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Análise Psicológica (1987).

4 (V): 499-508

Evolução das conceptualizações


infantis sobre a escrita

MARGARIDA ALVES MARTINS (*)


ANTONIO QUINTAS MENDES (*)

I O nosso objectivo é, para além de des-


crever as formas como a criança vai for-
A história da escrita na criança começa mando ideias, pondo hipóteses, desenvol-
muito antes da entrada para a escola. Como vendo conceptualizações sucessivas sobre a
afirmou Vigotsky «A aprendizagem escolar escrita, pôr em evidência os factores que
nunca parte do zero. Toda a aprendizagem facilitam a transição entre os vários mo-
da criança na escola tem uma pré-história)) mentos dessa psicogenése.
(Vigotsky, 1977, p. 39).
Este princípio, reconhecido por muitos
autores em relação a diversus tipos de I1
conhecimento, só muito raramente o foi
nu que respeita h aprendizagem da escrita. E. Ferreiro e Teberosky estudaram a
Se é certo que a criança não se pode apro- evolução da escrita infantil, através da
priar sozinha, de uma forma espontânea, criação e exploração de várias s i t u a ç k de
de um objecto cultural tão complexo como escrita: pedindo h criança que escrevesse
é a escrita, não é no entanto p í v e l des- o seu nome ou o nome de algum amigo
prezar o papel activo que desde muito cedo, ou membro da família; contrastando situa-
antes da entrada para a escola, desempenha ções de desenho com situações de escrita;
na apropriação desse saber; e s a aprapria- pedindo4he que escrevesse palavras mais
ção passa por uma reconstrução pr6pria e familiares ou menos habituais e solicitan-
criativa e não apenas pela imitação de mo- do-lhe seguidamente que lesse o que tinha
delos adultos i m p t o s do exterior. escrito.
'I-. assim que neste trabalho e na linha de Naturalmente que não esperavam da
investigações como as de Vigotsky (1978), criança uma escrita ((correcta))dessas pala-
Luria (1983), D. Graves (1979), E. Ferreiro vras mas antes (como ela acha que se es-
e A. Teberosky (1980), analisamos a evolu- creve)) 'tal ou tal palavra, procurando per-
ção das conceptalizações infantis sobre a ceber o modo como a criança «manipula»
escrita, prévias & instrução formal. os signos gráficos e quais as representações
cognitivas sobre a escrita que estão subja-
(*> Docentes do ISPA. centes a essas manipulações.

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Puderam assim distinguir cinco níveis silábica, conflito este que se manifesta na
evolutivos que vão desde uma relativa indi- escrita de palavras mono- e bissilábicas.
ferenciação entre escrita e desenho, até às Este conflito por um lado e o conflito
correspondências alfabéticas texto/som. entre as formas gráficas que o meio propõe
Num primeiro nível a ((intenção subjec- e a sua leitura em termos de hipótese siiá-
tiva do autor» parece contar mais do que bica por outro, levam a criança a descobrir
as diferenças objectivas da escrita. Escritas a necessidade de fazer uma análise da p l a -
iguais podem reenviar para significados di- vra oral que vai mais além da sílaba -surge
ferentes e escritas diferentes para o mesmo assim aquilo a que chamam de hipótese
significado. alfabética. As crianças neste quarto nível
tentam fazer a correspondência entre gra-
Existe uma certa indiferenciação entre
femas e fonemas.
escrita e desenho sendo a primeira em geral
Finalmente num último nível a escrita é
considerada como legenda representando o
já claramente alfabética iniciandese os
nome do objecto desenhado. Alguns crité-
problemas de ortografia.
rios orientam no entanto a produção escrita:
Segundo estes autores, as crianças dos
a exigência de um número mínimo de letras
quatro aos seis anos, passariam sucessiva-
para a escrita de cada palavra (variável
mente por estes cinco níveis evolutivos.
para cada criança mas situando-se em mé-
dia nas três letras) e a exigência da varie-
dade de grafemas (as letras em cada pala-
I11
vra não podem ser repetidamente as mes-
mas).
Na linha destes trabalhos e utilizando
Por outro lado, podem aparecer a este
nível tentativas de correspondências figurais
-
uma metodologia semelhante situação de
entrevista individual de tipo Piagetiano -
entre a escrita e o referente -os nomes dos propusemos a quinze crianças entre 05 4 e os
objectos maiclrres são escritos com mais 6 anos que escrevessem uma série de pala-
letras ou letras maiores do que os nomes vras ((como tu sabes)), «como fores capaz)))
de objectos mais pequenos. É o que os au- que permitissem evidenciar as várias hipó-
tores chamam de hip6tese quantitativa do teses cmceptuais sobre a escrita.
referente. As palavras foram escolhidas em função
Num segundo nível, para ler coisas dife- de alguns critérios prévios -interessava-nos
rentes a criança exige que haja diferenças um material que suscitasse conflito na
objectivas nas escritas; as diferenças de criança e que pudesse evidenciar as suas
significado são assim expressas, dado o do- hipóteses conceptuais dominantes.
mínio ainda limitado das várias letras do Assim pedimos-lhes que escrevessem «bor-
alfabeto, por meio de variações de posição boleta» / «elefante», «fclrmiga»/ «comboio»,
das letras na ordem linear. pares de palavras com igual número de síla-
Num terceiro nível a criança trabalha bas cada, reenviando para referentes de
pela primeira vez claramente com a hipó- de tamanho claramente diferente, no sentido
tese de que a escrita representa partes sono- de confrontarmos a hipjtese quantitativa do
ras da fala. A cada grafia corresponde uma referente com a higtese da semelhança
síiaba oral. É aquilo a que chamam de hipó- conceptual (((coisas da mesma família)) es-
tese silábica. crevem-se de modo semelhante); «pé»,«sol»,
Existe a este nível um conflito entre as «casa», palavras mono e bissilábicas, de
exigências referidas no primeiro nível (quan- modo a evidenciar a forma como as crian-
tidade mínima de grafemas) e a hipótese ças resolvem o conflito entre a hipótese da

