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PREFACIO
Telma Weisz, ao escrever o prefácio do livro de Emília Ferreiro, afirma que o mesmo não traz para o
leitor nenhum novo método, nem novos testes, nada que se pareça com uma solução pronta. Porém, a
autora (Ferreiro) oferece ideias a partir das quais é possível repensar a prática escolar da
alfabetização, por meio dos resultados obtidos em suas pesquisas científicas.
Emília Ferreiro, Doutora pela universidade de Genebra, teve o privilégio de ter sido orientanda e
colaboradora de Jean Piaget. Ferreiro realizou suas pesquisas sobre alfabetização, principalmente, na
Argentina, país onde nasceu e também no México.
Na medida em que um número maior de alunos passou a ter acesso a educação, ampliou-se também
o número do fracasso escolar. Na ausência de instrumentos para repensar a prática falida e os
fracassos escolares, passou-se a buscar os culpados: os alunos, a escola e os professores. Tal
momento promoveu uma revolução conceitual, principalmente no que se refere à alfabetização.
Ferreiro afirma que o livro apresenta quatro trabalhos produzidos em momentos diferentes, porém
dentro da mesma linha de preocupação que é o de contribuir para uma reflexão sobre a intervenção
educativa alfabetizadora, a partir de novos dados oriundos das investigações sobre a psicogênese da
escrita na criança. Suas investigações evidenciam que o processo de alfabetização nada tem de
mecânico, do ponto de vista da criança que aprende.
Destaca que a criança desempenha um papel ativo na busca da compreensão desse objeto social,
complexo, que é a escrita.
Capítulo17 - A REPRESENTAÇÃO DA LINGUAGEM E O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO.
A partir desta constatação, a autora aborda de que maneira este objeto de conhecimento intervém no
processo utilizando uma relação tríade: de um lado, o sistema de representação alfabética da
linguagem com suas características específicas: por outro lado as concepções de quem aprende
(crianças) e as concepções dos que ensinam (professores), sobre este objeto de conhecimento.
As escritas do tipo alfabético, e mesmo as silábicas, poderiam ser caracterizadas como sistemas de
representação cujo intuito é representar as diferenças entre os significantes; enquanto que as escritas
do tipo ideográfico poderiam representar diferenças nos significados.
As escritas infantis têm sido consideradas como garatujas e 'puro jogo'. Aprender a lê-las, ou seja,
interpretá-las é um aprendizado que requer uma atitude teórica definida. Nas práticas escolares
tradicionais, há uma concepção de que a criança só aprende quando submetida a um ensino
repetitivo. No entanto, elas ignoram que devem pedir permissão para começar a aprender. Saber algo
a respeito de certo objeto não significa saber algo socialmente aceito como 'conhecimento'. 'Saber'
significa ter construído alguma concepção que explica certo conjunto de fenômenos ou de objetos da
realidade.
Ferreiro, analisando as produções espontâneas das crianças, através de suas pesquisas confirmou
que as mesmas possuem hipótese / ideias / teorias sobre a escrita, apresentando uma evolução
psicogenética.
As primeiras escritas infantis aparecem, do ponto de vista gráfico, como linhas onduladas ou
quebradas, contínuas ou fragmentadas, ou como uma série de elementos discretos repetidos. A
aparência gráfica não é garantia de escrita, a menos que se conheçam as condições de produção.
No referencial tradicional, as professoras prestam atenção nos aspectos gráficos das produções das
crianças, ignorando os aspectos construtivos. Do ponto de vista construtivo, a escrita infantil segue
uma linha de evolução surpreendentemente regular e podem ser distinguidos três grandes períodos
no interior dos quais cabem múltiplas subdivisões.
As crianças escrevem sem estabelecer qualquer correspondência entre a pauta sonora da palavra e a
representação escrita. Escreve coisas diferentes apesar da identidade objetiva das escritas e relaciona
a escrita com o objetivo referente (Ex. coloca mais letras na palavra "elefante' do que na palavra
borboleta - Realismo Nominal).Exemplos de escrita pré-silábica:
ILUSTRAÇÃO l a.
