Você está na página 1de 18

Inês Miranda | Universidade dos Açores

UNIVERSIDADE DOS AÇORES


FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA, FILOSOFIA E ARTES
CURSO DE HISTÓRIA
2022-2023 (S1)

DISCIPLINA DE HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS

ENSAIO

POCAHONTAS:

A Romantização da sua História

INÊS DE FREITAS MIRANDA

Nº 2021111508

PONTA DELGADA

20 DE DEZEMBRO DE 2022
Inês Miranda | Universidade dos Açores

Índice

Introdução ............................................................................................................................. 3

1. Ficha técnica do filme “Pocahontas”........................................................................... 4

2. Contexto da época em que se passa o filme ................................................................ 5

3. Resumo do Filme ........................................................................................................... 6

4. Personagens ................................................................................................................... 8

4.1 Pocahontas................................................................................................................... 8

4.2 John Smith ............................................................................................................... 9

5. O que é a Romantização e quais os seus aspetos negativos? ............................... 10

6. Quem era a verdadeira Pocahontas? ........................................................................ 12

7. A grande problemática com “Pocahontas” .............................................................. 13

Conclusão ............................................................................................................................ 15

Bibliografia ......................................................................................................................... 16

Anexos ................................................................................................................................. 17
Inês Miranda | Universidade dos Açores

Resumo

O trabalho ao todo está organizado em sete capítulos, além da introdução e da conclusão do


tema. O primeiro capítulo diz respeito à ficha técnica do filme: quando ele foi realizado, qual
o seu género e quem são os responsáveis pelo mesmo, enquanto no capítulo segundo é
explicado o contexto da época que o filme promete retratar, na vida real. No terceiro capítulo,
será abordado o resumo do filme, ou seja, diz o que este se trata. No quarto capítulo, estará
explícito quem são as principais personagens do filme. Já no quinto capítulo, estará a definição
de romantização, os aspetos negativos da mesma e de como esta se aplica no filme
“Pocahontas”. No sexto capítulo, estará presente uma pequena bibliografia sobre a pessoa que
foi a inspiração para a personagem Pocahontas e de como foi a sua verdadeira história. No
capítulo sétimo, estará expresso o motivo pelo qual o filme não é uma boa representação sobre
os costumes e tradições dos nativos americanos e de como a companhia Disney ignorou o
pedido da Nação da Pocahontas de participar na realização do filme. Por fim, no final deste
trabalho, está exposto os anexos imagens referentes ao tema.

Palavras-chave: Pocahontas, Estados Unidos da América, Nativismo; Romantização

Introdução

O presente trabalho tem como objeto de estudo o filme “Pocahontas”. Foi realizado no âmbito
da disciplina de História dos Estados Unidos, no ano letivo de 2022/2023, no primeiro semestre
do 2º ano da licenciatura em História na Universidade dos Açores.

O objetivo desse trabalho é perceber de como forma o filme de animação da Disney


“Pocahontas” é importante para o contexto da História dos Estados Unidos, expondo os fatores
positivos e negativos do mesmo numa visão crítica sendo, assim, um trabalho de interpretação
e de contextualização. É uma forma de mostrar que até mesmo as animações infantis fazem
parte da História e é uma forma de educar as gerações mais novas sobre outros pontos de vista
que não o seu próprio. Além de que, embora o filme por si só não transmita essa ideia, é uma
forma de lembrar que havia muito mais pessoas além dos ingleses que faziam e fazem parte da
História dos Estados Unidos. Apesar de não ser uma das melhores representações sobre o
assunto, fazendo parte de uma grande companhia como a Disney, o filme dá visibilidade à
existência dos nativos americanos.
Inês Miranda | Universidade dos Açores

1. Ficha técnica do filme “Pocahontas”

Nome do filme: “Pocahontas”

Ano de estreia: 1995;

Género: Drama romântico-musical;

Duração: 81 minutos

Classificação: L - Livre para todos os públicos

Diretores: Mike Gabriel e Eric Goldberg;

Produtores: Baker Bloodworth e James Pentecost

Guião: Carl Binder, Andrew Chapman. Susannah Grant, Philip LaZebnik

História: Tab Murphy

Editor: H. Lee Peterson

Diretor de Arte: Mike Giamo

Supervisor de Layout: Rasoul Azadani

Supervisor de Storyboard: Tom Sito

Supervisor de Efeitos Visuais: Don Paul

Canções: Alan Menken

Letrista: Stephen Schwartz

Trilha Sonora Incidental: Alan Menken

Orquestrador: Danny Troob

Sinopse: “Pocahontas é filha do chefe da tribo. Quando os colonizadores ingleses chegam, ela
se apaixona por John Smith. Mas os nativos não querem os ingleses levando suas riquezas e
começam um conflito que somente o amor de Pocahontas e Smith pode apaziguar.”

