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FERREIRO, Emília. Reflexões sobre alfabetização. São Paulo:Editora Cortez,1996.

PREFACIO
Telma Weisz, ao escrever o prefácio do livro de Emília Ferreiro, afirma que o mesmo não traz para o
leitor nenhum novo método, nem novos testes, nada que se pareça com uma solução pronta. Porém, a
autora (Ferreiro) oferece ideias a partir das quais é possível repensar a prática escolar da
alfabetização, por meio dos resultados obtidos em suas pesquisas científicas.

Emília Ferreiro, Doutora pela universidade de Genebra, teve o privilégio de ter sido orientanda e
colaboradora de Jean Piaget. Ferreiro realizou suas pesquisas sobre alfabetização, principalmente, na
Argentina, país onde nasceu e também no México.

Anteriormente às pesquisas de Ferreiro, a crença implícita quanto à questão de alfabetização era de


que tal processo começava e acabava na sala de aula e que a aplicação do método correto garantia
ao professor o controle do processo de alfabetização dos alunos.

Na medida em que um número maior de alunos passou a ter acesso a educação, ampliou-se também
o número do fracasso escolar. Na ausência de instrumentos para repensar a prática falida e os
fracassos escolares, passou-se a buscar os culpados: os alunos, a escola e os professores. Tal
momento promoveu uma revolução conceitual, principalmente no que se refere à alfabetização.

As pesquisas de Ferreiro e de seus colaboradores romperam o imobilismo lamuriento e acusatório, im-


pulsionando um esforço coletivo na busca novos caminhos para que o educador rompa o circulo
vicioso da reprodução do analfabetismo.

APRESENTAÇÃO Por Emília Ferreiro.

Ferreiro afirma que o livro apresenta quatro trabalhos produzidos em momentos diferentes, porém
dentro da mesma linha de preocupação que é o de contribuir para uma reflexão sobre a intervenção
educativa alfabetizadora, a partir de novos dados oriundos das investigações sobre a psicogênese da
escrita na criança. Suas investigações evidenciam que o processo de alfabetização nada tem de
mecânico, do ponto de vista da criança que aprende.

Destaca que a criança desempenha um papel ativo na busca da compreensão desse objeto social,
complexo, que é a escrita.
Capítulo17 - A REPRESENTAÇÃO DA LINGUAGEM E O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO.

Ferreiro destaca que, tradicionalmente, a alfabetização é considerada em função da relação entre o


método utilizado e o estado de 'maturidade' ou de 'prontidão' da criança. Os dois pólos do processo de
aprendizagem - quem ensina e quem aprende - têm sido considerados sem levar em consideração o
terceiro elemento da relação que é a natureza do objeto de conhecimento envolvendo esta
aprendizagem.

A partir desta constatação, a autora aborda de que maneira este objeto de conhecimento intervém no
processo utilizando uma relação tríade: de um lado, o sistema de representação alfabética da
linguagem com suas características específicas: por outro lado as concepções de quem aprende
(crianças) e as concepções dos que ensinam (professores), sobre este objeto de conhecimento.

1. A Escrita como Sistema de Representação.


A escrita pode ser considerada como uma representação da linguagem ou como um código de
transcrição gráfica das unidades sonoras. A autora destaca que a invenção da escrita foi um
processo histórico de construção de um sistema de representação e não um sistema de codificação.
Dessa forma, se considerarmos o sistema de representação do número e o sistema de representação
da linguagem, no início da escolarização, as dificuldades que as crianças enfrentam são dificuldades
conceituais semelhantes às da construção do sistema e por isso pode-se afirmar que, em ambos os
casos, a criança reinventa esses sistemas, ou seja, para poderem se servir desses elementos como
elementos de um sistema, as crianças devem compreender seu processo de construção e suas regras
de produção, o que coloca o problema epistemológico fundamental: qual é a natureza da relação entre
o real e a sua representação.
A partir dos trabalhos de Saussure já concebemos o signo linguístico como a união indissolúvel de um
significante com um significado. É o caráter bifásico do signo linguístico, a natureza complexa que ele
tem e a relação de referencia o que está em jogo.

