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Da norma da conversação ao detalhe da conversação

Philippe Lacadée1
Tradução: Ana Lydia Santiago e
Renata Nunes Vasconcelos

Da norma da conversação ao detalhe da Conversação é o titulo da jornada do


CIEN em Buenos Aires onde apresentamos este trabalho. Esta jornada que reagrupou mais
de trezentas participantes permitiu entender os resultados de diferentes laboratórios da
Europa e da América Latina.
Agora depois de dois anos em Bourdeaux, o laboratório de pesquisa do CIEN,
intitulado A aposta na conversação, composto de várias equipes interdisciplinares,
regularmente, vai visitar crianças e adolescentes nos seus lugares onde eles passam a maior
parte da vida deles, ou seja, a escola. Estes encontros permanecem fora da norma, são não
estandartizados, apesar de uma pratica certa da conversação de parte das equipes que
participam. Desses encontros, nenhum se parece com outro, mas cada um é outro, abre-se
uma via inusitada, sempre nova. Duas classes de maternal, uma classe do colégio da
periferia, três classes do liceu do centro da cidade se engajaram neste trabalho deste ano, ou
seja, se engajaram numa aventura, sendo determinante o fato de três idades de três grupos
da conversação. Logo mais examinaremos os fundamentos interdisciplinares que orientam
nossa prática de conversação na escola antes de considerar os resultados.

1. Os fundamentos de nossa prática de conversação

1.1 A tarefa da escola segundo Freud

Freud já havia constatado que, pelo fato de não proporcionar a vontade de viver, o
liceu não preencheria sua função, não ofereceria sempre a seus alunos uma sustentação, um
ponto de apoio necessário a uma época da vida onde eles são obrigados a estender suas
relações a casa dos pais e aos familiares. Para ele, em vários pontos, a escola hipnotizava

1
LACADEÉ, Philippe, MONIER, Françoise (orgs). Le pari de la conversation. Institut du
Champs Freudien: CIEN Centre interdisciplinaire su l´Enfant. Paris, 1999/2000. brochure
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por sua função normativa identificadora, permanecendo aquém dessa tarefa, que é a de
oferecer um substituto da família e de despertar para cada sujeito um interesse pela vida
exterior para o mundo.
A instituição para Freud, enquanto ela é estruturada como uma linguagem, vem se
substituir ao real colocada em jogo pelo traumatismo do mal entendido do nascimento,
como diz Lacan. Ela oferece a construção de uma ficção necessária e o encontro de um
saber sobre os quais a criança pode se apoiar para dar conta de uma perda crucial de gozo
no lugar da linguagem.
Na manutenção dessa função, Freud vai fazer um comum dever, um dever
interdisciplinar, aos professores e aos psicanalistas: "A escola não deve reivindicar por sua
conta o inexorabilidade da vida, ela não deve querer ser mais do que um jogo de vida” .
Projeto sempre inédito para a escola é esse de se colocar no jogo da vida de um
sujeito, lá onde, muito cedo atualmente a vida parece de uma maneira tal um jogo de uma
maneira tal, que a inibição escolar lhe oferece sempre a via do fracasso ou da exclusão,
porta de entrada no mundo da segregação. Freud indica que a escola tem que suportar um
certo mal entendido. É a partir deste mal entendido que um laboratório do CIEN toma in
situ sua função e pode operar, estabelecendo uma prática da conversação. Para isso, nós nos
orientamos em Freud que propunha introduzir uma necessária elaboração clinica ligada a
uma fonte ética, fazendo uso do traço subjetivo particular a cada criança contra o ideal da
norma, tal que ele aparece mais freqüentemente em um detalhe da língua ou do
comportamento, enquanto ele é para cada um, acordeão de seu fantasma, — acrescentando
como diz Lacan , " o gozo ao lugar central na historia das comunidades". Subverter a norma
ideal identificatória pela relação particular de cada um a questão do objeto pulsional em
jogo do fato de sua inscrição na linguagem, eis a subversão freudiana.
Freud abre assim como conseqüência do laço lógico que se estabelecerá entre a
unificação do ideal e a pulsão de morte. Ele não aceitou que o sujeito deve aceder a cultura
para entrar no rangue, e que seria a solução pedagógica. Ele indica ao contrario, uma
solução que supõe o tempo necessário, tempo lógico, próprio de cada um, para que se
desenlace a relação que cada um entretém com o inexorável. Ele propõe a introdução de
uma dimensão ética, como Hegel, mas, a ele se interessa a elaboração clinica.
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1.2 A escola em Hegel: o agir ético