É um filme animado norte-americano, que está sob os direitos da Walt Disney Feature
Animation e venceu os Óscares de 1996 nas categorias de melhor canção origina e melhor
trilha sonora original.
Inês Miranda | Universidade dos Açores

2. Contexto da época em que se passa o filme

Na Inglaterra, estava a haver perseguições religiosas após a reforma protestante, além de haver
um cercamento dos campos, ou seja, as terras que eram livres, passaram a ser privadas, e os
camponeses que nelas moravam tiveram de sair, originando assim um êxodo rural, fazendo
com que as cidades ficassem cheias.

Foram realizadas as primeiras expedições inglesas para a América do Norte, cerca de 1584 e
1587, mas a mais importante das expedições foi a de Mayflower, que tinham um navio com o
mesmo nome, em 1620. Vários puritanos saíram das terras inglesas e foram para a América,
que na altura era sinónimo de esperança por uma vida melhor. Entre eles, não estavam apenas
homens, como também órfãos e mulheres que eram vistas sem futuro. Os que se encontravam
na embarcação de Mayflower são conhecidos como os “pais peregrinos”.

No caso da Pocahontas, a história se insere antes do Mayflower. Tanto na história como na


realidade, ela faz parte daquilo que conhecemos hoje como o estado da Virgínia, que foi a
primeira área, daquilo a que viria a ser os Estados Unidos da América, a ser colonizada pelos
britânicos. Foi em 13 de maio de 1607 que três pequenos navios ingleses se aproximaram de
Jamestown e assim se deu um passo na busca da Inglaterra por um lugar no vasto Novo Mundo.
Está registado que o corpo governante da Colônia da Virgínia era composto por sete
conselheiros: Edward Maria Wingfield, Bartholomew Gosnold e Christopher Newport, sendo
estes dois marinheiros experientes e capitães; John Ratcliffe, que pilotou o Discovery para a
Virgínia; John Martin, um comandante, John Smith, um aventureiro experiente e George
Kendall, um primo de Sir Edwin Sandys, que mais tarde desempenharia um papel dominante
na Companhia de Virgínia. (HATCH, 1949)

Isto é um fator importante, porque mostra que as figuras de John Smith e John Ratcliffe
realmente existiram e havendo registros disso é possível as comparar com as que estão no filme.
Existe mesmo uma estátua de John Smith, feita por William Couper, que fica perto da Igreja
Velha Torre, em Jamestown.

“The first Virginians landed in May 1607, built houses


and a fort, planted crops, and began the struggle for the
conquest of a vast primitive land. They brought with them
their church and respect for God, maintained trial by jury
and their rights as freemen, and soon were developing
Inês Miranda | Universidade dos Açores

representative government. All of these things are a part


of the story of Jamestown. (HATCH, 1949, pág. 1)

A história de Pocahontas conta, apesar de este não ser o principal foco do filme, que é o
romance entre John Smith e Pocahontas, a história dessa primeira tentativa dos colonos
britânicos assentarem no “Novo Mundo”.

3. Resumo do Filme

O filme ocorre em 1607, quando o Susan Constantino, um navio, faz uma viagem de Londres
para o Novo Mundo, ou seja, para o continente americano transportando colonos ingleses da
Companha de Virgínia, que curiosamente já foi mencionada anteriormente. Os colonos,
incluindo o capitão John Smith, aquele por quem a protagonista se apaixona, sobre encontrar
ouro, que era a grande razão pela qual estava lá. Também falam sobre lutar contra os "índios",
chamados assim porque quando Cristóvão Colombo “descobriu” a América, ele achava que
estava em direção à Índia pelo Ocidente, ao contrário dos portugueses que tentavam alcançar a
terra tentando contornar o continente africano, e quando chegou à América, acreditou que as
pessoas que tinham visto era nascida na Índia, o que relevou ser mentira. Além do ouro e da
possível luta contra os nativos americanos, também mencionam o facto de poderem
potencialmente se estabelecer na nova terra.

