Você está na página 1de 12

A intervenção docente no trabalho com o nome próprio.

Uma indagação na Educação Infantil


da Cidade de Buenos Aires1

Diana Grunfeld2

Primeira parte

A escrita dos nomes próprios ocupa um lugar muito especial na história da comunicação escrita
já que não apenas transmite uma mensagem, como também permite apreciar como os
membros de uma sociedade são personalizados por meio de combinações verbais e sua
representação gráfica.

Introdução

Neste artigo se analisa o trabalho realizado com o nome próprio em algumas classes de
Educação Infantil da cidade de Buenos Aires. Fundamentalmente, busca-se observar os
aspectos já incorporados ao fazer didático e aqueles que ainda precisam ser revisados,
repensados e reconstruídos. Nesta primeira parte se justifica a necessidade de incluir o nome
próprio como um conteúdo a ensinar, se consideram as condições didáticas que favorecem tal
trabalho e se descrevem e analisam os dados recolhidos com relação às propostas de
atividades observadas. Na segunda parte se apresentarão os dados correspondentes à
intervenção docente propriamente dita concluindo com algumas considerações sobre os
mesmos.

Por que o nome próprio?

O nome próprio sempre teve um status muito especial ao longo da história e em todas as
culturas, já sejam estas ágrafas ou não. O nome é uma palavra ou enunciado que permite a
uma sociedade designar a cada um dos seus membros como a um indivíduo singular e, ao
mesmo tempo, por meio de seu nome, um indivíduo forma parte, estreita e diretamente, de
uma estrutura coletiva específica (Christin, 2001).

Os estudos realizados por antropólogos e linguistas parecem revelar que foi a necessidade de
fixar nomes o principal estímulo que levou à fonetização da escrita. Pascal Vernus (2001: 29)
expressa que no Egito dos faraós (3.000 a. C.):

“(...) o pictograma não proporcionava recursos apropriados para uma


codificação satisfatória dos nomes próprios. Efetivamente, os nomes
próprios podem transmitir enunciados completos, ou inclusive, no caso das
populações ou cidades vencidas, nomes cujos sinais, dentro da língua, não
têm relação com seu sentido, o que em certos casos, quanto menos, os faz
dificilmente expressos com a ajuda do pictograma e requer que se recorra a

1
Tradução de Miruna Kayano Genoino para artigo da revista argentina LEITURA Y VIDA publicado em
novembro de 2003.
2
Licenciada em Ciências da Educação da Faculdade de Filosofia e Letras, Universidade de Buenos Aires.
Professora de Práticas de Linguagem e Seminário de Alfabetização em diferentes institutos de Formação
docente da cidade de Buenos Aires. Membro do Grupo coordenador da Rede Latino americana de
Alfabetização – Argentina.
notações fonéticas e a seu conceito fundamental, o jogo de palavras de
múltiplos usos. Além disso, o nome próprio necessita estar isolado,
destacado como segmento (...) introduz no campo da imagem a noção de
linearidade, de direcionalidade, originalmente própria da língua”.

Já no livro Pisicogênese da linguagem escrita, Ferreiro e Teberosky (1979:270), citam Gelb, que
manifesta as mesmas conclusões:

“a necessidade de uma representação adequada dos nomes levou


finalmente à fonetização (...): a fonetização, portanto, surgiu da necessidade
de expressar palavras e sons que não podiam ser indicados apropriadamente
com desenhos ou combinações de desenhos”.

Nessa análise, as autoras explicitam que na evolução psicológica o nome próprio pareceria
funcionar como a primeira forma escrita estável dotada de significado e que a mesma se
constitui em uma valiosa fonte de informação para a criança já que

“Lhe indica que não qualquer conjunto de letras serve para qualquer nome;
lhe indica que a ordem das letras não é aleatória; lhe ajuda a compreender
que o começo do nome escrito tem algo a ver com o começo do nome
quando o mesmo é dito, lhe ajuda a compreender o valor sonoro das letras”
(Ferreiro e Gómez Palacio, 1082: 163-164).