soo
quantidade mínima de letras e a hipótese Passaremos em seguida a caracterizar
silábica. cada um destes momentos evolutivos, ilus-
Estas situações de escrita eram interca- trando-os através de alguns exemplos.
ladas com outras em que pedíamos a criança
que nos dissesse o que queria que escrevês- 1. A ESCRITA COMO ACTIVIDADE
semos, perguntando-lhe (situação particular- GR AFO-PERCEPTIV A
mrnte interessante nc caso de palavras
mono e bissilábicas) quantas letras devía- O único critério que parece guiar a acti-
mos utilizar. Pretendíamos nestas situações vidade gráfica neste primeiro mcmeiib evo-
que a criança pensasse primeiro na lingua- lutivo é um critério1 perceptivo.
gem oral e posteriormente na escrita. A criança não está ainda a representar
um significante mas antes a «desenhar a
IV palavra)) ou a imagem visual que tcni de
palavra.
Não iremos analisar neste artigo as rela- Algumas investigações (E. Ferreiro e
ções entre escrita e desenho mas apenas A. Teberosky, 1980) demonstraram que a
as produções em que a criança aceita es- criança começa por encontrar alguns cri-
crever independentemente de qualquer su- térios para a produção da escrita ou para
porte figurativo. a leitura de um texto: uin dos critério's
Não pretendemos também definir fases definidores da palavra escrita parece ser
ou estádios da evolução da escrita mas sim um número mínimo de letras, o outro a
pôr em evidência os momentos evolutivos variedade de grafemas.
que julgamos mais importantes neste pro- Julgamos que estas exigências definidoras
cesso de apropriação da escrita. daquilo que serve ou não para ler, daquilo
O primeiro comentário que se nos ofe- que é ou não uma palavra escrita, tem ori-
rece aliás fazer é o de que nccs foi extre- gem num conhecimento de tipo figurativo -
mamente difícil situar cada uma das crian- a partir do seu contacto com múltiplos tex-
ças numa fase ou nível evolutivo. Com tos e palavras a criança constr&i uma ima-
efeito, cada criança dava respostas que se gem perceptivo/visual da palavra escrita,
poderiam incluir em níveis diferentes, con- abstraindo as suas características perceptivas
soante o tipo de situação que lhe era pro- mais salientes.
posto. 12 assim que, num primeiro momento, as
Parece-nos no entanto possível isolar a crianças utilizam um número mais ou me-
hipótese conceptual dominante de cada nos constante de grafemas para representar
uma, o que constituiu critério da sua inclu- as diversas palavras, não havendo qualquer
são num ou noutro nível evolutivo. critério (quer relacicjnado com o referente
A análise dos dados obtidos permitiu-nos quer com a linguagem) para determinar o
distinguir três grandes momentos evoluti- número de letras a serem escritas, havendo
vos: um primeiro, em que a escrita é essen- no entanto sempre uma variação na ordem
cialmente uma actividade grafeperceptiva; linear dos grafemas. A leitura dessas pala-
um momento intermédio, em que a escrita vras é global, constitui apenas um rótulo
é já uma actividade representativa apesar que a criança a g e a escrita: é a repetição
de não reenviar ainda para a linguagem mas oral da palavra que lhe pedimos para escre-
antes para algumas das propriedades do re- ver e não uma tentativa de relacionar o
ferente; um terceiro, em que a produção texto com o sem.
da escrita começa a ser guiada e controlada Os exemplos que se seguem (Fig. 1 e
por critérios linguísticos. Fig. 2) são ilustrativos deste tipo de escrita.