A outra protagonista da história é, sem surpresa alguma, a personagem que dá o nome ao filme:
Pocahontas, da tribo Powhatan em Werowocomoco, Tsenacommacah, Virgínia, filha do Chefe
Powhatan. Esta teme a possibilidade de se casar com Kocoum, um guerreiro que ela considera
sério demais para sua personalidade de espírito livre. Pocahontas acaba por visitar a Vovó
Willow, um salgueiro falante espiritual que a alerta sobre a chegada dos ingleses.

John Ratcliffe, que é o líder da viagem, é mostrado como uma pessoa que está a busca apenas
riqueza. Ele quem tomou a decisão de construir Jamestown em uma clareira na floresta. Mal
chegaram à Virgínia, ele ordena quase que imediatamente que os tripulantes cavassem em
busca de ouro. Já John Smith, ao tentar explorar o local encontra Pocahontas, sendo assim
mostrada a reunião dos dois. A princípio, ele não consegue entender a língua da nossa
protagonista feminina, mas a Vovó Willow dá a ele uma habilidade que faz com ele a entenda.
Foi claramente um amor à primeira vista. Pocahontas mostra-se curiosa com o mundo de John
Smith e o sentimento é mútuo, uma vez que Smith se encanta completamente pela nossa
Inês Miranda | Universidade dos Açores

princesa indígena. E, como todos os bons clássicos da Disney, a história é muito simples: Eles
rapidamente se unem, são completamente fascinados um pelo outro, e apaixonam.

Mas a fantasia e a beleza não é algo que é prolongado uma vez que, após uma briga entre os
colonos e os nativos, Powhatan, o pai de Pocahontas, ordena que ela fique longe dos ingleses,
colocando mais um obstáculo entre o grande amor de Pocahontas e John Smith. No entanto,
como seria de se esperar do espírito livre que é Pocahontas, ela desobedece ao pai e continua
se encontrando com John. Outro obstáculo é colocado entre o grande amor dos protagonistas:
Nakoma, a melhor amiga de Pocahontas, descobre o relacionamento dos dois e avisa, com a
melhores das intenções, preocupada com a sua amiga, Kocoum. Os obstáculos não são só da
parte de Pocahontas, John Smith também é avisado por Ratcliffe, que também descobriu os
encontros de ambos, que ele deveria matar todos os nativos com quem ele se encontrar, sem
nenhuma exceção.

Há uma quebra de tempo e os apaixonados encontram-se com a Vovó Willow e planeiam


trazer a paz entre os colonos e a tribo. O que eles não sabiam é que eles estavam a ser espiados:
Pocahontas por Kocoum e o John por Thomas, o seu companheiro de viagem. Quando eles se
beijam, o pretendente de Pocahontas se enfurece e tenta matar Smith, no entanto, essa tentativa
de morte é impedida por Thomas, que mata Kocoum. Smith, perante a situação ordena que
Thomas fuja antes dos membros da tribo de Pocahontas chegaram ao local, determinado a
assumir as culpas por seu amigo.

Como seria de esperar, quando a Nação Powhatan chega ao local do crime, assumo que foi
John Smith o culpado do homicídio e o capturam, antes mesmo de recuperarem o corpo de
Kocoum. A Pocahontas é repreendida pelo pai por ter desobedecido aquilo que ele tinha
ordenado: ela estava proibida de sair da vila e se encontrar com John Smith. O pai dela
determina que a execução de John seria ao amanhecer e declara guerra aos ingleses, depois da
perda de um dos seus.

Do outro lado da questão, Thomas chega a Jamestown e avisa os colonos ingleses que o John
foi capturado e há uma enorme revolta quando a isso. A situação é usada como desculpa por
parte de Ratcliffe para chacinar a tribo e o ouro é novamente mencionado, ouro este que nunca
aparece em momento nenhum do filme, o que dá a entender que ele nunca existiu naquela zona.

Assim, com a guerra declarada entre os dois povos, a Pocahontas corre para falar com a sua
avó, pedindo por ajuda e pela sua sabedora, odiando totalmente a ideia de uma batalha que não
trairia nada além de mortes e dor. Anteriormente, Pocahontas teve um sonho com uma flecha
Inês Miranda | Universidade dos Açores

que girava e graças a ajuda da avó percebe que ela é igual à flecha da bússola de John Smith,
o que a leva à conclusão de que ele é o seu destino.

Quando a manhã chega, ambos os lados estão conscientes que haverá uma inevitável guerra.
Powhatan e sua tribo levam John Smith para um penhasco para que se possa fazer a sua
execução. Enquanto vemos o cenário triste de Smith sendo arrastado para a sua morte, Ratcliffe
lidera os colonos armados para lutar contra os guerreiros de Powhatan.

