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My Secret Here.

Mixagem – Equalização

Como tirar o melhor timbre através da equalização

Como dizia Michelangelo: "A escultura já estava lá dentro do bloco de mármore. Só o que fiz foi retirar o excesso que
havia em volta". Neste ponto da nossa viagem pelo mundo das mixagens começaremos a trabalhar com o timbre dos
instrumentos, através dos equalizadores.

Esses equipamentos nos possibilitam alterar a resposta em frequência dos diversos canais, manipulando sua sonoridade.
Como já fiz em outras oportunidades, vou admitir que nosso leitor saiba como usar um equalizador pelo menos de modo
básico. Se neste ponto, frases como "aumentar o valor do Q" soarem como javanês, quer dizer que ainda é um pouco
cedo para você começar a mixar.

Nosso campo de trabalho em termos de equalização será o espectro de frequências que o ouvido humano percebe (20 Hz
a 20 kHz). Para melhor nos entendermos, vamos dividir esse espectro em regiões de atuação dos equalizadores (divisão
baseada no trabalho do engenheiro Leo de Gars Kulka, ainda na década de 1970).

Muitos autores preferem definir o intervalo entre 4000 e 6000 Hz como uma região específica, tipicamente chamada
presença. Apesar de concordar totalmente com esse destaque, decidi não o incluir na tabela porque é raríssimo encontrar
a referência a ela em equalizadores típicos, exceto talvez nos amps de guitarra e baixo. Voltaremos a discutir a
importância deste intervalo mais adiante.

Subgraves: lembrança do útero?

A região de subgraves até os anos 90 era mais um inconveniente do que um benefício para os mixadores. É a região em
que facilmente o conjunto prato + braço de um toca-discos entra em ressonância se estimulado, e também é um tanto
difícil para os sulcos de um LP de vinil. Os tempos modernos trouxeram, de um lado, as boom boxes, com seus alto-
falantes e amplificadores capazes de responder a essa região com alguma eficiência - e, de outro, o CD, chegando como
mídia muito mais adequada para esse tipo de resposta.

Subgraves são cativantes. Muitos argumentam que nos remetem ao útero materno, onde todos os agudos do mundo
externo são filtrados e onde ouvimos constantemente o coração da mãe batendo. São frequências muito mais sentidas
do que ouvidas. A própria indústria cinematográfica se aproveitou dessa característica e criou um canal de áudio para as
mixagens de cinema (surround) especialmente dedicado a gerar efeitos que se sentem mais do que se ouvem - o
chamado canal LFE (low frequency effects), usado para tornar mais emocionantes as explosões, os motores de naves
espaciais e navios, os terremotos, etc. Os DVDs de música herdaram esse canal, embora pouquíssimos instrumentos o
acabem usando (o LFE no sistema Dolby doméstico é somado aos graves dos outros canais, gerando o chamado canal de
subwoofer).

Normalmente, em uma mixagem os subgraves são congestionados por ruídos de baixa frequência vindos de diversos
canais. Por exemplo, ruídos estruturais, do trânsito, do ar-condicionado, sendo tipicamente uma região a ser cortada, a
não ser em casos específicos. É uma ótima região para ser cortada nos equalizadores, e de fato você vai encontrar
tipicamente um filtro com freqüência de corte nessa região ou numa próxima na maioria dos equalizadores.

Instrumentos e sons que podem ser importantes nessa região são os sons graves de teclados eletrônicos, órgãos de
tubos e, eventualmente, bumbos e contrabaixos.
Graves

É interessante notar como os graves vieram ganhando importância ao longo dos anos. No início dos tempos do áudio era
muito difícil tanto registrá-los quanto reproduzi-los. Ao longo dos anos (principalmente a partir da década de 1970),
gradualmente foi ficando cada vez mais possível e cômodo levar os graves mais profundos ao consumidor final. Até bem
pouco tempo, as caixas de referência de todo estúdio que se prezasse eram as Yamaha NS-10 - que não falam nos
graves, mas representavam uma média do que se podia esperar que o consumidor de música tivesse em casa. Hoje em
dia simplesmente não dá pra trabalhar só com elas, e monitores que respondam bem aos graves são absolutamente
necessários.

