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Blog da Editora da Unicamp

JANEIRO 13, 2022


DIVULGAÇÃO CULTURAL

Os gramáticos latinos e a gramática como


conhecemos

Por Sophie Galeo i

Aprendemos a língua na infância, por meio de um processo gradativo e natural. Outro passo para
aprendê-la é na escola, onde conhecemos a escrita, a gramática da língua falada, as suas regras e os
seus contextos de uso. Mesmo se a pessoa não seguir o caminho das letras profissionalmente,
certamente irá ter interesse, curiosidade ou preocupação com o seu modo de expressão na linguagem
no dia a dia. Tudo isso se traduz de várias formas: jogos de palavras, trocadilhos, jargões, construções
linguísticas criativas, piadas ou memes, estes tão populares em todas as mídias sociais.

Mas, afinal, se a língua – a comunicação – é inerente ao ser humano, quais são as origens dos estudos
empírico e teórico sobre ela? Fábio Fortes e Julia Burghini notam que o surgimento desses estudos
coincide com o ensino da língua e todos eles são seculares na humanidade: “tanto a investigação
empírica e teórica das línguas quanto o seu ensino são práticas que se testemunham desde tempos
bastante remotos, a partir do surgimento da própria disciplina na Antiguidade”. Essa disciplina, que
une teoria e prática, é a gramática.

O livro Os gramáticos latinos: Varrão, Quintiliano, Donato e Prisciano (h ps://loja.editoraunicamp.com.br


/Categoria/gramaticos-latinos-os-varrao-quintiliano-donato-prisciano-624/p) apresenta os contornos
do desenvolvimento histórico da gramática latina. A obra – publicada por meio de parceria entre a
Editora da Unicamp e a Editora UFPR – é centrada nesses autores e em Roma, em uma linha do
tempo que abrange de I a.C. a VI d.C. Os autores, Fortes e Burghini, têm extensos currículos. Ele é

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docente na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), doutor em Linguística pela Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp) e em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
e ela, doutora em Letras pela Universidade Nacional de Córdoba, na Argentina, onde também
leciona, na Faculdade de Filosofia e Humanidades.

O livro oferece análises do contexto em que a gramática era ensinada na Antiguidade, bem como dos
textos sobre ela. Ademais, oferece fragmentos bilíngues em latim-português dos textos dos autores
trazidos no título e uma bibliografia comentada – como é característico da coleção Bibliotheca Latina
–, disponibilizando um amplo repertório de pesquisa aos interessados.

O que demarca o início e o fim do recorte temporal de Os gramáticos latinos são, respectivamente,


Varrão, e sua obra De lingua Latina, e Prisciano, Institutiones grammaticae. Na Roma de
aproximadamente I a.C., o termo grego grammatiké foi emprestado para configurar o latino ars
grammatica. Desde então, até o século VI d.C., a ars grammatica floresceu. Mas, afinal, o que é essa
disciplina? Quem é responsável por cultivar e transmitir seus princípios? Vamos responder a essas
perguntas por partes: primeiro, em linhas gerais, tratando do papel do gramático, para, então, tratar
um pouco sobre cada autor destacado pela obra.

Como notam os autores de Os gramáticos latinos, a ars grammatica abrange “fonologia, ortografia,
métricas, as partes da oração e suas propriedades, as declinações, as conjugações, os vícios e as
virtudes da linguagem e, em certa medida, também a sintaxe”.

O trabalho de um sábio da ars grammatica era dividido em ao menos duas funções: a primeira era a
investigação no uso das palavras e as mudanças pela qual ele passava; a segunda, a edição e
explicação dos textos, como a recomposição de versos ou a compreensão da genealogia de um gênero
literário, especialmente o épico – inevitavelmente, havia uma dimensão didática na atuação do
gramático, embora nem sempre esse fosse o foco de seu trabalho.

Os comentários a textos clássicos, como de Homero, Ênio ou Virgílio, tinham um papel facilitador na
compreensão dos autores. Essa função trazia prestígio social, atribuindo ao gramático o papel de
“intérprete dos poetas”, além de “guardião da língua e da cultura”. Portanto, um gramático deveria
ser um sujeito extremamente culto; “alguém que possuía a memória de uma tradição cultural escrita
que era longamente valorizada na educação romana como um indício de sua identidade”. Percebe-se
a responsabilidade de seu papel: a transmissão de seu conhecimento – de herança clássica, grega –
era vital para construir a identidade do cidadão romano.

