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Universidade Federal de Uberlândia

Graduação em História
Disciplina: História e Religiões
Docente: Prof. Dr. Gustavo de Souza Oliveira
Discente: Julia Gabrielle Trigueiro Araújo
Matrícula: 11811HIS211
Prova II

Questão:
“A relação entre história, religião e cultura é hoje tão umbilical que dificilmente podemos
imaginar a história religiosa abstraída do campo da história cultural.” (BENATTE, 2014, p.
63)
Com base na bibliografia debatida em nosso curso, disserte sobre as diferenças entre a
fenomenologia e a história cultural das religiões.

Com o intuito de discutir acerca das diferenças presentes entre a fenomenologia e a


história cultural das religiões serão utilizados como recurso teórico os textos de Elaine
Moreira Silva, Rudolf Otto, Mircea Eliade e Antônio Paulo Benatte. Ao expor as ideias
centrais dos autores destacados será possível compreender as principais características e
divergências presentes nas duas correntes teóricas em relação ao estudo das religiões.
De acordo com Elaine Moura Silva em seu texto Religião: da fenomenologia à
História, as contribuições da História Cultural para o estudo das religiões foi responsável por
ampliar discussões por meio do enaltecimento da religião enquanto um produto cultural
historicamente determinado, que por sua vez, apresenta de acordo com a sociedade em que
está inserida, diferentes manifestações e contextos, portanto, a história cultural tenderia a
destacar a variedade de fenômenos religiosos compreendendo os aspectos culturais inerentes
a cada situação histórica. Em contrapartida, a fenomenologia das religiões, como será
possível compreender com o auxílio dos textos de Rudolf Otto e Mircea Eliade, tende a
abordar os fenômenos religiosos por meio das experiências, as manifestações do sagrado
reveladas através das hierofanias, e a compreensão da religião enquanto um sistema absoluto,
essencial e enquanto uma característica universal humana.
Ao dissertar acerca dos aspectos racionalizáveis da religião, Rudolf Otto esclarece que
os conceitos que definem a manifestação religiosa revelam-se de maneira clara e nítida,
podendo, portanto, serem apreendidos por meio da ciência, dessa forma, a divindade seria
expressa por meio da linguagem de forma racional através de conceitos, todavia, o autor
repreende que o conceito de racionalismo seja oposto ao conceito de religião, para Otto, a
interpretação de que o racionalismo tenderia a negar os aspectos milagrosos de uma
manifestação religiosa seria um equívoco, uma vez que, identificar o sagrado seria
impossível, já que a religião não se esgotaria nos conceitos racionais, além do mais, o sagrado
não seria mensurável ou pronunciável, o que não implica que seus aspectos sagrados são
opostos ao racionalismo, e sim, que não são absorvidos por meio deste: “Convidamos o leitor
a evocar um momento de forte excitação religiosa, caracterizada o menos possível por
elementos não religiosos. Solicita-se que quem não possa fazê-lo ou não experimente tais
momentos não continue lendo. Pois quem conseguir lembrar-se das suas sensações que
experimentou na puberdade, de prisão de ventre ou de sentimentos sociais, mas não de
sentimentos especificamente religiosos, com tal pessoa é difícil fazer ciência da religião.
(OTTO, 2017, p.40).
O autor evoca o termo “numinoso”, uma expressão capaz de mencionar um aspecto
presente em todas as religiões e que, de acordo com sua perspectiva, é um estado psíquico
absoluto, experienciado por todos os homens religiosos, indescritível e irracionalizável,
todavia, discutível. Diante disso, com o intuito de destacar os aspectos do numinoso e iniciar
a sua ciência da religião, Otto discorre acerca do sentimento de criatura experienciado pelos
homens de fé, ou o sentimento de dependência, como reflexos do numinoso, ou seja, os
sentimentos vivenciados são para o autor, como uma sombra do numinoso, a autopercepção
das sensações arrepiantes, avassaladoras, o sentimento de pequenez e de criatura fornecem
pistas do que é o numinoso, todavia, não o esgotam, pois o mesmo não é apreensível por
meio de conceitos. “Como ele é irracional, ou seja, não pode ser explicitado em conceitos,
somente poderá ser indicado pela reação especial de sentimento desencadeado na psique:
"Sua natureza é do tipo que arrebata e move uma psique humana com tal e tal sentimento."
Esse sentimento específico precisamos tentar sugerir pela descrição de sentimentos afins
correspondentes ou contrastantes, bem como mediante expressões simbólicas.” (OTTO,
2017, p.43).
Em suma, é possível identificar aspectos da fenomenologia presentes no estudo de
Rudolf Otto, como a busca do autor em abordar a religião de uma forma universal, ao
destacar o numinoso como uma característica intrínseca a todas as manifestações, além do
esforço em descrever aspectos do numinoso por meio de experiências e sensações. Adiante,
ao dissertar acerca do texto de Mircea Eliade, O Sagrado e o Profano será possível destacar
mais aspectos inerentes a fenomenologia das religiões.
Ao dissertar acerca do texto de Mircea Eliade, é imprescindível compreender que o
autor objetiva complementar as suposições de Rudolf Otto partindo da análise das
modalidades da experiência religiosa, apresentando a totalidade e complexidade do fenômeno
sagrado, diferentemente de Otto, como algo apreensível e racionalizável através das
hierofanias. “O homem ocidental moderno experimenta um certo mal-estar diante de
inúmeras formas de manifestações do sagrado: é difícil para ele aceitar que, para certos seres