As escritas do tipo alfabético, e mesmo as silábicas, poderiam ser caracterizadas como sistemas de
representação cujo intuito é representar as diferenças entre os significantes; enquanto que as escritas
do tipo ideográfico poderiam representar diferenças nos significados.

Se concebermos a escrita como um código de transcrição do sonoro para o gráfico privilegiando-


se o significante (grafia) dissociado do significado, destruímos o signo linguístico por privilegiamos a
técnica e a mecanização.
Se concebermos aprendera língua escrita como a compreensão da construção de um sistema de
representação em que a grafia das palavras e seu significado estão associados, (apropriação de um
novo objeto de conhecimento) estaremos realizando uma aprendizagem conceitual.

2 - As concepções das crianças a respeito do sistema de escrita.


A criança realiza explorações para compreender a natureza da escrita e isto pode ser observado
através das suas produções espontâneas, que são valiosos documentos que precisam ser
interpretados para poder ser avaliados.

As escritas infantis têm sido consideradas como garatujas e 'puro jogo'. Aprender a lê-las, ou seja,
interpretá-las é um aprendizado que requer uma atitude teórica definida. Nas práticas escolares
tradicionais, há uma concepção de que a criança só aprende quando submetida a um ensino
repetitivo. No entanto, elas ignoram que devem pedir permissão para começar a aprender. Saber algo
a respeito de certo objeto não significa saber algo socialmente aceito como 'conhecimento'. 'Saber'
significa ter construído alguma concepção que explica certo conjunto de fenômenos ou de objetos da
realidade.

Ferreiro, analisando as produções espontâneas das crianças, através de suas pesquisas confirmou
que as mesmas possuem hipótese / ideias / teorias sobre a escrita, apresentando uma evolução
psicogenética.

As primeiras escritas infantis aparecem, do ponto de vista gráfico, como linhas onduladas ou
quebradas, contínuas ou fragmentadas, ou como uma série de elementos discretos repetidos. A
aparência gráfica não é garantia de escrita, a menos que se conheçam as condições de produção.

No referencial tradicional, as professoras prestam atenção nos aspectos gráficos das produções das
crianças, ignorando os aspectos construtivos. Do ponto de vista construtivo, a escrita infantil segue
uma linha de evolução surpreendentemente regular e podem ser distinguidos três grandes períodos
no interior dos quais cabem múltiplas subdivisões.

Para executar suas ideias (em seus escritos) a criança:


a) faz distinção entre a modo de representação icônico (figurativo) e não icônico (não-figurativo).
b) constrói formas de diferenciação; faz diferenciação intrafigural que consistem no estabelecimento
de propriedades que um texto deve possuir para poder ser interpretável. Os critérios intrafigurais
se expressam sobre o eixo quantitativo (mínimo de três letras) e sobre o eixo qualitativo
(variação de caracteres); faz a diferenciação interfigurais que é a criação de modos sistemáticos
de diferenciação entre uma escrita e a seguinte, para garantir a diferença de interpretação que
será atribuída,
c) desvela a fonetização da escrita (descobre a relação som / grafia), começa com o período
silábico e culmina no período alfabético.
Ferreiro, analisando a evolução da escrita infantil reconhece quatro períodos, que denomina como:
período pré-silábico, período silábico, período silábico-alfabético e período alfabético.
a) Período Pré-Silábico

As crianças escrevem sem estabelecer qualquer correspondência entre a pauta sonora da palavra e a
representação escrita. Escreve coisas diferentes apesar da identidade objetiva das escritas e relaciona
a escrita com o objetivo referente (Ex. coloca mais letras na palavra "elefante' do que na palavra
borboleta - Realismo Nominal).Exemplos de escrita pré-silábica:
ILUSTRAÇÃO l a.
Escrita sem diferenciações interfigurais (Adriana - 4,5 anos).