Por sua vez, lhe brinda um conjunto básico de letras que lhe servirão para ir compondo outras
escritas e também

“pode ser fonte de conflitos já que a escrita do nome contradiz a


interpretação silábica (ao ler designando uma sílaba a cada letra, sobram
letras)” (Ferreiro, 2003).

O fato do nome próprio ser significativo e sua disponibilidade – como fonte de informação –
lhe permite assumir uma função muito especial na reconstrução do sistema de escrita.

As investigações psicogenéticas, efetivamente, colocam em evidência que o ensino do nome


próprio pode, em muitos casos, cumprir com um propósito didático específico: ajudar as
crianças a reconstruir a alfabeticidade do sistema (Ferreiro e Teberosky, 1979, 1982).
Consequentemente, o nome próprio é uma importante fonte de informação sobre o sistema de
escrita tanto desde o aspecto construtivo – relacionado com o que se quis representar e os
meios utilizados para criar diferenciações entre as representações -, como desde o aspecto
figurativo – vinculado com a qualidade do traçado das letras, a distribuição espacial, a
direcionalidade... - (Ferreiro, 1997).

Também outros autores (Villaume e Wilson, 1989; Bloodgood, 1999; Treiman, Kessler e
Bourassa, 2001), em diferentes estudos, sustentam que o nome próprio joga um importante
papel no desenvolvimento da compreensão do sistema de escrita.

Contribuições das experiências didáticas realizadas com o nome próprio

As experiências didáticas desenvolvidas durante as últimas décadas colocaram em destaque


que, na elaboração das situações didáticas com o nome próprio, é necessário considerar uma
série de questões, relacionadas tanto com o material necessário para ler e reproduzir sua
escrita, como com a elaboração de propostas de atividades e intervenções docentes específicas
colocadas em jogo no transcurso das mesmas.

As características deste artigo apenas permitem fazer uma breve síntese sobre o conhecimento
didático que foi construído até o momento com relação ao nome próprio. Para aprofundar
sobre esta temática o leitor pode recorrer à bibliografia existente.3

Material necessário

As fichas de nomes, confeccionadas com cartolina de uma cor e com letras grafadas com uma
mesma caneta para que somente seja o escrito o que evidencie a diferença entre uma ficha e
outra, constituem um recurso necessário para empreender a tarefa com o nome na sala de
Educação Infantil. Em um primeiro momento as letras utilizadas são de imprensa maiúscula,
que ao formarem parte do entorno, são as mais conhecidas pelos alunos; ao mesmo tempo,
suas características tipográficas simplificam o traçado e seu caráter discreto permite distinguir
cada uma das grafias que compõem um texto mais facilmente que a letra cursiva.
Posteriormente, podem incluir-se fichas com os outros tipos de letras. Resulta proveitoso
contar com um par de jogo de fichas, um para ser colocado em um lugar visível da sala e outro
para poder manipulá-lo durante as atividades propostas. Dado que a intenção é apresentar
uma situação de reflexão sobre a escrita, a inclusão de outras referências, como os desenhos
ou fotos, não é conveniente já que debilita o propósito didático das situações elaboradas.

“O objetivo não é poder encontrar um nome de maneira imediata, é


propiciar ao longo do tempo ricos intercâmbios sobre a escrita com o
professor e os colegas, onde uma e outra vez seja possível informar-se,
opinar e discutir sobre aquilo que aparece escrito” (Castedo, Molinari, Torres
e Siro, 2001: 8).

Propostas de atividades

● Elaborar uma multiplicidade de situações de escrita e de leitura. Para reconstruir o


nome próprio é possível recorrer a diferentes propostas: copiar o modelo, ditá-lo ao
docente ou a um colega e observar a escrita que realizam, escrever por si mesmo e
depois comparar sua produção com aquela registrada em um cartaz... Existem também
diversas propostas de leitura: reconhecê-lo entre uma série de fichas de nomes,
antecipar quais, entre todos os nomes da sala, escreveu a professora à medida que vai
grafando letra por letra na lousa, identificar onde diz o nome e onde está o diminutivo
do mesmo... Estas são algumas variações entre muitas alternativas interessantes para
desafiar aos alunos.