É então que ocorre a tão famosa cena: Pocahontas chega a tempo de intervir a sua execução e
suplica para que não o matem, amolecendo os corações de quem está a volta, de todos, com a
exceção de Ratcliffe, que ordena para que seus homens ataquem, mas, para a felicidade dos
nativos americanos, os restantes colonos se recusam. Isso não impede o líder da expedição te
tentar atirar em Powhatan, mas esse ataque é impedido por John, que dispara para salvá-lo,
sendo ferido do processo. Não gostando da ação do seu líder de magoar um dos seus
companheiros, os colonos atacam Ratcliffe.

Apesar do tratamento da tribo, isso não era o suficiente para que as suas feridas cicatrizem,
então teve que ser mandado de volta para a Inglaterra num barco, assim como Ratcliffe também
é enviado de volta para enfrentar a punição por seus crimes contra a tribo.

Num último gesto romântico, o John Smith pede a Pocahontas para ir com ele para Inglaterra,
e para surpresa de muitos, tendo em conta que isto é um filme da Disney e os protagonistas
maioritariamente das vezes ficam juntos, pelo menos nos primeiros clássicos das princesas,
Pocahontas decide que seria melhor ficar com sua tribo para ajudar a manter a paz.

Apesar do momento triste em que John tem que ir embora sem Pocahontas, ela tem a bênção
do pai da sua amada. para voltar quando quiser. No final do filme, Pocahontas fica no topo de
um penhasco, observando a partida do navio que transporta John, enquanto o vento mexe com
os seus cabelos.

4. Personagens

4.1 Pocahontas
Como foi falado anteriormente, Pocahontas é uma mulher de 18 anos de idade, filha do Chefe
Powhatan, o chefe da tribo dos Powhatans, que está prometida em casamento a um dos
membros da tribo, Kocoum, contra a sua vontade. Ela tem 18 anos e apaixona-se por John
Smith no mesmo instante que o conhece e salva o mesmo da morte certa. É conhecida como
Inês Miranda | Universidade dos Açores

uma pessoa de espírito livre, com um coração grande, afinal, ela fez de tudo para salvar Smith,
ainda que pudesse ter grandes consequências e divertida, faceta esta que fica evidente quando
ela derruba a sua amiga, Nakoma, fora do barco e começam a brincar uma com a outra,
respigando-se com água. É uma pessoa que acredita no bem das outras e é extremamente
curiosa, característica este evidente pelo facto de ela querer se aproximar dos colonos e saber
mais sobre eles, ao contrário do seu povo.

Acredito que este retrato de como só Pocahontas era uma indígena boa, enquanto os outros
eram os “maus” seja um retrato negativo para os indígenas de forma geral, não existem
indígenas apenas bons ou maus. No fim, a suas casas estavam a ser invadidas por
desconhecidos, logo, é fácil entender o motivo pelo qual eram hostis no filme. É importante
fazer essa diferenciação entre o filme e a realidade, pois nos relatos feitos pelos próprios
exploradores da altura, foi uma tribo que os acolheu bem.

Ela também é mostrada como uma pessoa espiritual, uma vez que Pocahontas acredita que o
espírito de sua mãe a está sempre com ela, embora ela já tenha falecido. Também é uma amante
da natureza, sendo mostrado diversas vezes a sua habilidade de comunicar com ela, algo pelo
qual John Smith se encanta e se mostra admirado.

4.2 John Smith


John Smith é um renomado explorador inglês que participou da expedição do governador
Ratcliffe à Virgínia. Apesar do início do filme, mostra ter algumas visões preconceituosas em
relação aos nativos americanos, pois acredita que eles sejam “selvagens”, no entanto, no final
ele sacrifica para salvar o pai da Pocahontas, mostrando como a sua ideia em relação aos
nativos mudou ao longo do filme, após conhecer a princesa indígena.