1. O que você desenhou? Um boneco.


2. Ponha o nome. (Rabisco.) (a)
3. O que você colocou? Ale (-seu irmão).
4. Desenhe uma casinha. (Desenha)
5. O que é isso? uma casinha.
6. Ponha o nome. (Rabisco) (b).
7. O que você escreveu? Casinha
8. Você sabe colocar o seu nome? (Quatro rabiscos separados) (c).
9. O que é isso? Adriana.
10. Onde diz Adriana? (Assinala globalmente)
11. Por que tem quatro
pedacinhos?... porque sim.
12. O que diz aqui? (1°) Adriana.
13.E aqui (2°) Alberto (- seu pai).
14.E aqui? (3°). Ale (-seu irmão).
15.E aqui? (4°) Tia Picha.

(1) peixe; (2) o gato bebe leite; (3) galinha; (4) franguinho; (5) pato; (6) patos
l LUSTRAÇÃO 2
Escrita com diferenciação interfigurais (Carmelo 6,2 anos).

(1) Carmelo Enrique Castilho Avellano (uma letra para cada nome).
(2) vaca.
(3) mosca
(4) borboleta
(5) cavalo
(6) mamãe como tacos (comida típica mexicana)

b) Período Silábico
A escrita silábica é o resultado de um dos esquemas mais importantes e complexos que se constroem
durante o desenvolvimento da leitura escrita. É quando se dá a descoberta de que as representações
escritas têm um vínculo com a pauta sonora da palavra: uma letra para cada sílaba; tantas letras
quantas sílabas. No mesmo período - embora não necessariamente ao mesmo tempo - as letras
podem começar a adquirir valores sonoros silábicos relativamente estáveis as partes sonoras seme-
lhantes entre as palavras.

ILUSTRAÇÃO 3a.
Escrita silábica (letras de forma convencional, mas utilizadas sem seu valor sonoro convencional) cada
letra vale por uma sílaba (Jorge, 6 anos).
(1) ga - to (gato)
(2) ma-ri-po-sa (borboleta)
(3) ca-ba-Ilo (cavalo)
(4) pez (peixe)
(5) mar (mar)
(6) el-ga-to-be-be-le-che
'(o gato bebe leite)
(As palavras foram mantidas no original espanhol para que o processo aqui ilustrado faça sentido).

ILUSTRAÇÃO 3b.

Escrita silábica (vagais com valor sonoro convencional): cada letra vale por uma sílaba (Francisco, 6
anos).

1. FRAN-CIS-CO (Francisco)

2. MA-RI-PO-SA (borboleta)

3. PALOMA (pomba)

4. PA-JA-RO (pássaro)

5. GA-TO (gato)

6. PA- TO (pato)

7. PEZ (peixe)

8. PEZ (2ª tentativa) (peixe – 2ª tentativa )

C) Período Silábico-Alfabético
O período silábico-alfabético marca a transição entre os esquemas prévios em via de serem
abandonados e os esquemas futuros em vias de serem construídos. Os conflitos provenientes do meio
social desestabilizam a hipótese silábica e a criança tem coragem de se comprometer em um novo
processo de construção.

ILUSTRAÇÃO 4
Escrito silábico-alfabética (Júlio César, 6 anos)

(1) gato (gato)


(2) mariposa (borboleta)
(3) cabaIlo (cavalo)
(4) pez (peixe)
(5) mar (mar)
(6) el gato bebe leche (o gato bebe leite)

(As palavras foram mantidas no original espanhol para que o processo aqui ilustrado faça sentido).

c) Período Alfabético
Consiste no período que a criança descobre que a sílaba não pode ser considerada como unidade,
mas que ela é por sua vez, reanalisável em elementos menores.

Neste momento, deve haver uma estruturação dos vários elementos que compõem o sistema de
escrita. Trata-se de conhecer o valor sonoro convencional.
a) pelo lado quantitativo não pode estabelecer regularidade duplicando a quantidade de letras por
sílaba (já que há sílabas com 1,2,3, ou mais letras).
b) pelo lado qualitativo, problemas ortográficos (a identidade de som não garante identidade de
letras nem a identidade de letras a de sons).

Capítulo 2 - AS CONCEPÇÕES SOBRE A LÍNGUA SUBJACENTE À PRÁTICA DOCENTE


As discussões sobre a prática alfabetizadora têm se centrado sobre os métodos utilizados: analíticos
versus sintéticos; fonético versus global, etc.

Nenhuma dessas discussões levou em conta as concepções das crianças sobre o sistema de escrita.