Para Hegel, a escola apresenta uma situação ética particular para o homem na qual
ele passa grande parte do dia e recebe uma formação particular. Situada entre a família e o
mundo afetivo, ela mediatiza a passagem desta a outra. Na sua família, a criança vale por
isso que ela é: uma criança. Ela beneficia sem saber a tais méritos, de amor e de respeito de
seus pais, da mesma forma que suporta a cólera sem saber direito, como a ele se opor. Na
escola a criança vale pelo o que ela faz: seu valor e seu mérito. O que vale na escola é (mais
além do que ela é) o que ela faz , o que ela consegue realizar. Na escola, a atividade da
criança torna-se objetiva. Ela se afasta do capricho e do acaso por um instante para seguir
regras segundo uma lógica universal. Nesta nova comunidade de discurso, a criança de
aprender a se conduzir, levando em consideração os outros, a se confiar nas pessoas que lhe
são estranhas e adquirir a confiança em si mesmas.
Meio termo entre a família e a sociedade efetiva. A escola aparece marcada por uma
contradição. "E neste contexto que começa daí em diante para o homem, diz Hegel, a
existência dupla, na qual sua vida em geral vai acabar de quebrando...". Ele encontra lá
um lado dele que não é determinado pela simples vida familiar, assim como um modo de
existência próprio de deveres particulares.
Pela contradição salutar que ela desenvolve entre a unidade imediata familiar e do
universal e do particular, e pela oposição libertadora desses dois termos, a escola oferece ao
individuo um "afrontamento fecundo do negativo". É este afrontamento fecundo do
negativo que é o motor da prática de conversação do laboratório do CIEN. Para Hegel, a
escola, pela cultura formal e a formação cientifica que oferece, permite o que ele chama de
"agir ético".

1.3 Freud e a clinica do detalhe


Freud liga a dimensão ética à clinica do detalhe — é isto mesmo o coração da escola
— a partir da consideração para o pequeno homem, da pulsão, do objeto, do gozo e não a
partir das identificação e do ideal normativo. Para Freud não se trata de criticar o liceu2 e
sua organização mais de tentar extrair por meio da conversação, a dimensão subjetiva, o

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Liceu na organização da escola francesa poderíamos considerar o ensino médio no caso
brasileiro freqüentado por jovens de 15 a 18 anos.
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fato subjetivo, evidenciando que, através do aluno, há um sujeito preso, segundo as


referencias das estruturas que nos fornece Jacque Lacan, as fixações de gozo ligadas a um
objeto pulsional ou a um significante (sumoïque) que não para de confrontá-lo a uma lógica
paradoxal.não se pode negar ao sujeito a escolha paradoxal a esta fixação pela relação a sua
verdadeira necessidade espontânea que é de " tornar-se grande" como dizia Hegel.
Para Freud "a escola não deve jamais esquecer que ela está diante de indivíduos
ainda imaturo aos quais não pode ser delegado o direito de atrasar em alguns estágios,
mesmos os mais desagradáveis de desenvolvimento".

1.4 Separar-se de si mesmo: tornar-se grande


Como não dizer da palavra sobre o texto de Freud de 1914 sobre a psicologia do
liceu, que assinala a importância para a criança de seu primeiro olhar sobre o mundo
cultural e de seu primeiro contato com as ciências. Ele mesmo teve muito cedo, o
pressentimento de uma tarefa, que não se esboçaria inicialmente, a não ser numa voz baixa,
até que ele pudesse recobri-la de palavras sonoras: "trazer na minha vida uma contribuição
ao saber humano". Para Hegel o ensino científico exerce o sentido das relações e é uma
constante passagem opera "na avaliação do singular ao centro dos pontos de vista
universais". A formação cientifica tem um efeito sobre o espírito que permite ao sujeito de
se separar dele mesmo, de estar em outro nível fora de sua existência imediata, da esfera ser
liberdade de sentimento do impulso, e de se instalar no domínio do pensamento.