O tratamento gramatical das palavras dos textos clássicos foi o que assegurou que continuassem
sendo estudados até depois do século IV d.C., quando o cristianismo ascendeu em Roma e textos
pagãos passaram a ser vistos com maus olhos. A tradição do gramático, porém, esteve acima dessa
má impressão; era o curador da língua, uma dimensão mais alta da cultura. Dessa maneira, os
conhecimentos gramaticais antigos foram repassados para a Idade Média e retrabalhados nos séculos
XV e XVI. Assim, o que os gramáticos romanos herdaram dos estoicos – como a análise das virtudes
do discurso – e dos alexandrinos – a preocupação em desenvolver regras que estabelecessem os
textos corretos de Homero e outros autores arcaicos – foi transmitido adiante. Um dos grandes
legados da gramática antiga à moderna, por exemplo, é a divisão hoje conhecida como “classe de
palavras” – entre advérbios, substantivos e outros.

Como mencionado, cada gramático que aparece no título dessa obra tem a sua especificidade. Varrão,
por exemplo, é o pai da classificação morfológica baseada em características binárias, como palavras
com caso e sem tempo (nomes, nomina) e palavras com tempo e sem caso (verbos, uerba). Quintiliano,
por sua vez, foi um dos maiores teóricos sobre a retórica antiga. Em Institutio oratoria, propôs os
“fundamentos para a composição de um discurso que primasse pelo cuidado e pela elegância, que
considerasse o equilíbrio e os valores legados pela tradição clássica, especialmente ciceroniana”. A

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gramática, aqui, tem um papel importante na formação do orador. Quintiliano também apresentou
uma súmula dos saberes gramaticais. O objetivo da seção não era ensinar em si, mas “dar conselhos
aos futuros professores de gramática”. Ainda que não seja uma gramática em si, a sua obra é “a
primeira exposição completa, ainda disponível, inequivocamente datada (90 d.C.), em que o tema
gramatical é, por ele mesmo, tratado de forma íntegra”. Afinal, até o século III, as obras sobre
gramática que conhecemos são fragmentárias – mesmo de Varrão, cuja maioria dos escritos foi
perdida.

Entretanto, o grande cânone da gramática latina é Donato, que, já no século IV, tinha a reputação de
ser o modelo da disciplina com seus Ars minor e Ars maior. A Ars maior é tripartite. A parte I aborda as
categorias do som e da métrica em latim (uox, li erae, syllaba, pedes, toni e positurae); a parte II, as
classes de palavras, contendo também uma discussão mais detalhada sobre temas mais teóricos,
como as classificações dadas às palavras; e, por fim, a parte III “apresenta um apanhado sobre o que
poderíamos hoje chamar de ‘estilística’, i.e., as figuras e os vícios de linguagem”. Essa última parte da
obra, notam Fortes e Burghini, demonstra “a consciência do gramático acerca da variação linguística
e da necessidade de se apresentarem as características de uma certa norma, voltada para um
determinado uso da linguagem, a Latinitas”.

Prisciano, que marca o final do recorte temporal de Os gramáticos latinos, refundou a gramática na
Antiguidade Tardia. Ele foi a ponte definitiva entre o mundo clássico e a gramática moderna. A sua
obra foi produzida na parte helenófona do Império romano. Institutiones grammaticae traz um estudo
das regras e do uso da sintaxe do latim, incluindo descrições detalhadas das diferentes classes de
palavras na formação das orações. Seu conceito de constructio aborda a centralidade das categorias de
nome e verbo para a formação da oração. A partir disso, o autor complementa a construção com os
pronomes demonstrativos, equivalentes aos artigos gregos. Por mais que a obra de Prisciano seja
focada nas regras gramaticais, há também – como em Donato – um olhar para o uso linguístico (usus),
ou seja, uma observação em relação à maneira em que a língua normalmente é empregada. Além do
mais, a obra de Prisciano destaca-se por confrontar, do início ao fim, o latim e o grego. O trabalho do
autor confirma que o estudo de línguas continuou sendo de suma importância para a formação do
cidadão culto; Prisciano provavelmente foi mestre de latim na Universidade de Constantinopla.

Os gramáticos latinos: Varrão, Quintiliano, Donato e Prisciano (h ps://loja.editoraunicamp.com.br


/Categoria/gramaticos-latinos-os-varrao-quintiliano-donato-prisciano-624/p) é especialmente
interessante a linguistas, mas, certamente, também tem muito a oferecer a todos os interessados em
línguas latinas, gramática e história.

Os gramáticos latinos: Varrão, Quintiliano, Donato e Prisciano (h ps://loja.editoraunicamp.com.br


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Autores: Fábio Fortes e Julia Burghini

Ano: 2021

Edição: 1a

ISBN: 9786586253863

Formato: 21 x 14 x 1 cm

Páginas: 160

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