● Propor situações com diversidade de propósitos. Escreve-se e/ou se lê o nome


próprio para identificar os trabalhos, para saber quem são os autores de uma carta,
para determinar os encarregados da biblioteca de sala, para recordar quem faz
aniversário durante o mês... Os diferentes propósitos vão dando sentido às atividades

3
Se recomendam: Nemirosky (1995); Castedo, Molinari, Torres e Siro (2001) e Grunfeld (2000).
de leitura e escrita que se apresentam evitando a que fiquem restritas a um mero
exercício escolar.

● Propor a variação na organização grupal. É importante que os alunos escrevam ou


leiam os nomes de maneira individual, mas também é sumamente proveitoso para o
processo de aprendizagem que participem das tarefas compartilhadas. As experiências
didáticas colocam em destaque

“o valor formativo que tem para os alunos experimentar na escola distintas


maneiras de interação social com seus docentes e com seus companheiros”
(GCBA, 1999: 43)

E disso decorre a importância de planejar, também com este conteúdo específico,


situações didáticas que promovam o trabalho em duplas, em pequenos grupos e a
discussão coletiva. Por exemplo, algumas propostas para pensar com outros podem ser
– no contexto de um projeto vinculado com a produção de um respecto também se
torna uma situação produtiva.

● Gerar situações didáticas que contemplem as diferentes ações que são possíveis
colocar em jogo frente ao nome: ler, escutar a leitura, escrever por si mesmos, copiar,
ditar, revisar... Cada uma destas ações estabelece desafios diferentes ao sujeito. Com
relação à cópia do nome Nemirovsky (1995: 264) aponta:

“Quando copiamos selecionamos certo fragmento do texto modelo e o


escrevemos; depois o fragmento seguinte, e assim até finalizar – o que
implica não escrever duas vezes o mesmo fragmento nem pular nenhum”.

A situação muda consideravelmente quando a ação se remete a escrevê-lo por si


mesmo sem contar com um modelo. Nesta modalidade não apenas é necessário levar
em consideração os problemas da transcrição gráfica como que a isso se somam os
aspectos envolvidos na reconstrução do sistema, ou seja, é preciso pensar sobre
“quantas e quais coloco” e ocupar-se também de grafar as letras seguindo sua forma
convencional, a ordem e a linearidade. Quando o aluno dita seu nome ou o de outros –
ao docente ou a algum companheiro – se libera dos aspectos gráficos, portanto tem
mais possibilidades de controlar o escrito por meio da leitura, e a diferenciar entre o
que está escrito e o que ainda falta escrever (Teberosky, 1992). A revisão é uma
instância para contar com oportunidades de voltar sobre o realizado, vê-lo desde outra
perspectiva, já não como produtor, mas sim como leitor. É propiciar um espaço para a
reflexão do produzido; ao mesmo tempo, neste processo, torna-se enriquecedor
contar com a opinião de outros. Neste sentido é importante facilitar que os alunos
compartilhem suas escritas do nome e teçam comentários sobre um desafio diferente:
se precisam compor o nome com letras móveis a partir de apresentar-lhes todas as
letras do abecedário ou somente com as do conjunto que pertencem a seu nome. É
evidente que as dificuldades variam em relação com a quantidade de material
proposto para a tarefa (Nemirovsky, 1995).
● Propor variação no tipo de material que se usa para grafar utilizando desde lápis,
caneta, letras móveis até máquina de escrever e computador. O instrumento utilizado
para grafar permite colocar em jogo determinadas estratégias, por exemplo, o lápis, o
giz, a caneta ou o giz de cera requerem uma posição apropriada dos dedos e é
necessário aprender a graduar, em cada um deles, a intensidade do traçado para
alcançar uma produção adequada. Por outro lado, são outros os aspectos que se
colocam em jogo caso se utilizem letras móveis, uma máquina de escrever ou um
computador. Ao escrever o nome próprio mediante estes elementos o sujeito fica
liberado de ocupar-se do traçado, mas dada à natureza destes objetos se enfrenta a
novas interações. Por exemplo, o computador oferece a oportunidade de selecionar
entre diferentes alternativas oferecidas no teclado: maiúscula e minúscula, em negrito
ou não, variar o tamanho, o tipo de caracteres, etc. É interessante que os alunos
experimentem, desde idades inferiores, instâncias de trabalho com diversidade de
materiais.