1.5 O lugar da enunciação


A esperança reside sempre no elemento de novidade que cada criança trás consigo.
Parte da esperança e da ilusão que lhe fazem partilhar, sabendo acolher e lhe dando seu
lugar. Saber acolher é dar-lhe um lugar onde ela poderá ter a possibilidade de entrar num
discurso, em uma tomada de enunciação. É lhe dar a palavra a partir do que ela é, a partir
de sua singularidade e a partir da novidade que ele traz consigo. A prática da conversação
oferece uma chance de discurso a cada um.
Nós destruiremos tudo, diz Hannah Arendit, se tentarmos canalizar esse "elemento
novo” para decidir, nós os antigos, o que a criança será. A tese de Hannah Arendt se situa
no que ela chama de conservadorismo no mesmo sentido de conservação.
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“É para preservar o que é novo e revolucionário em cada criança que a


educação deve ser conservadora: ela deve proteger esta novidade e
introduzir como um elemento novo num mundo já velho”.

A verdadeira novidade da educação moderna, dizia ela em 1954, tem a ver com a
crise da autoridade na educação, ligada ela mesma com a crise da tradução, ou seja, a crise
de nossa atitude em direção a tudo o que toca o passado. Esta crise deixa numa posição
ruim o educador, aos quais cabe-lhes fazer o laço entre o antigo e o novo.

1.6 Uma clínica em extensão: o detalhe obtido pela prática da conversação


Nós encontramos junto a Hannah Arendt, Hegel e Freud, os principais fundamentos
teóricos que orientam nosso trabalho no laboratório de pesquisa do CIEN. Eles nos
engajaram a preservar o que é novo e revolucionário em cada criança, segundo uma clinica
do detalhe para uma prática de conversação.
Nossas conversações com as crianças visam simplesmente atingir a particularidade
de cada sujeito por meio da conversação com muitos, para além da norma desejada pela
conservação da escola. Trata-se de fazer querer um Outro ao qual o adolescente tem que se
haver, este Outro da linguagem que só pode surgir do conhecimento do particular. E no
mais particular de cada um, apreendido pelo detalhe de sua enunciação que se situa o
Outro. Para nos psicanalistas, é no sintoma do mais particular que encontramos o
significante do Outro. É estando próximo do outro que podemos aprender seu sintoma, sua
dimensão sintomática, e a designá-la como sendo a mais distante. E falando a língua do
outro, daquele a quem se endereça, e falando a língua da comunidade, a “língua da
paróquia" que podemos distinguir a particularidade.
A psicanálise nos ensina que o sintoma é antes de tudo um modo de gozo para o
sujeito, mas, sobretudo, como nos fala Eric Laurent, o sintoma e o sujeito se segregam um
ao outro, pois não há nenhum sentido comum aos diversos tipos de sintoma. É necessário
então, inventá-lo. Nos inventamos de atualizar e contextualizar uma pratica de conversação
sobre o sintoma. Nos inventamos fazer os sujeitos da conversação, o sujeito dos quais
falamos sobre as crianças, sem lhes dar a palavra e tomando-as como objeto de estudo
sociológico e outros, tornam-se sujeitos em conversação. Nós inventamos de fazer os
sujeitos da conversação, os sujeitos dos quais falamos. Objetos de estudo dos sociólogos e
outros sem lhes dar a palavra tornando-os sujeitos de conversação. Uma prática de
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conversação é um atrativo lá onde, mais freqüentemente a conservação de um discurso