50 1
C:

a
q-4
F 0% O
Q Fig. 1 -Sílvia (6;O)

Fig. 2 - Tiago (4;l I )

502
Independentemente do tamanho das pa- priedades do referente (tamanho por ex.)
lavras que lhes pedimos para escrever quer e não ainda 0s. sons da linguagem.
Tiago, quer Sílvia, utilizam um número mais Respostas deste tipo são intermédias en-
ou menos constante de grafemas -cinco1 tre as descritas no ponto anterior e as que
no caso de Tiago, dois no caso de Sílvia. denotam a emergência de critérios linguís-
No entanto há sempre variações na ordem ticm.
linear o que parece indicar que estas crian- Com efeito, a escrita nestas crianças deixa
de ser uma actividade puramente gráfica
ças têm plena consciência de que não 3e
guiada por critérios perceptivos, para passar
podem escrever palavras diferentes com os a ser uma actividade representativa, apesar
mesmcs signos gráficos. da criança não considerar ainda que ela
Não encontrámos na nossa população representa a linguagem.
crianças que produzissem escritas iguais para É interessante salientar que só encontrá-
representar significados diferentes. mos respostas deste tipo a prop6sito de pala-
vras que reenviam para referentes «da mes-
ma família)). Na nossa população, a hipótese
2. A HIPÓTESE QUANTITATIVA quantitativa do referente aparece assim
DO REFERENTE conjugada com a ((hipótese da semelhança
conceptual)).
Incluímos neste nível as crianças que O exemplo apresentado na Fig. 3 é ilus-
representam na escrita algumas das pro- trativo deste tipo de resposta;

-7 i"
-
.. . .----------

Fig. 3 - Tiago (4;9)

503
«csa.po))escreve-se com letras maiores do que QORO K;q
((sapinho)) porque, diz Tiago (4;9), «se é
sapinho tem de se escrever com letras pe- lI
L .U* *aQ Ir

queninas, se é sapo tem de se escrever com


letras grandes porque sapos são grandes e I 1 I-- - - i
os sapinhos são pequenina)). No entanto
nos pares «borbleta))/((elefante» ou «for-
miga»/«comboion cada nome era escrito
independentemente do outro não tendo apa-
recido qualquer justificação no sentido de
relacionar a escrita com o tamanho do refe-
rente.

3. EMERGÊNCIA DO CRITÉRIO guntámos-lhe quantas letras deveríamos


LINGUÍSTICO
utilizar ao que, dizendo «cã-o», respondeu
Enquanto que nos níveis anteriores a duas.
escrita não reenviava para a linguagem, Pedimos-lhe então que escrevesse ele, ao
agora ccmeçam a emergir critérios linguís- que respondeu escrevendo TI e lendo sila-
ticos que orientam a produção escrita. bicamente &-o». O mesmo se passou rela-
No entanto, até que se estabeleça uma tivamente a palavra «sol»que escreveu com
relação clara e estável entre texto e som, três letras.
o critério linguístico entra em conflito com Nesta situação, em que o obrigámw a
outros critérios, nomeadamente o grafa- pensar primeiro na linguagem antes de es-
-perceptivo. Num primeiro momento este crever, aceita escrever uma palavra monos-
último predomina sobre aquele, para poste- silábica com apenas duas letras mas, curio-
riormente esta relação se inverter. Uma samente, vai escrever «sol» logo na conti-
vez estabelecida a predominância do critério nuação de «cão» o que não aconteceu na
linguístico, a relação entre texto e som escrita de outras palavras que constituem
começa por ser de tipo silábico (a um gra- unidades bem separadas no espaço.
fema corresponde uma sílaba no oral) e s6 No exemplo da Fig. 5 pedimos ao Nuno
posteriormente passa a ser de tipo alfabé- (6;O) que escreva «pé», ao que ele responde
tico. escrevendo PI e parando em seguida. Per-
guntámos-lhe se já está, ao que ele responde
a) Conflitos entre o critério grafo-perceptivo
e o critério linguístico: predominância
do critério grafeperceptivo

O exemplo que apresentamos na Fig. 4


mostra claramente de que modo a criança
começa a defrontar-se com dois critérios
que se tornam opostos: por um lado o cri-
tério grafo-perceptivo, por outro o critério
linguístico. ____._.- --- --------- _..