A nossa compreensão dos problemas, tal como as crianças os colocam e da sequência de soluções
que elas consideram aceitáveis, é, sem dúvida, essencial para um tipo de intervenção adequada á
natureza do processo real da aprendizagem. Reduzir esta intervenção ao método utilizado é limitar
nossa indagação.

É útil se perguntar por meio de que tipos de práticas a criança é introduzida na linguagem escrita e
como se apresenta este objetivo no contexto escolar?

Há práticas que levam as crianças a supor que o conhecimento é algo que os outros possuem e que
só pode obter da boca dos outros, sem participar dessa construção; há práticas que levam a pensar
que "o que existe para se conhecer" é um conjunto, estabelecido de coisas, fechado, sagrado, imu-
tável e não modificável. Há práticas que levam a criança a ficar de "fora" do conhecimento, como
espectador ou receptor mecânico, sem nunca encontrar respostas aos porquês.

Nenhuma prática pedagógica é neutra e estão apoiadas nas concepções do processo ensino e
aprendizagem, bem como o objeto dessa aprendizagem. São essas práticas e não os métodos, que
têm efeitos no domínio da língua escrita ou em outros conhecimentos. A reflexão psicopedagógica
necessita se apoiar em uma reflexão epistemológica.

A autora destaca que das suas diferentes experiências com profissionais de ensino aparecem três
dificuldades conceituais iniciais que necessitam ser esclarecidas:
a) a visão adultocêntrica (adulto já alfabetizado);
b) confusão entre escrever e desenhar letras;
c) e a redução do conhecimento do leitor ao conhecimento das letras e seu valor convencional.
Esclarecendo essas dificuldades iniciais, é possível realizar a análise das concepções sobre a língua
escrita subjacentes a algumas dessas práticas:
a) As polêmicas sobre a ordem em que devam ser introduzidas as atividades de leitura e as de
escrita.
b) Decisões metodológicas: a forma de se apresentar as letras individuais bem como a ordem de
apresentação de letras e de palavras, o que implica uma sequência do “fácil" ou "difícil".

A autora descreve as experiências pedagógicas realizadas por Ana Teberosky, em Barcelona,


baseada em três ideias simples, porém fundamentais:
a) Deixar entrar e sair para buscar informação extra-escolar disponível, com todas as conse-
quências disso;
b) O professor não é mais o único que sabe ler e escrever na sala de aula; todos podem ler e
escrever, cada um ao seu nível;
c) As crianças não alfabetizadas contribuem na própria alfabetização e na dos companheiros quan-
do a discussão a respeito da representação escrita de linguagem se torna prática escolar.

CONCLUSÕES
É importante ter claro que as mudanças necessárias para enfrentar sobre bases novas a alfabetização
integral não se resolvem com um novo método de ensino; nem com novos testes de prontidão;
nem com novos materiais didáticos.

Segundo Ferreiro, é preciso mudar os pontos por onde nós fazemos passar o eixo central das nossas
discussões. Para ela, temos uma imagem empobrecida da língua escrita e uma imagem empobrecida
de criança que aprende, um novo método não resolve os problemas. É preciso reanalisar as práticas
de introdução da língua escrita.

Ferreiro acredita ter chegado a momento de se fazer uma revolução conceitual a respeito da
alfabetização.

Capítulo 3 - A COMPREENSÃO DO SISTEMA DE ESCRITA: CONSTRUÇÕES ORIGINAIS DA


CRIANÇA E INFORMAÇÃO ESPECÍFICA DOS ADULTOS

Escrito por Emília Ferreiro e Ana Teberosky.


A leitura e a escrita, há muito são consideradas como objeto de uma instrução sistemática e cuja
aprendizagem, suporia o exercício de uma série de habilidades específicas. Muitos trabalhos de
psicólogos e educadores têm se orientado neste sentido.

As autoras realizaram pesquisas sobre os processos de compreensão da linguagem escrita e


abandonaram estas ideias, pois, para elas, as atividades de interpretação e de produção da escrita
começam antes da escolarização como parte da atividade da idade pré-escolar. Essa aprendizagem
se insere em um sistema de concepções previamente elaboradas e não pode ser reduzida a um
conjunto de técnicas perceptivo-motoras.