Como os sons graves são muito legais, o sucesso do grave gerou o gravão, exagerado e distorcido, mas muito amado. A
possibilidade técnica de gravação e reprodução dos graves trouxe como consequência desagradável a pressão popular
por mais e mais graves, o que gerou aberrações como os famosos botões de SuperBass, ExtraBass, ExtremeBass,
SuperExtraExtremeBass dos walkmans.

Exageros à parte, nada como uma mix com os graves bem presentes e bem equilibrados. Essa região do espectro
contém uma boa parcela de energia nas mixes e pode conduzir a excessos de nível se não tomarmos precauções. Outro
fator importante a considerar: é na região dos graves que vamos encontrar os maiores problemas de acústica nas salas
de mixagem. É essa sempre a região da dúvida em uma sala à qual não estejamos acostumados.

Assim, desde já desconfie da monitoração se você estiver sentindo necessidade de aumentar os graves em muitos
canais, ou ao contrário, se sempre parece que o canal tem graves demais. Nessas horas, um bom analisador de espectro
pode ajudar. Leve em conta também o fato de que em volumes baixos ouvimos mal os graves. Então evite mixar com
volumes baixos demais ou altos demais para não errar a mão nos graves.

Instrumentos importantes nessa região são obviamente o dueto bumbo + baixo. Em música pop, eles representam a
fundação que vai sustentar toda a nossa construção.

Médias Baixas

A maior parte da energia dos instrumentos comumente usados para a base das músicas se encontra nesta região,
provocando facilmente um congestionamento sonoro bem desagradável. É, portanto, uma boa região para se atenuar
nos equalizadores. Seu excesso acaba sendo percebido pelo ouvido como falta de médias altas e agudos, o que dá ao
ouvinte a impressão de que o som está velado. Quando um instrumento soa sem peso, é esta a região a se acentuar. Por
exemplo, a caixa da bateria fica bem encorpada se dermos um pouco de ganho em 250Hz.

Um bom motivo para se esvaziar um pouco esta região nos equalizadores: é lá que tipicamente se encontram as
fundamentais dos instrumentos e principalmente da voz. Descongestionar as médias baixas abre caminho para que a
parte mais grave de uma voz fique inteligível.

A região superior das médias baixas (entre 700 Hz e 1400 Hz) tem o som típico de rádio de carro de polícia, ou de se
falar com as mãos em concha à frente da boca. Se um instrumento está soando assim, experimente atenuar essa região.
Entre 1000 e 2000 Hz o som vai se tornando progressivamente mais metálico e mais irritante se colocado com muito
volume.

Médias Altas

Trata-se de uma região extremamente importante em uma mixagem. Primeiro porque o pico de sensibilidade do ouvido
está nesta região (entre 2 e 3 kHz mais ou menos). E também porque na sua metade superior (entre 4 e 6 kHz) se
encontra a região de presença, onde os detalhes sonoros são mais bem percebidos.

Muito cuidado ao se dar ganho na região de 2 a 4 kHz de um instrumento, pois ele facilmente pode se tornar
desagradável, por atuar no pico de sensibilidade humana. Não é, porém, uma região em que se costume atenuar muito
os instrumentos, a não ser que estejam soando desagradáveis.

Os harmônicos superiores da voz se encontram na região de presença. É onde as consoantes se tornam nítidas (o que
diferencia um éfi de um éssi são justamente os harmônicos desta região) e é uma ótima região para tornar uma voz ou
instrumento mais definido, aparecendo mais na mixagem. Em inglês se usa muito a expressão to cut through the mix
(algo como cortar através da mix) para definir o ato de tornar-se um instrumento mais aparente no meio dos outros. Dar
ganho entre 2 e 4 kHz em um instrumento é uma boa opção para fazê-lo.