Perguntámos ao Pedro (5;l) o que queria


que nós escrevêssemos ao que ele respondeu
«cão». Antes de escrevermos a palavra per- Fig. 5 - Nuno (6;O)

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«Não, duas letras não dá quase para nada» do critério linguístico -a hipótese silá-
e acrescenta depois mais três letras. bica
b) Conffitosentre o critério lingzústico e o No exemplo da Fig. 6 encontramos res-
critério grafo-perceptivo; predominância postas típicas de uma criança que se situa
na fase da ((hipótese silábica)).
O número de grafemas utilizados para
R U I MIGUEL ( 6 ; 1) escrever uma palavra corresponde ao nú-
mero de sílabas encontradas no enunciado

Fig. 6

505
oral. Tal s6 não acontece quando a «hipó- Se nos detivermos no exemplo da escrita
tese silábica)) entra em conflito com a «hi- de «sol», verificamos que o critério grafo-
pótese da quantidade mínima de grafemas)), -perceptivo entra em contradição com o
mas é nítido que o critério orientador para critério linguístico -há conflito nítido entre
a produção da escrita é predominantemente a hipótese silábica e o facto de não se poder
o critério linguístico. ler com uma só letra. Assim quando pedi-
Antes de começar a escrever o Rui Mi- mos ao Rui Miguel que escreva «sol» ele
guel começa sempre por procurar oralmente escreve EA; quando lhe perguntamos como
os sons da palavra e aqueles que encontra se lê1 ele soletra «sde» apontando sucessi-
são as sílabas: «bo-bde-ta»; «i-le-fan-te», vamente o E e o A, quando lhe pergunta-
etc. Esta busca silábica coincide com a busca mos como se diz, ele responde «sol» sem
de correspondências entre os sons da pala- soletrar; quando lhe voltamos a pedir que
vra e as letras que conhece e que exprimem leia, de novo diz a palavra como se fosse
esse som. Quando escreve «borboleta», sole- um bissílabo. A leitura parece ser uma jus-
tra as sílabas e escreve o como primeira tificação «a posteriori)) da escrita produ-
letra. Na escrita de «casa» diz: ((casa, então zida.
a primeira letra é A»; escreve A e lê «CA».
Parece que a representação da vogal a c) A hipótese alfabética
é suficiente para representar a sílaba na sua
O exemplo da Fig. 7 reenvia já para uma
totalidade. Posto que esse é o único fonema
relação clara de tipo alfabético entre texto
que consegue isolar e produzir por si só será
e som: a um grafema corresponde um som
apenas esse o som representado grafica-
elementar da palavra oral.
mente ainda que na leitura consoante e
A escrita é de tipo fonético defrontan-
vogal sejam lidas em conjunto. Apesar de,
d e s e a criança agora com os problemas da
do ponto; de vista quantitativo a relação
existente nestes exemplos ser a da hipótese ortografia.
silábica (um grafema para uma sílaba) em
V
termos qualitativos julgamos encontrar a Diremos em conclusão que a escrita da
conciliação dessa hipótese com a alfabética. criança começa por ser uma tentativa de

Fig. 7-Susunu (6;O)