A escrita não é um produto escolar, mas sim um objeto cultural que cumpre diversas funções e tem
meios concretos de existência especialmente nas concentrações urbanas.

1. Construções Originais das Crianças


Por meio de diferentes situações experimentais, as autoras obtiveram dentre os resultados o seguinte:

• aproximadamente aos quatro anos, as crianças possuem sólidos critérios para admitir que uma
marca gráfica possa ou não ser lida;
• o primeiro critério é a de fazer uma dicotomia entre o "figurativo", por um lado, e o "não-
figurativo", pelo outro (icônico e não-icônico). Surge o critério de "quantidade" mínima de
caracteres: ambos são construções próprias da criança.

2. Informações Específicas
No desenvolvimento da linguagem existe uma série de concepções que não podem ser atribuídas a
uma influência direta do meio, (a escrita em sua existência material). São concepções acerca das
propriedades estruturais e do modo de funcionamento de certo objeto.

Ao contrário, existem conhecimentos específicos sobre a linguagem escrita que só podem ser
adquiridos por meio de outros (leitores adultos ou crianças maiores).

A criança que cresce em meio "letrado" está exposta a interações, se vê continuamente envolvida,
como agente e observador no mundo "letrado". Os adultos lhes dão a possibilidade de comportar-se
como leitor, antes de sê-lo, aprendendo precocemente o essencial das práticas sociais ligadas à
escrita.

3. Algumas Implicações Pedagógicas


A dimensão das questões pode suscitar de imediato uma pergunta: se a compreensão da escrita
começa a se desenvolver antes de ser ensinada, qual é o papel, principalmente dos professores no
que tange à aprendizagem? E a escola?

A transformação desta prática é difícil, mas a Escola pode cumprir um papel importante e
insubstituível, ajudando as crianças, especialmente as filhas de pais analfabetos ou semianalfabetos.
O professor é quem pode minorar esta carência, adaptando o seu ponto de vista ao da criança.

Alguns aspectos sobre os quais os professores deveriam estar atentos:

a) Se a escrita remete de maneira óbvia e natural à linguagem, estaremos supervalorizando as


capacidades da criança que pode estar longe de ter descoberta sua natureza fonética.
b) Em contrapartida, poderíamos menosprezar seus conhecimentos ao trabalhar exclusivamente
com base na escrita, como cópia e sonorização dos grafemas.
c) Não desvalorizar seus esforços para compreender as leis do sistema tratando suas produções
como rabiscos.
d) Avaliar tendo em vista os processos e intenções e não apenas como certo ou errado, do ponto
de vista ortográfico.
e) Ênfase na produção de traçado reduz a escrita a um objeto 'em si', de natureza exclusivamente
gráfica.
f) Os problemas que a criança enfrenta em sua evolução não estão sujeitos á qualificativos em
termos de "simples" ou "complexos". São os problemas que ela pode resolver de forma
coerente e não aleatória.
g) Finalmente, se só nos dirigirmos às crianças que compartilhem alguns de nossos
conhecimentos deixaremos dei lado uma grande parte da população infantil estacionada em
níveis anteriores a esta evolução condenando-a ao fracasso.