Ao longo do filme o maior traço de Smith que podemos ver é o seu discutível altruísmo.
Mesmo se retirarmos a cena em que ele se sacrifica por Powhatan, ele assumiu a culpa por
Thomas quando ele matou Kocoum, sem pensar duas vezes em proteger o seu amigo. Na
verdade, é com Thomas que é sempre nos mostrado o bom coração que tem. Ainda houve outro
episódio, este no começo do filme, em que ele arrisca a própria vida para salvar Thomas, para
impedir que este se afogue durante uma tempestade. Ele também mostra isso ao ensinar a
Thomas coisas que ele sabe sobre tiro com armas de fogo e velar no barco.
Inês Miranda | Universidade dos Açores

5. O que é a Romantização e quais os seus aspetos negativos?

A romantização1 é, de certa forma, suavizar os eventos reais de forma a ser mais prazeroso
para as pessoas que estão a consumir determinado produto, de forma que este seja mais
vendido/assistido. Isto é algo muito comum ser feito nos dias atuais, no entanto não foi alfo
que surgiu no nosso século. A origem do termo está no movimento artístico do Romantismo,
que é um dos maiores movimentos literários do século XIX, que não teve só impacto da pintura,
como também significantemente na literatura. Tinha como principais características como a
subjetividade, a idealização amorosa, a fuga à realidade e o nacionalismo. Além disso,
particularmente na literatura, era representado aquilo a que chamamos o “Herói Romântico”,
um arquétipo2 literário, que tinha características únicas. Um herói romântico é uma personagem
que rejeita normas e convenções estabelecidas, foi rejeitado pela sociedade e tem ele próprio o
centro de sua própria existência. (Wilson, 1972), um termo que pode ser aplicado tanto para a
Pocahontas como para John Smith. Ambos lutam contra as suas próprias nações, defendendo
aquilo que acham que é correto. Outra característica do Herói Romântico é estar
completamente apaixonado, algo que ambos também o são.

O grande aspeto negativo da romantização é desejar algo que não é nem nunca foi uma
realidade, e que, muitas das vezes, foi extremamente problemático. É bastante comum nos
cruzamos com obras que romantizam relações entre o abusador e a vítima, que normalmente
seguem sempre os mesmos padrões: A vítima se recusa ficar com o abusador no começo da
história, mas ao longo da mesma acaba por “gostar”, por mais que muitas das vezes é nos claro
que aquela relação não é de todo saudável. O abuso é sempre desculpado pela vítima, ou até
mesmo colocado como culpa da mesma, no entanto há histórias que nem se dão ao trabalho de
dar uma desculpa plausível. Também é muito comum fazer com que o abusador seja “boa
pessoa”, colocando momentos em que ele cuida de crianças ou ajuda a mãe que está a sofrer,
ou algo dentro deste género. Um exemplo deste tipo de livro é After de Anna Todd, em que o
comportamento explosivo e abusivo da personagem é desculpado pois este teve um passado
triste, sendo que isto nunca é uma desculpa plausível: se uma pessoa tem a noção que não é
alguém com quem se possa conviver, ela é a única pessoa que tem a responsabilidade de

1
Romatização — Ro·man·ti·zar - verbo transitivo. Tornar romântico; Contar em forma de romance; Fantasiar.
"romantização", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021,
https://dicionario.priberam.org/romantiza%C3%A7%C3%A3o [consultado em 10-01-2023].
2
Arquétipo — nome masculino. Modelo; protótipo; paradigma. Na literatura é um manuscrito de que derivam
outros textos. Porto Editora – arquétipo no Dicionário infopédia da Língua Portuguesa [em linha], Porto, Porto
Editora. [consult. 2023-01-10]. Disponível em https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/arquétipo
Inês Miranda | Universidade dos Açores

melhorar, é impossível “concertar” outras pessoas, no máximo só podemos ajudá-las, isso se


estas quiserem a nossa ajuda, em primeiro lugar. Também é muito como que a vítima seja
descrita como “mais forte”, como se aquilo fosse necessário para crescer enquanto pessoa,
minimizando o trauma de pessoas reais e as consequências psicológicas que relacionamentos
abusivos têm.

No caso de livros e filmes infantis, é importante lembrar que apesar de adultos terem noção da
fantasia/realidade, crianças não têm essa distinção, o que faz que seja importante educá-las
desde cedo para quando tiverem idade para estar num relacionamento, não acham que certos
comportamentos são aceitáveis: comportamentos possessivos e a expressão “quanto mais me
bates mais eu gosto de ti” não podem ser normalizadas. O facto de uma criança fazer
comportamentos que irritam e entristecem outra criança, não podem ser justificados com um
“ela gosta de ti e quer chamar a tua atenção.”

No caso particular de Pocahontas, o perigo da romantização está no facto de não contar a


História do início da civilização de forma de vista imparcial, podendo dar origem a um certo
preconceito, ainda que inconsciente, para com os indígenas, reforçando a ideia de que eles eram
todos eles violentos: a generalização é algo perigoso. Também o facto de tudo se centrar no
romance entre John Smith e Pocahontas, faz com que nunca se dê uma verdadeira importância
ao facto de que os ingleses quererem destruir as terras da Nação Powhatan. É algo que é
abordado ao de leve e que poderia ter muita mais importância no filme, pois faria um trabalho
educativo muito melhor.