como modo de laço social desse campo da educação ou da cidade é falha, ou até mesmo
totalmente ausente.
O interesse dessas conversações é de permitir a cada sujeito de encontrar uma parte
do nome para seu sintoma da dificuldade escolar, da dificuldade de existência, se deu
sofrimento. A conversação é fundada pela aprendizagem por meio da palavra do ponto de
real em jogo para cada sujeito. O endereçamento ao Outro, pelo exercício da prática da
conversação, se inventa uma modalidade de resposta inédita que o CIEN soube fazer valer
e revelar a recepção de sua autenticidade.
Uma prática de conversação é um atrativo lá onde, mais freqüentemente, a
conservação de um discurso como modo de laço social neste campo da educação ou na
cidade, é falha, ou até mesmo totalmente ausente. (Acho que aqui talvez pudéssemos
escrever assim: uma prática de conversação é um atrativo lá onde, mais freqüentemente, a
conservação de um discurso como modo de laço social, é falha, ou, até mesmo totalmente
ausente, seja na educação ou na cidade.)
Nos aprendemos a atualização disso que é a escola antiga, escola de aprendizagem
pela experiência da formalização dessa experiência. A escola então se funda, no um por um,
pela aprendizagem da conversação que abre, de acréscimo, o real próprio de cada um. Nos
encontramos a escola como "situação ética particular" como nos dizia Hegel.
Educar, segundo Polybe era simplesmente "fazer valer o que você é totalmente
digno de seus ancestrais". Nesta tarefa o educador deve ser, como propõe Hannah Arendt
um "parceiro no trabalho" e um "parceiro de discussão" .
O CIEN, pela sua concepção de laboratório interdisciplinar, introduziu a prática.
Uma prática nova, inédita para a psicanálise. Onde havia antes posições sintomáticas ou
práticas de rupturas, o CIEN, formou uma prática social. Por isto, foi necessário
inicialmente reconquistar os diferentes lugares onde se situa o adolescente, para em
seguida, estabelecer uma crença, uma fidelidade ao sintoma, pela via da conversação.
O CIEN tornou operatório uma conexão, um laço, onde era cada vez mais evidente
os jovens ficarem num lugar de curto circuito na relação com o Outro culminando numa
prática de ruptura, de exclusão, medo de segregação.
Como operar sobre as práticas onde ocorrer a ruptura do Outro e evidenciam o
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individualismo moderno que tornam difícil a inscrição numa comunidade? Como operar
sobre as práticas de gozo particular a partir de corpo vivo? Como agarrar o gozo, o rela do
corpo, com a palavra?
Os trabalhos do laboratório mostram a importância do momento que chamam os
adolescentes hoje. Os adolescentes os mostram, de forma espetacular e provocante, os
traços de uma mudança de paradigma, a passagem da era industrial a era da informática.
Eles nos mostram, sobretudo as soluções inéditas que eles tem inventado para viver num
mundo onde o Outro não existe, dentro da globalização, da ruptura de ideais, de
esmagamento do eixo vertical das identificações, tempo de fim do homem moderno ou pós-
industrial. Os laboratórios permitem aprender em que consiste a experiência desses jovens.

2. Os resultados obtidos
Nós desejamos até aqui colocar em evidencia os temas maiores que foram extraídos
das conversações que nós tivemos com as crianças, os laços escolares, onde nós nos
encontramos. Cada tema merece um maior desenvolvimento. Nós vamos simplesmente
indicar algumas pistas de reflexão depois de dois anos de trabalho nos laboratórios do
CIEN.

2.1 A posição irônica em relação ao saber


Qual é a utilidade do saber escolar que não pertence como um saber autêntico, pois
estão muito longe da realidade, veiculados nos livros que não são mais do que objetos
agalmaticos? Este saber é aquele dos antigos e ele não corresponde ao que esses jovens
dizem viver. A leitura é para eles uma perda de tempo, ele não se inscreve no emprego de
seu tempo onde as coisas devem se fazer rapidamente, espontaneamente, e ao feeling.
Para que serve aprender? Esta questão veio ritmar nossos encontros, e ela foi
respondida: se não sabemos para que serve aprender, então a gente não pode estar certo
que a ignorância é inútil. Em seguindo, falando da "língua da igreja", nós acompanhamos
os textos dos Rappers que fazem muita referência ao saber dos velhos, especialmente
Stomy Bugsy3, que nos diz que "o saber é uma arma na vida" .

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Cantor de hip hop francês. Filho de imigrantes de Cabo Verde, desde criança manifestou
problemas com a autoridade em geral. Hoje escreve musicas com esses temas.
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2.2 O debate sobre a autoridade e a responsabilidade

Em uma conversação com uma classe de quarto serie terminando os estudos, a


respeito das dificuldades dos alunos com seus professores, nós fizemos um debate
apaixonante sobre as diferenças entre autoridade autentica e autoridade autoritária e
autoridade natural.
Em relação às crianças, a autoridade é uma outra maneira de designar o que
chamamos de responsabilidade. O que chamamos de responsabilidade é a implicação do
sujeito na questão da autoridade. O que estes adolescentes ditos rebeldes, indisciplinados,
chamaram como autoridade autentica falando de um professor que eles apreciavam e
respeitavam no curso. Os filósofos nos dizem também, que a autoridade autentica é a
autoridade que somente se exerce sobre as liberdades. Ela é distante da autoridade
autoritária, pois essa conduz os alunos a serem desordeiros diante os professores e um deles
que, acreditando fazer bem, se apresentou no primeiro dia, numa posição de recusa,
anunciando que não estava lá para bancar o policial.
Esta autoridade é colocada mal na época do Outro que não existe.
"Evitemos todo mal-entendido, diz Hannah Arendt: parece-me
que o conservadorismo, tomado no sentido de conservação, é a essência
mesma da educação, cuja tarefa é sempre abrigar e proteger alguma coisa
— a criança contra o mundo, o mundo contra a criança, o novo contra o
velho, o velho contra o novo. Mesmo a responsabilidade ampla pelo
mundo que é ai assumida implica, é claro, uma atitude conservadora. Mas
isso permanece válido apenas no âmbito da educação, ou melhor, nas
relações entre adultos e crianças, e não no âmbito da política, onde agimos
em meio a adultos e com iguais" . (2005, p. 242)