Escrita sem diferenciações interfigurais (Adriana - 4,5 anos).
(1) peixe; (2) o gato bebe leite; (3) galinha; (4) franguinho; (5) pato; (6) patos
l LUSTRAÇÃO 2
Escrita com diferenciação interfigurais (Carmelo 6,2 anos).
(1) Carmelo Enrique Castilho Avellano (uma letra para cada nome).
(2) vaca.
(3) mosca
(4) borboleta
(5) cavalo
(6) mamãe como tacos (comida típica mexicana)
b) Período Silábico
A escrita silábica é o resultado de um dos esquemas mais importantes e complexos que se constroem
durante o desenvolvimento da leitura escrita. É quando se dá a descoberta de que as representações
escritas têm um vínculo com a pauta sonora da palavra: uma letra para cada sílaba; tantas letras
quantas sílabas. No mesmo período - embora não necessariamente ao mesmo tempo - as letras
podem começar a adquirir valores sonoros silábicos relativamente estáveis as partes sonoras seme-
lhantes entre as palavras.
ILUSTRAÇÃO 3a.
Escrita silábica (letras de forma convencional, mas utilizadas sem seu valor sonoro convencional) cada
letra vale por uma sílaba (Jorge, 6 anos).
(1) ga - to (gato)
(2) ma-ri-po-sa (borboleta)
(3) ca-ba-Ilo (cavalo)
(4) pez (peixe)
(5) mar (mar)
(6) el-ga-to-be-be-le-che
'(o gato bebe leite)
(As palavras foram mantidas no original espanhol para que o processo aqui ilustrado faça sentido).
ILUSTRAÇÃO 3b.
Escrita silábica (vagais com valor sonoro convencional): cada letra vale por uma sílaba (Francisco, 6
anos).
1. FRAN-CIS-CO (Francisco)
2. MA-RI-PO-SA (borboleta)
3. PALOMA (pomba)
4. PA-JA-RO (pássaro)
5. GA-TO (gato)
6. PA- TO (pato)
7. PEZ (peixe)
C) Período Silábico-Alfabético
O período silábico-alfabético marca a transição entre os esquemas prévios em via de serem
abandonados e os esquemas futuros em vias de serem construídos. Os conflitos provenientes do meio
social desestabilizam a hipótese silábica e a criança tem coragem de se comprometer em um novo
processo de construção.
ILUSTRAÇÃO 4
Escrito silábico-alfabética (Júlio César, 6 anos)
(As palavras foram mantidas no original espanhol para que o processo aqui ilustrado faça sentido).
c) Período Alfabético
Consiste no período que a criança descobre que a sílaba não pode ser considerada como unidade,
mas que ela é por sua vez, reanalisável em elementos menores.
Neste momento, deve haver uma estruturação dos vários elementos que compõem o sistema de
escrita. Trata-se de conhecer o valor sonoro convencional.
a) pelo lado quantitativo não pode estabelecer regularidade duplicando a quantidade de letras por
sílaba (já que há sílabas com 1,2,3, ou mais letras).
b) pelo lado qualitativo, problemas ortográficos (a identidade de som não garante identidade de
letras nem a identidade de letras a de sons).
Nenhuma dessas discussões levou em conta as concepções das crianças sobre o sistema de escrita.
A nossa compreensão dos problemas, tal como as crianças os colocam e da sequência de soluções
que elas consideram aceitáveis, é, sem dúvida, essencial para um tipo de intervenção adequada á
natureza do processo real da aprendizagem. Reduzir esta intervenção ao método utilizado é limitar
nossa indagação.
É útil se perguntar por meio de que tipos de práticas a criança é introduzida na linguagem escrita e
como se apresenta este objetivo no contexto escolar?