● Conceber modificações na quantidade de materiais que se oferecem para ler o nome


ou reproduzi-lo. Não é o mesmo reconhecer o nome entre os cartazes pertencentes a
todos os integrantes de uma sala que fazê-lo entre os que formam o grupo de uma
mesa; da mesma maneira se propõe um livro sobre nomes – analisar onde diz Mariana
e onde diz Mariano com o propósito de localizá-los no lugar adequado do livro
(mulheres ou homens) ou decidir como se escreve Paulinha se já sei como se escreve
Paula ao produzir a página de como me chamo e como me chamam. Em tais instâncias
se possibilita que os alunos descentrem seus próprios pontos de vista, aprendam a
escutar os outros, justifiquem suas ideias, construam argumentos para defender suas
opiniões... Ou seja, se abre para todos um âmbito de possibilidades que propicia
avanços em seus conhecimentos.

● Propor variações dos nomes próprios que se trabalham. Em relação com os projetos
que possam ser trabalhados é possível incluir no conjunto de nomes pertencentes aos
alunos da sala, o das famílias, o de outros integrantes da sala, os personagens dos
contam que vão sendo lidos... Dar oportunidades de escrever os nomes dos outros
permite refletir sobre as letras compartilhadas por diferentes nomes e ajudar a
reformular uma ideia muito generalizada nos alunos pequenos: a propriedade das
letras (Ferreiro, 1997). É comum escutar verbalizações como as seguintes ao referir-se,
por exemplo, à letra “P”: “Essa não é a do seu pai, mas sim a do meu pai”.

● Planejar a situação didática respondendo a modalidades organizativas diferentes4


(Lerner, 1996). Ler e/ou escrever o nome se coloca geralmente como uma atividade
que pode reiterar-se de forma sistemática quando a natureza das atividades assim o
requer, por exemplo, escrever o nome para identificar os trabalhos ou ler o mesmo
para decidir os integrantes que formarão um time. Por sua vez, os nomes podem

4
Para maior informação sobre as modalidades organizativas consultar o artigo de Délia Lerner (1996) e o
capítulo de Claudia Molinari em Kaufman (comp.) (2000).
formar parte de um projeto que dê sentido à leitura e à escrita: realizar uma agenda
telefônica, produzir um livro de nomes classificando-lhes por sexo ou relacionado aos
apelidos (“Como me chamo e como me chamam”) assim como aprofundar nas origens
dos nomes segundo as nacionalidades, constituiriam alguns exemplos à respeito. Em
algumas oportunidades, pode estabelecer-se como uma atividade independente uma
vez que se propõe um dia e não volta a retomar-se, por exemplo, quando se joga o
bingo de nomes.

