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Módulo 4 – Psicogênese da Língua Escrita

Carga horária total: 36 horas


Docente Responsável: Daniele Ap. Biondo Estanislau
Email: danieleestanislau@gmail.com

PSICOGÊNESE DA LÍNGUA ESCRITA

No livro Psicogênese da Língua Escrita, Emilia Ferreiro e Ana Teberosky


discorrem sobre a pesquisa realizada acerca do desenvolvimento da leitura e
escrita. Pautadas no referencial teórico-metodológico do construtivismo
Piagetiano, que tem como premissa que a criança ativa constrói seu próprio
conhecimento na interação com o meio – neste caso a língua escrita – passa por
estágios no processo de desenvolvimento. Ancoradas também em Chomsky, as
autoras acreditam em um dispositivo inato para a aquisição da linguagem,
generalizando-a para a aquisição da leitura, que seria aprendida tão
naturalmente quanto a fala.
Datada do final dos anos 1970, as autoras apresentam a pesquisa
descrevendo o processo de desenvolvimento das habilidades de escrita
percebidas em crianças de 4 a 6 anos (FERREIRO; TEBEROSKY, 1984), para
responder as seguintes questões: Quais as formas iniciais do conhecimento da
língua? Quais os processos de conceitualização do sujeito (ideias do sujeito +
realidade do objeto de conhecimento)? Como a criança chega a ser um leitor, no
sentido das formas terminais de domínio da base alfabética da língua escrita?,
uma vez que um grande número de crianças não aprendiam a ler e escrever na
escola, fato esse que, segundo as autoras, se daria em razão dos problemas
com o acesso e permanência na escola, resultando em “mais de um problema
de dimensões sociais do que da consequência de vontades individuais”
(FERREIRO; TEBEROSKY, 1984, p. 18), uma espécie de “expulsão encoberta”,
em que as desigualdades social e econômica refletem-se na desigualdade de
oportunidades educacionais.
Criticam a metodologia de ensino pois para além dos problemas sociais,
atribuiu-se o fracasso escolar à ineficácia dos métodos tradicionalmente usados,
baseados na conversão da letra escrita em sons da fala. O método sintético –
silábico ou fonético – foi considerado um dos grandes males do ensino da leitura.
AS FASES DE DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA

Tomaremos neste tópico o livro “Reflexões sobre alfabetização” publicado


por Emilia Ferreiro como referência. É importante ressaltar que a autora não
propõe um método de ensino, mas sim busca compreender como se dá o
processo de desenvolvimento da escrita pautada nos pressupostos
construtivistas.
A invenção da escrita foi um processo histórico de construção de um
sistema de representação, não um processo de codificação. Uma vez
construído, poder-se-ia pensar que o sistema de representação é aprendido
pelos novos usuários como um sistema de codificação. Entretanto, não é assim.
No caso dos dois sistemas envolvidos no início da escolarização - o sistema de
representação dos números e o sistema de representação da linguagem- as
dificuldades que as crianças enfrentam são dificuldades conceituais
semelhantes à da construção do sistema e por isso pode-se dizer, em ambos os
casos, que a criança reinvente esses sistemas. (FERREIRO, 2001, p. 12 e 13)
Do ponto de vista construtivo, a escrita infantil segue uma linha de
evolução surpreendentemente regular, através de diversos meios culturais, de
diversas situações educativas e de diversas línguas. Aí podem ser distinguidos
três grandes períodos no interior dos quais cabem múltiplas subdivisões: (Idem,
p.19)
 Distinção entre o modo de representação icônico e não-
icônico:
Neste período se conseguem distinção básicas que sustentarão as
construções subsequentes: a diferenciação entre as marcas
gráficas figurativas e as não figurativas. A distinção entre desenhar
e escrever é de fundamental importância. Ao desenhar se está no
domínio do icônico, as formas dos grafismos importam porque
reproduzem a forma dos objetos. Ao escrever se está fora do
icônico as formas dos grafismos não reproduzem a forma dos
objetos, nem sua ordenação espacial reproduz o contorno dos
mesmos. As crianças não inventam letras novas, reproduzem as já
em circulação.
 A construção de formas de diferenciação - controle
progressivo das variações sobre os eixos qualitativo e
quantitativo:
O segundo período se caracteriza pela busca de diferenciações
entre as escritas produzidas, precisamente para “dizer coisas
diferentes”. Começa então uma busca difícil e muito elaborada de
modos de diferenciação, que resultam ser interfigurais; as
condições de legibilidade intra-figurais se mantém, mas agora é
necessário criar modo sistemáticos de diferenciação entre uma
escrita e a seguinte precisamente para garantir a diferença de
interpretação que será atribuída. As crianças exploram então
critérios que lhes permitem, às vezes, variações sobre o eixo
quantitativo e às vezes sobre o eixo qualitativo. Nesse período a
criança começa a utilizar letras aleatoriamente para representar
palavras, utiliza um número de letras “aceitáveis” (geralmente no
mínimo três), dizemos então que ela se encontra no período pré-
silábico.