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representação da imagem que ela tem da consequentemente de conflito cognitivo pro-
palavra escrita e não uma tentativa de re- duzido, obtínhamos róspostas que poderiam
presentação dum significado ou conteúdo reenviar para vários níveis de desenvolvi-
r ef er encia1. Trata-se essencialmente duma mento. Em diversas situações de interacção,
actividade gráfica orientada por critérios tivemos oportunidade de observar, que 2 i
perceptivos. A leitura é então uma nomea- medida que íamos questionando a criança,
ção «a posteriori)) da escrita produzida. ela ia evoluindo nas suas respostas pois
Numa fase intermédia a escrita é já uma essas questões obrigavam-na a pensar, re-
actividade representativa, ainda que o cri- pensar, explicitar ou reformular as suas
tério linguístico não controle a sua produ- próprias conceptualizações.
ção. Parece sim, que a escrita é guiada por Estes aspectos, não evidenciados por
um critério conceptuaí-é aquilo a que E. Ferreiro e A. Tebermky são de impor-
chamámos de hipótese quantitativa do re- tância fulcral pois, se na própria situação
ferente; só posteriormente, se dá a emer- experimental a criança está a evoluir e a
gência do critério linguístico {que começa aprender, podemos concluir que em situa-
a manifestar-se com a hipótese silábica e ções deste tipo não estamos apenas a avaliar
.
mais tarde com a hipótese alfabética) quan- o seu desenvolvimento «espontâneo», mas
do a criança começa a compreender que se antes a observar (e a contribuir para) o
podem desenhar não sb as coisas ou algu- seu próprio processo de desenvolvimento/
mas das suas propriedades, mas também a /aprendizagem.
fala. O critério linguístico não se impõe no Como avaliar então o desenvolvimento da
entanto de imediato pois entra em constante criança? Pensamos que se devem procurar
conflito com o critério grafo-percsptivo. as. condições mais favoráveis e tomar as
O fundamental porém, é que a reflexão melhores respostas de cada criança como
sobre a linguagem precede agora a produ- índice das suas possibilidades e do seu nível
ção da escrita, ainda que por vezes o crité- de desenvolvimento. Com efeito, se uma
rio linguístico seja abandonado para dar determinada criança nas condições de estí-
lugar a escrita de palavras cuja imagem vi- mulo e de situação mais favoráveis conse-
sual corresponda a que a criança tem daquilo gue, por exemplo, chegar a segmentação
que se pode ler (caso da escrita dos mona- silábica do enunciado e relacioná-lo com o
sílabos). texto escrito, ao passa que outra criança
Uma vez o critério linguístico definitiva- nas mesmas condições não o consegue fazer,
mente instalado, começam a surgir OS con- então podemm com toda a certeza afirmar
flitos entre a hipótese silábica e a hipótese que a primeira se encontra mais avançada
alfabética. Na verdade, esta escrita corres- nas suas mnceptualizações que a última.
ponde a uma fase fonética, pois a criança Esta opção enquadra-se nas teorizações
pretende representar directamente os sons de Vigotsky (1977) sobre a «zona de desen-
(fones) e é a partir desse momento que volvimento potencial)). Este autor com efei-
começam a surgir os problemas da orto- to, distingue o «nível de desenvolvimento
grafia. efectivo)) {o que a criança consegue fazer
Pensamos ser este o percurso geral do sozinha) e a «zona de desenvolvimento po-
desenvolvimento da escrita em crianças de tencial)) (o que a criança consegue fazer
idade pré-escolar. com o auxílio dos outros e, acrescentaría-
Referimos no entanto anteriormente que mos nós, colm as condições materiais mais
nos foi difícil situar cada uma das crian- favoráveis).
ças numa fase ou nível evolutivo, já que, Parece-nos que esta perspectiva é mais
consoante o tipo de material utilizado e adequada realidade do desenvolvimento,

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permitindo dar conta da grande variedade BIBLIOGRAFIA
e heterogeneidade das respostas duma mes- FERREIRO, E.; TEBEROSKY, A. (1980) -
ma criança perante vários materiais e ao Los sistemas de escritura en e1 desarrollo de1
nino, 2.' ed., Siglo Vintiuno Editores, México.
longo duma situação de interacção com o GRAVES, D. H. (1979) - aLet children show
experimentador. Assim, na nossa perspec- us how to help them to write», in Visible
tiva, quando estamos a observar uma criança Lunguage, vol. 13, n." 1, pp. 1-15.
LURIA, A. R. (1983)-«The development of
não estamos unicamente a avaliar o que written in the child» in Psychology of Writ-
«está lá» na mente da criança (as suas won- ten Lunguage. Developmental and Educatio-
ceptualizações espontâneas))), mas também nal Perspectives, Margaret Martlew (Ed.),
John Wiley .& Sons, pp. 237-277.
aquilo que a criança elabora e constrói ao VIGOTSKY, L. S. (1977) - ((Aprendizagem. e
interagir connmo. Estamos não só a ava- desenvolvimento na idade escolar* in Luria,
liar o seu ((nível de desenvolvimento efec- Leontiev, Vigotsky e outros: Psicologia e
Pedagogia -I , Editorial Estampa, Lisboa.
tivo» mas também a agir sobre a sua ((zona VIGOTSKY, L. S. (1978)-Mind in society,
de desenvolvimento potencial)). Harvard University Press.

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