Intervenções didáticas propriamente ditas

O propósito de incluir o trabalho com o nome na Educação Infantil, como já foi explicitado
previamente, não se circunscreve ao fato de saber lê-lo e escrevê-lo convencionalmente, mas
sim que através do mesmo se trata de promover o avanço na aprendizagem do sistema de
escrita. Para atingir este propósito não basta apenas elaborar atividades que respeitem certos
critérios, mas sim é necessário advertir que as intervenções que o professor coloca em jogo no
âmbito de tais situações jogam um papel fundamental. Neste sentido, o professor ajuda a
escrever aos alunos mostrando-lhes como se grafam certas letras realizando diferentes ações:
copia diante deles, compartilha a escrita com os alunos, os convida a comparar as produções
realizadas com o cartaz correspondente; enquanto os alunos escrevem, lhes pergunta o que
escreveram até aquele momento... Durante as situações de leitura tenta colocar questões que
favoreçam reflexões sobre o sistema de escrita. Portanto se colocam em jogo intervenções
como as seguintes: “Como você sabe que aí está o seu nome?”, “Por que estes dois nomes se
escrevem com a mesma letra (inicial)?”, “Por que Mariana tem mais letras que Maria?”, “que
outros nomes começam ou terminam como o seu e por quê”, “como sabemos que aí diz esse
nome e não outro?”... É necessário um trabalho de análise sistemático com o nome, tanto
desde o ponto de vista quantitativo como qualitativo, para gerar avanços nas conceitualizações
dos alunos.

Justificativa do estudo

A diversa produção de conhecimento sobre o trabalho com o nome próprio impacta em alguns
documentos oficiais como o Anexo do Desenho Curricular para a Educação Inicial do Governo
da Cidade autônoma de Buenos Aires, que0 dedica um item específico ao trabalho com este
conteúdo escrito por Hilda Weitzman de Levy (1995).

Simultaneamente, em numerosas salas de idades diferentes de escolas pertencentes à cidade


de Buenos Aires se começa a colocar em jogo o trabalho com o nome dos alunos. Este trabalho
parece ter-se constituído em uma das propostas que os docentes com mais facilidade
incorporaram em suas salas. Grande quantidade de observações didáticas, no entanto,
demonstram que o rico material que oferece o trabalho com o nome próprio se transforma
muitas vezes em propostas rotineiras que não constituem para os alunos desafios que
favoreçam o avanço de suas conceitualizações. Estas dúvidas fazem parte das causas que dá
lugar ao início desta indagação.

Contextualização do estudo
O trabalho que se apresenta forma parte da investigação “A leitura e a escrita no Nível Inicial. O
estado das práticas” realizada no âmbito do Instituto superior de nível inicial “Sara C. de
Eccleston5. O estudo aconteceu em 69 salas de 20 escolas de educação infantil públicas de 8
distritos dependentes do governo da cidade autônoma de Buenos Aires durante o período
1998-2000. Em tal investigação se observam dados que colocam em evidência o lugar que
ocupa a língua escrita em algumas escolas da cidade de Buenos Aires; permite conhecer em
que medida a sala se organiza como um ambiente rico em textos escritos, em diversidade de
situações didáticas colocadas em jogo para favorecer o processo de construção da leitura e da
escrita e as modalidades de intervenção docente utilizadas no trabalho com o nome próprio6.
Se utilizarão aqui unicamente os dados recolhidos relacionados ao nome próprio.

O que os dados evidenciam

Na análise da mostra recolhida levou-se em consideração principalmente as intervenções


docentes, consideradas no sentido amplo, ou seja, incluindo tanto as propostas de atividades –
planejadas e realizadas pelo docente – como as intervenções propriamente ditas. Dentro
destas últimas se incluem as orientações dadas na apresentação da atividade e a forma de
participação que o docente coloca em jogo ao longo do desenvolvimento da mesma (como já
foi explicitado tais intervenções são tratadas na segunda parte deste artigo). Se inicia com as
propostas de atividades.

Propostas de atividades

De todas as possíveis situações didáticas que se podem organizar ao redor do nome próprio
observemos as que se encontram nesta mostra.