No entanto, pela altura em que o filme foi feita, acaba se tornando desculpável que essa
abordagem tenha sido feita, não havia grande conscientização para o facto de que as minorias
precisam ser ouvidas, afinal estamos a falar de um filme feito em 1995, que apesar de não ter
sido assim há muito tempo, houve uma grande mudança de mentalidade no decorrer desses
anos. O erro está em nos dias de hoje, após o aviso dos espetadores e da própria Nação de
Powhatan, o facto da companhia nunca ter admitido o seu erro e continuar a insistir que fez um
bom trabalho com a representação indígena no filme. Está tudo bem em cometer erros, ainda
mais quando estes são justificados no contexto em que se inserem, mas é ainda mais importante
reconhecer e nos desculpar pelos nossos erros, invés de fingir que eles nunca existiram.
Inês Miranda | Universidade dos Açores

6. Quem era a verdadeira Pocahontas?

É a questão principal deste ensaio e aquilo que me fez escolher o tema: a curiosidade de saber
quem é que inspirou este filme e de que forma a sua vida se assemelha aquilo que é nos
mostrado no filme, afinal, ela foi a primeira pessoa cuja vida inspirou uma animação da Disney.
É importante afirmar que grande parte das informações que se tem sobre Pocahontas não se
tem a completa delas, apesar de haver alguns registos sobre esta e ter monumentos e retratos,
grande parte da sua infância e a adolescência não está registada, como seria de se esperar.

Nascida em cerca de 1594, em Werowocomoco, Pocahontas na verdade se chamava Matoaka.


Era uma mulher de diversos nomes, ela também é conhecida como Amonute e tornou-se
Rebecca Rolfe após o seu batismo. Pocahontas era um apelido de infância que significava
“criança mimada”.

«She was probably round-faced with “thick black hair, shaven close.”
She was of a “Coulour [color] browne”. She had “handsome lymbes
[limbs] and slender armes [arms].” These and her face may have been
heavily tattooed.” She probably wore a headband, decorated beads and
earrings” Her head and shoulders may have been coated with red
powder. […]» (SULLIVAN, 2001)

Durante o tempo é que é relatado a vinda de John Smith à Virgínia, Matoaka tinha doze anos
e o homem vinte sete, é afirmado que nunca houve nenhum relacionamento romântico entre os
dois. Não por impedimento de idade, pois haviam imensos casos do tipo, mas foi algo que
simplesmente não aconteceu.

Em 1612, aos 17 anos, Pocahontas foi feita prisioneira pelos ingleses durante uma visita social
e foi mantida refém em Jamestown por mais de um ano. John Rolfe, viúvo com 28 anos, teve
um "interesse especial” em Pocahontas e que se ofereceu para a tirar da prisão, com a condição
de ela se casar com ele. Em abril de 1614, Matoaka tornou-se "Rebecca Rolfe", como foi
referido anteriormente e historiadores creem que ela foi a primeira indígena a se converter ao
cristianismo. É especulado que a sua cerimônia batismal ocorreu em Jamestown, entre os anos
1613/1614. Pouco depois, eles tiveram um filho, a quem deram o nome de Thomas Rolfe. Ela
veio a falecer Inglaterra, em 21 de março de 1617, aos 21 anos, por causas desconhecidas, mas
aponta-se varíola como a maior possibilidade. (SULLIVAN, 2001)
Inês Miranda | Universidade dos Açores

Além disso, é muito possível que John Smith teria inventado a história que Pocahontas o
resgatara, após esta morrer e o seu túmulo ter sido destruído para ser reconstruída uma igreja.
O motivo para tal afirmação por parte de Roy Crazy Horse, é por este acreditava que era
conveniente para Smith que a Pocahontas, que era tão amada pelos ingleses, que as pessoas
acreditassem que ela foi simpática para com ele.

A título de curiosidade, a Nação de Pawhontan tinha a sua própria língua, infelizmente, extinta
nos dias de hoje, conhecida como Algonquino da Vírginia Algonquian. O motivo da sua
extinção deve-se ao facto que as pessoas que a falavam, começaram a falar inglês, muito
provavelmente para facilitar a comunicação com pessoas fora da tribo. Foi extinta por volta da
década de 1790.3

7. A grande problemática com “Pocahontas”

As críticas do filme não são propriamente recentes, como se seria de esperar, tendo em conta
que estamos num era em que temos maior acesso à informação e à constante exposição a
notícias, mas já em 1995, a Disney foi criticada pelo filme e pelo facto que não era preciso à
história verdadeira de Pocahontas e às tradições da tribo.