Agudos

Essa é outra região que pode ser afetada pelo jeito como estamos monitorando a mixagem. Agora não tanto pela
acústica da sala, mas pelas características das caixas. Mais uma vez desconfie se você estiver puxando ou tirando agudos
em todos os canais. Outro fator que pode levar a agudos em excesso é a fadiga auditiva ou a monitoração em volumes
inadequados (altos demais ou baixos demais). Via de regra, escolha um volume médio para trabalhar, testando
frequentemente sua mix em volumes baixos e altos também.
Os sons que povoam essa região são normalmente de curta duração, tais como pratos, os éssis da voz e harmônicos
altos de outros instrumentos. O excesso de informação nestas frequências costuma levar ao cansaço auditivo, podendo
deixar a audição da música desconfortável.

Muitos costumam chamar a região superior dos agudos (acima de 15 kHz) de ar. Nos tempos da fita analógica era
tipicamente um lugar em que se tendia a acentuar nas masterizações, por causa das perdas na fita devido ao desgaste
ao longo do processo de gravação e mixagem.

No caso do CD, esse extremo superior podia ser ainda problemático por ser o ponto onde o limite da freqüência de
amostragem tende a causar efeitos indesejados, principalmente em conversores de baixa qualidade. Hoje em dia o
estado da tecnologia evoluiu tanto que não há muita necessidade de preocupação com perdas e desvios de fase nesta
região.

Mas por que afinal equalizar?

Alteramos a resposta em freqüência de um dado instrumento por três motivos básicos:

1. Para corrigir a sonoridade


2. Para favorecer regiões de seu timbre por questões estéticas ou de estilo
3. Para permitir que ele se destaque entre os outros instrumentos

Lembram do tal Efeito de Mascaramento? Pois é, ele continua pegando no nosso pé neste ponto. É basicamente por
causa dele que chegamos a nosso primeiro ponto de destaque:

A soma do som mais bonito de cada canal normalmente não resulta em um bom som quando adicionado aos
outros canais

O equívoco mais comum que encontro em mixadores iniciantes é esse. A primeira tentação é solar (ouvir sozinho) um
canal ou pista, equalizá-lo para deixar o som o mais lindo possível, depois solar o seguinte repetindo o processo e assim
por diante. O resultado em 99,9% dos casos é catastrófico! O problema básico é o tal do mascaramento, aliado ao fato
de a maioria das frequências fundamentais dos instrumentos se encontrar mais ou menos na mesma região.

Alguém outro dia comparou uma mixagem a uma pintura a óleo. Se pintamos uma árvore e depois uma casa na frente
da árvore, a casa tampa a árvore e só conseguimos ver desta o que não foi obstruído pela imagem da casa.
Transportando para a música, quando um instrumento tem uma região muito proeminente, ela tenderá a obscurecer a
região similar dos outros instrumentos, valendo o que está mais alto.

É por isso que tomar o som mais bonito de cada instrumento não dá um bom resultado, porque muito provavelmente as
frequências que embelezam o som de cada um deles serão as mesmas e haverá congestionamento em certas regiões.

Podemos também imaginar o espectro de frequências também como dividido em dezenas de pequenas gavetas. Cada
instrumento pode ocupar diversas gavetas, mas cada gaveta só poderá ser ocupada por um instrumento. Por exemplo,
no bumbo da bateria são importantes a região grave (a ressonância do tambor - 60 a 120 Hz) e a região de médias altas
(em que estará a macetada na pele - ou kick - 3 a 4 kHz). As regiões intermediárias não são tão importantes, sendo
muito comum a gente encontrar um ponto entre 400 e 600 Hz onde se pode atenuar fortemente, melhorando bastante o
resultado. Com isso, ocupamos as gavetas importantes e esvaziamos gavetas que não nos interessam.