Eric Laurent precisava que esse conservadorismo está ligado ao conservadorismo do


discurso da educação na instituição que lhe é proposta. Ele só é possível se o conjunto dos
discursos é levado em consideração por uma instância coletiva que lhes garanta. Mas grave,
constatava Hannah Arendt é que a autoridade foi abolida pelos adultos e isso somente pode
significar que os adultos recusam em assumir a responsabilidade pelo mundo no qual tem
lugar a criança. E recusando em assumir a responsabilidade o adulto se exprimir de maneira
insidiosa, mas, clara para a criança. Seu descontentamento em relação ao mundo e seu
desprezo pelas curiosidades que elas são — ou seja "você deve fazer o melhor para sair das
situações. De toda maneira você não deve nos contar ou nos pedir. Nós somos inocentes,
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nós lavamos nossas mãos em relação ao destino de vocês". Ele atribui aos pais o
consentimento como grande pessoa e não de tratar suas crianças como adultos. A
autoridade autêntica é a possibilidade de ter influencia sobre alguém porque dizemos coisas
que fazem interpretação para ele, que isso lhe dá a impressão que, atrás disso, você conhece
uma luz. Essa transmissão orienta as crianças na direção de um “saber e fazer”. Eles vão,
então, procurar o saber no Outro. Como nos dizia uma jovem: "Ser professor é uma grande
responsabilidade. A criança é que constrói a pessoa que se tornará mais tarde. É uma
pesada tarefa quando se tem que construir tantas pequenas pessoas. Isso contribui
enormemente a aprendizagem da construção da pessoa, pois eles sabem e fazem" .

2.3 A modernidade técnica e o declínio da função paterna

O pai hoje aparece sempre na posição de exceção, ele aparece sempre nas
conversações no lugar dos objetos de consumo reduzido, no lugar de um objeto inútil. Isso
é contemporâneo do declino de sua autoridade autêntica, fundamento da função paterna. O
pai não é mais este modelo, esta exceção demonstra como ele sabe fazer com a vida, com o
gozo, com a mulher. Ele foi substituído pela modernidade técnica (é em todo caso o
diagnóstico de nossas conversações) que condensa os ideais e apaga o respeito à autoridade.
Nós constatamos neste o efeito que representa a exigência de respeito do adolescente que
não acha mais o ideal para localizar sua questão e seu ser de onde ele se veria, por ele
mesmo, digno de ser amado, e até amar.

2.4 A solidão do sonho

Noção bem moderna, não é mais a solidão como queixa, depressão, mas ela
concerne a falta do ser. Ela é colocada em evidencia pelas conseqüências do encontro com
a não relação sexual, atualizada quando do despertar do desejo sexual que se encontra
sempre, como tinha precisado Lacan, a partir do sonho. As conversações revelaram a
importância do sonho para os adolescentes no ponto de enigma onde eles tinham
dificuldade a realizar a parte da causalidade subjetiva que lhes incumbe. Os sonhos vieram
ocupar um lugar preponderante mostrando que, “se entre o homem e a mulher há o amor,
entre o homem e amor há o muro da linguagem" (Lacan), há o sonho entre o adolescente e
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o Outro. Todos estão preocupados com os sonhos premonitórios de encontro, pelos


fenômenos sobrenaturais. Isto vem no lugar do que fracassa nos seus encontros com o
Outro.
O muro da linguagem consiste para eles na dificuldade em poder formular seu ser e
sua relação com o Outro. É uma solidão de estrutura para desempenhar um papel, fingindo
trazer soluções. Entretanto compreendemos melhor que os muros tornaram-se o laço onde
eles tentam inscrever o indizível e o inominável de seu ser - como nos ensinará Futura
2000, o jovem homem do Bronx que inventou o grafite.

