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opiniao

A NOVA POLEMOLOGIA
por

Adriano Moreira

professor universitário - 22 Maio 2007


A definição dos conflitos armados em perspectiva, que embaraça a
polemologia do milénio, mantém todavia a referência a motivações e causas da
experiência, sobretudo do passado próximo.

Neste passado próximo despontaram observações e anúncios sobre uma


possível conflitualidade armada, designadamente orientada por ambições
referidas a cursos de água, não já para servirem de fronteiras naturais, mas
para servirem conceitos estratégicos de subsistência das populações.

No tempo curto que separa o início da guerra fria e o fim dela, o descaso para
com intervenções efectivas, que invertessem o processo, conduziu a uma
situação em que a polemologia não pode deixar de acrescentar, às suas
tentativas de prospectivar os riscos da paz, a questão de prever e controlar
novos movimentos de subidas aos extremos. Conflitos determinados pelo
aquecimento global, pela desertificação, pelas alterações climatéricas do ritmo
das estações, pela inutilização das terras habitáveis, pelos desafios que
colocam em confronto a salvaguarda das identidades com o globalismo, o
conflito das áreas culturais cujo diálogo livre é recente e cuja compreensão
recíproca levará tempo, o conflito do direito natural das populações à
subsistência com as reservas soberanas dos territórios e recursos.

As tentativas e programação destinadas a encontrar e pôr em execução as


intervenções que mantenham a salvaguarda da paz, reduzindo os sacrifícios a
limites suportáveis pela esperança e pelos resultados, tem encontrado na
debilitada mas persistente ONU uma sede e um apoio. O movimento da
Aliança das Civilizações, em que Jorge Sampaio se empenha na reconciliação
entre religiões, culturas e nações, e as diligências do Alto-Comissariado para
os Refugiados entregue à responsabilidade de António Guterres,
designadamente empenhado no repatriamento dos angolanos e congoleses,
são tarefas de alto mérito, indispensáveis, cuja consolidação de resultados
exige que a remoção das causas impossibilite a reincidência.
Na maior parte destes casos trata-se de consequências de voluntarismos
políticos indiferentes aos resultados catastróficos dos métodos utilizados na
luta pelo governo, e a intervenção mediadora tem modelos referenciados de
experiência, e alguma sustentação nos resultados historicamente obtidos.

Mas as catástrofes que resultam da intervenção sem ética no sentido de


apropriar os recursos da natureza, abusando da superioridade científica e
técnica desacompanhada da sabedoria dos valores comuns, exige uma radical
mudança de atitude, quer da parte dos que dispõem da hegemonia, quer dos
que sofreram as consequências do dano. Dos primeiros, para entenderem o
respeito pelos bens comuns da Humanidade, dos segundos para assumirem as
exigências da contenção. No trajecto de recuperação deste procurado
equilíbrio, está seguramente o ponto crítico da subida aos extremos da
violência.

É por tudo isto que a iniciativa do Reino Unido, ao presidir ao Conselho de


Segurança em Abril passado, de levar à ordem do dia a discussão da relação
entre as alterações climáticas e a paz e segurança, corresponde a uma visão
exacta, embora ainda contestada por alguns países, do perigo agudo que vai
crescendo.

A intervenção de Thomas Homer-Dixon, director do Centro Trudeau para os


Estudos sobre a Paz e Conflito na Universidade de Toronto, ficará na História
das Advertências a Tempo, na esperança de não ser lida apenas depois do
tempo perdido. Foi expressiva, e com fundamentos sérios, no sentido de que
as alterações em curso acelerado são "um multiplicador de ameaças" e que
tais ameaças tenderão para dar origem a conflitos militares graves, incluindo
insurreições, genocídio, terrorismo. É evidente, nesta perspectiva, que as
populações rurais, mais dependentes do recurso à terra fértil, sofrem primeiro a
desflorestação, a esterilidade dos solos, as destruições das cheias e das
secas, as doenças, a fome. Os movimentos das populações, e a busca da
salvação onde houver notícia dela, são o exercício de direitos naturais, quando
necessário exercidos armados. A reformulação da polemologia é mais urgente
e mais ética, no sentido de evitar estas subidas aos extremos, do que para
sustentar unilateralismos sem futuro.

Fonte: Site Diário de Notícias

Coletado em: 26/abril/2009

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