Na escrita do nome próprio

A análise se faz com uma mostra de 77 atividades. É necessário apontar que as propostas de
escrita se concentram especialmente nas salas dos alunos mais velhos. Somente em uma sala
de três anos se observam atividades e nelas a ação de escrever recai sempre no docente. Na
seguinte tabela se apresentam as variáveis colocadas em jogo nas propostas de escrita:

Propósitos Texto Ações Material usado Organização dos


proposto realizadas para grafar alunos frente à
diante dos tarefa
textos
Escrita nos trabalhos Seu próprio Os alunos Lápis/giz de Individual
realizados para nome copiam ou cera/caneta
identificá-los (40%) escrevem por
si mesmos.
Escrita no Seu próprio Os alunos Lápis/giz de Individual/coletiva
caderno/folhas/lousa nome copiam ou cera/caneta/giz
para aprendê-lo escrevem por de lousa/letras
(27%) si mesmos e móveis
observam a

5
Colaboraram na investigação a Professora Mirta Mosches e estudantes que cursavam a disciplina
“Alfabetização e sua didática”.
6
Parte destes dados já foram publicados em um artigo que forma parte do livro de Ferreiro et al. (2000).
escrita da
professora
Escrita na lousa para Seu próprio Os alunos Giz de lousa Individual/coletiva
identificar os nome copiam ou
presentes e ausentes escrevem por
(26%) si mesmos e
observam a
escrita da
professora
Outros (6%) Seu próprio Os alunos Lápis/giz de Individual/coletiva
nome copiam ou cera/caneta
escrevem por
si mesmos.

Com relação às propostas de escrita do nome a indagação mostra o seguinte:

Com relação aos propósitos que orientam a proposta se observa que em 72% dos casos
estudados a escrita tem propósitos comunicativos. Ou seja, ao mesmo tempo em que os
alunos identificam seus trabalhos, apontam os ausentes e presentes do dia... aprendem a
escrever seu nome. As porcentagens demonstram que quando se quer apresentar a escrita do
nome próprio respeitando sua função social, as situações privilegiadas são, em primeiro lugar,
o registro dos trabalhos para sua posterior identificação (40%) e em segundo lugar o registro da
presença (26%). O resto das situações contextualizadas encontradas em menor medida (6%)
são: memorizar o empréstimo de livros, assinar cartas que produzem, registrar o local da sala
onde trabalham os ganhadores de um jogo. Todas estas atividades se realizam de forma
cotidiana de forma a que se reiteram uma vez que a situação assim o pede.

As situações que se apresentam sem perseguir um propósito comunicativo, ou seja, somente


com uma intenção didática: aprender a escrever o nome, alcançam um 27%.

Não se observa o desenvolvimento de algum projeto onde a escrita dos nomes forme parte de
uma sequência de atividades que tendam a atingir certos propósitos compartilhados. Em todos
os casos as situações se remetem aos nomes dos alunos da sala e cada aluno experimenta
apenas a escrita de seu próprio nome.

As ações realizadas pelos alunos frente à escrita do nome são majoritariamente duas: a cópia,
usando como modelo um cartaz em imprensa maiúscula e a escrita por si mesmo. Quando os
alunos copiam, a ficha de nomes é oferecida pelo docente ou cada um o seleciona do conjunto
de nomes da sala. A cópia é a modalidade de escrita utilizada nas primeiras tentativas dos
alunos por produzir seus nomes; a escrita por si mesma, a variação usada por aqueles que já
sabem grafar (se voltará a retomar isso ao abordarmos as intervenções propriamente ditas).
Não se propõe em nenhum caso a atividade de ditado – já seja ao docente ou a algum colega –
nem a revisão de suas escritas favorecendo instâncias de reflexão em um momento posterior
ao da produção.

Quanto à organização do grupo diante da tarefa, a escrita individual é a modalidade utilizada


majoritariamente. Somente em escassas oportunidades ao escrever na lousa, no âmbito do
registro de presença, se dá uma participação coletiva, mas em todos os casos ocorre de
maneira espontânea. A Interação em duplas ou em pequenos grupos para chegar a uma
produção conjunta não são modalidades de trabalho observadas.

Os materiais selecionados com maior frequência para grafar são o lápis, o giz de lousa, a caneta
ou a caneta; acontecem algumas situações de reconstrução com letras móveis.

Apesar de que exista muito pouca variação nas atividades de escrita do nome que se propõem,
é interessante destacar que predomina a preocupação por preservar o sentido social desta
prática.