“Ninguém deveria assistir a um filme de animação esperando para obter


a descrição precisa da história. Isso é ainda pior do que usar as Notas de
Cliff para confiar em dar-lhe uma compreensão profunda de uma
história. Mais pessoas estão falando sobre Pocahontas do que nunca
falaram sobre ela nos últimos 400 anos desde que ela viveu. Toda vez
que falamos sobre isso, é uma oportunidade de falar sobre o que era, o
que se sabia sobre ela e o que criado a partir da nossa imaginação.”

— James Pentecost, produtor do filme

Ao contrário do que Roy Disney afirma sobre ser um filme “responsável, bem apurado e
respeitável” e a resposta à crítica por parte de James Pentecost sobre o assunto no jornal New
York Times, os descendentes da tribo de Powathan discordam completamente, chegando a fazer
a afirmar que:

3
(Siebert, 1975)
Inês Miranda | Universidade dos Açores

"Nós, da Nação Powhatan, discordamos das afirmações de Disney. O


filme apresenta uma visão distorcida que vai muito além da história
original. Nossas ofertas para ajudar a Disney em aspetos culturais e
históricos foram rejeitadas. Tentamos fazer com que a Disney corrigisse
os erros ideológicos e históricos do filme, mas fomos ignorados“

— Roy Crazy Horse

Nessa mesmo artigo escrito pelo representante da Nação Powhatan é ainda afirmado que de
todos os filhos de Powhatan, que ela não é filha única, ao contrário daquilo que é representado
do filme, mas que apenas "Pocahontas" é conhecida, porque ela se tornou a heroína dos euro-
americanos e ficou conhecida como a "boa índia", por ser aquela que salvou a vida de um
homem branco. Além disso, em um dos relatos que Smith escreveu após sua estada de inverno
com o povo de Powhatan, é dito que ele foi mantido confortável e tratado de maneira amigável,
praticamente como um convidado de honra de Powhatan e os seus irmãos.

Também importante referir que a maioria dos estudiosos acha que o "incidente de Pocahontas"
teria sido improvável, especialmente porque fazia parte de um relato mais longo usado como
justificativa para declarar guerra à nação de Powhatan.

Ainda que o produtor do filme não esteja inteiramente errado sobre a questão de não podermos
esperar realismo em uma animação, também é sempre importante ter intenção que é um filme
para crianças e influenciam o seu pensamento, além de que é um filme que representa uma
minoria, sendo ainda mais importante a atenção aos detalhes. Tendo sido eles avisados sobre
essa questão, mais que uma vez, por diferentes meios e pessoas era o seu dever ouvir.
Inês Miranda | Universidade dos Açores

Conclusão

Pocahontas apesar de ser uma animação querida pela maioria das pessoas, esconde uma história
triste de uma nativa americana que morreu jovem e que deveria ser mais reconhecida. Não é
impossível gostarmos de uma história e reconhecer que esta tem os seus problemas.

Durante a geração de Pocahontas, o povo de Powhatan foi dizimado e disperso e suas terras
foram tomadas, daí a importância a darmos vós aqueles que foram silenciados por tantos anos.
Eles tem tanto direito a contar a sua história, como os europeus têm a contar a sua. Seria muito
mais beneficiário para todos se aprendêssemos outras culturas, outros modos de estar no
mundo, no lugar de os silenciar ou fingir que não os estamos a os ouvir apenas para guardar
uma boa recordação da nossa infância. Pessoalmente, acredito que a história seria mais
interessante se esta tivesse sido em cooperação com os descendentes da tribo dos Powhatans,
aprender novas culturas de forma dinâmica e criativa é mais importante, a meu ver, do que a
história de amor entre duas pessoas que na vida real teriam doze e vinte sete anos de idade.

