seguido no exercício profissional, mas
Psicóloga(o) no Brasil. Desde então, as edi-
reafirma o compromisso social da profissão
ções vêm constantemente buscando dar
para com a sociedade, pautado no respeito
conta das demandas sociais emergentes.
aos direitos humanos e na defesa de seus di-
O Código foi se desenvolvendo no intuito reitos fundamentais, exige-se de cada profis-
de deixar de ser eminentemente um código sional uma constante releitura de sua práxis,

CONTATO 136 | 31
a fim de analisar se sua conduta técnica con- O cumprimento dos imperativos éticos da
diz com os princípios éticos que sustentam o profissão exige complexa reflexão sobre a
Código de Ética. conduta profissional, tendo em vista que
a observação dos valores precípuos defen-
De forma integral, o Código de Ética da(o)
didos pelo Código de Ética pode nem sem-
Psicóloga(o) dialoga com a Declaração
pre ser tão simples quanto possa parecer.
dos Direitos Humanos, reivindicando
É possível que, no decorrer de seu exercí-
das(os) profissionais condutas que pro-
cio profissional, a(o) Psicóloga(o) vivencie
movam respeito, liberdade, dignidade,
situações nas quais esbarre em conflitos
igualdade e integridade, na mesma me-
entre seus valores pessoais, culturais, fa-
dida em que repudia e veda práticas de
miliares e religiosos e as diretrizes preconi-
violência, tortura, crueldade, opressão,
zadas no Código de Ética. Nessa complexa
exploração e discriminação. Para além
conjuntura, no exercício profissional deve
dos preceitos individuais, o CEPP compro-
prevalecer o que é oficialmente determi-
mete a(o) profissional de Psicologia com
nado às(aos) Psicólogas(os), o que perpas-
os valores sociais de um Estado de Direito
sa por uma reflexão crítica e exige, muitas
Democrático, conforme aludido em seus
vezes, o auxílio de supervisão técnica. Caso
princípios fundamentais, de onde se ex-
se torne inviável dar continuidade a deman-
traem os seguintes trechos:
das por razões de conflito pessoal extremo,
a(o) Psicóloga(o) poderá sugerir serviços de
O psicólogo baseará o seu trabalho no
outras(os) Psicólogas(os), conforme dispõe
respeito e na promoção da liberdade, da
o Art. 1º, alínea “k”, do CEPP.
dignidade, da igualdade e da integridade
do ser humano, apoiado nos valores que Destaca-se que é dever fundamental das(os)
embasam a Declaração Universal dos Psicólogas(os) conhecer, divulgar, cumprir e
Direitos Humanos. fazer cumprir o Código de Ética, conforme
dispõe o Art. 1º, alínea “a”. O desconheci-
O psicólogo trabalhará visando promover mento não exime a responsabilização da(o)
a saúde e a qualidade de vida das pessoas Psicóloga(o) em caso de infração ao Código
e das coletividades e contribuirá para a eli- de Ética. Desta forma, faz-se necessário que
minação de quaisquer formas de negligên- no percurso de sua profissão a(o) Psicóloga(o)
cia, discriminação, exploração, violência, retome frequentemente a leitura do Código
crueldade e opressão. de Ética e, frente às suas demandas, reflita
criticamente se sua conduta profissional está
O psicólogo atuará com responsabilidade condizente e respeita essa normativa jurídica,
social, analisando crítica e historicamente pois a conduta ética por parte das(os) profis-
bit.ly/3wIqwll a realidade política, econômica, social e sionais representa um dos caminhos para re-
cultural. forçar o reconhecimento social da Psicologia,
enquanto ciência e profissão, e garantir à
Reiteradamente, o CEPP evidencia a im-
sociedade um serviço de qualidade técnica e
portância social da profissão, expressan-
dentro do rigor ético.
do uma concepção de humanidade e de
sociedade que determina a direção das O Código de Ética da(o) Psicóloga(o) pode
relações entre os indivíduos, entre a(o) ser acessado no site do CRP-PR ou do CFP.
profissional de Psicologia e as(os) usuá- Orienta-se que mantenha uma cópia do
rias(os) de seus serviços. Apresenta, desde CEPP em seu local de trabalho, para que a
seu preâmbulo até o último artigo – o qual sociedade tenha fácil acesso e saiba que a(o)
versa sobre as sanções cabíveis no caso de Psicóloga(o) é regida(o) por um Código de
descumprimentos dos princípios éticos da Ética que busca ser mais do que um instru-
profissão –, a conduta esperada social- mento normatizador do trabalho: busca as-
mente pela(o) profissional, que possui de- segurar um padrão de conduta consonante
veres, proibições e responsabilidades. com os Direitos Humanos.