humanos, o sagrado possa manifestar-se em pedras ou árvores, por exemplo. Mas como não
tardaremos a ver, não se trata de uma veneração da pedra como pedra, de um culto da árvore
como árvore” (ELIADE, 2016, pp. 17-18). Diante do exposto, para o autor a pedra ou árvore
para determinadas culturas comportam-se como hierofanias, ou seja, manifestações do
sagrado no mundo profano, todavia, o autor destaca o paradoxo das hierofanias, uma vez que
o objeto, mesmo enquanto revelador do sagrado, não abandona sua forma profana, logo, a
pedra, mesmo que cultuada por determinada religião enquanto sagrada, não deixa de ser
apenas uma pedra para aqueles que não experienciam o fenômeno religioso.
Adiante, para iniciar um debate que irá intencionar traçar um contraponto entre
fenomenologia das religiões e história cultural das religiões, será destacado o esforço de
Mircea Eliade em debruçar-se sobre o estudo e definição das hierofanias, como apontado pelo
próprio autor: “Mas, para o nosso propósito, é mais importante salientar as notas específicas
da experiência religiosa do que mostrar suas múltiplas variações e as diferenças ocasionadas
pela história.” (ELIADE, 2016, p. 21). Em suma, para a fenomenologia, compreender a
estrutura e morfologia do sagrado, suas manifestações, e apreender a religião por meio das
experiências enquanto um fenômeno universal e absoluto é um exercício primordial e mais
relevante do que debruçar-se sobre as variações culturais contextuais e históricas das
religiões.
Adiante, com o intuito de abordar algumas características inerentes a história cultural
das religiões, será apresentado o texto A História Cultural das Religiões: Contribuição a um
debate Historiográfico de Antônio Paulo Benatte. Após a virada cultural ao final do século
XX, novas perspectivas no campo teórico e metodológico das ciências sociais e
antropológicas foram responsáveis por promover uma renovação das temáticas nos estudos
das religiões, bem como a delimitação de novos objetos pertinentes para o estudo e a
compreensão do tema. Ademais, para Benatte, é de extrema relevância abandonar conceitos
cujo intuito são de hierarquizar as religiões, além de adotar conceitos que não tornem o
estudo das religiões em um campo homogeneizado e excludente: “(...) como conceber e
escrever uma história que respeite a especificidade da experiência religiosa sem empobrecê-la
nem reduzi-la a epifenômeno de uma ou outra realidade tomada a priori como mais
abrangente e determinante?" (BENATTE, 2014, p.60). Diante disso, o autor demonstra sua
preocupação em identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma
determinada realidade social construiu seus fenômenos religiosos.
Outro fator relevante que impulsionou o surgimento da história cultural das religiões
foram os avanços das ciências sociais de maneira geral, a antropologia ao pensar nas crenças
e práticas como elementos constituídos culturalmente, torna possível tal interpretação
também no campo do estudo das religiões. “De modo geral, essa mudança de concepção
propiciou a emergência e a afirmação de uma história cultural do religioso. Vingou o
entendimento de que as experiências religiosas exprimem se por meio de símbolos e que,
para compreender o significado de um símbolo, é necessário conhecer a cultura que o criou
historicamente, em situações sociais concretas, em determinado tempo e lugar. A história
cultural obteve, assim, as condições de afrontar todas as posições que tomam a religião como
um objeto histórico naturalizado, ou, o que dá no mesmo, enquanto uma constante transitória
ou uma dimensão supra-histórica da realidade.” (BENATTE, 2014, p.65).
Em suma, como foi possível observar por meio da análise dos textos de Rudolf Otto e
Mircea Eliade, podemos definir como aspectos relevantes para a fenomenologia das religiões
a elevação das experiências, das vivências e das manifestações do sagrado, onde o foco dos
estudos se revela como a preocupação em delimitar, compreender e definir tais experiências
em detrimento das variações culturais e históricas de cada religião e suas particularidades.
Por outro lado, com o auxílio do texto de Antônio Paulo Benatte é possível compreender que
a história cultural das religiões se ocupa justamente em compreender tais particularidades
culturais e históricas, entendendo a religião como um produto culturalmente determinado, o
que possibilitou o estudo das religiões por meio de novas perspectivas e novos objetos de
estudo, abandonando conceitos homogeneizadores, hierárquicos e limitantes.

Bibliografia
BENATTE, Antônio Paulo. A História Cultural das Religiões: contribuições
a um debate historiográfico. In. ALMEIDA, Néri de Barros; SILVA, Eliane Moura
da. (Orgs). Missão e Pregação: a comunicação religiosa entre a História da Igreja
e a História das Religiões. São Paulo: FAP-UNIFESP, 2014, p. 59-79.
ELIADE, M. Aproximações: estrutura e morfologia do sagrado. In: ELIADE,
M. Tratado de História das religiões. São Paulo: Martins Fontes, 2016, p. 7-38.
ELIADE, M. O Sagrado e o Profano: A Essência das Religiões. São Paulo: Martins
Fontes, 2018, p.15-23.
OTTO, Rudolf. O sagrado. Aspectos irracionais na noção do divino e sua relação com o
racional. Petrópolis, RJ: Vozes, 2017, p. 33-63.
SILVA, Eliane Moura da. Religião: da fenomenologia à História. In. SILVA, Eliane
Moura da; BELLOTTI, Karina Kosicki; CAMPOS, Leonildo Silveira (Org.). Religião e
Sociedade na América Latina. São Bernardo do Campo: Editora Umesp, 2010. P.
11-15.

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