 Fonetização da escrita - que se inicia com o período silábico e


culmina no período alfabético:
Num terceiro período, a criança começa a descobrir que as partes
da escrita (suas letras), podem corresponder a outras tantas partes
da palavra escrita (suas sílabas). Sobre o eixo quantitativo, isso se
exprime na descoberta de que a quantidade de letras com que se
vai escrever uma palavra pode ter correspondência com a
quantidade de partes que se reconhece na emissão oral. Inicia-se
assim o período silábico. Nesse momento as letras podem
começar a adquirir valores sonoros relativamente estáveis, o que
leva a se estabelecer correspondência com o eixo qualitativo: as
partes sonoras semelhantes entre as palavras começam a se
exprimir por letras semelhantes e isto gera formas particulares de
conflitos. Tais conflitos encoraja a criança a desconstruir a hipótese
anterior e a iniciar um novo processo de construção, o período
silábico-alfabético. Ele marca a transição entre os esquemas
prévios em via de serem abandonados e os esquemas futuros em
vias de serem construídos. Quando a criança descobre que a
sílaba não pode ser considerada como uma unidade, mas que ela
é, por sua vez, reanalisável em elementos menores, ingressa no
último passo da compreensão do sistema socialmente
estabelecido, o alfabético e a partir daí descobre novos
problemas: pelo lado quantitativo, que se por um lado não basta
uma letra por sílaba, também não se pode estabelecer nenhuma
regularidade duplicando a quantidade de letras por sílaba e pelo
lado qualitativo no qual enfrentará os problemas ortográficos.
(Idem, p.19-27)

Nesse sentido, dentro dessas três grandes etapas estão compreendidas


as quatro hipóteses de escrita pontuadas por Ferreiro e Teberosky em seus
estudos da psicogênese da língua escrita, sendo elas a pré-silábica, silábica
(que pode ser sem valor ou com valor sonoro), silábico-alfabético e
alfabético.

SINTETIZANDO AS FASES/HIPÓTESES DE ESCRITA E PROPONDO


FORMAS DE INTERVENÇÃO E PROGRESSÃO POR MEIO DE ATIVIDADES

HIPÓTESE PRÉ-SILÁBICA

Características:
• Escrever e desenhar têm o mesmo significado;
• Não relaciona a escrita com a fala;
• Não diferencia letras de números;
• Reproduz traços típicos da escrita de forma desordenada;
• Acredita que coisas grandes têm um nome grande e coisas pequenas
têm nome um nome pequeno (realismo nominal);
• Usa as letras do nome para escrever tudo;
• Não aceita que seja possível escrever e ler com menos de três letras;
• Leitura global: Lê a palavra como um todo.

Conflitos vividos pela criança nesta etapa:


• Que sinais eu uso para escrever palavras?
• Conhecer o significado dos sinais escritos.

Avanços:
• Diferenciar o desenho da escrita;
• Perceber as letras e seus sons;
• Identificar e escrever o próprio nome;
• Identificar o nome dos colegas;
• Perceber que usamos letras em diferentes posições.

Atividades de intervenção:
• Desenhar e escrever o que desenhou;
• Usar, reconhecer e ler o nome em situações significativas: chamada,
marcar atividades, objetos, utilizá-lo em jogos, bilhetes, etc;
• Ter contato com diferentes portadores de textos;
• Frequentar a biblioteca, banca de jornais, etc;
• Conversar sobre a função da escrita;
• Utilizar letras móveis para pesquisar nomes, reproduzir o próprio nome
ou dos amigos;
• Bingo de letras;
• Produção oral de histórias;
• Escrita espontânea;
• Textos coletivos tendo o professor como escriba;
• Aumentar o repertório de letras;
• Leitura dos nomes das crianças da classe, quando isto for significativo;
• Comparar e relacionar palavras;
• Produzir textos de forma não convencional;
• Identificar personagens conhecidos a partir de seus nomes, ou escrever
seus nomes de acordo com sua possibilidade;
• Recitar textos memorizados: parlendas, poemas, músicas, etc;
• Atividades em que seja preciso reconhecer e completar a letra inicial e a
letra final;
• Escrita de listas em que isto tenha significado: listar o que usamos na
hora do lanche, o que tem numa festa de aniversário, etc.