5. Processos de Aquisição da Língua Escrita no Contexto Escolar


Estamos acostumados a considerar a aprendizagem da leitura e da escrita como um processo de
aprendizagem escolar (controle sistemático), que há grande dificuldade em considerar que o
desenvolvimento da leitura / escrita acontece antes da escolarização.
As crianças ignoram este controle e desde que nascem estão construindo objetos complexos de
conhecimento e o sistema de escrita é um deles.
A construção de um objeto de conhecimento é muito mais que uma coleção de informações. Implica a
construção de um esquema conceitual, que permite interpretar dados prévios e novos dados, isto é,
que possa receber informação e transformá-la em conhecimentos; um esquema conceitual que
permita processos de interferência acerca das propriedades não-observáveis de um determinado
objeto e a construção de novos observáveis, na base do que se antecipou e do que foi verificado.
O propósito de controlar o processo de aprendizagem supõe que os procedimentos de ensino
determinam os passos na progressão da aprendizagem.
Ferreiro adverte que os estudos de Piaget nos obrigaram a reconhecer a importância de considerar os
processos da criança no desenvolvimento cognitivo, obrigando-nos a abandonar o ponto de vista do
adultocentrismo.
A pesquisa de Ferreiro, além da análise qualitativa, apresenta dados quantitativos procurando
evidenciar que não se está referindo a uma minoria de crianças.
Projeto de Pesquisa na Diretoria Geral de Educação Espacial-Ministério de Educação do México -
1980-1982.
Objetivo Principal Prático - conhecer e descrever o processo de aprendizagem que ocorre nas
crianças antes de serem rotuladas como "crianças que fracassam".
Objetivo Teórico - saber se as crianças que ingressam no 1°. Grau em níveis pré-alfabéticos de
concepção leitura/escrita, seguirão com a mesma progressão evidenciada por outras crianças antes
de entrarem para a escola, a despeito do fato dos métodos e procedimentos de ensino procurarem
conduzi-los diretamente ao sistema alfabético da escrita.
População Alvo - (crianças repetentes ou evadidas) de três cidades (México - centro, Monterrey –
norte e Mérida - sul) -71 escolas - índice maior de "fracassos" e 159 classes de 1ª série que entravam
pela primeira vez na escola.
Amostra - 959 crianças, entrevistadas a cada dois meses e meio; finalizou-se o trabalho com 886 des-
sas mesmas crianças.
Testagem - foram propostas quatro palavras dentro de um dado campo semântico (nome de animais
ou de alimentos) com variação sistemática no número de sílabas (de 1 a 4 sílabas).
Eventos - 80% de crianças começaram o ano pré - silábicas; 13 crianças nível alfabético e 11 crianças
não terminaram a testagem. Os totais finais - de 862 crianças e 3.448 entrevistas.
Padrões Evolutivos - Ao longo do ano escolar:
• 33% passam de um nível de conceitualização sem omitir passo.
• 38% seguiram passos semelhantes, porém omitindo o nível silábico-alfabético.
• 13% não mostraram qualquer progressão de um nível ao seguinte e nenhuma permaneceu no
silábico-alfabético.
• (25) crianças que entraram no nível silábico-alfabético não tiveram problemas.
• 16% passaram do pré-silábico ao alfabético (cumprem as expectativas da escola).
• 71% passaram por outros tipos de escrita.
• 52% passaram pelo silábico (451 crianças).
• 87% ingressaram ao nível silábico e chegaram ao alfabético.
De outra parte, as crianças que ingressaram no pré-silábico (708) não chegaram ao alfabético na
mesma proporção.
• 55,5% (das 393) chegaram ao alfabético.
• 14,5% (103) chegaram ao silábico-alfabético.
• 15% (107) chegaram ao nível silábico.
• 14,8% (105) permaneceram ao longo do processo sem compreender a relação escrita na pauta
sonora das emissões.

CONCLUSÃO
A partir dos dados, observa-se que só as crianças de nível silábico ou silábico-alfabético apresentam-
se "maduras" para ingressar no 1° grau. Isto significaria deixar 80% das crianças fora da escola sendo
que são as que mais necessitam de escolarização.

CAPÍTULO 4 - DEVE-SE OU NÃO SE DEVE ENSINAR A LER E ESCREVER NA PRE-ESCOLA?


UM PROBLEMA MAL COLOCADO.
A polêmica sobre a idade ótima para o acesso à língua escrita ocupou milhares de páginas escritas
por vários pesquisadores.
O problema sempre foi colocado tendo por pressuposto serem os adultos que decidem quando essa
aprendizagem deverá ou não ser iniciada.
Para Ferreiro, a função da pré-escola deveria ser de permitir às crianças que não tiveram convivência
com a escrita, informações básicas sobre ela, em situações de uso social (não meramente escolar).

Para tanto é necessária imaginação pedagógica para dar às crianças oportunidades ricas e variadas
de interagir com a linguagem escrita:

• Formação psicológica para compreender as respostas e as perguntas das crianças.


• Entender que a aprendizagem da linguagem escrita é muito mais que a aprendizagem de um
código de transcrição e sim a construção de sistema de representação.

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