É claro que o processo de mixagem não é matematicamente previsível, e não adianta ficarmos tentando fazer um gráfico
de qual instrumento vai aonde. É melhor apenas lembrarmos dessas analogias e, entendendo o processo, usarmos nossa
musicalidade e bom gosto para construir nossa mix.

Uma das frases que mais me causam dores de cabeça em uma mixagem é: - Sola o meu violão!

Isso porque, em nome de fazer todo mundo aparecer em uma mixagem com banda, temos que dar uma emagrecida no
som do violão, deixando praticamente só a sua região de médias altas. Ouvido solado, o som é ruim, magrinho demais,
porém dentro da mixagem ele se comporta muito bem.

Tem também o tenebroso Coeficiente QS, coeficiente de quantas vezes alguém falou "Que Sonzão!" quando ouviu um
determinado instrumento durante o processo de gravação. Instrumentos com alto coeficiente QS costumam dar
problemas nas mixes, porque todos vão continuar querendo que ele tenha o seu sonzão, mas provavelmente não haverá
lugar na mix para isso.

Em resumo, para equalizar um instrumento em uma mix, minha sugestão é:


1. Atenue regiões de freqüência que o instrumento não usa, tipicamente através dos filtros de baixas e altas
2. Ache um ponto nas frequências em que o instrumento soe bem feio e o atenue; este lugar estará comumente
localizado nas médias baixas, mas nem sempre. Use um Q médio nesses casos; não se assuste se forem necessárias
atenuações bem fortes
3. Encontre agora um ponto em que, através do uso de um Q baixo e com um leve ganho, haja uma melhoria no som do
instrumento; neste caso os ganhos costumam ser não muito altos
4. Compare com o equalizador desligado e verifique se o som melhorou mesmo ou não
5. Esteja preparado para, ao longo da mix, ter que alterar essa equalização para evitar a briga com outros canais
Claro que o processo acima é um caso genérico, não sendo uma receita de bolo, só um ponto de partida.

Alguns Conselhos Práticos* Em um equalizador, a gente tem sempre duas opções - atenuar o que é ruim ou acentuar
o que é bom. Por exemplo, imagine que existe um excesso de médias baixas. Você pode atenuar as médias baixas e
aumentar o volume geral - ou acentuar graves, médias altas e agudos e abaixar o volume geral. Gosto mais do primeiro
processo porque leva a um melhor controle do nível geral e tende a introduzir menos ruídos no sinal.

* Se você estiver dando ganho demais em uma determinada região, está acontecendo algum problema: ou a freqüência
a acentuar não é esta, ou o instrumento não fala nesta região, ou alguém cortou exageradamente essa região na
gravação. Experimente mudar a freqüência ou inverter o processo, atenuando as outras regiões e aumentando o nível
geral.

* Se você estiver acentuando ou atenuando a mesma freqüência em vários instrumentos, desconfie da monitoração ou
da acústica da sala de mixagem ou de onde foi gravado; ouça em outros lugares ou em um local familiar, ou mesmo de
fone.

* Equalizador não é substituto para um instrumento mal gravado, um arranjo malfeito ou coisas do gênero, mas como já
estamos na etapa de mixagem, muitas vezes é a única ferramenta de que dispomos para corrigir estes problemas.

Tabela de regiões

Veremos agora uma tabela que resume algumas características de cada oitava do espectro de frequências e os termos
usados no estúdio para definir sua falta ou excesso em mixagens. Isso pode ajudar quando alguém diz que sua voz soa
fanha.

TABELA 1

Por onde eu começo?

Esta é a pergunta que todo mundo se faz quando tem um canal a equalizar. A experiência vai ajudá-lo a se orientar, mas
como ponto de partida, eu e Guilherme Reis demos uma ampliada na tabela do Gars Kulka, acrescentando também
instrumentos brasileiros. Lembre-se que os valores e comentários abaixo tentam ser apenas pontos de referência e muitas
vezes você vai querer fazer justamente o oposto do que sugerimos. Sinta-se livre para experimentar.
TABELA 2

TABELA 3

TABELA 4

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