A representação correta de minorias que é muito importante. Nós podemos muito bem apreciar
histórias e reconhecer a qualidade delas, ainda que não nos identifiquemos com o protagonista.
Isto é válido tanto para histórias com protagonistas negros, protagonistas nativos, protagonistas
LGBTQIA+, protagonistas portadores de doenças, sejam elas físicas ou mentais. O que não
falta nos média são histórias de protagonistas brancos e casais heterossexuais e cisgénero, não
magoa ninguém que outras pessoas, incluindo principalmente crianças, tiverem a sua
representação, ver alguém com a sua história em tela. Existem pessoas com um amor proibido
cujo obstáculos não são apenas “as famílias não se gostam”, como em Romeu e Julieta, pessoas
cujo obstáculo é a sociedade conservador em que muitos se inserem e que não aceita o facto de
duas pessoas do mesmo sexo poderem ser um casal. É muito mais enriquecedor que histórias
com outros protagonistas que não sejam brancos existam para que possamos ter a consciência
do privilégio que nos foi concedido, mas que muitas vezes não notamos.

Achei importante, além de sem dúvida alguma interessante, fazer um ensaio sobre este tema,
uma vez que não existe praticamente bibliografia nenhuma sobre o tema em português. Todos
os livros sobre o tema que encontrei estavam em inglês, o que faz com que seja difícil a que o
assunto seja falado e conhecido por pessoas que não tem o mínimo de entendimento sobre a
língua. Também achei interessante o facto de que há no mínimo três John’s na história, o que
me faz questionar o quão comum esse nome era na altura.
Inês Miranda | Universidade dos Açores

Bibliografia

• BOORSTIN, Daniel, Os Americanos: a experiência colonial, Lisboa, Gradiva, 1997;


• CUSTALOW, Dr. Linwood, DANIEL, Angela L., The True Story of Pocahontas: The
Other Side of History, Golden, Fulcrum Publishing, 2007;
• HATCH, Charles E., Jamestown, Virginia: The Town Site and Its Story, U.S.
Department of the Interior, National Park Service, 1949
• HORSE, Roy Crazy, The Pocahontas myth, 1 July 1996
• JENKINS, Philip, Uma História dos Estados Unidos da América, Lisboa, Texto &
Grafia, 2012;
• MITHUN, Marianne. The Languages of Native North America, Cambridge Language
Family Surveys. Cambridge: Cambridge University Press, 1999.
• MOSSIKER, Frances, Pocahontas: The Life and The Legend, New York, Da Capo
Press, 1976;
• Pocahontas, da coleção Histórias Multieducativas, Rio de Mouro, Everest Editora,
1995;
• ROUNTREE, Helen C., Pocahontas, Powhatan, Opechancanough: Three Indian Lives
Changed by Jamestown, Charlottesville, University of Virginia Press, 2005;
• RODERICK, Toom, McCLURE, Laura, HORSE, Chief Roy Crazy, Pocahontas Does
Educate — Falsely, Bias in Children’s Movies: Pocahontas, Educators for Social
Responsibility (ESR), New York Metropolitan área, 1982
• SIEBERT, Frank, "Resurrecting Virginia Algonquian from the dead: The reconstituted
and historical phonology of Powhatan," , Studies in Southeastern Indian Languages.
Ed. James Crawford. Athens: University of Georgia Press, 1975, pp. 285–453
• SULLIVAN, George, Pocahontas, New York, Scholastic, 2001;
• TOWNSEND, Camilla, Pocahontas and the Powhatan Dilemma: An American
Portrait, New York, Hill and Wang, 2004;
• WILSON, James D., Tirso, hat, and Byron: The emergence of Don Juan as romantic
hero, The South Central Bulletin. The Johns Hopkins University Press on behalf of The
South Central Modern Language Association, 1972
• ZINN, Howard, A People’s History of the United States. 1492- Present, Nova Iorque,
Harper Collins, 2003.
Inês Miranda | Universidade dos Açores

Anexos

Fig. 1 — Póster de estreia do filme “Pocahontas”, Walt Disney Picture, retirado Wikimedia
Commons. https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Pocahontas_Disney.jpg (consultado a
10/01/2023)

Fig. 2 —Estátua de Pocahontas no local de sua morte: igreja de São Jorge, em Gravesend.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:POCAHONTAS_02.jpg (consultado a 10/01/2023)
Inês Miranda | Universidade dos Açores

Fig. 3 — Pocahontas saving the life of Captain John Smith, John Gadsby Chapman, óleo
sobre tela, c.1836-40, retirado de https://emuseum.nyhistory.org/objects/41332/pocahontas-
saving-the-life-of-captain-john-smith (consultado a 10/01/2023)

Fig. 4 — Baptism of Pocahontas, John Gadsby Chapman, óleo sobre tela, 1840, retirado de:
https://www.aoc.gov/explore-capitol-campus/art/baptism-pocahontas (consultado a
15/01/2023)

Você também pode gostar