A leitura do nome próprio

A análise desta tarefa se realiza sobre uma mostra de 138 atividades. O número de atividades
evidencia que os alunos têm mais oportunidades de ler o nome próprio que de escrevê-lo. Ao
estudar a distribuição desta tarefa segundo as idades, aparecem – à diferença do ocorrido na
escrita – altas porcentagens desde as salas integradas de três e quatro anos.

É provável que a maior frequência de inclusão de atividades de leitura que as de escrita na sala
dos alunos menores esteja relacionada com a

“Polêmica tradicional da ordem em que devem ser introduzidas as atividades


de leitura e as de escrita (...) Se espera habitualmente que a criança possa
ler antes de saber escrever (...). Caso se pense que o ensino da língua escrita
tem por objeto a aprendizagem de um código de transcrição, é possível
dissociar o ensino da leitura e da escrita como aprendizagens de duas
técnicas diferentes, ainda que complementares. Mas esta distinção carece
totalmente de sentido quando sabemos que, para a criança, do que se trata
é de compreender a estrutura do sistema de escrita e que, para tratar de
entender nosso sistema, realiza tanto atividades de interpretação como de
produção”(Ferreiro, 1997: 24-25).

Na seguinte tabela se podem apreciar as variações observadas nas propostas de leitura:

Propósitos Texto proposto Ações Variação na Organização dos


realizadas quantidade de alunos diante da
diante dos material tarefa
textos oferecido
Leitura da ficha Fichas de seus Ler por si O docente Individual/coletiva
para saber que nomes escritos mesmo. oferece a ficha.
nome está em imprensa
escrito (46%) maiúscula. Em Escutar a leitura Se procurava
algumas de um colega. entre o conjunto
ocasiões de nomes da
acompanhadas sala.
de desenhos.
Leitura da ficha Fichas de seus Ler por si Era oferecida a Individual/coletiva
para saber os nomes escritos mesmo. ficha ou a
presentes e em imprensa procurava entre
ausentes do dia maiúscula. Em Escutar a leitura o conjunto de
(45%) algumas de um colega. nomes da sala.
ocasiões
acompanhadas
de desenhos.
Leitura da ficha Fichas de seus Ler por si Era oferecida a Individual/coletiva
para a nomes escritos mesmo. ficha ou a
designação do em imprensa procurava entre
ajudante (5%) maiúscula. Escutar a leitura o conjunto de
de um colega. nomes da sala.
Leitura da ficha Fichas de seus Ler por si Era oferecida a Individual/coletiva
para designar os nomes escritos mesmo. ficha ou a
cantos da sala em imprensa procurava entre
(4%) maiúscula. Escutar a leitura o conjunto de
de um colega. nomes da sala.

O quadro permite realizar a seguinte análise:

Levando em consideração as situações significativas de leitura apresentadas em relação com a


prática social da escrita, percebe-se que as porcentagens entre as propostas com propósitos
comunicativos (54%) e aquelas que acontecem fora de um contexto funcional (46%) não se
diferenciam excessivamente. A leitura do nome próprio, no âmbito da presença, é a atividade
contextualizada privilegiada (45%) e se realiza de maneira cotidiana como se observou na
escrita.

Ao mesmo tempo as propostas de ler o nome se apresentam através da mesma variação: “O


que está escrito aqui?” ficando de fora a apresentação de outras, com distintos níveis de
dificuldade para enfrentar um mesmo problema, como perguntar: “O que está escrito aqui?”,
mas oferecendo alguma dica “tenho uma ficha que começa com a letra de Pablo, mas termina
com A” ou apresentar a alternativa de reconhecer qual nome a professora começou a escrever
(em uma sala onde existe uma MARIANA, uma MARIA e uma MARA) se o faz de maneira
fragmentada, ou seja, apresentando letra por letra e solicitando uma antecipação ao grafar
cada uma delas. Estas situações ainda não aparecem nas salas da Educação Infantil.