2.5 A demanda do respeito


É uma demanda que nós encontramos presente em todos estes jovens tanto na escola
quanto nos textos dos Rappers. Ela é ligada como nos o vimos, no declínio da função
paterna. O respeito é da ordem da reciprocidade, é numa ampla medida se nós respeitamos
o outro. Não é sem esperar um retorno do respeito.
Em reação a l’ effilochement o laço do amor e do respeito tecido o período de
respeito nas estruturas familiares, a seguir aquele da função paterna, o pedido de respeito
tornou-se relevante nestes jovens. Eles testemunharam por aí as suas dificuldades em alojar
seu ser e a situar sua relação com o outro, a considerar o gozo que aí esta em jogo.
O respeito é um dos nomes da relação com o Outro; é respeitar no Outro outra coisa
que sua imagem, respeitar sua diferença, são incomparáveis. É em cada criança, respeitar
assim o elemento de novidade, é a dizer do real em jogo que, como tal, é sempre um novo
vindo. O momento da puberdade, com a realizatuação do real, é esta parte de estranheza
para ele mesmo; que introduziu para cada adolescente, o confronto a sua diferença que ele
tem dificuldades em administrar e até mesmo a respeitar porque ele não sabe conceber um
saber-fazer já ai por ele mesmo.

2.6 As identificações das turmas


Nós notamos igualmente o perigo de uma identificação ao “todos iguais" devido ao
declínio da função paterna que cumpre a função de modelo e de exceção provocando um
efeito de segregação. Hoje, o adolescente rima para uma parte com a segregação. Assim,
antes que preferencialmente, em relação à doutrina, em Bourdeux, um laboratório do CIEN
escolheu encontrar diretamente os jovens das cidades e dos subúrbios e propondo-lhes uma
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pratica de conversação. Ao final de um tempo, sobre essa proposição de nos falar de suas
rimas e seus ritmos — o movimento Hip-Hop — nós criamos com eles o laboratório
Linguagem e Segregação, para falar dos problemas de violências entre turmas. Este
laboratório é em seguida, transformado em outro, Linguagem e Civilização, que se debruça
sobre o Hip-Hop como resposta inventada a diferentes problemas.
Há, por meio do Hip-Hop, a constituição de uma língua que permite ao adolescente
de hoje obter sua invenção no dizer, sua invenção de ser, para uma prática de palavra
inédita que não existia antes: o Rap. É uma invenção precisa de alojar seu ser na língua e de
colocar sua voz aí para uma prática de enunciação que constrói um tipo de linguagem
particular. É uma língua fecunda que permite a definição de uma comunidade. Na França,
isto contribuiu para um alargamento da linguagem e renovando a tradição do francês
popular. Esta linguagem foi também o grande veículo e o instrumento de uma integração
fundamental. Graças ao movimento Hip-Hop, os adolescentes da cidade souberam criar,
inventaram uma sociedade civil na qual, eles podem viver civilizadamente numa civilidade
digna e respeitosa, humana e fraterna (daí o titulo de nosso laboratório Linguagem e
civilização). O Hip-Hop impulsiona a estabilização de uma língua e a integração de práticas
de expressão aí onde antes havia práticas de rupturas, de exclusão e de rejeição.
Os significantes de reconhecimento desta comunidade construíram um modo
original de linguagem onde, traços políticos e traços de gozo vêm se fundar em um insigne:
DJ ( Disc Jockey) ou MC (mestre de cerimônia). O grafite, o Rap servem de ponte de união
a toda juventude em mal de identificações. O Rap, para muitos, instaura um ponto de
ancoragem, como eu já tinha demonstrado num trabalho para um colóquio sobre violência
infantil em Curitiba4. Um ponto de identificação que Lacan chama um significante mestre
— Eu faço Rap, por isso existo — que lhe serve de apoio.
A vista do CIEN é ter uma relação direta com os SI que estes jovens souberam criar
e de entrar em conversação com ele. O Rap é então uma prática de discurso objetivando um
modo de tratamento do gozo. Ele implica um SI irredutível, e um SI que da o contexto no
qual o significante mestre se aplica.