32 | CONTATO 136
ASSEMBLEIA GERAL ORÇAMENTÁRIA
SEGUE ONLINE PARA MAIOR

ADMINISTRATIVO-FINANCEIRO
PARTICIPAÇÃO EM 2021

A
Assembleia Geral Orçamentária será de Pessoas Física e Jurídica para o exercício
realizada, pela segunda vez, de for- de 2022, bem como emolumentos, serviços
ma totalmente online neste ano. e taxas, além de discutir a possibilidade de
Marcada para o dia 14 de agosto de 2021 se realizar reformas ou ampliações que ve-
(sábado), a partir das 14h, a convocação nham a ser necessárias nas sedes do CRP-PR.
tem por objetivo ampliar a democracia nos Terão direito a voz e voto as(os) profissionais
processos decisórios da autarquia. com registro ativo e quites com o pagamen-
A realização no formato online permite to das anuidades até a data da assembleia.
ampla participação de Psicólogas(os) de bit.ly/3p5ugdR
As informações sobre inscrições serão divul-
todo o Estado, que poderão acompanhar gadas pelo site www.crppr.org.br e pelas
a apresentação das contas do exercício an- redes sociais do CRP-PR: Facebook (/crppr),
terior (2020), votar a fixação da anuidade Twitter (crp_pr) e Instagram (crp_pr).

Serviço
Data: 14/08/2021
Horário: às 14h em primeira convocação com 2/3 (dois terços) de seus membros,
e às 14h30, em segunda convocação, com qualquer número de Psicólogas(os) pre-
sentes na plataforma online
Local: online

CONTATO 136 | 33
Do for all ao forró:
para todas as pessoas
Por Psic. Natália Cesar de Brito (CRP-08/17325)

D
esde pequena, meus pais ouviam que valem a pena, e outras que devemos
Alceu Valença, Geraldo Azevedo... E, deixar para lá...
ESPAÇO PSI

como toda boa criança/adolescente,


Ainda que alguém não saiba dançar, no forró
nada daquilo fazia sentido para mim... Até
há alguma tentativa, ainda que num tímido
que, em 2005, conheci o forró! No antigo
bater de pés... É como se esse ritmo tocasse
Calamengau, o lugar onde me senti acolhi- compassado ao coração, e é impossível sen-
da, em que as pessoas querem dançar e se tir diferente ao iniciar um baião, um xaxado,
divertir, isso sem falar sobre o contato, tão ou até mesmo um apaixonado (e apaixonan-
necessário aos humanos, tão inevitável no te) xote... Todos os aspectos do forró – a plu-
forró. E é divertido pensar que esse ritmo, ralidade, o clima e o acolhimento que todo
tão característico do nordeste brasileiro, te- (e só) um ritmo tipicamente brasileiro possui
nha cruzado meu caminho aqui, em Curitiba. – são encantadores!
Hoje, há aulas de forró no mundo todo, com
adeptos ávidos. Com a pandemia, o forró é inviável, mas é
a maior saudade entre seus apreciadores, a
O ambiente do forró, assim como o nome proximidade com os pares, as letras falan-
que lhe batiza, é para todos. Com sua ori- do de amor e amizade, os sorrisos, toda a
gem no nordeste brasileiro, é um dos pou- atmosfera que envolve o forró é envolvente
cos ritmos que carrega a simplicidade por e cativante, e uma vez que se entra, não se
onde passa, e traz alegrias, dificuldades, deixa de fazer parte dela. Naturalmente, o
lamentos, amor e amizade em suas letras, forró não é terapia, mas auxiliou muito em
além de odes à natureza e sua importân- meu processo terapêutico. Desligar dos pro-
cia. Refletir sobre suas letras nos aproxi- blemas e conectar-se ao ritmo, ao momento
ma de uma realidade distante para nós, presente, aos pares e, principalmente, co-
em que não precisamos nos preocupar, e migo. Sentir o corpo leve ao dançar, sentir
não nos “dá no coração, o medo que, al- a vibração de cada instrumento, são sensa-
gum dia, o mar também vire Sertão...”, e ções possíveis apenas na dança. Que sorte a
nosso racionamento nem nos aproxime da minha por este encontro! O momento é de
Asa Branca bater asas daqui. O forró nos saudade e de espera, que tenhamos vacinas
torna um pouco mais conscientes. E, assim para todos, para que possamos voltar ao
como em qualquer outro ritmo, há letras nosso tão amado forró!

34 | CONTATO 136
Escuta e formação profissional
têm tudo a ver com a Psicologia!
Confira conteúdos exclusivos, resumos de lives e
muito mais informações no podcast do CRP-PR:

Disponível em:

bit.ly/2QLcO1C

CONTATO 136 | 35
Número 02/2021

Rela
to

sd
e ex
periências
•E
ns
aio
s • Resenhas

Submissões
Abertas
bit.ly/3fAKwPG

36 | CONTATO 136

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