Como nas propostas de escrita, propõe-se a leitura somente de seus próprios nomes sem
enriquecer a situação abrindo a outras possibilidades. Com relação ao material utilizado para
ler, majoritariamente corresponde a fichas de cartolina em imprensa maiúscula. Em alguns
poucos casos as grafias estão acompanhadas por desenhos. Este dado demonstra que para a
maior parte dos docentes desta mostra o essencial é apresentar o nome sem agregar outras
referências.

As situações remetem-se sempre a ler o nome a partir de duas opções: a apresentação de uma
das fichas por vez ou a identificação dos nomes entre todos os da sala. A quantidade de fichas
oferecidas para buscar o nome não é, ainda, um critério que se leve em consideração para a
elaboração das situações didáticas.

Quanto à organização do grupo, as propostas se centram em um trabalho individual (cada


aluno procura seu nome) ou coletivamente (o docente mostra a ficha para que o grupo
reconheça de quem é o nome) gerando em algumas oportunidades ricos intercâmbios entre os
alunos. Nestes momentos os alunos têm a oportunidade de não apenas ler por si mesmos, mas
também de escutar a leitura de um colega. As instâncias de trabalho por duplas ou em
pequenos grupos novamente não são observadas durante esta tarefa.

Algumas considerações

Com relação às situações didáticas que se selecionam para interpretar e produzir o nome
próprio, esta mostra evidencia um predomínio de propostas com sentido para os alunos;
escreve-se e se lê para identificar os trabalhos, a correspondência, os cantos da classe onde se
quer trabalhar; para saber quem esteve presente ou se ausentou da classe neste dia... De todas
elas, as mais frequentes são as de escrever o nome para identificar os trabalhos e
reconhecê-los com a intenção de verificar a presença dos alunos. Diante disso surge a seguinte
questão: por que estas situações são as mais abordadas pelos docentes? É possível que
estejam fortemente arraigadas porque são situações que já têm uma tradição escolar,
enquanto a tarefa de identificar os trabalhos como a frequência diária já estão instauradas,
formam parte das rotinas escolares ainda que as mesmas sejam realizadas pelos docentes.
Portanto, parece mais viável mudar o sujeito da ação, em vez de escrever ou ler o próprio
docente, é o aluno o que começa a ter um papel ativo. Isso parece evidenciar que é possível
resignificar práticas conhecidas, ou seja, resgatar e ligar algo que se possui para dar um novo
significado. Acreditamos que este dado pode ser de utilidade ao planejar os processos de
capacitação.

Isso sim, é importante apontar que não é pequena a porcentagem que representa a leitura e a
escrita do nome como um mero exercício rotineiro; onde, por exemplo, se propõe escrever
cotidianamente aos alunos que já sabem fazê-lo sem outro propósito que possa justificar sua
produção. Por um lado, será preciso ir percorrendo um caminho de aproximação entre as
práticas sociais e as escolares. Por outro, avançar na complexa tarefa de propor situações com
diferentes níveis de desafio, respeitando as necessidades e possibilidades de cada um dos
alunos, ou seja, aceitar a diversidade que existe nos alunos e responder à mesma.

Ainda que se identifique um avanço no Nível Inicial quanto a propor desde os alunos menores
o trabalho com o nome próprio, como foi possível observar, as situações didáticas destacadas
somente representam um leque muito reduzido da variedade que a bibliografia atual oferece
sobre o tema. É necessário ampliá-lo desde a posição que assume o aluno enquanto produtor,
intérprete, observador, ditante, revisor; desde a diversidade de finalidades; desde a
possibilidade de enfrentar-se com a variedade de materiais existentes (lápis, letras móveis,
teclado de um computador ou máquina de escrever). É interessante desenvolver propostas
individuais, em grupos ou coletivas. Cada uma das formas de organizar as atividades propõe
desafios diferentes aos alunos e os coloca diante da necessidade de desenvolver estratégias
específicas.

Referências bibliográficas:

Você também pode gostar