HIPÓTESE SILÁBICA

Características:
• Para cada fonema, usa uma letra para representá-lo;
• Pode, ou não, atribuir valor sonoro à letra;
• Pode usar muitas letras para escrever e ao fazer a leitura, apontar uma
letra para cada fonema;
• Ao escrever frases, pode usar uma letra para cada palavra.

Conflitos vividos pela criança:


• A escrita está vinculada à pronúncia das partes da palavra?
• Como ajustar a escrita à fala?
• Qual a quantidade mínima de letras necessárias para se escrever?

Avanços:
• Atribuir valor sonoro às letras;
• Aceitar que não é preciso muitas letras para se escrever, apenas o
necessário para representar a fala;

Atividades de intervenção:
• Todas as atividades do nível anterior;
• Comparar e relacionar escritas de palavras diversas;
• Escrever pequenos textos memorizados (parlendas, poemas, músicas,
trava-línguas…);
• Completar palavras com letras para evidenciar seu som: camelo =
c__m__l__ ou __a__e__o.
• Relacionar personagens a partir do nome escrito;
• Relacionar figura às palavras, através do reconhecimento da letra inicial;
• Ter contato com a escrita convencional em atividades significativas:
reconhecer letras em um pequeno texto conhecido;
• Leitura de textos conhecidos;
• Relacionar textos memorizados com sua grafia;
• Cruzadinha;
• Caça-palavras;
• Completar lacunas em textos e palavras;
• Construir um dicionário ilustrado, desde que o tema seja significativo;
• Evidenciar rimas entre as palavras;
• Usar o alfabeto móvel para escritas significativas;
• Jogos variados para associar o desenho e seu nome;
• Colocar letras em ordem alfabética;
• Contar a quantidade de palavras de uma frase.

HIPÓTESE SILÁBICA-ALFABÉTICA

Características:
• Compreende que a escrita representa os sons da fala;
• Percebe a necessidade de mais de uma letra para a maioria das sílabas;
• Reconhece o som das letras;
• Pode dar ênfase a escrita do som só das vogais ou só das consoantes
bola= AO ou BL;
• Atribui o valor do fonema em algumas letras: cabelo= kblo.

Conflitos vividos pela criança nesta etapa:


• Como fazer a escrita dela ser lida por outras pessoas?
• Como separar as palavras na escrita se isto não acontece na fala?
• Como adequar a escrita à quantidade mínima de caracteres?

Avanços:
• Usar mais de uma letra para representar o fonema quando necessário;
• Atribuir o valor sonoro das letras.

Atividades de intervenção:
• As mesmas do nível anterior;
• Separar as palavras de um texto memorizado;
• Generalizar os conhecimentos para escrever palavras que não conhece:
associar o GA do nome de GABRIELA para escrever garota, gaveta…;
• Ditado de palavras conhecidas;
• Produzir pequenos textos;
• Reescrever histórias.

HIPÓTESE ALFABÉTICA

Características:
• Compreende a função social da escrita: comunicação;
• Conhece o valor sonoro de todas ou quase todas as letras;
• Apresenta estabilidade na escrita das palavras;
• Compreende que cada letra corresponde aos menores valores sonoros
da sílaba;
• Procura adequar a escrita à fala;
• Faz leitura com ou sem imagem;
• Inicia preocupação com as questões ortográficas;
• Separa as palavras quando escreve frases;
• Produz textos de forma convencional.

Conflitos vividos pela criança nesta etapa:


• Por que escrevemos de uma forma e falamos de outra?
• Como distinguir letras, sílabas e frases?
• Como aprender as convenções da língua escrita?

Avanços:
• Preocupação com as questões ortográficas e textuais (parágrafo e
pontuação);
• Usar a letra cursiva.

Atividades de intervenção:
• Todas as anteriores;
• Leituras diversas;
• Escrita de listas de palavras que apresentem as mesmas regularidades
ortográficas em momentos em que isto seja significativo;
• Atividades a partir de um texto: leitura, localização de palavras ou frases,
ordenar o texto;
Jogos diversos com bingo de letras e palavras, forca…

Referência Bibliográficas

FERREIRO, Emília; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto


Alegre: Artes Médicas,1984.

FERREIRO, Emília. Reflexões sobre alfabetização. São Paulo: Cortez, 2001.

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