4
Sobre a linguagem, um equivalente do ato, publicado na Lettre mensuelle, n º 178
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2.7 O detalhe de uma criação linguajeira


O laboratório do CIEN não funciona a partir de uma língua expurgada como
desejaria faze-lo, os discursos escolares e o universitário. Nós não estamos na época do
bom uso da linguagem que mudaria as formas divergentes da invenção sintomática. A
prática do discurso na escola como ilustra muito bem o Rap que, ele se inventou na escola e
na rua, mostra uma invenção sintomática que põe em evidência uma clínica do sintoma na
língua. Não se trata de praticar a censura, mas de ensaiar por uma prática da conversação,
de pôr em evidência que a palavra do aluno, como aquela do Rapper, permite a cada sujeito
dizer o que é nomeável e inominável pelo uso do próprio que faz da língua e da
comunidade.
Por isso, os laboratórios do CIEN ensaiaram manter um lugar vazio para evitar usar
as identificações sociais segregativas, e para que cada um, ou um por um, possa conseguir
uma verdadeira distinção do que ele é.
Estes jovens que sejam (da cite ou alunos terminais) nos fizeram partilhar da criação
de uma língua nova. Se a língua ajuda a definir uma cultura, ela fornece igualmente o laço
essencial que une todos numa comunidade. O Rap é uma das formas de expressão das mais
naturais, das mais autênticas que se possa obter. Ele enraíza no que Francis Ponge chamava
a “raiva da expressão". Enquanto poesia falada, o Rap é uma forma de arte da rua pela qual
o adolescente hoje compreende sua vida. Através do olhar dos jovens moços e moças
negros apoiado pelo ritmo da rua, o Rap (toma consciência) da vida com tanta intensidade e
brilho quanto uma fotografia, e com tanta precisão que não importa qual tipo de
reportagem. Cultura oral privada mesmo que coletiva, ela é uma relação estreita com a
escritura: em suas rimas e ritmos alguma coisa não cessa de escrever.
Isto que a sociedade dominante percebe sempre como gíria, na realidade uma língua
sabiamente codificada no interior da língua, e aquele que não é familiarizado com a cultura
negra, aquele que não é do grupo, tem muita dificuldade em compreender. Esta aí, toda
uma série de problemas.
O Rap é um modo vida, ele é uma expressão dos jovens negros que falam
diretamente aos negros, e de um ponto de vista negro. Servindo-se da língua idiomática
sempre, imutável da rua, ele captura e encarna a cultura negra contemporânea, sem
semelhança. “É um pouco como um modo de vida”, diz o Rapper Daniel K. Dubois. É uma
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cultura, então olhem-nos. Vocês vêem quem é e como nós somos. E nossa maneira de nos
vestir, nossa maneira de falar, e nosso ser de espírito, são as coisas que nos fazemos. É
assim que nós podemos comunicar. “O estilo livre é a expressão de uma poesia em
movimento. É um modo de vida estruturando uma comunidade, uma fraternidade fundada
sobre um modo de gozo particular e não mais sobre os significantes idéias. É uma maneira
particular, muito precisa, de atar o gozo do corpo vivo à palavra”.
Para concluir, nós diremos que se trata de uma prática de conexões, de atar
r(entrelaçar) entre os corpos e a palavra. Os momentos da conversação nos mostram
segundo eles, as modalidades de resposta que eles inventam, a esperança, e até o fermento
novo que eles sabem encontrar ai onde o pior os esperava, isto é, lá onde se realiza uma
grande proximidade com o real do fato e a conseqüência ultima do Outro que não existe e
do declínio da função paterna. Eles inventam pela poesia, pela escritura, uma nova prática
de discurso, lhes permitindo, a partir de seu lugar de descrédito, de repulsa, de recuperar o
respeito. Esta demanda de respeito, que é a demanda real do adolescente de hoje,
testemunha de preocupação de uma certa dignidade para “ fazer bem com o pior” como o
disse bem, Amadou Ba, um jovem adolescente da rua em Dakar. Mas também do desejo
por um discurso, uma escrita de se inscrever num laço ao Outro, a fim de ser reconhecido.
Na minha intervenção, portanto, seguramente longa demais, o detalhe ficou detalhe,
porque dar o detalhe das conversações, isto fizeram uma brochura que eu vou convido a
comprar e depois a ler. Vocês aí encontrarão sob o duplo titulo A aposta na conversação e a
Escola da conversação, o menu de todas as conversações das quais o CIEN se fez parceiro
ano passado nas diferentes escolar de Bourdeaux.

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