Há práticas que levam as crianças a supor que o conhecimento é algo que os outros possuem e que
só pode obter da boca dos outros, sem participar dessa construção; há práticas que levam a pensar
que "o que existe para se conhecer" é um conjunto, estabelecido de coisas, fechado, sagrado, imu-
tável e não modificável. Há práticas que levam a criança a ficar de "fora" do conhecimento, como
espectador ou receptor mecânico, sem nunca encontrar respostas aos porquês.
Nenhuma prática pedagógica é neutra e estão apoiadas nas concepções do processo ensino e
aprendizagem, bem como o objeto dessa aprendizagem. São essas práticas e não os métodos, que
têm efeitos no domínio da língua escrita ou em outros conhecimentos. A reflexão psicopedagógica
necessita se apoiar em uma reflexão epistemológica.
A autora destaca que das suas diferentes experiências com profissionais de ensino aparecem três
dificuldades conceituais iniciais que necessitam ser esclarecidas:
a) a visão adultocêntrica (adulto já alfabetizado);
b) confusão entre escrever e desenhar letras;
c) e a redução do conhecimento do leitor ao conhecimento das letras e seu valor convencional.
Esclarecendo essas dificuldades iniciais, é possível realizar a análise das concepções sobre a língua
escrita subjacentes a algumas dessas práticas:
a) As polêmicas sobre a ordem em que devam ser introduzidas as atividades de leitura e as de
escrita.
b) Decisões metodológicas: a forma de se apresentar as letras individuais bem como a ordem de
apresentação de letras e de palavras, o que implica uma sequência do “fácil" ou "difícil".
CONCLUSÕES
É importante ter claro que as mudanças necessárias para enfrentar sobre bases novas a alfabetização
integral não se resolvem com um novo método de ensino; nem com novos testes de prontidão;
nem com novos materiais didáticos.
Segundo Ferreiro, é preciso mudar os pontos por onde nós fazemos passar o eixo central das nossas
discussões. Para ela, temos uma imagem empobrecida da língua escrita e uma imagem empobrecida
de criança que aprende, um novo método não resolve os problemas. É preciso reanalisar as práticas
de introdução da língua escrita.
Ferreiro acredita ter chegado a momento de se fazer uma revolução conceitual a respeito da
alfabetização.
A escrita não é um produto escolar, mas sim um objeto cultural que cumpre diversas funções e tem
meios concretos de existência especialmente nas concentrações urbanas.
• aproximadamente aos quatro anos, as crianças possuem sólidos critérios para admitir que uma
marca gráfica possa ou não ser lida;
• o primeiro critério é a de fazer uma dicotomia entre o "figurativo", por um lado, e o "não-
figurativo", pelo outro (icônico e não-icônico). Surge o critério de "quantidade" mínima de
caracteres: ambos são construções próprias da criança.
2. Informações Específicas
No desenvolvimento da linguagem existe uma série de concepções que não podem ser atribuídas a
uma influência direta do meio, (a escrita em sua existência material). São concepções acerca das
propriedades estruturais e do modo de funcionamento de certo objeto.
Ao contrário, existem conhecimentos específicos sobre a linguagem escrita que só podem ser
adquiridos por meio de outros (leitores adultos ou crianças maiores).
A criança que cresce em meio "letrado" está exposta a interações, se vê continuamente envolvida,
como agente e observador no mundo "letrado". Os adultos lhes dão a possibilidade de comportar-se
como leitor, antes de sê-lo, aprendendo precocemente o essencial das práticas sociais ligadas à
escrita.
A transformação desta prática é difícil, mas a Escola pode cumprir um papel importante e
insubstituível, ajudando as crianças, especialmente as filhas de pais analfabetos ou semianalfabetos.
O professor é quem pode minorar esta carência, adaptando o seu ponto de vista ao da criança.
CONCLUSÃO
A partir dos dados, observa-se que só as crianças de nível silábico ou silábico-alfabético apresentam-
se "maduras" para ingressar no 1° grau. Isto significaria deixar 80% das crianças fora da escola sendo
que são as que mais necessitam de escolarização.
Para tanto é necessária imaginação pedagógica para dar às crianças oportunidades ricas e variadas
de interagir com a linguagem escrita: