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Segundo Amin (1977), pode-se dividir a história do modo de produção capitalista por fases de
expansão e fases de “crise estrutural”, podendo distinguir-se quatro fases de expansão, ou seja,
aquelas ocorrentes entre: 1815-40; 1850-70; 1890-1914; 1948-67; e quatro fases de crise, ocorrentes
nos períodos entre: 1840-50; 1870-90; 1914-48; e o período pós-1967.
“Cada uma dessas fases de expansão caracteriza-se por um modelo particular de acumulação; um
tipo de indústria motriz; um quadro específico que define as modalidades da concorrência e o
estatuto da empresa; a certa etapa da expansão geográfica do sistema capitalista; a uma
organização particular da especialização internacional neste quadro; a uma distribuição das
funções de seu centro e de sua periferia; e, finalmente, a certo equilíbrio (ou desequilíbrio) entre
os diferentes estados-nações centrais. Todo esse conjunto define o tipo de aliança de classes que
corresponde ao modelo de acumulação e, através disso, o quadro da luta de classes e da vida
política, além do modelo de produção da burguesia, complemento necessário ao modelo da
reprodução do capital (AMIN, 1977, p. 6).”
Amin (1977) esclarece que cada fase de crise estrutural corresponde a outra de
desajustamentos e reajustamentos, de passagem de um modelo de acumulação a outro. A crise
implica diminuição do ritmo de crescimento e acirramento da luta de classes.
2 - A crise na segunda expansão capitalista
Conforme Amin (1977) a crise se instaura através da acentuação de processos de
enfrentamentos entre classes, marcada pela Comuna de Paris, e só será vencida através da
superação do laissez faire dos anos 50-70 – único período de verdadeiro liberalismo capitalista, da
constituição dos monopólios e da expansão do imperialismo. A primeira fase de expansão se
caracterizara pela concorrência fácil feita pela nova indústria no antigo artesanato e a segunda por
um modelo de concorrência atomística entre numerosas empresas de porte modesto, incapazes de
modificar, isoladamente, as condições do mercado. A Partir daí a concorrência se fará entre
monopólios em condições de, pelas suas decisões unilaterais, de moldar o mercado; a
individualização dos produtos através das marcas e a publicidade reduzem, além disso, a
concorrência pelos preços. A eletricidade abre novas possibilidades à modernização da indústria, e a
navegação marítima dá ao mercado uma dimensão mundial.
Mais uma vez esta fase de expansão mundial do capitalismo confere à periferia a função
essencial de fornecedora de matérias-primas e de produtos agrícolas, absorvendo capital para a
instalação das infraestruturas e comprando produtos manufaturados. Isso não poderia ser diferente,
vez que seu artesanato fora destruído e sua agricultura submetida ao capital. Porém, surge também o
intercâmbio desigual, ou seja, a remuneração desigual da força de trabalho cristalizada nas
mercadorias mundiais. E, essa especialização desigual, no plano internacional, viria a propiciar o
“desvio” do movimento operário europeu em direção ao revisionismo, a dominação da aristocracia
operária, cristalizada na socialdemocracia da II Internacional.
Nessa fase, a situação internacional se definiria pelo equilíbrio relativo das quatro grandes
potências – Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra e França - às quais se juntaram quatro potências
retardatárias ou jovens: a Itália, o Japão, a Rússia e a Áustria-Hungria.
Porém, segundo Amin (1977), o modo capitalista só assume sua forma definitiva quando seu
centro de gravidade se desloca para a nova indústria, submetendo à agricultura a sua dominação.
Porém, só após a Primeira Guerra Mundial, a agricultura viria a passar por uma segunda onda de
modernização, renovando e aprofundando suas formas de dominação por meio do capital industrial.
Entretanto, a periferia do sistema mundial continua limitada à especialização agrícola, seu atraso e
sua dependência têm como causa a dominação do modo de produção capitalista sobre formas da
vida rural de origem pré-capitalista.
A guerra de 1870-1871 entre a França e Alemanha, assim como previa Bismarck, foi
fundamental para consolidar a unidade alemã. A “ameaça francesa” era o que poderia fazer com que
os Estados do sul da Alemanha entrassem para a Confederação alemã.
“E assim, antes mesmo da capitulação de Paris, o chanceler prussiano, que já tinha conseguido
que os Estados do sul participassem na guerra franco-alemã, conseguiu fazê-lo aderir ao Império.
[…] a unidade da Alemanha consuma-se, ao mesmo tempo em que se implantava a sua
supremacia no continente. De fato, durante aproximadamente meio século. O novo império vai
dominar a Europa (MILZA, 1995, p. 11).”
A dominação alemã, na segunda metade do século XIX, começa pela ordem demográfica, vez
que, excetuando-se a Rússia, cuja população além de muito atrasada, era muito dispersa, a Alemanha
naquele momento apresentava-se como o Estado mais povoado da Europa, contando com 41
milhões de habitantes em 1871 e próximo a 50 milhões em 1890.
“Este crescimento demográfico é um poderoso fator de desenvolvimento econômico. A grande
indústria moderna, que já desde 1850 estava em pleno desenvolvimento na Prússia, conhece nas
vésperas do conflito um avanço notável. A mão-de-obra abundante, a importante entrada de
capitais franceses obtidos a título de indenização de guerra, a riqueza do subsolo em carvão, são
fatores favoráveis ao desenvolvimento rápido da indústria alemã. Entre 1871 e 1873, no setor da
fundição, a produção aumenta mais de 50%, e a partir de 1880 a produção industrial começa a
ultrapassar a produção agrícola, em valor global (MILZA, 1995, p. 11-12).”
A potência alemã assenta-se na força militar. O Império possuía o melhor exército do mundo, o
mais dinâmico Estado-Maior, efetivos que, em 1890, atingiam 500.000 homens em tempo de paz, e
tendo possibilidade de mobilizar em muito pouco tempo mais de um milhão e meio de homens.
Porém, tal força militar era exclusivamente terrestre, embora, no período seguinte, a Alemanha
viesse dispor de notável frota, sob a égide de Von Tirpitz.
Para a França, a guerra de 1870-1871 custou-lhe a supremacia que tivera no continente
durante o Segundo Império, devido às perdas materiais e humanas, ao custo financeiro das
operações militares, à indenização de cinco bilhões exigida pelos alemães e à ocupação de parte do
território pelo inimigo. Como se não bastasse, a perda da Alsácia e da Lorena, ricas províncias
industriais, afetou não só o potencial econômico francês, como feriu intensamente o orgulho
nacional.
Porém, rapidamente, a França ergueu-se novamente. Em 1875, a produção de sua indústria
têxtil já tinha supera à que apresentara antes da guerra, e sua produção mineira havia aumentado
em duas vezes. Em que pese a economia alemã progredir a um ritmo mais rápido, a distância entre as
duas economias não é exagerada. Em 1880, a França controla à volta de 9% da produção industrial
mundial, enquanto a Alemanha controla 16% (MILZA, 1995, p. 13).
O poderio financeiro francês teve fundamental importância para o processo de superação da
crise pós-guerra, na medida em que possibilitou à França efetuar com relativa facilidade os
empréstimos tomados para saldar sua dívida de guerra com a Alemanha.
Militarmente, também a França se reorganizou sem dificuldades e, graças às leis de 1872 e
1873, conseguiu, em tempo de paz, possuir quantidade de efetivos equivalentes à do exército
alemão.
Porém, a derrota militar provocou o recrudescimento do sentimento nacional em todas as
camadas da população, fazendo com que os republicanos, que no fim do Império tinham manifestado
antimilitarismo militante, abandonassem suas posições pacifistas.
“Quanto ao exército, transforma-se, no início da Terceira República, num verdadeiro objeto de
culto. Numa palavra, o país é assolado por uma imensa vaga nacionalista. É ela que explica o
sucesso alcançado, no final deste primeiro período, pelo movimento bulangista que tenta unir
grupos políticos completamente diferentes em tomo deste entusiasmo militar e desta ideia de
vingança. Este sentimento coletivo manifesta-se especialmente por um apego cada vez maior às
províncias perdidas e pela não aceitação da sua perca (MILZA, 1995, p. 13).”
Durante o século XIX, as grandes invenções navais, entre elas: o navio a vapor, à hélice, os
navios com couraça, o material bélico pesado, favoreceram, inicialmente, o domínio marítimo
britânico. O primeiro barco a vapor foi lançado à água, em 1807, no Hudson, na América do Norte; no
Império Britânico, em 1811, no Clyde. Desde essa data, foram construídos mais de 600, e, em 1873,
mais de 500 estavam em atividade nos portos britânicos.
O desenvolvimento das grandes invenções foi favorecido pelo fato dos ingleses contarem com
excelentes reservas de minério de ferro e de carvão, além de uma indústria pesada bem
desenvolvida. A construção dos caminhos-de-ferro só ocorreu de fato na segunda metade do século
XIX. A primeira via importante foi a que ligou Liverpool a Manchester em 1890. Desde então, todas as
grandes cidades foram ligadas por caminho-de-ferro.
O desenvolvimento industrial da Inglaterra fez-se em ritmo alucinante a partir da segunda
metade do século XVIII. A história da indústria inglesa na primeira metade do século XIX foi uma
história sem paralelo nos anais da humanidade. Até os anos de 1750, a Inglaterra era um país como
os outros, com pequenas cidades, uma indústria pouco importante e rudimentar, uma população
rural dispersa, mas relativamente numerosa. Passados pouco menos de 100 anos, se tornou um país
sem igual, com uma capital onde habitavam dois milhões e meio de seres humanos, com enormes
cidades industriais, uma indústria que abastece todo o mundo e que fabrica, com o auxílio dos mais
complexos maquinismos quase tudo; com uma população densa, laboriosa e inteligente, da qual dois
terços se emprega no comércio e que se compõe de classes bem diferentes das de outrora,
constituindo uma outra nação, com costumes e necessidades que divergem dos de tempos passados.
Tal desenvolvimento teve, em relação à população, uma consequência direta: o processo de
constituição dos grandes batalhões de trabalhadores fabris assalariados.
O abismo existente entre a Inglaterra de 1760 e de 1844 era pelo menos tão grande quanto
aquele que separava a França do Ancien Régime da Revolução de Julho. No entanto, um dos mais
significativos frutos dessa revolução industrial foi o operariado inglês, a qual nasceu da introdução da
máquina. A rápida expansão da indústria exigia braços, os salários subiam e multidões compactas de
trabalhadores vindos das regiões agrícolas, emigraram para as cidades. A população aumentou
extraordinariamente, sobretudo, na classe operária.
A Grã-Bretanha, à época, primeira potência econômica do mundo, além de possuir vasto
império colonial, possuía a maior frota naval de guerra. Assim, todos seus esforços concentravam-se
na sua busca de manutenção de suas posições no mar e em ultramar.
“Desde o início do século XIX, a Inglaterra especializou-se de fato na função de fábrica e de
armazém do mundo. A sua potência industrial, assente no carvão, ainda não tem rivais em 1871:
com 80 milhões de toneladas, fornece 2/3 do carvão mundial. Os produtos da indústria têxtil e da
metalurgia britânica são os melhores e os mais baratos do mundo, e em relação a eventuais
concorrentes, a Grã-Bretanha tem como trunfos a experiência e um grande avanço técnico
(MILZA, 1995, p. 16).”
A supremacia industrial britânica fez com que, em meados do século XIX, a Grã-Bretanha
adotasse a política de livre comércio. Assim, os produtos agrícolas e as matérias-primas passaram a
entrar na Grã-Bretanha sem pagar direitos alfandegários, o que permitiu à indústria inglesa baixar
ainda mais seus preços de custo. Com a entrada do trigo americano isento de taxa alfandegária,
acabou por abaixar o preço do pão, fazendo também baixar o valor dos salários. Essa situação
ocasionou o colapso dos produtores de cereais britânicos, levando também ao sensível recuo da
agricultura. Contudo, o que levou o governo britânico a aceitar as “amarguras” do livre comércio foi a
convicção de que elas abreviariam a especialização da Grã-Bretanha nos planos comercial e
industrial.
“Esta orientação econômica implica que os britânicos se abasteçam de produtos agrícolas e de
matérias-primas no estrangeiro e também que encontrem saídas para os produtos das suas
indústrias. A potência econômica do Reino Unido assenta nesta dupla corrente de trocas. Implica
uma política mundial e o domínio dos mares. Manter na Europa continental o equilíbrio das
potências, assegurar grandes mercados exteriores, não permitir nenhuma ameaça à sua
hegemonia naval, eis os principais objetivos da diplomacia inglesa. O cumprimento destes
objetivos poderá implicar, ocasionalmente, alguns desvios ao princípio do isolamento (MILZA,
1995, p. 18).”
Segundo MILZA (1995), do ponto de vista das relações internacionais em 1871, existiram dois
fatos que dominaram o cenário internacional. Por um lado, a supremacia alemã no continente
europeu, na qual a política “bismarckiana” iria imperar durante vinte anos, e a supremacia britânica
no mundo. Até o ano de 1890 não existiu entre as duas hegemonias, que perseguiam objetivos
distintos, uma verdadeira rivalidade. Mas, com a chegada de Guilherme II ao trono imperial da
Alemanha e com a adoção por parte do Reich da Weltpolitik tudo viria a se alterar.
No ano de 1871, os Estados Unidos da América tinham acabado de sair da maior crise de sua
história. A Guerra de Secessão finda em 1865 havia debilitado material e moralmente o país; assim,
durante quase trinta anos, os Estados Unidos iriam se concentrar na valorização de seu território, nas
estradas de ferro e em seu povoamento.
Para suprir a falta de mão-de-obra, os Estados Unidos lançaram-se numa política agressiva de
imigração, abrindo suas portas aos europeus. Destarte, sua população passou de 39 milhões em 1871
para 62 milhões de habitantes em 1983. A combinação de ferrovias e o aumento da população iria
começar a povoar o conjunto do território norte-americano.
Da mesma forma, os imensos espaços da pradaria, rasgados pelas vias férreas e povoados por
colonos, transformam-se, no espaço de alguns anos num celeiro de trigo e na primeira região de
pastagens do mundo. O Sul fornece 2/3 do algodão mundial e reconquista seu lugar na nação
americana. Mas é na indústria que se verifica o progresso mais rápido e mais espetacular. […] Em
1890, a produção industrial ultrapassa em valor a agricultura e, a partir de 1894, atinge o primeiro
lugar, à escala mundial (MILZA, 1995, p. 54, grifo do autor).
Com a industrialização de outras potências e o desenvolvimento de sua força naval, a Inglaterra
foi encontrando, progressivamente, mais dificuldade em manter superioridade.
A partir de 1870, o intenso crescimento industrial, o efervescente processo de competição por
mercados, bem como a passagem do capitalismo à fase do capitalismo monopolista, aliados à grave
crise econômica de superprodução levaram os governos da Inglaterra, da Alemanha, da França, dos
Estados Unidos e, mais tarde do Japão a adotarem política expansionista em busca de novos
mercados e áreas de investimentos, o que deu origem ao imperialismo.
3 - O imperialismo e a guerra
O denominado imperialismo aparece quando as possibilidades do desenvolvimento capitalista
chegam ao esgotamento, fruto do fim da primeira revolução industrial na Europa e na América do
Norte, quando a crise impõe nova extensão geográfica para o domínio do capitalismo. Para alguns
autores, a época imperialista pode ser subdividida em dois períodos: de 1880 a 1945, e pós-1945.
Entretanto, para o Direito Internacional teve especial importância os últimos anos do século XIX.
“O último quartel do século XIX apresentou uma característica das mais importantes para o
estudo das relações internacionais, que foi o imperialismo e o colonialismo. As suas causas foram
múltiplas: colocação de capitais, fatores demográficos, motivos estratégicos, saturação do
consumo europeu e na Alemanha se falava mesmo da vitalidade do Estado. Era também o desejo
de abandonar o status de grande potência européia para se transformar em grande potência
mundial [...] porque só os impérios se importariam no futuro. Assim a dominação é consagrada
pelo ato Geral de Berlim (1885) ao estabelecer a aquisição do território pela ocupação efetiva. O
colonialismo é consagrado além da ocupação pelo sistema de protetorado, mandatos e tratados
desiguais (ALBUQUERQUE MELLO, 2001, p. 153, grifo do autor).”
A efervescência do processo de disputa entre as potências européias pelo controle das colônias
vai se dar em um momento de “equilíbrio” de forças entre as grandes nações da Europa.
“A Grã-Bretanha aparecia como o maior império colonial do planeta, mas assustava-se com a
presença de uma Alemanha unificada, em 1871, sob a liderança de Bismarck, na esteira de uma
grande vitória na guerra franco-prussiana. A Europa vivia uma situação de equilíbrio entre as
potências, dando, assim, continuidade ao chamado concerto europeu, que havia começado a se
formar após a derrota de Napoleão I, quando foram constituídas a Aliança Quádrupla e a Santa
Aliança. Cinco potencias estabeleciam certa situação de equilíbrio de modo a que nenhuma
possuísse força suficiente para se fazer prevalecer demasiadamente (Áustria-Hungria, Prússia,
Rússia, Grã-Bretanha e França) (SILVA, 1998, p. 34).”
A partir de 1880, a competição entre os Estados europeus pelo controle dos territórios
africanos torna-se brutal, influenciando as relações internacionais. Segundo Mandel (1989),
capitalismo implica competição. Com o surgimento de grandes empresas e cartéis — isto é, com o
advento do capitalismo monopolista — essa competição assumiu nova dimensão. Tornou-se
qualitativamente mais político-econômica e, por isso, militar-econômica. O que estava em jogo já não
era mais o destino de negócios representando alguns milhares de libras, ou centenas de milhares de
dólares. Tratava-se, agora, de gigantes industriais e financeiros cujos ativos chegavam a dezenas e
centenas de milhões. Em conseqüência disso, os Estados e suas forças armadas envolviam-se cada
vez mais diretamente nessa competição — que se tornou uma rivalidade imperialista na disputa de
caminhos para investimentos em novos mercados e de acesso a matérias-primas baratas ou raras. A
natureza destrutiva desse tipo de competição tornou-se cada vez mais pronunciada, em meio a uma
tendência crescente na direção da militarização e de seu reflexo ideológico: a justificação e a
glorificação da guerra (MANDEL, 1989, p. 9). Assim, o período compreendido entre 1880 e 1883 se
caracterizaria por verdadeiro desmembramento do território africano.
Ocorre que modo de produção capitalista é forçado a uma revolucionar incessantemente a
produção, sendo, pois, também forçado a revolucionar de igual modo as relações de produção para
adaptá-las às exigências do desenvolvimento contínuo das forças produtivas. A história do
capitalismo corresponde à história deste processo de ajustamento das relações de produção às
exigências do progresso das forças produtivas. O modo de produção capitalista caracteriza-se por
uma contradição imanente, ou seja, a que opõe o caráter crescente das forças produtivas ao caráter
estreito das relações de produção. Esta contradição surge desde a origem e não indica, portanto, a
iminência de um desmoronamento final. Durante pelo menos um século, ela foi superada ao mesmo
tempo pela expansão do sistema e pela renovação de seu modelo de acumulação.
4 - O capital financeiro
Uma das características do modo de produção capitalista é justamente a de separar a
propriedade do capital de sua aplicação à produção. Por isso ocorre a separação do capital monetário
do capital produtivo, e assim separa-se o capital financeiro, que vive apenas dos rendimentos do
capital monetário, do empresário e de todos que participam de maneira direta da gestão do capital.
A exportação de capitais repercute-se no desenvolvimento do capitalismo nos países em que
são investidos, acelerando-o extraordinariamente. Se, em consequência disso, a referida exportação
poderia, até certo ponto, ocasionar a paralisação do desenvolvimento nos países exportadores, isso
só poderia ter lugar em troca da extensão e do aprofundamento maior do desenvolvimento do
capitalismo em todo o mundo.
5. O capital financeiro e os monopólios
Ressalta-se o fato de o capitalismo financeiro ter criado a época dos monopólios, que trazem
sempre consigo o princípio monopolista: a utilização das relações para as transações proveitosas
substituindo a concorrência no mercado aberto.
Trata-se de uma época peculiar da política colonial mundial que se encontra intimamente
relacionada à fase moderna de desenvolvimento do capitalismo – a do capital financeiro. Por isso,
faz-se necessária uma mais detida abordagem dos dados concretos, de modo a proporcionar um
delineamento mais preciso, não apenas relativo à diferença existente entre esta época e as
anteriores, como também relativo à situação atual 35. Em primeiro lugar, surgem duas questões
concretas: verifica-se a acentuação da política colonial, a exacerbação da luta pelas colônias, de
maneira precisa, da época do capital financeiro? Como se encontra repartido o mundo, na
atualidade, sob este ponto de vista? O capitalismo monopolista era estágio novo, para além do
capitalismo competitivo, no qual o capital financeiro passou a ser o capital constituído pela aliança
entre as grandes empresas e o capital bancário, que dominava a economia e o Estado.
Quanto mais desenvolvido está o capitalismo, quanto mais sensível se torna a insuficiência de
matérias-primas, quanto mais dura é a concorrência e a procura de fontes de matérias-primas em
todo o mundo, tanto mais encarniçada apresenta-se a luta pela aquisição de colônias.
“O desenvolvimento da indústria, o aumento da capacidade produtiva das companhias tecnica-
mente mais adiantadas, o produto total das principais potências industriais e, especialmente, a
expansão do capital financeiro e do potencial de investimento cada vez mais se estendiam por
sobre as fronteiras dos Estados-nação, até mesmo dos maiores deles. Essa disseminação externa
do capital nacional levou inevitavelmente a uma vertiginosa competição por recursos, mercados e
rotas de comércio no exterior, dentro da Europa, mas também — e mais espetacularmente —
fora do continente: entre 1876 e 1914, as potências européias lograram anexar por volta de vinte
e oito milhões de quilômetros quadrados de território, principalmente na Ásia e na África
(MANDEL, 1989, p. 9-10).”
35
surge o monopólio: os cartéis, os sindicatos, os trustes, e, fundindo-se com eles, o capital de uma
escassa dezena de bancos que manipulam milhares de milhões.
O que fica claro é que o monopólio é a base econômica mais profunda do imperialismo. E,
como todo monopólio, o capitalismo engendra, inevitavelmente, uma tendência à estagnação e à
decomposição. Na medida em que se fixam preços monopolistas, ainda que temporariamente,
desaparecem até certo ponto as causas estimulantes do progresso técnico e, por conseguinte, de
todo o progresso, surgindo assim, a possibilidade econômica de conter artificialmente o progresso
técnico.
Outra característica marcante do imperialismo é o fato de a exportação de capitais, uma das
bases econômicas mais essenciais do imperialismo, acentuar ainda mais o divórcio completo entre o
setor dos indivíduos que vivem de rendimentos e a produção, o que vai imprimir marca de
parasitismo a todo o país, que vive da exploração do trabalho de vários países e colônias.
Fruto desse desmembramento do território africano, a Grã-Bretanha, em 1900, havia
incorporado ao seu império quatro milhões e meia milhas quadradas; a França 3.500.000; a
Alemanha 1.000.000; a Bélgica 900.000; a Rússia 500.000; a Itália 185.000; e os Estados Unidos
125.000 milhas quadradas.
Na Europa, a burguesia, em razão da busca crescente de lucros, passou a financiar a exploração
de minas, as monoculturas, a eletrificação de cidades e a construção de portos, pontes, canais e
ferrovias, com o objetivo de favorecer o setor exportador de cada região sob sua influência. Ao
desenvolvimento das relações de dominação econômica com característica mais geral trazida pelo
imperialismo, acrescentou-se a dominação política, na maioria dos casos constituída por meio da
conquista militar, o que veio caracterizar o novo formato do colonialismo.
No desenvolvimento dessa política, a burguesia defendia que o Estado tinha o dever de apoiar
a política imperialista, garantindo, assim, o capital investido fora da Europa.
O fato de um país possuir colônias significava ter o status de potência e não as ter era
reconhecer condição de inferioridade em relação aos demais países industrializados. Não é por outro
motivo que o imperialismo esteve também ligado ao incremento do nacionalismo e transformou-se
em política nacional abraçada pelos Estados europeus, financiados por fundos públicos e amparada
pela criação de instituições administrativas nas regiões ocupadas.
O processo de implementação dessa política teve como resultado a repartição quase por
completo do continente africano, a ocupação de extensos territórios na longínqua Ásia ou na
subordinação da Ásia à influência dos países imperialistas europeus.
As grandes potências europeias empenhavam-se em ocupar o mais rapidamente possível as
regiões litorâneas para seguir com a colonização para o interior. Durante o período em que existiram
territórios disponíveis para a colonização, as rivalidades existentes não se apresentavam muito
ameaçadoras.
“Mas à medida que se avançava no continente e que as zonas de influência se tornavam maiores,
os riscos de conflito entre as potências coloniais aumentavam. Era inevitável que os imperialismos
se confrontassem no centro da África, especialmente na vasta bacia do Congo, onde se exercia a
ação pessoal do rei dos belgas (MILZA, 1995, p. 67).”
Além disso, a produção agrícola apresentava lucros altíssimos nos países economicamente
evoluídos, ajudada pelo processo de desenvolvimento das indústrias químicas e a partir da
mecanização. A malha ferroviária viria permitir o aumento das trocas e o escoamento rápido de
produção sempre crescente.
Com isso ocorre o agravamento do problema dos mercados. A produção cresce muito mais
depressa que as possibilidades de absorção dos mercados internos e todas as potências dirigem-se
então aos mercados externos para escoar os excedentes industriais e agrícolas.
“Um outro aspecto da competição econômica entre as potências é a vontade de controlar no
mundo importantes fontes de matérias-primas. Só os Estados Unidos é que podem prover a
quase totalidade das suas necessidades em energia e em matérias-primas. Cada vez mais, as
potências europeias, pelo contrário, são obriga a procurar fora do velho continente matérias-
primas: algodão, lã e seda, necessários para a indústria têxtil; minério de ferro de forte teor e
metais raros para as ligas; petróleo e borracha, cada vez mais necessários devido ao avanço da
indústria do automóvel. A quota-parte de produtos em bruto de origem extra europeia tende,
portanto, a aumentar, o que leva as grandes potências a exercer um controle direto ou indireto
sobre as zonas produtoras (MILZA, 1995, p. 75).”
Em que pese todo o poderio britânico, a situação favorável começa a se modificar durante o
período compreendido entre 1890 e 1900. Apesar de a indústria continuar progredindo, este
progresso dá-se em ritmo mais lento, surgindo os primeiros sinais de fraqueza:
“A produção de carvão, que em 1900 é de 225 milhões de toneladas e que, em 1913, atingirá
cerca de 270 milhões de toneladas, é ultrapassada em 1898 pelos Estados Unidos; a Alemanha
também não está muito longe. O minério de ferro torna-se cada vez mais raro e tem que ser
importado em quantidades cada vez maiores. 4.700.000 toneladas em 1890, mais de 7 milhões
em 1910. A indústria metalúrgica tem cada vez mais concorrência estrangeira; em 1890 os
Estados Unidos estão à frente na produção de ferro fundido e, em 1896, é a Alemanha que, pela
primeira vez, ultrapassa a produção metalúrgica global da Grã-Bretanha. Em alguns setores, a
inferioridade britânica torna-se manifesta; é o caso da indústria química, onde a Alemanha
consegue um grande avanço das indústrias elétricas (MILZA, 1995, p. 111).”
Como se não bastasse, o Reino Unido encontrava-se em nítida desvantagem em relação às
novas fontes de energia: petróleo e hidroeletricidade, que começavam a concorrer com o carvão.
“Fazendo balanço, embora a Inglaterra continue a ser, no fim do século XIX, uma grande potência
industrial, perdeu já a primazia que tinha uns quinze anos antes. A adoção generalizada de tarifas
aduaneiras, protetoras da importação é mais uma ameaça à prosperidade Britânica. De fato, a
maior parte das grandes potências de barreiras alfandegárias que lhes permite proteger as suas
jovens indústrias da concorrência das mercadorias inglesas (MILZA, 1995, p. 75).”
No final do século XX, a Grã-Bretanha segue sendo a única grande potência industrial a praticar
o comércio livre e, apesar de todos os esforços feitos pelos industriais britânicos para baixar os custos
de produção, não conseguem ficar em igualdade de condições com os Estados Unidos e a Alemanha,
onde as indústrias em expansão frenética são protegidas por elevadas tarifas. O resultado desse
processo é o aumento ininterrupto da concorrência para as exportações britânicas.
“Mercados que vinte anos atrás eram verdadeiros monopólios ingleses, começam a ser inundados
com os produtos industriais dos Estados Unidos, do Japão e da Alemanha. Esta parece ser a
concorrente mais perigosa. Em todo o continente europeu, o progresso das exportações alemãs
põe em causa a supremacia comercial da Grã-Bretanha. Em França há ainda algum equilíbrio
entre os dois comércios, mas na Bélgica, na Europa central, em Itália e, sobretudo na Rússia, o
Reich ganha terreno. Além disso, o desenvolvimento da frota comercial alemã, o dinamismo dos
homens de negócio, sobretudo dos caixeiros-viajantes alemãs, a utilização de métodos comerciais
audaciosos […] é assim que as mercadorias britânicas se vêm confrontadas com a concorrência
cada vez mais forte dos produtos alemães, no Extremo-Oriente e na América Latina ( MILZA, 1995,
p. 112-113).”
O final do século XIX e os primeiros anos do século XX são marcados pelo aumento das
ambições japonesas e norte-americanas, as duas jovens potências que, devido a seus sucessos
econômicos e militares, começam a aparecer como sérios rivais para os países do velho continente.
“Os Estados Unidos em 1898 e o Japão em 1905 obtém vitórias sobre a Espanha e a Rússia, respectivamente,
cuja amplitude e rapidez deixam a Europa estupefata. Assim, antes mesmo da guerra de 1914-1918 que irá
precipitar o movimento, já a hegemonia plurissecular da Europa parece condenada a acabar (MILZA, 1995, p.
129).”
A competição entre as nações europeias pela posse de novas colônias teve como resultado
lógico a emergência da ideologia imperial nos Estados Unidos. A partir de então, a política
imperialista passou a caracterizar os anos que antecederam a Primeira Grande Guerra Mundial.
6. A América Central e sua importância estratégica para a expansão dos Estados Unidos
A anexação da Califórnia no ano de 1848 e a descoberta de ouro naquela região transformaram
a América Central, com destaque para a Nicarágua e para a província colombiana do Panamá, em
rota para a passagem de garimpeiros que tinham como destino as áreas de mineração. Aqueles que
desejassem chegar até as regiões auríferas eram obrigados a fazer longa viagem desde Nova York, na
costa atlântica ao Leste, até São Francisco, na Califórnia no extremo Oeste. Não por outras razões,
pouco a pouco a América Central passou a constituir-se em grandioso complexo de interesses norte-
americanos em inalterável expansão. No ano de 1855, um fato mudaria definitivamente o ritmo
dessa relação expansionista americana, a inauguração da estrada de ferro da Panamá Railroad,
através do Istmo, depois de ter obtido a concessão da Nova Granada em 1848 (posteriormente
denominada Colômbia, em 1863). A estrada de ferro abriria passagem para a futura aquisição da
Zona do Canal em 1903.
Entre os anos de 1838 e 1939 dá-se o desmantelamento das Províncias Unidas de Centro
América. Como resultado desse processo, surgem então cinco pequenas repúblicas: Nicarágua,
Guatemala, El Salvador, Honduras e Costa Rica. O esfacelamento político daquela região e o vazio de
poder que dali se manifestam passam a chamar a atenção de interesses externos pela obtenção de
concessões comerciais, viárias e de mineração. Como se não bastasse, a guerra entre as oligarquias,
que resultava em batalhas constantes entre liberais e conservadores, iria estimular ainda mais os EUA
a se fazerem presentes na vida política das pequenas repúblicas centro-americanas, o que teve como
um de seus resultados a ditadura de William Walker, flibusteiro que, contratado para lutar por um
dos rivais da ininterrupta guerra civil, apropriou-se da Nicarágua no período compreendido entre os
anos 1856 e 1857.
O processo de expansão dos Estados Unidos dar-se-ia de maneira impressionante, sobretudo
depois da superação dos efeitos dilacerantes da Guerra da Secessão (1861-1865).
Os norte-americanos estiveram por muito tempo absorvidos pela conquista do Oeste e por
problemas de povoamento e de equipamentos, que os mantiveram afastados das questões
internacionais. Na verdade, foi só com a doutrina de Monroe que os EUA começaram
sistematicamente a romper com o afastamento e a se lançarem completamente na expansão. Assim,
em 1885 a ideia de expansão pelo mundo começa a ganhar força nos Estados Unidos.
“Homens políticos, especialmente republicanos, como Teodore Roosevelt, defendem no
congresso ideias semelhantes, mas até 1890 os meios de negócios e a massa de opinião pública
não são muito sensíveis a esta corrente de pensamento imperialista. É acima de tudo os homens
de negócios que começam a se preocupar com o problema dos mercados externos para os seus
produtos, agora o equipamento do país está praticamente concluído. Embora o mercado
americano absorva ainda a quase totalidade da produção, é toda conveniência reservar para o
futuro zonas de influência fora do alcance dos concorrentes europeus e japoneses. Mais do que
uma anexação de territórios à maneira europeia, estamos perante a diplomacia do dólar que
quer assegurar zonas reservadas (MILZA, 1995, p. 129, grifo do autor).”
Vez que a indústria japonesa não pode escoar sua produção no mercado europeu ou no
mercado americano, devido à má qualidade de seus produtos, fruto da falta de operários e de
técnicos qualificados, os industriais japoneses foram obrigados a conquistar os mercados asiáticos,
sobretudo, o mercado chinês, porém, com a condição prévia de afastar os concorrentes europeus e
americanos que tinham suas redes de venda densamente inseridas na Ásia Oriental.
10 - A conquista de mercados industriais
Em 13 de janeiro de 1904, fazendo uso de sua superioridade militar, o Japão exige que a
Rússia reconhecesse definitivamente a integridade da Manchúria, e em cinco de fevereiro, devido ao
silêncio russo, o governo do Japão decidiu romper relações diplomáticas com a Rússia.
No dia oito de fevereiro de 1904, sem declarar previamente a guerra contra os russos, a frota
japonesa investiu contra a esquadra de Port-Arthur, afundando três encouraçados russos.
Assim, em fevereiro de 1904, iniciava-se a guerra entre o Japão e a Rússia.
“Assim se inicia a guerra entre Japão e Rússia As causas da guerra eram múltiplas: o antigo
regime, prosseguindo em sua política de expansão territorial, tinha os olhos voltados para a
Manchúria, excelente zona de colonização: a domínio de Port Arthur deveria abrir a China ao
comércio russo: os capitais franceses interessados na conclusão da Transiberiana cobiçavam o
extremo-oriente: o tzar, chefe de uma família imperial cada vez mais numerosa e difícil de dotar,
sonhava em aumentar a fortuna dos Romanov, na Coréia; finalmente, o desejo de consolidar a
aristocracia por meio de uma vitória militar não era, com certeza, estranha aos homens de estado
russo. Por outro lado, o Japão, espoliado pela Rússia dos frutos de sua vitória de 1894 sobre a
China, decidido a conquistar a Coréia e, ao fazê-lo, resolver pelas armas seu litígio com a Rússia,
era encorajado a isso pelo imperialismo inglês desejosa de reduzir a influência russa na Ásia
(SERGE, 1993, p. 42).”
Depois de várias batalhas, os japoneses triunfaram. Apesar de não existirem mais empecilhos
ao triunfo dos japoneses, o governo do Japão não desejava prosseguir com as hostilidades na
Manchúria. Ao final da guerra, o esforço tinha afetado as finanças japonesas. A paz foi assinada em
Portsmouth, nos Estados Unidos, a 05 de setembro de 1905.
Como parte do acordo de paz, a Rússia entregaria ao Japão a parte meridional da ilha de
Sacalina, o Liau-tung com Port-Arthur, que passaria a ser a partir de então base japonesa bem como o
Japão passaria a gozar dos direitos sobre os caminhos de ferro do sul da Manchúria; a Rússia
concederia a Tóquio toda liberdade de ação na Coréia, até a efetivação da anexação, o que aconteceu
em 1910.
A vitória na guerra com a Rússia significou para o Japão o início de um processo expansionista
extraordinário.
“Além das vantagens conseguidas com o tratado de Portsmouth, ratificadas alguns meses mais
tarde pelo governo chinês, o Japão consegue entre 1907 e 1913 novas concessões que lhe
permitem alargar a sua ação a novas ondas situadas fora do território arrendado fora da via
férrea. Em 10 anos, os japoneses transformam a Manchúria meridional num país de 25 milhões de
habitantes, aos quais se juntam 50 mil colonos nipônicos, uma coutada de que afastam aos
poucos os concorrentes europeus e americanos e que vão ligar, através do caminho de ferro, à
Coréia, que entretanto se tornou território japonês. Mesmo na China, os capitais e os homens de
negócio japoneses começam a ter um papel relevante na vida econômica do país (MILZA, 1995, p.
137, grifo do autor).”
“Depois da guerra russo-japonesa, as relações entre as duas potências do Pacífico, até então
amigáveis, começam a azedar. Os Estados Unidos temem a concorrência econômica, que a longo
prazo pode ameaçar os seus interesses, mas temem sobretudo as ambições territoriais do jovem
imperialismo nipônico, pois desconfiam que ele cobiça as recentes aquisições insulares dos
Estados Unidos – o Havaí e as Filipinas (MILZA, 1995, p. 138).”
No período que antecedeu à Primeira Guerra Mundial de 1914, o poderio militar japonês não
pararia de crescer e de se qualificar cada vez mais. Como se não bastasse, o Japão conseguira ampliar
sua influência, em parte, aos mercados do Extremo Oriente.
“Os seus produtos industriais – de fraca qualidade – mas cujos preços eliminavam qualquer
concorrência, sendo por isso adequados aos mercados famélicos da Ásia – começam a rivalizar
com o Ocidente e o mesmo acontece com seus capitais e com seus homens de negócios. Estamos
longe, embora só tenha passado meio século depois da revolução de 1868, do Japão dos
samurais. O império nipônico tornou-se uma grande potência mundial (MILZA, 1995, p. 139).”
Segundo Serge (1993), às vésperas de 1905, a concentração de terras na Rússia era absurda;
enquanto dez milhões de famílias camponesas possuíam 73 milhões de déciatines, 27.000
proprietários fundiários, dos quais 18.000 nobres, dispunham de 62 milhões de déciatínes, e um terço
aproximadamente desse incomensurável domínio pertencia a não mais que 699 riquíssimos
senhores, os quais se constituíam no mais seguro sustentáculo da autocracia, que detinha em seu
poder as melhores terras. Desde 1861, a porção dos camponeses tinha sido dividida com o objetivo
de tornar o antigo servo o mais dependente possível do senhor. Com a chegada do ano de 1900, os
preços dos cereais subiram no mercado mundial. Desejosos por lucros, os proprietários rurais
elevaram o preço das terras e dos arrendamentos em até duas vezes. Ao passo que a população rural
havia aumentado, a porção de terras dos camponeses que em 1861 tinha em média pouco mais de
cinco hectares de terra per capita masculina, caíra em média para menos de 2,5 em 1900. Esta
situação fez crescer em muito o número (cerca de uma dezena de milhões) de desocupados na zona
rural. Assim, os anos 1895-1898, 1901 representaram anos de fome para os camponeses, e de
exportação de cereais para a aristocracia.
“Esta miséria do camponês e do proletariado é para as classes ricas uma fonte de riqueza. No
período de 1893 a 1996 as exportações russas atingem em média, par ano, o valor de 661 milhões
de rublos. [...] A acumulação (anual) de riquezas passa, nesse mesmo lapso de tempo, de 104
milhões para 339 milhões. O capital estrangeiro aflui a este país onde a mão-de-obra é paga a vil
preço e onde se faz fortuna rapidamente. De 1894 a 1900, perto de 500 milhões de rublos-ouro (o
rublo vale nessa época 2.66 francos) de capitais franceses são investidos na indústria russa
(SERGE, 1993, p. 39-40).”
Por outro lado, a indústria russa, apesar de ter sido criada tardiamente, iria desenvolver-se de
maneira pujante em condições muito peculiares. Apesar das fontes de mão-de-obra serem ilimitadas,
a mão-de-obra qualificada era muito rara nos primeiros anos do século XX. Em compensação, o nível
de concentração da indústria russa atingia, sob a influência do capital estrangeiro, um grau ainda
mais elevado que o da indústria alemã. Este capitalismo, de estrutura moderna, encontrava-se
obstruído por instituições retardatárias que estavam ali há mais de um século antes do capitalismo
chegar em solo russo.
“Nenhuma legislação trabalhista, nenhum sindicato: nenhum direito de associação, de reunião, de
greve ou de palavra. Os operários, em suma, não têm direito algum. A jornada de trabalho varia
entre 10 a 14 horas. Nas usinas metalúrgicas de Briansk, no sul, o salário é (em 1898) de 70
kopeks para uma jornada de 12 horas. Os operários têxteis ganham de 14 a 18 rublos por mês e
são sobrecarregados por descontos. A jornada de trabalho é mais longa do que em qualquer lugar
da Europa e o salário, o mais baixo. Ora, este proletariado de oficinas e de fábricas, concentrado
em alguns grandes centros, forma uma massa de 1.691.000 de homens (1904) (SERGE, 1993, p.
39-40).”
“Tornou-se claro então que o regime inepto do czar, baseado na alienação e na insensibilidade,
arrastava o país para uma catástrofe, Grassavam a incompetência e a corrupção e o autocratismo
paternalista reprimia qualquer oposição. O camponês no meio rural e o trabalhador na fábrica
viviam sob um sistema de absoluta opressão. A legislação social burguesa que chegara à Alema-
nha de Bismarck e estava entrando a duras penas na Europa Ocidental, destinada a desmobilizar
ímpetos revolucionários mediante concessões, achava-se virtualmente ausente na Rússia A única
legislação que lá regia o trabalho era a da lei das selvas do capitalismo liberal (LOPEZ, 1987, p.
32).”
“Os programas anti-semitas de Kichinev, organizados pela polícia de Von Plevhe, foram uma
resposta a esses movimentos populares: centenas de judeus foram decapitados. Na mesma
época, os policiais do tzar tiveram a idéia de enquadrar e organizar, eles próprios, o movimento
operário. O policial Zubatov fomentou, em Moscou e depois em Petersburgo. a fundação de
associações operárias, colocadas sob a tríplice égide da policia, do patronato e do clero. Mas a
força dos acontecimentos obrigou esse socialismo policial a apoiar greves (SERGE, 1993, p. 41,
grifo nosso).”
Foi em meio a toda uma situação de crise interna que a guerra com o Japão iniciou-se em
1904. Assim, como já dito anteriormente, a guerra significava para a Rússia a concretização da políti-
ca de expansão territorial do Tzar, que voltava seus olhos para a Manchúria, além do domínio de
Port-Arthur, que deveria abrir a China ao comércio russo, o desejo de Nicolau II de aumentar a
fortuna dos Romanov, na Coréia e, por fim, o desejo do Tzar de consolidar a aristocracia por meio de
uma vitória militar.
Em janeiro de 1905, depois de já transcorrido um ano inteiro de reveres russos no conflito
com o Japão (a guerra se iniciara em fevereiro de 1904), a situação explodiu de vez, internamente.
“Em janeiro de 1905, ocorre um conflito nas usinas Putilov entre os operários e a direção. Esta
havia acabado de demitir quatro membros da associação operária patrocinada pelas autoridades
e dirigida pelo Pope Gapone. Este sindicato negro se vê, de repente, no comando de todo um
proletariado na iminência de perder a paciência (SERGE, 1993, p. 41, grifo nosso).”
Foi o próprio Pope Gapone, um homem das autoridades do Estado Russo infiltrado no
movimento operário russo, que organizou e redigiu a petição dos operários de Petersburgo que fora
aprovada por dezenas de milhares de proletários, destinada ao Tzar Nicolau II. No documento pedia-
se: jornada de 8 horas; reconhecimento, por parte das autoridades e do Estado, dos direitos dos
operários e; uma constituição (responsabilidade dos ministros perante a nação, separação entre a
Igreja e o Estado, liberdades democráticas). Porém, o que ocorreu foi um verdadeiro massacre, que
deixou às claras quais eram as reais margens de concessão do regime.
“De todos os pontos da capital, os peticionários, carregando ícones e cantando hinos religiosos,
puseram-se em marcha sobre a neve, numa manhã de janeiro, para ir até o paizinho tzar. Em
todas as esquinas havia emboscadas, A tropa os metralhou, os cossacos descarregaram as armas.
Tratem-nos como insurretos, havia dito o imperador. A fuzilaria foi particularmente intensa sob
as janelas do palácio de Inverno. Centenas de mortos, centenas de feridos, este foi o balaço da
jornada. Esta repressão, absurda e criminosa, dá inicio, à primeira revolução russa, Este foi
também - com 12 anos de antecedência - o suicídio da autocracia (SERGE, 1993, p. 41, grifo do
autor).”
O fato de ter sido o Padre Gaspone, que tinha sido membro e dirigente da associação
zubatovista, aquele que organizou o movimento grevista para ir de encontro às tropas do Tzar,
levantou suspeitas sobre sua participação na tragédia:
Os jornais estrangeiros assinalam, do mesmo modo que nossos correspondentes, que a polícia
deixou intencionalmente que o movimento grevista adquirisse um desenvolvimento amplo e sem
entraves, porque o governo em geral (e o duque Vladimir, em particular) desejava provocar uma
represália sangrenta nas condições mais favoráveis para ele. Os correspondentes estrangeiros
assinalam inclusive que, considerada esta circunstancia, necessariamente teria que beneficiar ao
governo de modo especial a enérgica participação que tiveram no movimento os partidários de
Zubatov.
O governo tinha, portanto, as mãos livres e seu jogo era absolutamente seguro: à
manifestação calculava, acorreriam os operários mais pacíficos, os menos organizados e menos
conscientes; a nossas tropas nada lhes custaria esmagá-los, e com isso se daria uma boa lição ao
proletariado; o pretexto seria excelente para abater a tiros os que se encontrassem na rua; a vitória
do partido reacionário da Corte sobre os liberais seria completa; e depois disso viriam as mais ferozes
represálias.
Se internamente a situação da crise agravava-se, no exterior não era diferente. Os exércitos do
tzar foram derrotados em todos os combates, em Yalu, em Mukden e em Port Authur, e ainda per-
deram toda sua frota naval na batalha de Tsu-Shima (maio de 1905). A cada fracasso, restava clara a
fragilidade militar da autocracia, o que levou a graves repercussões, tanto no interior do país quanto
no próprio palco de operações. Essas derrotas humilhantes eram fruto, sobretudo, do desmazelo
administrativo, da incapacidade dos dirigentes russos, e, por fim, da situação conturbada em que
vivia o país, o que fez com que as melhores tropas permanecessem em solo russo.
Assim, em 5 de setembro de 1905, a guerra terminou com a paz de Portsmouth, com um
custo final de 1.3 milhão de rublos, dos quais, 1.2 milhão de rublos haviam sido conseguidos pelo Tzar
Nicolau no estrangeiro, sobretudo, na Bolsa de Paris.
A derrota para o Japão encerrou o avanço russo na Manchúria, impôs um golpe violento no
regime do Tzar, além de diminuir sensivelmente o potencial bélico russo. Vez que a derrota para o
Japão conformou uma barreira para sua expansão na Manchúria e na Coréia o Czar teve que
concentrar toda a sua atenção nas questões européias.
Este, o ambiente no qual se deflagrou a insurreição de 1905, chamada por de “Ensaio Geral”.
Na Revolução Russa de 1905:
Porém, com a concessão, o Tzar não tinha nenhuma pretensão de abandonar o poder na
Rússia, seu intuito era não mais que ganhar tempo, para “por a casa em ordem”. Isso ficou claro na
forma apressada com a qual o czar encerrou a guerra contra o Japão para liberar forças militares de
que precisava a fim de fazer com que a ordem no país voltasse ao que era anteriormente.
O século XX não começou muito bem na Europa, cujo clima era de enorme tensão e rivalidade
entre as grandes potências. O início do século dava-se em meio à guerra. Na virada do século XIX para
o século XX, aumentavam, progressivamente, nos jornais, as notícias da guerra dos ingleses contra os
sul-africanos - os Boers - bem como sobre a guerra das grandes potências capitalistas contra os
chineses, a chamada guerra dos boxers.
Em busca de novos mercados para a venda de seus produtos, os países industrializados
europeus entravam em choque entre si pela conquista de colônias na África e Ásia.
“Contudo, a criação dos impérios coloniais, conseqüente à investida internacional do capital,
mostrou ser apenas uma resposta temporária ao problema da crescente desproporção entre o
desenvolvimento das forças produtivas e a forma política dentro da qual se verificara esse
desenvolvimento: o Estado-nação. Dada a pobreza e as baixas taxas de crescimento das colônias,
sua demanda por produtos industriais era implicitamente limitada; dificilmente seriam um
substituto dos mercados lucrativos que se achavam nos próprios países industriais, cujo
fechamento sistemático — mediante altas tarifas sobre bens e capitais importados, estabelecidas
no final do século XIX — apressou o ímpeto colonial (MANDEL 1989, p. 10).”
Essa situação faria com que o continente europeu voltasse a ser o centro das preocupações.
Não existiu assim, conflito sequer que não tenha se iniciado ou terminado no velho continente.
“[...] o fato de que o mundo fora dividido relativamente cedo, beneficiando especialmente a
margem ocidental do continente europeu, significava que as potências industriais mais recentes
(EUA, Alemanha, Rússia, Japão) dispunham de pouco espaço para expandir-se exteriormente. Seu
desenvolvimento prodigioso resultou em vigorosa ameaça à distribuição territorial existente.
Perturbava o equilíbrio concomitante de poder político e econômico. O conflito crescente entre as
forças produtivas que então surgiam e as estruturas políticas predominantes cada vez menos
podiam ser contidas pela diplomacia convencional ou por escaramuças militares locais. As
coalizões de potências, fortalecidas por esse conflito, apenas o exacerbavam, fazendo prever que
atingiriam um momento explosivo. A explosão ocorreu com a Primeira Grande Guerra (MANDEL,
1989, p. 10).”
A composição original de cada bloco da Tríplice Aliança e da Tríplice Entente sofreu
alterações, conforme os interesses imediatos dos países; alguns países trocaram de lado, como a
Itália em 1915. As tensões entre os dois blocos antagônicos foram se tornando cada vez mais
insuportáveis, a ponto de qualquer incidente servir como estopim de guerra.
14 - Consumo improdutivo, armas e militarismo
Esses sinais eram apenas o prenúncio de que se iniciaria com o século XX o momento das
guerras inter-imperialistas entre as grandes potências capitalistas.
Rosa Luxemburg (1983) é pioneira na abordagem do papel crucial do consumo improdutivo no
desenvolvimento da acumulação e crises do capital. Um estudo importante acerca dos aspectos
econômicos, políticos e militares e, desta forma, profundamente ligados à guerra dos países
imperialistas, foi feito por Rosa Luxemburg em 1912, a partir da abordagem em relação ao papel
crucial do consumo improdutivo no desenvolvimento da acumulação e crises do capital.
Para Luxemburg (1983), o estudo do aumento da produção e de consumo de mercadorias de
luxo e de armamentos é fundamental para o entendimento do papel do Estado e do imperialismo na
regulação das crises globais do capitalismo moderno. Dentro da perspectiva colocada por Luxemburg
(1983), as despesas improdutivas criadas no regime capitalista para o consumo de bens de luxo e de
armamentos não se destinam a uma imprecisa demanda de mercadorias em geral, quer dizer, de
simples valores de uso.
Para Luxemburg (1983), o problema da demanda pelo lucro assume então seu verdadeiro
lugar. Na teoria e na prática, resume-se a um problema do Estado, um problema político, a uma
corrida para se descobrir alguma forma de consumo improdutivo que tenha o poder de esterilizar
partes maiores da mais-valia produzida. O militarismo tem ainda outra função importante. De um
ponto de vista puramente econômico, ele é para o capital um meio privilegiado de realizar a mais-
valia; em outras palavras, é um campo de acumulação.
Luxemburg (1983) nos propõe como exercício teórico imaginar-se por um momento, que todo
o dinheiro, extorquido dos trabalhadores sob forma de impostos indiretos e que faz diminuir seu
consumo, seja empregado para pagar os funcionários do Estado e para o provimento das forças
armadas.
“Nesse caso, não haverá modificação na produção do capital social total. O setor de meios de
consumo e consequentemente o de meios de produção mantém-se inalterados, pois não houve
nenhuma modificação quanto ao gênero e a quantidade da demanda social total. O que se
modificou foi a relação de valor entre e, isto é, a mercadoria (força de trabalho) e os produtos do
setor II, meios de consumo. Esse mesmo e, que é a expressão em dinheiro da força de trabalho,
modifica-se, agora, em relação a uma quantidade menor de meios de consumo. Que acontecerá
com o excedente dos produtos do setor II? Ao invés de serem consumidos pelos produtores, são
distribuídos pelos funcionários do Estado e do exército. Substitui-se o consumo dos trabalhadores
pelo dos órgãos do Estado capitalista, numa mesma quantidade (LUXEMBURG, 1983, p. 400).”
Segundo Luxemburg (1983), do ponto de vista da reprodução social, tudo se passa como se a
mais-valia relativa fosse acrescida de certa soma, que também se atribui ao consumo da classe
capitalista e de seus elementos parasitários. Dessa maneira, a exploração da classe operária pelo
engenho dos impostos indiretos, que têm como função a sustentação do aparelho de Estado.
Pode-se, então, presumir que caso a população não aguentasse em seu maior contingente, os
custos da manutenção dos funcionários do Estado e do exército, teriam os grandes proprietários que
suportá-los em sua somatória.
Assim, os grandes bilionários teriam que destinar parte dos seus altos lucros à manutenção
desses órgãos da dominação de classe, fazendo isso à custa do próprio consumo que teriam de
limitar proporcionalmente. O que não é de seu desejo, muito pelo contrário, o que ocorre na
realidade é a transferência da maior parte dos gastos destinados ao sustento de seu séquito para os
trabalhadores (e aos representantes da produção simples de mercadorias: camponeses e artesãos) o
que permite aos grandes empresários deixar livre, parte maior dos lucros para a capitalização. Mas,
no momento, não se cria de modo algum a possibilidade dessa capitalização, isto é, não se cria
nenhum mercado novo que permita utilizar esse lucro liberado, produzindo e rendendo novas
mercadorias. A questão muda de aspecto se os recursos concentrados nas mãos do Estado, pelo
sistema de impostos, são utilizados na produção de engenhos de guerra. Em decorrência do sistema
de impostos indiretos e tarifas aduaneiras, os gastos do militarismo são principalmente suportados
pelos trabalhadores, classes médias e pelo campesinato.
Luxemburg (1983) esclarece que a questão crucial é que o capitalismo precisa desenvolver a
produção de algum tipo de valor de uso do qual o consumo impeça seu retorno para o campo
produtivo, algum valor de uso que o consumo faça desaparecer na própria circulação do capital.
Esses remédios contra a superprodução são precisamente aqueles valores de uso que não podem ser
empregados como meios de produção, nem como meios de reprodução da força de trabalho. As
modernas formas de consumo improdutivo individuais (de bens de luxo) como também estatais (de
armamentos) foram as que mostraram ser, historicamente, as mais apropriadas para exercer esse
papel. E, assim, desvenda-se, também, a origem do Estado nomeadamente, da forma particular da
acumulação capitalista no mercado mundial.
“É o próprio capital que controla esse movimento automático e rítmico a produção para o
militarismo, graças ao aparelho legislativo parlamentar e à imprensa que se encarrega de criar a
chamada opinião pública. Isso porque esse Campo específico da acumulação capitalista parece, a
princípio, ser de uma capacidade ilimitada de expansão. Enquanto qualquer outra ampliação do
mercado e da base de operação do capital depende, em grande parte, de elementos históricos,
sociais, políticos, que se encontram fora da influência do capital, a produção para o militarismo
constitui uma esfera cuja ampliação sucessiva parece encontrar-se ligada à produção do capital
(LUXEMBURG, 1983, p. 410-411).”
Esse pêndulo do capital comanda as oscilações de períodos mais ou menos prolongados dos
desdobramentos concretos do mercado mundial e do Estado capitalista, vale dizer, do espaço social e
das condições políticas em que a lei do valor se manifesta em toda sua plenitude.
Karl Liebknecht (1970) vai mostrar a característica da guerra e do militarismo no século XX:
“Uma história do militarismo, no sentido mais profundo do termo, revela a essência íntima da
história da evolução humana, seus impulsos em geral; dissecar o militarismo capitalista, é colocar
à nu as raízes mais finas e as mais escondidas do capitalismo. A história do militarismo é aquela
dos antagonismos políticos, sociais, econômicos e, de uma maneira geral, culturais, entre os
Estados e as nações, como também aquela das lutas de classes no interior destas nações
(LIEBKNECHT, 1970, p. 78-79, tradução nossa).
A experiência do tempo de guerra ensina em que elevada medida o militarismo, mediante
exclusão e interdição da circulação de pensamentos, mediante o impedimento da difusão de notícias,
consegue deter o efeito de concepções e ações individuais, bem como a influência de processos que,
em si mesmos, estimulariam as massas da maneira mais intensa.
15 - A Primeira Guerra Mundial e o Imperialismo - 1914-1918
Porém, o assassinato de Ferdinando e Sofia só pode ser entendido como o motivo detonante
da Primeira Grande Guerra Mundial, não fosse o clima conflituoso da situação internacional na
época, a morte de Francisco Ferdinando não teria levado as grandes potências entrarem em conflito.
Mas as circunstâncias históricas foram suficientes para provocar a reação militar. Em 28 de julho de
1914, a Áustria declara guerra à Servia, e um dia depois, em 29 de julho, em apoio à Sérvia, a Rússia
mobilizou suas tropas militares contra a Áustria e a Alemanha. Logo em seguida, no dia 1º de agosto,
foi a vez da Alemanha entrar no conflito, declarando guerra à Rússia e, posteriormente, à França.
Com o objetivo de atingir a França, os exércitos austríacos e alemães invadiram a Bélgica (neutra). Em
5 de agosto, chega o momento da Inglaterra fazer-se presente no conflito, declarando guerra à
Alemanha.
As relações internacionais conflituosas explodem em conflito bélico, e a Europa se arma.
Cerca de vinte e cinco anos depois, em seu trabalho de 1939, Carr (2001) buscou analisar a
importância da guerra nas relações internacionais:
“A suprema importância do instrumento militar repousa no fato de que a ultima ratio do poder,
nas relações internacionais, é a guerra. Todo ato do Estado, no aspecto do poder, está dirigido
para a guerra, não como uma arma desejável, mas com uma arma que pode ser necessária como
último recurso. Os aforismos famosos de Clausewitz, de que a guerra não é nada mais do que a
continuação das relações políticas por outros meios, foi repetido com a aprovação por Lenin
quanto pela internacional comunista; e Hitler pensava na mesma orientação, Hawtrey define a
diplomacia como a guerra em potencial. Estas observações são meias verdades. Mas o mais
importante é reconhecer que elas são verdades. A guerra espreita aos bastidores da política
internacional assim como a revolução espreita os bastidores da política interna. Há poucos países
europeus onde, em alguma época dos últimos trinta anos, uma revolução em potencial não tenha
sido um fator importante na política; e a comunidade internacional possui, a esse respeito, a mais
próxima semelhança com aqueles Estados onde a possibilidade de revolução é mais frequente e
presente nas ideias (CARR, 2001, p. 143-44, grifo nosso).
Fruto do conflito, os aliados não-europeus dos países envolvidos são arrastados para um
conflito que envolveu diretamente 65 milhões de pessoas, ocasionou a perda de mais de oito milhões
de soldados e deixou mais de 25 milhões de feridos. Com a Primeira Grande Guerra Mundial, a
humanidade conheceria, pela primeira vez, as catastróficas realizações que a época imperialista,
caracterizada pelo advento de guerras e revoluções, reservara para os povos.
A partir do implemento imperialista em larga escala, a competição não era eliminada, mas
continuava principalmente entre um número relativamente pequeno de firmas gigantes, aptas a
controlar grandes partes da economia nacional e internacional. O capitalismo monopolista, neste
sentido, era intrínseco à rivalidade Inter imperialista, revelando-se, primariamente, sob forma de luta
pelos mercados globais. A resultante divisão do mundo em esferas imperiais e o esforço que isto
acarretou conduziu diretamente à Primeira Grande Guerra Mundial. Para Hobsbawm:
“Por volta de 1913, as economias capitalistas já estavam rumando rapidamente na direção de
grandes conglomerados de empreendimentos concentrados, mantidos, protegidos e, até certo
ponto, guiados pelos governos. (HOBSBAW, 1998, p. 160).”
Na verdade, a Primeira Grande Guerra Mundial pode ser caracterizada como sendo a guerra
do imperialismo plenamente desenvolvido, que demonstra, mais que qualquer outra anterior a ela,
que a guerra não é apenas uma questão de forças armadas, mas sim de todo o sistema de Estado, de
toda a vida econômica, bem como do conjunto da população, de cujo caráter e capacidade de
trabalho depende, em grande medida, a organização militar.
A rivalidade econômica, sob a bandeira do militarismo, é acompanhada pelo roubo e a
destruição, os quais violam os princípios mais elementares da confusão produzida por divisões
nacionais e de Estado como também contraria a ordem econômica, a qual se transformou em um
caos de desorganização. A guerra de 1914 é a mais colossal ocorrida até então na história, de um
sistema econômico destruído por suas próprias contradições.
Se em alguns momentos a guerra tivesse sido defensiva, com a expansão colonial
deixou de sê-la, de ambos os lados. A Grã-Bretanha se apodera de colônias da África, de Bagdá, de
Jerusalém. A Alemanha ocupa a Sérvia, a Bélgica, a Polônia, a Lituânia, a Romênia e se apodera das
ilhas de Moonsund. Isto não é guerra defensiva. É uma guerra par partilha do mundo (SERGE, 1993,
p. 170).”
Tal como a vida econômica transformou-se em uma função do militarismo, também o Estado
se converteu em máquina construída, até nos detalhes, muito mais “aperfeiçoada”, poderosa e
intrincada que aquela espartana. A Primeira Grande Guerra Mundial transformou a frágil máquina do
início do século XX em temível máquina de guerra.
Passados cinco anos, os países em guerra construíram cerca de 176.000 aeroplanos, algo
surpreendente se comparado ao período entre 1903 e agosto de 1914, no qual a produção mundial
total não superou muito mais que 10.000 unidades.
No transcurso da guerra, o aeroplano militar transformou-se para se adaptar às exigências
impostas pelo conflito militar. Em 1918, os aviões de caça já voavam a 6.000m de altura, atingiam
200 km/h e eram equipados com duas metralhadoras; por outro lado, os bombardeiros conseguiam
transportar até 1.500 Kg de bombas, a 140 km/h e a 4.500 m de altura, contando com um raio de
ação de mais de 500 km. Com a Primeira Grande Guerra Mundial, os aviões se transformaram em
verdadeiras máquinas de guerra.
Tanto o material humano, como o material destinado à execução da guerra, não constitui, em
contraste com o passado, uma grandeza fixa, determinada, mas um produto social que,
continuadamente, se renova, completando-se e modificando-se segundo as respectivas necessidades
de volume e de tipo. A vida econômica abastece as forças armadas.
Entre os anos 1914 e 1915, ocorre intensa movimentação dos exércitos beligerantes. Depois
de rápida ofensiva das forças militares alemãs em território francês, em setembro de 1914, o exército
francês organiza a contraofensiva e detém, na Batalha do Marme, o avanço alemão sobre Paris.
No caso da Rússia, a Primeira Grande Guerra representou importante elemento no curso
dos acontecimentos de sua Revolução. A Primeira Grande Guerra (1914-1918) fortaleceu o
movimento operário russo para a Revolução. A campanha desastrosa dos exércitos do Czar na guerra,
na qual os combatentes lutavam em condições de abandono, deu clara mostra que aquela não era
uma guerra de nações, e sim de classes dominantes com objetivos imperialistas. As deserções se
avolumaram, infligindo um grande golpe no braço armado do czarismo.
Após a derrota alemã em Marme, nenhum dos lados beligerantes conseguiu impor vitórias
significativas sobre o inimigo. O equilíbrio de forças passou a ser a realidade nas frentes de combate.
Por fim, em 11 de novembro de 1918, a Alemanha assinou o armistício em condições bastante
desvantajosas.
16 - O Entreguerras - As consequências políticas e econômicas da Primeira Grande Guerra Mundial
Após a rendição da Alemanha, entre os anos de 1919 e 1920, realizou-se no Palácio de
Versalhes, na França, uma série de conferências com a partição de 27 nações vencedoras. Sob a
liderança da Inglaterra e da França essas nações estabeleceram um conjunto de decisões conhecido
como Tratado de Versalhes, estabelecendo duras condições à Alemanha.
Depois de quatro anos de guerra atroz, as coisas estavam consideravelmente mudadas. A
hegemonia europeia sofreu rude golpe. Os principais atores da cena internacional foram duramente
atingidos, de forma duradoura, pela sangria demográfica e pela destruição de parte de seu potencial
industrial. A dominação política e o magistério intelectual que exerciam sobre as populações de
outras partes do globo sofreram grande abalo. Apesar disso, é ainda entre eles que iriam-se
desenrolar, nas duas décadas seguintes ao primeiro conflito mundial, os principais acontecimentos
da história do mundo.
17 - O Tratado de Versalhes
Com o fim da Primeira Grande Guerra Mundial, as potências vencedoras buscam reorganizar a
Europa segundo seus interesses.
“Em 1918, a Europa apresenta um aspecto contraditório. Aparentemente, o Direito triunfa sobre
a força e o modelo democrático parece estender-se a grande parte do continente, enquanto se
assiste à derrocada dos regimes autocráticos” (MILZA, 1995, p. 7).
Para as nações que, vitoriosas no conflito contra a Alemanha e a Austro-Hungria, aspiraram
que a nova ordem internacional tivesse caráter definitivo, o que só poderia ocorrer se fossem
apagadas as causas das rivalidades que levaram aos confrontos entre os países e entre as populações
que originaram o mais brutal conflito bélico da história. Para isso, seria necessário indicar de maneira
clara os “culpados” pelo processo que originara a guerra. Por outro lado, para os vencedores, era
primordial a criação de um novo sistema internacional. A nova situação deveria, segundo os
vencedores da guerra, basear-se em:
“[...] Nas noções de equidade, do Direito dos povos à autodeterminação e de solidariedade
internacional, ideias e mitos que revelam do vasto corpus ideológico que as classes dirigentes
herdaram da filosofia das luzes e do rescaldo da revolução atlântica. Com a sociedade das nações,
cujo projeto ganha força no primeiro semestre de 1919, e à qual os promotores da nova ordem
internacional confiam a missão de manter a paz no respeito pelos direitos e pela soberania de
cada Estado, estes princípios e estas ideias parecem triunfar definitivamente sobre as forças do
mal que levaram ao conflito bélico (MILZA, 1995, p. 8, grifo do autor).”
Porém, segundo Milza (1995), esta imagem mítica da nova Europa não condizia muito com a
realidade do velho mundo do pós-guerra, pois se, para o autor, é correto dizer que sob os escombros
dos velhos impérios e das sociedades arcaicas da Europa pré-industrial surgem instituições e práticas
democráticas, isso não duraria muito tempo.
“No verão de 1919 a Hungria atola-se numa ditadura, a que se seguem, durante os anos 20 boa
parte dos países da Europa central, oriental e mediterrânea: a Itália, em 1922, a Espanha, em
1923, Portugal e a Polônia, em 1926, etc. A paz pela justiça e pela cooperação entre os povos
assenta numa série de tratados que os vencidos devem aceitar ne varietur e que os alemães
consideram como um diktat […] (MILZA, 1995, p. 8).”
Entretanto, a partir do final da guerra, a Grã-Bretanha e a França, mais que nunca, foram
obrigadas a conviver com a jovem potência norte-americana que cumpriu um papel decisivo para que
a guerra tivesse o resultado apresentado.
Apesar de todo o trauma sofrido, a Primeira Grande Guerra Mundial trouxe prosperidade para
alguns. Desde o período final do século XIX, os Estados Unidos foram expandindo sua produção
industrial e ampliando seu campo de ação econômica em diferentes partes do globo terrestre. Com a
eclosão da Primeira Grande Guerra Mundial na Europa, o país alcançou significativo crescimento
agrícola e industrial.
Durante o transcurso da guerra, mantendo-se, a princípio, numa posição de neutralidade, os
norte-americanos forneciam seus produtos aos países envolvidos no conflito bélico. Enquanto as
potências europeias estavam envolvidas em seu esforço de guerra, os Estados Unidos aproveitavam
para tomar e abastecer outros mercados mundiais, na Ásia e na América Latina.
Com o fim da Primeira Grande Guerra Mundial, inicia-se então o período que favoreceria
algumas nações no plano internacional. Entre elas encontravam-se o Reino Unido e a França, donos
de vastos impérios coloniais, bem como a União Soviética, rica em recursos naturais e em acelerado
processo de desenvolvimento. Porém, entre todas as nações, foi aos Estados Unidos que se abriram
as maiores possibilidades com o fim da Primeira Grande Guerra Mundial, uma vez que a Europa se
encontrava abalada pela mesma. Para euforia norte-americana, a Europa, ao final do conflito, tornar-
se-ia um grande mercado dependente de suas exportações.
Possuindo aproximadamente a metade de todo o ouro que circulava nos mercados
financeiros do mundo, os Estados Unidos saíram da Primeira Grande Guerra Mundial como credores
da Europa arrasada, projetando-se como grande potência mundial. É bom lembrar que a intervenção
dos EUA ao lado da Entente mostrou ser decisiva para que se consolidasse a derrota dos exércitos
alemães.
Porém, Mandel (1989) dirá que a Primeira Grande Guerra Mundial não “resolveu” a crescente
contradição entre a economia e a política no seio do mundo capitalista:
“Na verdade, a Alemanha foi derrotada, mas não de maneira tão decisiva que a eliminasse da
corrida pela liderança mundial. E a guerra abrira as portas para um recém-chegado: a revolução
socialista. A vitória e a consolidação do poder bolchevique na Rússia; o fermento revolucionário
levando ao surgimento do poder soviético nos demais países derrotados e na Itália; a repulsa
generalizada pela guerra que, a seu final, deu origem a uma guinada para a esquerda nos próprios
países vitoriosos — todas essas coisas alteraram, para a burguesia, o sentido geral do conflito
armado internacional. Desde o início, o novo acordo entre vencedores e vencidos foi ofuscado
pelo desejo das classes dirigentes de evitar que a revolução se espalhasse, especialmente para a
Alemanha. [...] Os imperialistas norte-americanos, britânicos e mesmo franceses não se
atreveram a desarmar inteiramente seus adversários alemães, temendo que a classe operária
alemã assumisse o poder. De fato, entre novembro de 1918 e outubro de 1923, o Reichswehr era
a única força real a defender a enfraquecida ordem capitalista na Alemanha. A contradição de
Versalhes foi que os vencedores quiseram enfraquecer o capitalismo alemão, sem desarmá-lo de
fato e mantendo intacto seu poder industrial. Isso tornou inevitável sua reabilitação militar
(MANDEL, 1989, p. 11).”
A América Latina, até 1914, tinha sido local privilegiado para as influências européias; no
Brasil não foi diferente, em que pese a presença norte-americana no país já ser notada no século XIX.
Também, é fato que a influência da Inglaterra tinha claramente dominado a área latino-americana,
tanto do ponto de vista econômico e financeiro, como do ponto de vista cultural.
“O aparecimento dos navios a vapor no Atlântico Sul deu um novo impulso ao comércio
de longas distâncias e em particular veio favorecer as relações comerciais entre o Brasil,
de um lado, e a Europa e os Estados Unidos, de outro lado” (SILVA, 1985, p. 29).”
Na verdade, apenas a América Central escapava ao domínio europeu, uma vez que, nos
últimos anos do século XIX, os interesses americanos tinham ultrapassado os da Grã-Bretanha, da
França e da Espanha. A Primeira Grande Guerra Mundial decretou o fim do domínio europeu na
América Latina, o que obrigou os europeus a repatriar em seu capital e porém fim em suas
participações financeiras em empresas sul-americanas. Por outro lado, o movimento dos Estados
Unidos ocorreu em sentido contrário: aproveitaram o espaço que se abriu para investirem
maciçamente na região.
19 - As reparações
Segundo o art. 231 do Tratado de Versalhes: “[...] a Alemanha e os seus aliados são
responsáveis por todas as perdas e danos sofridos pelos governos aliados e pelos seus associados,
bem como pelos cidadãos desses países em consequência da guerra”.
As potências vencedoras impuseram situação punitiva extrema aos alemães, como relata
Milza (1995):
“O fato de se comprometerem com a ideologia de Wilson não os impediu de impor à Alemanha e
aos seus aliados uma paz leonina e de fazer da SDN, pelo menos durante a década que se seguiu à
guerra, um instrumento da sua política de potências, ou da sua segurança, embora se torne difícil
distinguir, pelo menos no caso da França, o que é que nessas preocupações revela de aspectos
defensivos e o que é que tem a ver com desígnios imperialistas, mais ou menos disfarçados
(MILZA, 1995, p. 8).”
A Alemanha viu-se obrigada a pagar a título de reparações de guerra, cujo valor se elevaria a
132 bilhões de marcos – ouro, que deveriam ser pagos em 30 anuidades. Porém, as medidas
punitivas não terminaram, mas começaram por aí, já que o Reich deveria fazer imediatamente
devoluções extremamente humilhantes.
“A par de dezenas de milhar de cabeças de gado que deverão ser devolvidas à França e à Bélgica,
e de obras de arte que os alemães se apoderaram em 1871 (por exemplo, O Cordeiro Místico de
Van Eyck), aparecem instrumentos astronômicos tirados à China em 1901, o Corão do califa
Osman, oferecido pelo sultão ao imperador Guilherme II, ou ainda o crânio do soberano africano
Ma Kaua, que deveria ser devolvido à Grã-Bretanha” (MILZA, 1995, p. 21, grifo do autor).
Com o término da guerra, a França buscou colocar em prática seu plano econômico centrado
na questão siderúrgica, que tinha por objetivo tirar da Alemanha quase 50% de seu potencial
energético. Assim, segundo o Tratado, a Alemanha ficava obrigada a ceder à França as minas do
Sarre. Os Estados favorecidos pelas reparações – França, Itália e Bélgica – receberam do Reich
expressivas quantidades de carvão e de coque. O Tratado de Versalhes extraiu da economia alemã
quase 80% de suas fontes de minério de ferro.
“Decretam a penhora das empresas alemãs da Lorena desanexada, interditam a estas empresas a
posse de minas e fábricas siderúrgicas no departamento da Mosela e obrigam o Luxemburgo a sair do
sistema alfandegário e econômico alemão, é fácil de perceber que o objetivo é atingir as bases da
potência industrial do outro lado do Reno. A Alemanha vê-se sob a ameaça de ficar privada, de um dia
para o outro, de 40% da sua capacidade de produção na fonte e de 30% da sua capacidade de
produção de aço. A curto prazo, é toda sua indústria siderúrgica que corre o risco de ficar paralisada
devido aos rombos que, a pretexto das reparações são feitos no carvão e no coque” (MILZA, 1995, p.
22).
O que é claro no Tratado, independente das ideologias, é que o interesse dos altos
funcionários e dos políticos que o conceberam garantia a transferência de poder da Alemanha para a
França, para que esta se tornasse o pólo industrial europeu, suporte às suas alianças. “É uma atitude
do imperialismo político, concebido nos círculos do poder e que o gabinete do ministério dos negócios
estrangeiros faz tudo para pôr em prática” (MILZA, 1995, p. 22).
Podemos definir o Tratado de Versalhes como o Tratado que obrigava a Alemanha, entre
outras coisas, a: devolver a região da Alsácia-Lorena à França; cessão da Alta Silésia, da Prússia
Ocidental, de Poznan, de Memel, de Hiucin, à Polônia, e Eufen e Malmédy à Bélgica; proceder à
cessão da região industrial do Sarre à recém-criada Sociedade das Nações e a converter Dantrig
(atual Gdansk) em cidade livre; entregar as colônias em regime de mandato à França, Grã-Bretanha,
Bélgica, África do Sul, Austrália, Nova Zelândia e Japão; passar a grande maioria de seus navios
mercantes à França, Inglaterra e Bélgica; pagar uma enorme indenização em dinheiro aos países
vencedores da guerra; reduzir drasticamente o poderio militar de seus exércitos, limitar seus efetivos
a 100.000 homens; ficar proibida de fabricar armamentos, acabar com o Estado-Maior, tornar-se
impedida de possuir aviação militar, e; ter, por um período de 15 anos, o Reno ocupado pelas forças
aliadas.
Essa condenação provocou, em pouco tempo, intensa reação das forças políticas organizadas
no país, criando entre os alemães profundo ressentimento em relação aos ex-inimigos, vez que os
alemães consideravam injustas, revanchistas e humilhantes as condições do Tratado. O desejo
alemão de mudar essas condições seria mais tarde uma das importantes causas da Segunda Grande
Guerra Mundial (1939 – 1945).
Porém, o Tratado de Versalhes não foi o único do pós-guerra. Vários outros tratados,
assinados entre os países participantes do conflito, tiveram como resultado o desmembramento do
Império Austro-húngaro, o que possibilitou o surgimento de novos países, tais como a
Tchecoslováquia, a Hungria, a Polônia e a Iugoslávia.
20- As Conferências de Paz
Além do Tratado de Versalhes, após o término da Primeira Grande Guerra Mundial, várias
conversações de paz foram feitas, entre as quais salientam-se as seguintes: a formação da Liga das
Nações, o Tratado de Saint-Germain-en-Laye, o Tratado de Neuilly, o Tratado de Trianon, o Tratado
de Sèvres, o Tratado Ítalo-iugoslavo, o Tratado de Brest-Litovski e o Pacto Briand-Kellogg.
Tratado de Saint-Germain-en-Laye: em 10 de setembro de 1919, este tratado foi assinado
entre os Aliados e a Áustria, confirmando o desmembramento da antiga monarquia dos Habsburgos,
que ficou restrita às regiões em que se falava o idioma alemão. A Itália ficou com o Tirol, a Ístria e o
Trieste, assim como algumas ilhas dálmatas, parte da Carníola e da Coríntia, e a Polônia com a Galícia.
Tratado de Neuilly: assinado em 27 de novembro de 1919, no qual a Bulgária distinguia o
novo Estado da Yugoslávia e cedia à Grécia a região da Trácia.
Tratado de Trianon: assinado em 4 de junho de 1920, este Tratado obrigava a Hungria a
reduzir seu exército para 35.000 homens e a ceder território à Iugoslávia, Checoslováquia e Romênia.
Tratado de Sèvres: assinado em 10 de agosto de 1920, o Tratado obrigava a Turquia a abdicar
de grandes extensões de território em favor da Grécia; conferisse autonomia ao Curdistão,
independência à Armênia e cedesse vastas parcelas de território em favor do Egito, da Síria, da Arábia
e da Palestina.
Tratado Ítalo-iugoslavo: assinado em novembro de 1920 a Dalmácia passava a pertencer à
Iugoslávia e Fiume transformava-se em Estado livre.
Tratado de Lausanne: em 24 de julho de 1923 assinado entre a Turquia e os Aliados, veio
substituir o Tratado de Sèvres, eliminando as capitulações e regulamentando o tráfego de navios nos
Estreitos.
Tratado de Brest-Litovski: assinado em 3 de março de 1918 entre a Alemanha e a Rússia, este
tratado teve o papel de por fim à participação russa na Primeira Grande Guerra Mundial.
Pacto Briand-Kellog: em 1928 é firmado este pacto, que marca decisivamente a ilegalidade do
uso da força pelos Estados.
Segundo Huck (1996):
“O Pacto de Paris, conhecido como Pacto Briand-Kellog, em homenagem aos dois estadistas que o
negociaram, ou ainda como Tratado Geral para a Renúncia da Guerra, tem como principal mérito
impor aos Estados a renúncia à guerra como forma de ação, declarando-a ilegal. Com exceção da
legítima defesa, cujo recurso continua garantido aos Estados agredidos, qualquer outra manifestação
de agressão armada é considerada ilegal per se. Juntamente com a Carta das Nações Unidas, editada
em 1945, o Pacto Briand-Kellog representa uma das principais fontes normativas do direito
internacional postas para limitar o uso da força pelos Estados” (HUCK, 1996, p. 75).
“O princípio de uma Sociedade das Nações, funcionando segundo as regras de uma instituição
democrática e representativa dos membros da comunidade internacional é o acabamento final do
edifício ideológico que os burgueses liberais tinham edificado desde o século XVIII e que – com a
queda dos impérios autocráticos – parece destinado a ocupar todo o horizonte político do pós-guerra
(MILZA, 1995, p. 33, grifo do autor).”
O Conselho deveria compreender cinco membros permanentes, mas teve sua composição
reduzida a quatro. Apesar do papel determinante do presidente norte-americano (Wilson) na criação
da Organização, o Senado norte-americano recusou-se a ratificar o Tratado e os Estados Unidos
retiraram-se de Genebra. Somaram-se então a esses quatro, os membros não-permanentes eleitos
em alternância (número que passaria para seis em 1922 e para nove em 1926).
“O Conselho reúne pelo menos uma vez por ano e quando as circunstâncias assim o exigirem para
tratar de todas as questões relacionadas com a manutenção da paz, para designar os principais
funcionários do Secretariado, para elaborar planos de desarmamento, para intervir como mediador
em caso de ameaça de guerra, para recomendar medidas militares a serem tomadas contra um
eventual agressor, etc. É claro que os quatro membros permanentes – França, Reino Unido, Itália e
Japão – têm uma influência determinante nestas decisões” (MILZA, 1995, p. 34, grifo do autor).
O Secretariado era composto pelo Secretário-Geral, com atribuições fundamentalmente
administrativas: convocação do Conselho a pedido de um Estado-membro, elaboração da ordem de
trabalhos da Assembleia e direção das publicações da SDN (Sociedade das Nações). Seu primeiro
Secretário-Geral, o britânico Éric Drummond exerceria esta função por treze anos.
Somados a seus três organismos principais (Assembleia, Conselho e Secretariado), existem
numerosos organismos subsidiários, alguns de caráter político (Comissão Permanente Consultiva
para questões militares), outros meramente “técnicos” (Cooperação Intelectual, Questões Sociais,
Escravatura, Lepra, Ópio). Por fim, entre os organismos ligados à Sociedade das Nações, encontram-
se a Organização Mundial do Trabalho e o Tribunal Permanente de Justiça Internacional.
“A coberto de princípios morais e jurídicos, a SDN constitui de fato um instrumento de manutenção e
de vigilância da nova ordem internacional instaurada pelos vencedores, na medida em que submete
todos os eventuais litígios à sua arbitragem ou à do Tribunal Internacional de Haia. A sua composição,
que só muito lentamente irá mudar (os Estados Unidos mantêm-se afastados, a Alemanha entra em
1926 para sair em 1933, a URSS só é admitida em 1935 e seria excluída quatro anos mais tarde),
confirma a influência dominante da França e do Reino Unido. Prova disso é a nomeação de Sir Éric
Drummond para o cargo de Secretário-Geral, em 1920, a sua substituição pelo francês Joseph Avenol
em 1933, ou ainda a designação de um outro francês Albert Thomas para chefiar o Bureau
Internacional do Trabalho” (MILZA, 1995, p. 36-37).
Para Huck (1996), os construtores do Pacto da Sociedade das Nações nunca se propuseram a
elaborar documento de impacto jurídico, mas procuravam sim:
“[…] equacionar a paz, com a mesma dificuldade que se havia combatido a guerra, com uma
preocupação essencial de natureza política. Ademais, mesmo a função política do Pacto não se pode
considerar exitosa, pois não se conseguiu dar à Sociedade das Nações uma vocação universal, uma vez
que Estados Unidos e União Soviética, já duas potências maiores, dela não faziam parte como
membros” (HUCK, 1996, p. 73).
Mas, na verdade, a Liga das Nações estava intimamente ligada à Nova Ordem Mundial
derivada da Primeira Grande Guerra Mundial.
“Na década que se segue à guerra, nem a Alemanha, cujos bens, como vimos, foram para os
vencedores, nem a França conseguem restabelecer o seu crédito externo nesta parte do mundo. Só a
Grã-Bretanha consegue, graças a um reajustamento da libra, cobrir parcialmente as perdas da guerra,
mas os americanos ocupam agora o primeiro lugar, e a uma grande distância. Em 1930, os seus
investimentos na América Latina representam sensivelmente o dobro dos investimentos britânicos e
quinze vezes os da França” (MILZA, 1995, p. 108).
A área de expansão dos Estados Unidos aumentou substancialmente. Apesar de ainda a maior
parte dos investimentos norte-americanos serem destinados à Cuba e ao México, com
respectivamente 26% e 16% dos investimentos, os Estados da América do Sul passam a ser
fundamentais para os Estados Unidos, representando 44,7% do total dos investimentos norte-
americanos, em especial a Argentina, o Brasil e a Venezuela. Segundo Milza (1995), o investimento de
capital concentra-se substancialmente nas grandes plantações de bananas, de cana-de-açúcar e de
cacau, na zona das Caraíbas, nas minas de ouro e de prata da Nicarágua, da Costa Rica e de El
Salvador, nas jazidas de petróleo venezuelanas e guatemaltecas, nas indústrias extrativas peruanas
de cobre e estanho, chilenas e bolivianas, no ferroviário dos diferentes países do continente e, em
geral, nos bancos e nas companhias de seguros.
Ao domínio financeiro, junta-se a progressão comercial igualmente espetacular. A
superioridade econômica dos EUA evidencia-se cada vez mais.
“Entre 1913 e 1927, os Estados Unidos vêm a sua parte nas trocas externas da Argentina (com
um aumento de 80% no valor, durante este período) passar de 9% para 15%. Na mesma altura,
a parte americana passa de 24% para 38% no Brasil, de 19% para 31% no Chile, e atinge os 54%
no México (é verdade que antes da guerra atingira os 66%). No total, um terço do comércio
externo da América Latina faz-se com os Estados Unidos, contra somente 16% com a Grã-
Bretanha e representa mais de dois terços das transações comerciais que se efetuam na praça
de Nova Iorque, e em dólares” (MILZA, 1995, p. 108).
“Esta dominação financeira é acompanhada por uma crescente interferência dos Estados Unidos nas
questões internas dos Estados latino-americanos, principalmente na zona do istmo e do mar das
Caraíbas, que se torna o pátio da grande potência norte-americana. De acordo com os princípios
enunciados no início do século pelo Presidente T. Roosevelt, e que constituem um corolário da doutrina
de Monroe, os Americanos arvoram-se o direito de intervir em todas as partes do hemisfério ocidental
com regimes instáveis, incapazes de assegurar a segurança dos estrangeiros e de honrar as suas dívidas.
Atribuem-se também o papel de polícia ao serviço das relações econômicas e financeiras” (MILZA,1995,
p. 108, grifo do autor).
“Tal como a burguesia francesa dos momentos anteriores à ascensão de Luis Napoleão à condição de
imperador, a burguesia italiana sentiu a instabilidade e o desconforto de um parlamento que apenas lhe
parecia uma sociedade de debates cada vez mais dispensável. Utilizando a colocação de Marx, pode-se
dizer que a burguesia italiana optou pela nulificação política em favor dos negócios privados, os quais
vinham em primeiro lugar e não havia garantia de que fossem defendidas em nível de debates políticos.
Enfim, a burguesia como classe estava se separando dos seus representantes parlamentares burgueses
e isso abria caminhos a regimes de força, repetindo-se aqui um quadro histórico que Marx descreveu
como farsa no seu clássico O Dezoito Brumário” (LOPEZ, 1987, p. 40).
Era preciso um líder que, diante dos sentimentos de frustração e insegurança que pairavam
sobre as massas italianas, pudesse ser identificado com a esperança de melhoria dos amplos setores
de massa, bem como representar os desejos da burguesia em evitar o ‘‘pior de todos os pesadelos” -
a possibilidade das aspirações reivindicatórias evoluírem para uma via de contestação do próprio
sistema capitalista. A procura terminou, e em 1922 Benito Mussolini, ex-jornalista e ex-esquerdista,
apresentava-se para cumprir aquele papel.
Os fascistas, apesar de não serem então muito numerosos, constituíam um agrupamento
tenaz, organizado e fanaticamente disposto à ação.
“Em 1922, após a pomposa Marcha sobre Roma, o rei italiano, Victor Emanuel III, convidou Mussolini a
compor novo governo. O chefe dos Camisas Negras - como eram chamados os fascistas - começou
então a solapar as bases do regime parlamentar e liberal e resolveu forçar resultados eleitorais a favor
36
Sobre as influências ideológicas recebidas pelo fascismo italiano destaca-se o Manifesto Futurista de
Marinetti, de 1909. O Manifesto pregou a confiança na vontade ilimitada como instrumento de construção do
futuro, desprezando o passado de maneira acintosa e genérica. Sua condenação ao passado, embora ferisse
as suscetibilidades do conservadorismo tradicional, ajudava o sistema capitalista vigente, já que condenava
como passado superado e arcaico a manutenção da democracia liberal que, ante o avanço das forças
populares, não parecia ser mais o regime viável para defender as estruturas sagradas da propriedade. Várias
palavras de ordem do Manifesto Futurista vieram a ser antecipações valiosas para as futuras palavras de
ordem do fascismo: condenação da democracia e do pacifismo, exaltação da guerra, etc. Para levar a massa
pequeno-burguesa à ação sem os compromissos da consciência e da reflexão, nada melhor.
do seu partido. Em 1924, o deputado socialista Matteotti utilizou sistematicamente sua tribuna para
denunciar a fraude das eleições realizadas sob o regime de Mussolini. Este providenciou para que o
deputado fosse seqüestrado e morto. Seguiu-se uma grande celeuma e, em conseqüência, Mussolini
resolveu assumir a responsabilidade histórica e moral do acontecimento, embora, é claro, não penal —
e impôs, desse modo, a ditadura sem contemplação” (LOPEZ, 1987, p. 40, grifo do autor).
Em sua trajetória ditatorial, Benito Mussolini contou com a ajuda da burguesia industrial e
financeira italiana, sobretudo, porque ele expressava a segurança da contenção das reivindicações
populares e do comunismo, mesmo que para isso fosse preciso afetar os clássicos escrúpulos e
princípios liberais. Aos olhos da população, mas, principalmente, da pequena burguesia, o fascista
aparecia como o líder que ocasionou a “paz social”, garantiu os empregos e pôs ordem na
“tradicional desorganização italiana”.
Cronologicamente, foi depois de 1925 que o regime fascista de Mussolini impôs-se
totalmente. A oposição liberal e, sobretudo, de esquerda foram esmagadas por meio de prisão,
tortura, exílio e morte. A maior parcela da burguesia, na Itália, aceitou a posição de nulidade política
em troca da manutenção da dominação social que lhe era permitida por sua condição de classe.
“Mantendo o sistema, Mussolini podia pavonear-se à vontade no exercício do poder. Da mesma forma, a alta
hierarquia do Vaticano terminou, em nome do anticomunismo, pactuando com o Estado fascista. Pelo Tra tado
de Latrão, firmado em 1929, o Vaticano foi reconhecido como Estado independente e privilegiado dentro da
Itália. O rei embora pudesse teoricamente demitir Mussolini - e o Grande Conselho Fascista foram meros
elementos decorativos num sistema em que tudo se concentrou num poder personalista que só funcionava
através da retórica e da arbitrariedade, do carisma pessoal e da inconsciência coletiva” (LOPEZ, 1987, p. 43).
Para impor-se, o regime fascista utilizou-se de um estilo que se baseava na defesa da
força, da vontade, do fanatismo irracional e do impulso instintivo da massa. Suas finalidades: eram a
de combater a “apatia” e os “vícios” da democracia liberal burguesa e cultuar a guerra como
elemento de purificação do mundo.
“No fundo, o fascismo foi um movimento de massas feito no interesse das elites temerosas do avanço
popular. Manipulou o termo revolução para esvaziá-lo e produzir justamente o efeito contrário. Enfim,
tornou a revolução um lugar-comum. Entretanto, como se verá nas conseqüências da II Guerra
Mundial, o fascismo acabou, indireta e involuntariamente, facilitando a expansão daquilo cujo temor
fora a causa que arregimentara o apoio e as omissões para seu triunfo: a organização das classes
oprimidas na luta pela mudança das estruturas sociais e econômicas” (LOPEZ, 1987, p. 44, grifo do
autor).
“Embora fosse um regime a favor da propriedade privada, a República de Weimar não dava garantias e
certezas para os magnatas. Além disso, a alta cúpula militar alemã - que, na prática, não fora
desmobilizada após a guerra e prosseguia ativa — queria um regime forte que libertasse a Alemanha
das restrições impostas pelo Tratado de Versalhes no referente a armamentos. No que tange à classe
operária, finalmente, não tinha razões para se sentir identificada com uma República implantada à sua
revelia e que sufocara os levantes proletários de 1918-19. De resto, empenhados em combater os
social-democratas, vistos como traidores da causa operária, os comunistas mantiveram acesa a divisão
daqueles setores que poderiam, se unidos, opor uma barreira eficaz ao avanço da extrema direita, o
inimigo mais perigoso e que foi ganhando corpo no correr da década de 1920. Entretanto, como
confiar em quem, já uma vez, fuzilara líderes trabalhadores? Quem acabou se beneficiando com tudo
isso foi Adolf Hitler” (LOPEZ, 1987, p. 53).
Adolf Hitler era um pequeno burguês austríaco de nascimento, ex-pintor fracassado, ex-
combatente ferido na Primeira Grande Guerra Mundial que entrou como o sócio número sete num
certo Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, o qual, na verdade, não reunia em seu
interior trabalhadores e tampouco era socialista, mas utilizava-se de tal denominação pela força que
tais termos tinham ganhado durante a época revolucionária.
Hitler, ao entrar para o Partido Nacional Socialista (Partido Nazista), começa a moldá-lo de
acordo com suas idéias e, aproveitando-se do descrédito da República de Weimar, passa a esperar o
momento certo para dar o golpe.
Em 1923, parecia haver chegado o momento de Hitler. A França ocupara a região
industrial do Ruhr com o objetivo de coagir a Alemanha a saldar suas dívidas de guerra, impostas pelo
Tratado de Versalhes. Como resposta, os operários do Ruhr iniciaram uma greve geral. A República,
em apoio, fez emissões em massa, provocando gigantesca inflação, fruto decorrente da brutal
38
“Al terminar octubre de 1918, un motín que estalló en la base naval de Kiel, donde en agosto de 1917 había
ocurrido el primer motín de la guerra, precipito el desplome Del régimen imperial. Ya el 9 de noviembre, las
oleadas de huelgas que habían estallado al principio Del mês se fundieron para convertirse en la huelga
general de Berlín. Había empezado la Revolución Alemana. El káiser huyo. Ese mismo día, las masas
revolucionarias llegaron a las puertas de la prisión de Breslau y liberaron a Rosa Luxemburg, que pronto se
dirigió a la Plaza de la ciudad y habló a las masas. En todas las grandes ciudades surgieron Consejos de
Obreros. Por doquier aparecieron Consejos de Soldados en el frente, y Consejos de Marinos en las bases
navales” (DUNAYEVSKAYA, 1958, p. 127).
desvalorização do marco, que chegou a ser cotado em milhões e bilhões por dólar. O aumento da
pobreza e a enorme insegurança criaram uma atmosfera de pânico no seio da pequena burguesia,
acarretando os níveis mais baixos de prestígio da República de Weimar.
Aproveitando a oportunidade, Hitler partiu para o golpe armado, o “putsch” de Munique, mas
que, por sua vez, terminou em fracasso.
“Mas, ao ser julgado, Hitler ganhou uma irrisória pena de prisão, o que foi um sintoma de que seus
julgadores não estavam do lado da República democrática, como deveriam estar. Na prisão, o líder
nazista ditou o livro que deveria ser o suporte teórico da sua atuação política; o Mein Kampf (Minha
Luta). Em 1925, superada a crise econômico-financeira, a Alemanha entrou na Era de Locarno, quando a
reaproximação com os vencedores de 1919 pareceu indicar a definitiva superação do espírito
revanchista. Mais do que o fracasso do putsch de 1923, foi a prosperidade do período 1925-29 que
representou uma real ameaça às ambições políticas nazistas” (LOPEZ, 1987, p. 54-55. grifo do autor).
No período anterior à Grande Depressão dos anos trinta e da Segunda Grande Guerra
Mundial, a atividade reguladora do Estado sobre as grandes corporações deu-se, principalmente, por
meio de impostos, tarifas e uma legislação especial para definir funções, direitos e responsabilidades,
como as leis antitrust, para desalentar práticas monopolistas e oligopólicas (desde 1914, entrara em
vigor, para tais propósitos, a Federal Trade Comission).
O Federal Reserve Board, também criado no ano de 1914, incidia sobre as taxas de interesses
e nos mercados de dinheiro, e consequentemente impactava o meio ambiente financeiro. Durante a
era do new deal, criou-se legislação reguladora das atividades empresariais, que incidiram nas opções
disponíveis para a administração na área de transporte, comunicações e de serviços como água,
eletricidade e telefonia.
A interferência do Estado sobre a economia norte-americana aumentou durante os anos
trinta e quarenta, ainda que tenham sido mantidas poucas limitações à capacidade dos grandes
produtores e comerciantes atacadistas para coordenar os fluxos de mercadorias e determinar
destinações de recursos. O impacto do Estado e de seus instrumentos de regulação na área bélico-
industrial foi profundo e amplo em áreas que abrangiam a produção de cosméticos, maquinaria,
produtos químicos, petróleo, produtos metálicos, aviação, instrumentos, equipamentos de
comunicação, componentes eletrônicos, construção naval, máquinas, ferramentas, semicondutores,
indústria aeroespacial, automobilísticas, tanques, tratores, geradores e materiais de construção.
A fase de grande euforia e prosperidade dos Estados Unidos durou até 1929 - ano em que a
economia do país foi abalada por grande crise econômica, de repercussão mundial.
28 - A crise nos Estados Unidos
Apesar de, muito antes de outubro de 1929, já existirem sinais de crise na Europa, com
reflexos na Bolsa alemã em 1927, e na Bolsa suíça em 1928, na França e na Grã-Bretanha em
princípios de 1929, não é possível desconhecer as responsabilidades norte-americanas no
desdobramento da crise global de 1929.
Na América do Norte, no fim de 1928, já se podiam perceber os perigos do abuso do crédito à
criação e à especulação praticada na Bolsa.
Os títulos mobiliários não podiam ser mantidos em alta, indefinidamente vez que a
rentabilidade das ações se dava mais lentamente que o preço da compra, aqueles acionistas que
buscavam com as ações um ganho regular, e não arriscado, vendiam os títulos, levando o mercado de
ações a um fenômeno de queda acelerado por leve redução no volume dos negócios. A partir de
fevereiro-março de 1929, na Europa, a produção industrial registrava ligeira baixa. Porém, a crise
ficaria mais nítida, em se tratando do velho continente, pela falência do consórcio londrino Hatry
(cabines Photomaton, máquinas de moedas), que dera origem a grande agitação nas bolsas
estrangeiras.
“Mas o elemento mais importante talvez seja a decisão das autoridades monetárias americanas de
aumentar em 1% a taxa de câmbio em agosto de 1929 e de tomar medidas de restrição ao crédito. Não
que estas medidas não fossem necessárias. Tinham-se mesmo tornado indispensáveis, tendo em conta a
inflação do crédito e a febre especulativa que se tinha apoderado da América, no início de 1928. Mas
quando são tomadas, tomam-se o detonador de uma explosão, previsível desde há muito” ( MILZA, 1995,
p. 117).
Os primeiros sintomas do mal-estar da Bolsa começaram a surgir no princípio de setembro de
1929. A partir de 22 de outubro, as ordens de venda ampliaram-se bruscamente ocorrendo a
catástrofe. As consequências foram avassaladoras, 12 milhões de ações foram jogadas no mercado,
mas não havia quem as comprassem. As cotações caíram vertiginosamente e todos queriam livrar-se
dos títulos, antes que fosse tarde demais.
“A despeito dos esforços e artifícios dos grandes magnatas que adivinharam o perigo, o valor das ações
caiu vertiginosamente e a crescente Suspeita acabou por criar uma situação caótica, fora de qualquer
possibilidade de controle. De resto, nesse setor, a especulação sempre correra livremente e agora muitos
que tinham transformado seu dinheiro em pedaços de papel se viam privados de tudo. Em conseqüência,
quem tinha ações resolveu se desfazer delas e isso acelerou a desvalorização das mesmas, que atingiu
índices de 50% para mais. [...] A confiança - principal sustentáculo do sistema - ruíra inexoravelmente”
(LOPEZ, 1987, p. 49).
Os bancos que investiram o dinheiro dos clientes em ações foram à falência. Os devedores,
que esperavam usar os lucros da alta da Bolsa para sanar suas dívidas, ficaram sem ter como pagá-
las. Os credores, que possuíam papéis como garantia, não conseguiam colocá-los, contribuindo ainda
mais para a falência dos devedores.
Todo o sistema em que se assentava o crescimento acelerado da economia norte-americana
desmoronava-se. Os bancos passaram a restringir créditos e a escassez de dinheiro paralisou a
produção e o consumo. Três meses depois do crash de WaIl Street, a produção de automóveis baixou
para metade, provocando queda nas indústrias de peças, de petróleo, de borracha. Os preços
industriais baixaram 30% no decorrer de três anos, enquanto os do setor agrícola tiveram uma
quebra de 70%. Em 1933, o Produto Nacional Bruto (PNB) dos Estados Unidos era apenas metade do
que era em 1929 e havia 17 milhões de desempregados.
A crise de 29 mostrou como uma economia voltada para o lucro fácil e imediato, facilmente
também passa por caminhos anárquicos, tornando-se, por conseguinte, vulnerável a crises. Em
poucos anos, a economia ruiu: sucederam-se as falências e o desemprego. Os desempregados
chegaram a doze milhões e só as falências bancárias atingiram 5.000. Foi então que, para salvar o
capitalismo de si próprio, o governo do presidente Franklin Delano Roosevelt (1933-45) pôs em
prática um vasto programa de reformas conhecido como New DeaI. O objetivo das medidas de tal
programa era o de submeter o capitalismo norte-americano a uma série de controles para evitar a
repetição de especulações e crises.
29 - A crise na Europa
Assim, os países europeus foram, um a um, sendo atingidos pela crise. Os primeiros e mais
intensamente atingidos foram os países germânicos, vez que são os que eram se beneficiavam dos
créditos americanos. A Áustria e Alemanha, então, passaram a fazer parte da rota das falências. Na
Alemanha, como reflexo da crise, a produção de carvão despencou de 160 para 100 milhões de
toneladas, a de ferro de 16 para 5,7 milhões de toneladas e, em 1932, o país contava com seis
milhões de desempregados.
“Na Grã-Bretanha, de 1929 a 1931, a produção diminui em 30% e as vendas ao estrangeiro para metade.
A balança de pagamentos toma-se deficitária, o que provoca uma hemorragia de ouro e coloca a libra
esterlina numa situação difícil. Na sequência das retiradas massivas de capitais americanos e da falência
do Kredit Anstalt, onde estavam colocados muitos dos fundos britânicos, os bancos apelam ao Banco de
Inglaterra que, para salvar a libra, se vê obrigado a pedir o auxílio do Federal Reserve Board americano e
do Banco de França “(MILZA, 1995, p. 118).
Entre todos os países industrializados da Europa, a França é a nação iria ser atingida mais
tarde pela crise, e isto se daria, fundamentalmente, por sua riqueza agrícola, que lhe proporcionava
uma dose mais elevada de autonomia econômica em relação aos outros países do velho mundo, pelo
fato de seu parque industrial ser menos desenvolvido e menos concentrado que o de seus parceiros
europeus, pela importância não tão forte dos investimentos estrangeiros e pela solidez do franco
Poincaré.
“A crise só a atinge verdadeiramente em 1932, com o contragolpe da desvalorização inglesa que tem
como efeito a redução da competitividade dos preços franceses e faz baixar sensivelmente as
exportações. Muito mais do que de uma crise brutal, em relação à França, podemos falar de um marasmo
prolongado, semelhante ao da Grã-Bretanha nos anos vinte. De fato, a produção industrial baixa muito
lentamente – 20% entre 1929 e 1933 – e o número de desempregados em 1933 não ultrapassava os
350.000 (500.000 em 1935), enquanto em Inglaterra, na mesma altura, era de 2.800000” ( MILZA, 1995, p.
119).
Sobre o processo de crise dos anos trinta, Amin (1981) dirá, que:
“A partir da crise de 1930, o Estado é forçado a intervir ativamente no processo da reprodução a fim de
sustentar os monopólios e absorver uma parte do excedente que a reprodução capitalista não pode mais
absorver nos quadros da concorrência monopolista. O que se chamou de capitalismo monopolista de
Estado permanece, entretanto, ambíguo, pois não se trata de uma fase nova, qualitativamente diferente
da dos monopólios; a intervenção do Estado, nas formas praticadas, aparece somente como um meio de
sustentar o processo de reprodução dos monopólios; ela aparece também durante o período de crise
estrutural 1914-48, para prosseguir na fase de expansão seguinte” (AMIN, 1981, p. 20).
31 - O problema dos nacionalismos econômicos
Nos próximos anos, o método da desvalorização se generalizaria, até que, em abril de 1933,
seria vez do dólar afastar-se do padrão-ouro. A contradição entre as forças produtivas e os limites do
Estado Nacional assumiu sua forma mais aguçada e insuportável na Europa, o velho berço do
capitalismo com seu labirinto de fronteiras e tarifas aduaneiras, seus exércitos desgastados e suas
monstruosas dívidas nacionais; a Europa de Versalhes é uma fonte constante de perigos militares e
de provocações de guerra. E agora ela já não pode unificar a burguesia, a mesma classe que a
consumiu e debilitou. Para consegui-lo são necessários outros meios e outras forças.
Na Europa, vários países decidiriam pela desvalorização de suas moedas: a Estônia, em junho
de 1933; a Tchecoslováquia, em fevereiro de 1934; a Itália, em março de 1933; a Áustria, em abril de
1933; a Bélgica, o Luxemburgo e a Romênia, em 1935; a França, os Países Baixos, a Suíça, a Letônia,
em 1936.
“Esta prática do cada um por si tem efeitos muito limitados e, sobretudo, efêmeros, porque o abalo que
provoca nas exportações vai ser rapidamente contrariado pela adoção de medidas semelhantes pelo
vizinho. Globalmente contribui para o retraimento do comércio internacional. Com uma base de 100 em
1913, entre 1929 e 1938, o índice do comércio mundial passa de 129 para 112,8” ( MILZA, 1995, p. 123,
grifo do autor).
“Em nome da caça aos comunistas, o regime partia para seu verdadeiro objetivo que era a consolidação
de um sistema de opressão e privilégios, disposto a não recuar diante de nenhuma forma de violência
para eternizar-se no poder” (LOPEZ, 1987, p. 55, grifo do autor).
Em 1934, já há muito tempo, ficaria clara a forma pela qual Hitler buscava ascender ao poder
na Alemanha. O método utilizado pelo nacional-socialismo para tomar o poder era o da violência. O
crescimento das contradições políticas no país e, antes de tudo, a agitação de puro banditismo dos
fascistas faz, inevitavelmente, com que, quanto mais os fascistas se aproximem da maioria, mais a
atmosfera se torne incandescente e mais largamente se desenvolvam os conflitos e as batalhas.
O ataque às organizações dos trabalhadores e a eliminação das dissensões internas se
faziam no nazismo a partir da institucionalização da violência.
Dando prosseguimento à sua escalada em direção ao poder total, em junho de 1934,
acatando os termos de um acordo feito com o exército, Hitler assassinou as lideranças da SA, no
episódio que ficou conhecido como a “Noite dos Longos Punhais”. Esta ação tinha importância
destacada: em primeiro lugar porque o exército queria ter o monopólio da força armada nacional; em
segundo, pelo fato que Hitler não podia aceitar o desafio dos chefes da SA que lhe contestavam a
hegemonia no Estado alemão, e; por fim, pelo fato de que a SA era, sobretudo, composta por
pequenos burgueses que tinham acreditado na fraseologia “revolucionária” dos tempos de
fortalecimento do nazismo, e naturalmente exigiam que Hitler cumprisse o prometido e exterminasse
os “plutocratas e capitalistas”, ou seja, cobravam o que Hitler certamente não poderia admitir.
Os chefes da SA, que haviam participado do extermínio dos comunistas, acabaram por sofrer
paradoxalmente do mesmo mal. Segundo Lopez:
“Na verdade, ambos os fatos decorreram basicamente do conteúdo de classe da política de Estado do
nazismo. Afastada do cenário a SA, Hitler se tornou o senhor inconteste da Alemanha. Morto
Hindenburg, Hitler iniciou, com o aval do exército e do partido, oficialmente, o III Reich. Desde muito já
estava enterrada a República democrática e burguesa de Weimar e o Führer assumira a liderança
absoluta dos destinos do povo alemão sem precisar ferir, pelo menos de forma acentuada, os
mecanismos legais e constitucionais, fato que bem evidencia como a crise econômica tornara vulnerável
a estrutura política alemã” (LOPEZ, 1987, p. 56, grifo do autor).
Assim, em janeiro de 1933, o novo chanceler do Reich chegou ao poder com o propósito de
restabelecer a potência militar alemã e efetivar a revisão das fronteiras orientais.
Hitler lutaria contra a divisão do mundo estabelecida após a Primeira Grande Guerra Mundial,
quando os mercados mundiais foram divididos entre França, Reino Unido, Bélgica, Holanda, Itália,
Japão e Estados Unidos. A política alemã era clara em se tratando dos interesses de Hitler, que não
eram outros senões: o ferro e o carvão da Sibéria; o petróleo do Cáucaso e da România; o trigo da
Ucrânia e, sobretudo, o reordenamento do mundo colonial.
No contexto mundial, ocorre a liquidação dos últimos restos de estabilidade nas relações
internacionais e leva até seus limites máximos todo conflito entre os estados. Ocorre nesse momento
um crescimento dos armamentos em uma escala nunca alcançada até então. Tudo isto conduz à uma
nova guerra entre as potencias industriais imperialista. O fascismo é seu artífice e organizador mais
consequente.
33 - O “Pacto dos Quatro”
Hitler inicia seu poder com cautela, para não causar alarme aos apoios internos,
fundamentalmente ao Estado-Maior e aos meios conservadores que rejeitavam previamente
qualquer ação imponderada, mas, sobretudo, para não causar temor entre os parceiros
internacionais. Mantendo-se à frente dos negócios estrangeiros, Hitler, em março de 1933, aceita
participar do acordo diplomático arquitetado por Mussolini com o propósito de denotar aparência de
que desejasse “manter a paz”, porém, concomitantemente, admitia possível revisão negociada dos
tratados.
“Este projeto de pacto de entendimento e de colaboração entre as quatro potências ocidentais – mais
conhecido pelo nome de Pacto dos Quatro – teria restabelecido entre os principais Estados europeus (à
exceção da URSS) o concerto das potências que tinha caracterizado, durante a maior parte do século
XIX, a condução das questões internacionais, sem que as pequenas nações tivessem qualquer palavra a
dizer” (MILZA, 1995, p. 123, grifo do autor).
Este acordo trouxe muitas vantagens para a Alemanha e a Itália, vez que lhes permitiu seguir
modificações pontuais ao status quo, ao mesmo tempo que preservava o futuro, pois concedia-lhes
tempo para se prepararem para a guerra.
As relações entre Alemanha e Itália tornaram-se cada vez mais fortes, ao mesmo tempo que a
situação de conflito se intensificava. Aumentando ainda mais a instabilidade, o Japão pretendeu
dominar a Ásia; a Itália ocuparia com tropas a Albânia e a Abissínia (Etiópia), a qual foi reconhecida
pelo Reich em julho de 1936; a Alemanha militarizaria a Renânia em 1936, e em 1938 anexaria a
Áustria.
Dois fatos precipitaram a aproximação entre as duas ditaduras europeias. Em primeiro lugar, a
visita de Frank Hans, ministro sem pasta do governo nazista, a Roma, em setembro de 1936. Frank,
em entrevista com Mussolini e seu genro Ciano, responsável pela diplomacia fascista e, à época,
muito simpático à aliança militar com a Alemanha de Hitler, fez com que fizessem uma verdadeira
divisão da Europa, reconhecendo Hitler as ambições hegemônicas da Itália no Mediterrâneo em troca
do não-investimento italiano na região danubiana. O outro acontecimento diplomático que
aproximaria os dois governos seria a viagem de Ciano a Berlim em outubro de 1936, e seu encontro
com Hitler.
“Não foi assinada nenhuma aliança formal entre os dois países, mas estes confirmam a coincidência dos
seus pontos de vista sobre a maior parte das questões europeias. Num discurso proferido em Milão, a 1º
de novembro de 1936, Mussolini descreveu este entendimento cordial como um eixo, à volta do qual
poderiam unir-se todos os Estados europeus animados de vontade de colaboração e de paz” (MILZA,
1995, p. 194, grifo do autor).
A Alemanha multiplicaria suas iniciativas para estreitar laços entre as duas ditaduras e para
dar ao “Eixo” um conteúdo real. Durante todo o ano de 1937, sucederam-se as visitas de dirigentes
do III Reich à capital italiana. Em setembro, seria Mussolini quem iria à Alemanha em visita oficial. O
Duce italiano ficaria então deslumbrado com o poderio industrial do Reich, com uma ordem quase
militar estabelecida, além das enormes paradas militares que foram organizadas em sua
homenagem. No dia 28 de setembro de 1937, no estádio olímpico de Berlim, Mussolini proferiu,
perante 800.000 pessoas, a célebre frase: “Quando o fascismo tem um amigo, acompanha-o até ao
fim”.
Apesar de os regimes políticos semelhantes terem favorecido a aproximação entre a Itália e a
Alemanha, o que mais as aproximava era o limitado espaço territorial que dispunham e a acirrada
competição pelos mercados internacionais.
A tensão entre a Alemanha, as potências européias e os Estados Unidos agravou-se
ainda mais, dada a recuperação fantástica da capacidade produtiva alemã e sua limitação para
expansão mundial.
A recuperação da Alemanha baseada em sua tecnologia de ponta e sua capacidade de organização
era inevitável. Aconteceu antes do imaginado, em grande parte graças ao apoio da Inglaterra à
Alemanha, contra a URSS, às pretensões excessivas da França e, mais indiretamente dos Estados
Unidos.
Cada vez mais o poderio alemão dava provas da força contida que, a qualquer
momento, poderia fazer valer seu papel de grande potência hegemônica européia e, a partir daí,
lutar pela posição de liderança mundial.
Capacitada com uma tecnologia mais moderna, mais flexível e de maior capacidade produtiva,
a Alemanha começou outra vez a competir com a Inglaterra em mercados muito importantes,
especialmente do Sudeste Europeu e da América Latina. No século XIX a concorrência entre os países
capitalistas se desenvolvia em um mercado mundial em expansão. Naquele momento, em
contrapartida, o espaço econômico da luta diminuiu de tal maneira que as potencias industriais
imperialistas passam cada vez mais à arrancar uns dos outros os pedaços do mercado mundial.
Em 1938, na Conferência de Munique, com a presença das quatro potências: França,
Alemanha, Itália e Inglaterra, Hitler consegue a cessão dos Sudetos, região da Tchecoslováquia.
Tal como em 1914, a iniciativa de efetivação de uma redivisão do mundo estava
naturalmente destinada à Alemanha.
O governo inglês, que foi pego desprevenido, tentou primeiro comprar a possibilidade de
permanecer fora da guerra com concessões a expensas dos demais (Áustria, Tchecoslováquia). Porém
esta política poderia durar pouco. A amizade com a Grã-Bretanha foi para Hitler somente uma breve
fase. Londres já lhe havia concedido mais do que ele tinha calculado receber. O acordo de Munich,
com o qual Chamberlain esperava selar uma grande amizade com a Alemanha, serviu, ao contrário
para apressar a ruptura. Hitler já não podia conseguir mais nada de Londres; a expansão ulterior da
Alemanha golpearia vitalmente a Grã-Bretanha. E assim foi como a nova era da paz, proclamada por
Chamberlain em outubro de 1938, conduziu em poucos meses a mais terrível de todas as guerras.
Em 1939, o Führer alemão cria o protetorado da Boêmia e anexa o porto lituano de Memel, no
mar Báltico. No mesmo ano, Stalin firma o Pacto Germano-Soviético com Hitler, pelo qual anexa a
Lituânia, a Letônia, a Estônia e parte da Polônia e da Finlândia. A situação se aquece cada vez mais
em solo europeu. “Todo progresso da civilização tem sido tão ligado ao desenvolvimento econômico
a tal ponto que não nos surpreendemos em descobrir, através da história moderna, uma associação
íntima e crescente entre poder econômico e poder militar” (CARR, 2001, p. 149).
Se há um lugar onde a relação poderio militar e econômico aparecem nitidamente ligados é
no sistema colonial. Até a Segunda Grande Guerra Mundial, o sistema colonial impôs formas
“clássicas” à divisão internacional do trabalho. As colônias forneciam os produtos da “economia de
comércio” (produtos agrícolas “tropicais” fornecidos pelos países de além-mar): o capital europeu era
investido na economia e nos setores “terciários” ligados a esta valorização (bancos e comércio,
ferrovias e portos, dívida pública) e os centros desenvolvidos forneciam produtos manufaturados de
consumo.
34 - O mundo se aquece... a guerra se aproxima
A guerra foi um produto da contradição entre as forças produtivas e as fronteiras nacionais. E a paz de
Versalhes, que terminou com a guerra, agravou ainda mais esta contradição.
Mandel (1989) mostra que, apesar de vários autores terem afirmado sobre o fato da Segunda
Grande Guerra Mundial ter sido uma conseqüência lógica e inevitável da Primeira Grande Guerra
Mundial, não é possível reduzir-se a iminência da Segunda Grande Guerra Mundial ao vínculo entre
as cláusulas antigermânicas do Tratado de Versalhes e, em particular, à política irresponsável de
reparações, na qual, particularmente, insistia a burguesia francesa.
Embora as condições do acordo de paz que colocaram fim à Primeira Grande Guerra Mundial,
seguramente, tenham contribuído para exacerbar os conflitos políticos, militares e, nomeadamente,
econômicos, que dominaram o cenário mundial durante as décadas de 1920 e de 1930, e abriram
passagem para a Segunda Grande Guerra Mundial, essas mesmas condições não criaram esses
problemas.
Isto se evidencia claramente na análise do relacionamento característico que se desenvolveu
entre a China, o Japão e os Estados Unidos, que levaria finalmente à Guerra do Pacífico. No ano de
1900, o Japão e os Estados Unidos cooperaram na repressão à Rebelião dos boxers na China. Cinco
anos depois, o tratado de paz russo-japonês foi assinado, em 1905 sob os auspícios dos EUA. Na
Primeira Grande Guerra Mundial, o Japão participou como aliado dos Estados Unidos, da Grã-
Bretanha e da França, potências que também tinham interesses econômicos no Extremo Oriente. O
fato é que o império japonês não recebeu tratamento inadequado pela Conferência de Paz de Paris,
tampouco pelo Acordo Naval de Washington de 1922.
“Uma vez mais, o que estava em jogo era a hegemonia internacional de uma potência imperialista, a ser
conquistada e mantida mediante associação ativa entre conquista ou pressão militar e dominação ou
pilhagem econômica — a mistura exata dependendo da força ou da fraqueza relativas de cada um dos
disputantes, decorrentes de pressões internas, tais como o nível de desenvolvimento econômico e o
caráter das instituições políticas. Às vésperas da Segunda Grande Guerra, essas potências eram os EUA,
a Alemanha, o Japão e a Grã-Bretanha, com a França e a Itália no papel de aliados secundários, carentes
da força necessária para serem verdadeiros competidores” (MANDEL, 1989, p. 12).
Mandel (1989) relata, na já citada obra, que os casos mais violentos e homicidas
de agressão imperialista são resultados, antes de expressões de fraqueza relativa, que de força.
Nesse sentido, a conquista imperialista do mundo não é apenas, e tampouco principalmente, uma
ofensiva para ocupar extensos territórios em caráter permanente sob a utilização de milhões de
soldados. De maneira oposta, o que fez mover a Segunda Grande Guerra Mundial foi o imperativo de
os Estados capitalistas mais importantes dominarem economicamente continentes inteiros a partir
de investimento de capital, acordos preferenciais de comércio, controle monetário e hegemonia
política. Com a guerra pretendia-se subordinar tanto o mundo subdesenvolvido, quanto os Estados
industriais, não importando se eram inimigos ou aliados às prioridades de acumulação de capital de
uma potência hegemônica.
“Dessa perspectiva, a dominação pelos Estados Unidos dos países da América Latina, conseguida em
grande medida por operações econômicas e com envolvimento militar relativamente marginal, não
constituía um paradigma viável para o estabelecimento de uma regra mundial — tan to quanto as
máquinas militares de Tojo ou de Hitler também não eram suficientes para esse propósito. Para os EUA,
potência econômica por excelência, isso significou criar uma marinha poderosa e obrigar a Grã-
Bretanha, logo após o fim da Primeira Grande Guerra, a aceitar paridade nos mares exatamente como o
Japão insistiria na paridade com a Grã-Bretanha e os EUA e, desse modo, torpedearia o acordo de
Washington quinze anos depois. Em outras palavras, a hegemonia mundial só pode ser exercida
mediante uma combinação entre força militar e superioridade econômica” (MANDEL, 1989, p. 13-14).
“Não há, igualmente, a mais leve prova de qualquer limitação quanto aos objetivos bélicos do Japão, da
Alemanha ou dos Estados Unidos, que eram os que contestavam concretamente o status quo na
Segunda Grande Guerra. O Memorando de Tanaka estabelecia logo no início que, para o exército
japonês, a conquista da China era apenas um degrau na conquista da hegemonia mundial, que seria
atingida após esmagar a resistência dos EUA” (MANDEL, 1989, p. 14).
Na verdade, a aliança do Japão com a Alemanha só poderia ser provisória, dada a fragilidade e
ineficiência que foram suas marcas durante todo o conflito, e vez que se baseava em trégua
provisória a um inimigo futuro. Da mesma forma que Hitler compreendia o significado da guerra
eminente, ao declarar que a luta pela hegemonia mundial só poderia ser decidida para a Europa, a
partir do domínio do espaço russo, ele entendia claramente que a idéia de política mundial para a
Alemanha seria burlesca enquanto não dominasse o continente europeu.
Da mesma forma, o imperialismo norte-americano tinha consciência do poder da guerra para
seu “destino” de tornar-se líder mundial.
“A desintegração da economia mundial em fins da década de 1920, para a qual os Estados Unidos havia
generosamente contribuído, e a criação de blocos exclusivos de comércio (o maior dos quais centrado
na área da libra esterlina inglesa) puseram em perigo não apenas os mercados dos Estados Unidos, mas
também seu suprimento de matérias-primas. Para os Estados Unidos, a guerra seria a alavanca que
abriria totalmente o mercado mundial e os recursos mundiais à exploração norte-americana” (MANDEL,
1989, p. 15).
Pelo lado britânico, não cessavam seus interesses na África Oriental. Os britânicos avançavam
sobre o império colonial italiano. Da mesma forma que a liquidação dos enclaves franceses no
Oriente Próximo faziam atiçar os desejos ingleses, que além de pressionarem o Irã, preparavam-se
para invadir os Bálcãs, com o nítido intento de buscar a partir da Grécia avançar em direção à criação
de Estados britânicos dependentes na Europa Oriental, em substituição aos satélites franceses que
haviam passado a existir em 1918. Os britânicos não pouparam esforços no intuito de estabelecerem
uma política de poder na América Latina, sobretudo, estimulando secretamente o governo Perón
contra o imperialismo dos Estados Unidos, o que provava que, apesar das condições de força cada
vez mais limitadas, a Inglaterra ainda sonhava com a hegemonia mundial.
Segundo Mandel (1989), sob o imperialismo, até mesmo a busca de áreas de influência
regionais supõe disposição para lutar em escala mundial. É o que vai se mostrar nas preocupações de
Hitler, em novembro de 1940, em apossar-se das ilhas Canárias e do Cabo Verde, dos Açores e da
África Ocidental, dada sua importância estratégica perante os EUA.
“Por certo, as limitações geográficas e as exigências militares ditavam em parte essas linhas de
expansão. Mas, subjacente a essas limitações e considerações, estava a lógica interna do imperialismo,
que pode ser observada com muita clareza nos conselhos de planejamento dos Estados beligerantes.
Era preciso garantir-se de petróleo, borracha, cobre, níquel, estanho, manganês, minério de ferro,
algodão etc.; era preciso manter abertas rotas marítimas para fazer chegar tudo isso ao país; era
preciso mobilizar, alojar e alimentar trabalhadores e mão-de-obra forçada; era preciso expandir as
exportações e impingi-las a clientes relutantes; era preciso forçar competidores estrangeiros a se
tornarem associados, ou simplesmente absorvê-los; era preciso interromper as exportações dos
inimigos e levar suas populações à fome. De fato, a guerra mostrava não ser mais do que a
continuação da política por outros meios” (MANDEL, 1989, p. 16).
Da mesma forma, Roosevelt, em 1940, estava convicto que, caso a Inglaterra caísse,
uma guerra catastrófica se colocaria como inevitável para os Estados Unidos, vez que a Alemanha
atacaria o hemisfério ocidental, assim como o Japão iria ao ataque no Pacífico.
Mais uma vez um grande conflito mundial bate às portas do planeta. O que prevaleceria nas
relações entre os Estados seriam suas disputas por ampliação de lucros e das taxas de lucros de suas
respectivas classes dirigentes. A Segunda Grande Guerra Mundial iria logo por fim ao período aberto
após a Primeira Grande Guerra Mundial, não se esquecendo de decretar a morte da Sociedade das
Nações. Do ponto de vista jurídico, a Liga das Nações mostrou-se impotente para cumprir seu papel
de garantidora da paz mundial. A face mais conhecida de sua política foi o que se chamou de “política
de apaziguamento”. Na tentativa de isolar os soviéticos, a Liga acabou sendo conivente com o
militarismo fascista e com as ações beligerantes do nazi-fascismo que desrespeitavam
constantemente o “nada neutro” Tratado de Versalhes, colaborando, assim, para a eclosão da
guerra.
Gonçalves da Silva (1998) dirá que muitas foram as causas do fracasso da Sociedade das
Nações:
“Registre-se que a falta de uma ordem jurídica internacional revestida de caráter de supremacia sobre
todos os Estados, as cláusulas draconianas impostas às nações derrotadas na Primeira Grande Guerra
(particularmente aquelas comidas no Tratado do Versalhes, de 1919), a negativa do Congresso dos
EUA em incorporar o país à Sociedade e a saída da Alemanha e da Itália dessa organização estão entre
as principais causas” (SILVA, 1998, p. 34).
“Foi uma determinada potência imperialista - a Alemanha - e um setor determinado da classe dirigente
alemã, aqueles grupos mais diretamente ligados à produção de armamentos e mais responsáveis por
colaborar com Hitler na criação do terceiro Reich, que deflagraram deliberadamente aquela guerra”
(MANDEL, 1989, p. 21).
Na verdade, praticamente desde que se tornou Primeiro Ministro, Adolf Hitler iniciou
seu programa de promoção do crescimento imediato da indústria alemã, há muito tempo vivendo
sob grave crise, com o claro objetivo de aumentar seus lucros (tanto em quantidade, quanto em
relação às taxas de lucro) e de preparar a Alemanha para, em um prazo máximo de dez anos,
deflagrar uma guerra com a URSS a fim de construir um império na Europa Oriental similar ao
império indiano inglês.
Na madrugada de 1º de setembro de 1939, o exército alemão entrou na Polônia. Dois dias
mais tarde, o Reino Unido e a França declararam guerra à Alemanha. Pela segunda vez, num quarto
de século, a Europa mergulhou num conflito que iria provocar seu declínio. Assim terminava o
período denominado “entre as duas guerras”.
Porém, já antes de 1939, mais precisamente entre o período que separa os anos 1935 e 1939,
Hitler procurou fazer com que a Alemanha alcançasse a hegemonia no continente em relação à
França e Inglaterra:
“Hitler procurou alcançar esse objetivo passo a passo entre 1935 e 1939, mediante uma combinação
pragmática de ameaça e sedução, de chantagem e pressão militar. Essas manobras conseguiram uma
série de êxitos entre 1934 e 1938 (remilitarização da Renânia, Anschhsss com a Áustria, anexação da
região dos Sudetos). Seu fracasso foi, porém, assegurado assim que o exército alemão ocupou Praga,
em março de 1939. A partir daí, o imperialismo britânico (levando a reboque um relutante aliado
francês) estava decidido a resistir pela força a qualquer outra expansão alemã na Europa Oriental.
Hitler sabia disso. Mas não queria privar-se da vantagem em armas modernas de que ainda desfrutaria
por um ou dois anos. Correu deliberadamente o risco de uma guerra com a Grã-Bretanha ao atacar a
Polônia em 1º de setembro de 1939. De três de setembro em diante, viu-se em guerra com a
Inglaterra e a França, em conseqüência dessa decisão consciente” (MANDEL, 1989, p. 22-23).
Hitler tentou acabar com a guerra depois da conquista da Polônia. Para isso, a condição seria
o reconhecimento pela Inglaterra do status quo internacional existente naquele momento, em outras
palavras, que a Inglaterra reconhecesse a anexação da Polônia e da Tchecoslováquia, apesar de Stalin
ter dado seu apoio diplomático a essa manobra. Em que pese o fato do governante alemão saber que
era pouco provável que a Inglaterra aceitasse tal capitulação política.
Do lado da Inglaterra, o imperialismo britânico empenhava-se no intuito de evitar, a longo
prazo, que uma potência hostil viesse a dominar completamente o continente europeu, pois temia
corretamente o fato de que tal dominação pudesse ser não mais que um interlúdio antes de uma
investida global do imperialismo alemão contra o império britânico como tal.
Depois de derrotar a França, em junho de 1940, Hitler tentou mais uma vez evitar uma guerra
de âmbito mundial. Porém, a essa altura, isso já não era obviamente possível. Porém, para a
Inglaterra, não fazia o menor sentido na defesa de seus interesses a existência de uma Europa
dominada pela Alemanha, ainda mais com a ausência naquele momento de um exército francês
independente. Tal situação era desconfortável para a Inglaterra como potência mundial, sem falar no
perigo que corria de ser devastada militarmente, podendo ser até mesmo ocupada em um prazo de
poucos anos. Pelo lado da Inglaterra:
“[...] a esmagadora maioria da classe dominante britânica cerrava fileiras em torno da decisão de
Churchill de resolver as questões ali e naquele momento, sem deixar que Hitler consolidasse, digerisse
e organizasse suas vitórias. Hitler sabia disso e não suspendeu um dia sequer seus planos militares,
econômicos e políticos de ampliar a guerra, quer após a conquista da Polônia, quer depois da
fragorosa derrota da França” (MANDEL, 1989, p. 23).
Para Mandel (1989), em relação à URSS, Hitler, de maneira semelhante ao que fez na França,
resolveu muito deliberadamente desencadear um ataque ao país soviético, fazendo com isso
expandir a guerra, geográfica e militarmente, decisão essa que já estava tomada desde julho de 1940.
Por mais que outras potências influenciassem e facilitassem essas decisões mediante suas ações e
reações à expansão da guerra, tratara-se de uma decisão alemã. De maneira distinta da Primeira
Grande Guerra Mundial, quando todas as principais potências se viram mais ou menos mergulhadas
numa guerra mundial, sem saber o que, realmente, estavam fazendo, na Segunda Grande Guerra
Mundial, a responsabilidade do imperialismo alemão em sua deflagração e ampliação foi
determinante.
A compreensão da alternativa escolhida pelo imperialismo alemão sob forma de uma
agressão aberta e em larga escala só pode se dar a partir do entendimento da profunda crise
econômica, social, política e moral que se abateu sobre a sociedade burguesa alemã a partir de 1914.
É importante lembrar que a guinada favorável processada na economia alemã, organizada pelo
gabinete dirigido por nazistas, desde o começo dirigia-se em favor da indústria pesada de máquinas-
ferramentas e da construção de estradas.
“Todo o comércio exterior disponível era utilizado para acumular estoques de matérias-primas para a
eventualidade de uma guerra. Ao mesmo tempo, desenvolviam-se indústrias químicas visando a
substituir matérias-primas por manufaturados. Medidas como essas indicavam inequivocamente a
probabilidade crescente, se não a inevitabilidade, da guerra. já em 1935, elas se associavam a uma
liquidação, etapa por etapa, das cláusulas do Tratado de Versalhes — com a construção de um poder
militar muito mais adiantado do que o das potências ocidentais (embora menos à frente da URSS do
que Hitler podia imaginar)” (MANDEL, 1989, p. 23).
A corrida para um rearmamento total, levado a cabo pelo governo nazista, além de ser uma
irresponsabilidade diplomática e militar, constituía-se também em uma insensatez perante a própria
economia alemã. Assim, em 1938-1939, a economia alemã viu-se em meio a uma séria crise
financeira. Segundo Mandel (1989), a Alemanha contava com um enorme déficit orçamentário: os
gastos públicos que em 1938-1939 situavam-se na casa de 55 bilhões de marcos (e que em 1939-
1940 viriam a ser de 63 bilhões) eram “compensados” por receitas de impostos e tarifas de apenas 18
bilhões, em 1938-1939 e de 25 bilhões, em 1939-1940.
“Disso decorreu um desenvolvimento colossal da divida pública. Era cada vez mais difícil conter a
inflação. Timothv Mason é de opinião que houve um vinculo direto entre essa crise e a opção pela
Blitzkrieg em 1938-39. Pois enquanto os pagamentos de juros da dívida nacional se tornavam um
problema sério e as expor-ações estagnavam, apesar do recurso cada vez maior ao escambo, as leis de
reprodução do capital faziam valer seus direitos. Ameaçava ocorrer uma severa redução no volume da
economia, a menos que um fluxo de bens materiais fosse posto em circulação. Mas o potencial de
produção da Alemanha já se distendera ao máximo. Não seria fácil extorquir nada mais da classe
operária, da baixa classe média, ou dos judeus, no interior do Terceiro Reich. A única solução era
ampliar a escala da produção física mediante pilhagem maciça para além das fronteiras alemãs. isso
queria dizer guerra de conquista. E então se desencadeou esse tipo de guerra.”(MANDEL, 1989, p. 25-
26).
Por outro lado, o crescente derrotismo da classe dominante francesa era fator de estímulo à
caminhada de Hitler em direção a uma nova guerra mundial, mas, sobretudo, devido à realidade
material e aos interesses sociais específicos. A França gozava da predominância político-militar no
continente europeu no final da Primeira Grande Guerra Mundial, porém esse status de modo algum
tinha correspondência com o real equilíbrio econômico de forças naquele continente, muito menos
em relação ao mundo. Nem o capital francês, tampouco a indústria nacional francesa, possuíam as
condições necessárias à manutenção de exércitos na Europa que pudessem arrasar qualquer ensaio
alemão em direção à recuperação da superioridade no continente europeu.
E ainda, grandes setores da classe dominante francesa encontravam-se aterrorizados com a
potencialidade de força dos operários franceses, que tinham mostrado seu poder na greve geral de
junho de 1936. A eliminação do “perigo comunista’’ tornou-se uma obsessão de vários membros da
classe dominante francesa, o que tinha primazia ante qualquer projeto internacional.
Em relação à Inglaterra, durante o período de 1929 e 1938, suas políticas foram
adversas à hegemonia francesa na Europa. Porém, jamais implicaram qualquer concordância da troca
por uma hegemonia de Berlim.
“O apaziguamento de Chamberlain foi fundamentalmente função do juízo de Londres sobre o tempo
necessário para superar a liderança no rearmamento — uma vez que Hitler iniciara em 1933, enquanto
– o imperialismo britânico começou a rearmar-se seriamente apenas três ou quatro anos depois. [...]
Por pouco tempo, alguns dos apaziguadores brincaram com a idéia de desviar na direção da URSS a
dinâmica agressiva do imperialismo alemão, mas após a ocupação de Praga ficou claro para eles que a
conquista da Europa Oriental por HIitler lhe daria uma força terrível para voltar seus golpes contra o
Império Britânico. Desse modo, mais concessões seriam suicidas para o imperialismo britânico”
(MANDEL,1989, p. 30, grifo nosso).
“O ataque japonês a Pearl Harbor, a sete de dezembro de 1941, ofereceu aos Estados Unidos um casus
belli imediato e inequívoco, capaz de dominar a imaginação popular norte-americana e de utili zá-la para
uma guerra de represália. Porém, qualquer que fosse o grau de interesse dos EUA nas perspectivas e
oportunidades do Oriente, o que preocupava primordialmente os estrategistas norte-americanos, de
1939 em diante, era o futuro da Europa, sua riqueza e seu controle sobre grandes extensões do mundo.
No início de 1941, os chefes de Estado-Maior dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha haviam concordado
em conduzir a guerra com base em primeiro a Europa (o plano ABC-l), e essa estratégia foi reafirmada
depois que Pearl Harbor provocou a guerra entre Tóquio e Washington” (MANDEL, 1989, p. 30, grifo do
autor).
Tendo as investidas da Alemanha e do Japão, para além de suas fronteiras nacionais,
como a primeira e segunda causa imediatas da Segunda Grande Guerra Mundial, respectivamente, a
terceira causa imediata seria a resolução do imperialismo norte-americano de se comprometer
decididamente com o replanejamento da ordem política internacional. Essa decisão do governo dos
EUA foi fruto da modificação global que a economia norte-americana sofreu após 1929.
“O imperialismo norte-americano dispunha de enormes reservas de capital, potencial produtivo e mão-
de-obra inaplicados. A tentativa de mobilizá-los via New Deal (isto é, uma orientação na direção do
mercado interno), embora tirasse a economia e a sociedade de sua pior crise, foi em grande medi da um
fracasso. Em 1938, havia novamente doze milhões de desempregados. Voltar-se para o mercado
internacional tornava-se imprescindível. O capital precisava ser investido e emprestado no exterior. As
mercadorias precisavam ser vendidas no exterior em medida qualitativamente mais ampla do que antes
de 1929, ou entre 1933 e 1939 (como de fato seria, após 1945). Contudo, era preciso, primeiro, que o
mundo se tornasse seguro para tão gigantesca exportação de capital e mercadorias. Era esse o conteúdo
material da fórmula: tornar o mundo seguro para a democracia e o significado do rompimento final e
definitivo do isolacionismo norte-americano” (MANDEL, 1989, p. 32-33, grifo do autor).
Roosevelt tinha necessidade de manejar a situação com um cuidado maior que Hitler, ou que
os chefes militares de Tóquio, pois a democracia ainda preponderava em solo norte-americano, vez
que sua população não podia ser forçada a ir à guerra, mas sim, ter que ser convencida a entrar na
guerra, pois tal como ocorria nos países mais importantes, a expectativa da guerra, por motivos
óbvios, não animava muito a população. A partir da agressão japonesa a Pearl Harbor, tudo se tornou
mais simples para Roosevelt. Entretanto, o intento de interferir com toda a força no conflito não foi
escolha pessoal do presidente, mas sim uma escolha da classe dominante norte-americana, tão
premeditada quanto a opção pela guerra das classes dirigentes da Alemanha e do Japão.
“No caso da URSS, o seu isolamento e as crises internas por ele geradas tinham aberto o caminho para
as lutas interimperialistas. Dentro da própria URSS surgia uma contradição explosiva entre o
fortalecimento da infra-estrutura industrial e militar da URSS na vigência do Plano Qüinqüenal, por um
lado, e, por outro, a séria crise política em que os expurgos de Stalin e suas imprudentes manobras
diplomáticas mergulharam o país. Este segundo processo mutilou o Exército Vermelho, desorganizou a
defesa do país, entregou a Polônia e a Europa a Hitler e favoreceu o ataque nazista à URSS. O primeiro
deu condições à União Soviética para sobreviver no final.” (MANDEL, 1989, p. 33-34).
“Contudo, o pacto Hitler-Stalin continha um protocolo secreto que, mesmo antes que aquela invasão
tivesse iniciado, implementava uma quarta subdivisão da Polônia. Com isso, Stalin dava o sinal verde
para a agressão de Hitler, livrando temporariamente o Terceiro Reich do pesadelo de uma guerra
prolongada em duas frentes. A historiografia russa continua a negar esse fato — mantendo-se muda a
respeito do protocolo secreto de 27 de agosto de 1939. Do mesmo modo, lança um véu sobre a
oposição formal de Stalin à sobrevivência de qualquer tipo de Estado polonês. As conseqüências dessa
cínica realpolitik sobre a atitude do povo polonês para com a URSS permanecem calamitosas até hoje.
Ela foi certamente uma causa concomitante da deflagração da Segunda Grande Guerra.” (MANDEL,
1989, p. 33-34).
A Segunda Grande Guerra Mundial mostrou mais uma vez o que já tinha sido notado com a
Primeira Grande Guerra Mundial - a nítida e intrínseca relação entre as guerras imperialistas, a
economia e a política. E seus términos iriam demonstrar essas relações com o caráter político-jurídico
da nova ordem criada.
“As guerras mundiais são resultado da tendência geral do imperialismo ao expansionismo agressivo.
Mas elas possuem também uma causa mais especifica. Resultam da atuação da lei do desenvol vimento
desigual, isto é, da contradição entre a tendência do equilíbrio industrial-financeiro das forças
imperialistas a sofrer modificações periódicas (mediante a súbita ascensão de determinadas classes
burguesas anteriormente retardadas em seu desenvolvimento) e a tendência de divisão do mundo em
esferas de influência a se manter inalterada por um período mais longo. Esta última divisão reflete-se na
preparação militar-naval, nas alianças internacionais e nos sistemas comerciais, alfandegários e
monetários preferenciais, que se alteram muito mais lentamente do que a correlação de forças in -
dustrial-financeiras em seu interior.” (MANDEL, 1989, p. 49).
Mandel (1989), citando Hilman (1952) 39 irá mostrar qual a participação das respectivas grandes
potências no produto industrial mundial às portas da Segunda Grande Guerra Mundial, destacando a
crise econômica que se abateu sob a economia mundial.
Tabela 3. A Produção Industrial Mundial
Essa análise tem significativa importância para o presente estudo, vez que aprofunda-se no
entendimento de como se processa o mecanismo da guerra para as grandes potências mundiais.
“Se se cotejarem essas porcentagens com o mapa do inundo, a incongruência é chocante. Em última
análise, o equilíbrio de forças industriais-financeiras, em combinação com o peso dos fatores político-
sociais, é o que determina o resultado de qualquer conflito para uma redivisão do mundo em impérios
coloniais e/ou esferas de influência imperialistas. As guerras são exatamente um mecanismo de
ajustamento e adaptação do equilíbrio de forças militar e político a um novo equilíbrio industrial-
financeiro, mediante a vitória (ou vitória parcial) de algumas potências, e a derrota (ou derrota parcial)
de outras” (MANDEL, 1989, p. 50).
É claro que no caso da Segunda Grande Guerra Mundial, a Alemanha preparou no tempo seu
sistema militar-industrial, sobretudo no que se referir ao armazenamento de matérias-primas
essenciais para o conflito. Para isso, uma combinação de fatores contribuiu, entre os quais: as
exportações soviéticas depois do pacto Molotov-Ribbentrop, que abriu espaço para a Alemanha,
inclusive, durante o período 1940-41, principalmente de petróleo, algodão e minério de ferro; a
substituição por matérias-primas químicas (principalmente petróleo e borracha sintéticos), em geral
extraídas do carvão, das matérias-primas naturais, as quais poderiam sofrer escassez caso a guerra se
prolongasse e, por fim, a conquista e ocupação militar de territórios ricos em produtos que a
Alemanha não tinha como produzir, nem como comprar40.
Na guerra de conquista, a Alemanha estabeleceu nos países ocupados o “sistema de
compensação” nas maiores fábricas da França, Bélgica, Holanda, Dinamarca, Noruega e, mesmo, já
39
Cf. Mandel apud HILMAN (1952).
40
Um dos exemplos geralmente usados é o da utilização, pela Alemanha, do estoque de gasolina quando da
ocupação francesa, cujo estoque que era superior a toda produção anual de petróleo sintético das fabricas
alemãs.
bem mais tarde, nas fábricas italianas. Sob esse sistema de conquista, as fábricas trabalhavam
permanentemente para alimentar a indústria de guerra alemã, ao passo que, cada vez mais, os países
ocupados recebiam menos o ‘‘valor real” pelos produtos que forneciam às forças do Führer. Porém,
esse tratamento se diferenciava a depender do país e dos interesses alemães sobre eles, como no
caso da Tchecoslováquia, Iugoslávia, Polônia e nos territórios ocupados da União Soviética, na
maioria dos casos, o que ocorreu foi a apropriação direta do parque industrial.
Tal como a Alemanha, o exército japonês também se preocupava com a conquista de guerra,
ou pela guerra de conquista. Assim, em 1941-1942, o Japão levou à frente uma ofensiva militar com o
único propósito de tomar o petróleo e a bauxita da Indonésia, a borracha e o estanho da Malásia, e o
arroz da Indochina e da Birmânia. Seu objetivo era o de constituir uma reserva ampla e estável de
matérias-primas demandadas para uma guerra longa contra a China, os EUA e a Grã-Bretanha.
“Em 1942, o balanço dos recursos materiais já se inclinara decisivamente contra a Alemanha e o Japão,
tendo a entrada dos Estados Unidos na guerra sido o fator crucial, embora de modo algum o único. Em
meados de 1944, os recursos materiais e humanos da Alemanha e do Japão estavam gravemente
esgotados. No Japão, a reprodução reduziu-se ao ponto de que maquinaria em funcionamento era
convertida em sucata para a produção de armas. Na Alemanha, setores-chave da economia de guerra
eram paralisados por estrangulamentos devidos a carências que atingiam particularmente a produção
de petróleo sintético [...] e de rolamentos. [...] O ingresso de prisioneiros e de trabalho escravo foi
estancado com as sucessivas derrotas militares e as perdas de territórios ocupados. [...] Desse momento
em diante, o esforço de guerra do Eixo não dispunha mais de base material sobre que se apoiar. Já não
se tratava de uma questão de evitar a derrota: era apenas questão de quanto tempo iria durar a
agonia.” (MANDEL, 198, p. 56).
37 - O início do fim
“Desde Stalingrado, o rolo compressor russo pusera-se em marcha e nada poderia detê-lo. Em 10 de
julho de 1943, os norte-americanos desembarcaram na Sicília; no dia vinte e cinco, o Duce foi
derrubado. A perspectiva de um desembarque anglo-americano nas costas do Ocidente parecia cada vez
mais próxima. Em Berlim sabia-se que a vitória militar era impossível” (TREPPER, [s.d.], p. 236).
O saldo resultante da batalha para os alemães foi de 250.000 mortos e 100.000 prisioneiros.
Entre os soviéticos, os números oficiais davam conta de 632.253 mortos, em que pese alguns
estudiosos falarem algo em torno de 1.300.000 e 1.500.000 (a população civil em janeiro de 1942 era
de aproximadamente 2.280.000). Ao final do cerco: “Tinham morrido mais pessoas no bloqueio de
Leninegrado do que em qualquer outra cidade moderna” (SALISBURY, 1969, p. 577).
“A morte marchava por Leninegrado, no fim do Inverno. A cidade estava pejada de cadáveres que
jaziam aos milhares nas ruas, sobre o gelo, na neve, nos pátios e caves dos prédios de apartamentos. As
autoridades citadinas e partidárias preparavam-se para desencadear uma enorme limpeza de Pri-
mavera. Porém, V. N. Ivanov, secretário dos jovens comunistas, receava o efeito psicológico sobre os
rapazes e raparigas, quando encarassem as montanhas de corpos gelados em decomposição”
(SALISBURY, 1969, p. 578).
No verão de 1943, Hitler ainda tentou com a “Operação Cidadela” dominar a região de Kursk.
Apesar de ter-se utilizado de novos tanques e 500.000 homens, o resultado de novo foi novamente o
fracasso.
Por volta de 1943 a Alemanha passou a recuar de todas as frentes de batalha, com as derrotas
começando a se avolumarem, haja vista a derrota no Atlântico, os ataques aéreos aliados ao
território alemão, que destruíram indústrias, ferrovias, portos e cidades.
Em 1944, o desembarque da Normandia significou para os alemães o que ocorrera em
Leningrado41 em 1943. No chamado “Dia D”, dois milhões de soldados aliados desembarcaram nas
praias da Normandia. Naquele ano, o III Reich começaria de fato a desmoronar. Em 20 de julho de
1944, Hitler sofreria em seu quartel-general um atentado à bomba, organizado por oficial da velha
Escola Von Stauffenberg42. Hitler apenas foi levemente ferido, e os autores da conspiração foram
julgados sumariamente, torturados, humilhados e executados com brutalidade.
Em fevereiro de 1945 os aliados ocidentais atacaram, violentamente, pelos ares, a Alemanha,
onde morreram cerca de 145.000 pessoas.
E, finalmente, em abril de 1945, a guerra chegou ao fim. Hitler refugiou-se, com seus
auxiliares mais diretos, no “Bunker” da Chancelaria em Berlim, onde viveu seus últimos dias de vida.
No dia 29 de abril, Hitler casou-se com sua amante Eva Braum , ambos se suicidando logo depois.
A Segunda Grande Guerra Mundial apresenta-se, nomeadamente, como uma guerra de armas
mecânicas produzidas em série; foi a guerra da esteira rolante, a guerra do fordismo militar 43. Porém,
a capacidade das potências para a produção em série de armas dependia diretamente dos recursos
industriais gerais das potências beligerantes. E, justamente no tocante a isso, é que a Alemanha e o
Japão foram nitidamente esmagados pela absoluta superioridade das potencialidades industriais dos
41
Em Salisbury (1969) a cidade aparece com o nome de Leningrado, como era chamada na ocasião da
batalha, em Trepper [...] a cidade aparece com o nome de Stalingrado, como passou a ser chamada após a
guerra. Para manter o padrão do trabalho, no texto o termo a ser usado será Leningrado.
42
Além de Von Stauffenberg vários oficiais participaram ou simpatizaram com a conspiração, chamada de
“Operação Valquíria”, entre eles: Beck, Fromm, Witzleben, Kluge, Rommel. Boa parte deles compunha o
Estado-Maior, o qual teve o seu papel bastante limitado por Hitler, no tocante à direção das operações
bélicas.
43
Ironicamente, Henry Ford foi um dos primeiros defensores do Füher alemão, além de ter-se oposto
pessoalmente à entrada dos Estados Unidos na guerra.
EUA.
“A produção em série de aviões, tanques, canhões, metralhadoras, minas, muniçâo teve lugar quer em
fábricas especialmente criadas para esse fim, quer em fábricas de tecidos, de automóveis ou de tratores
adaptadas. Muito estranho foi que nem os EUA nem a URSS procuraram padronizar e produzir em série
peças de reposição — engrenagens, eixos etc. para as armas que as exigiam. Foi o arquiteto de Hitler,
Albert Speer, que deu esse passo adiante na produção de armas, dentro do quadro da guerra total pós-
Estalingrado, desencadeada pelo regime nazista. Os resultados foram impressionantes.” (MANDEL,
1989, p. 69, grifo do autor).
Porém, todos os avanços tecnológicos empregados na Segunda Grande Guerra Mundial foram
ínfimos se comparados ao emprego militar da energia atômica.
“O progresso mais revolucionário na produção de armas foi, naturalmente, o desenvolvimento da bomba
atômica no fim da guerra, depois de o Japão já ter sido derrotado. Esse foi o legado principal, e o mais
horripilante, dessa guerra — símbolo da disposição burguesa em empregar a máxima agressão se e
quando se sinta ameaçada em seus interesses econômicos e políticos globais.” (MANDEL, 1989, p. 75).
Como desastre humano e genocídio, a Segunda Grande Guerra Mundial foi o exemplo
supremo. Segundo Silva:
“O fracasso da tentativa de instauração de um Tribunal Internacional foi somente um reflexo de um
outro de maior envergadura. Todas as tensões do pós-guerra e suas querelas mal resolvidas – pois na
verdade houve mais um armistício do que verdadeiramente paz – levaram fatalmente à eclosão de uma
Segunda Grande Guerra, cujas consequências, em termos de mortes e destruição, atestaram em
definitivo que o desenvolvimento tecnológico poderia trazer também a catástrofe em seu bojo.” (SILVA,
1998, p. 55).
A humanidade pagou um preço elevadíssimo pela Segunda Guerra Mundial. O custo social e
econômico, embora seja possível de maneira plausível ser quantificado, é bastante difícil de ser
qualificado. Além da destruição própria da guerra, foram “queimados” um trilhão e meio de dólares
(ao valor de 1939) durante o conflito, do qual tomaram parte 72 países, mobilizando 110 milhões de
soldados. O saldo de mortos atingiu a ordem de 55 milhões, 35 milhões foram mutilados e 3 milhões
desaparecidos. Em sua grande maioria, as vítimas eram civis. Segundo Vizentini (1989), as nações
com maior número de vítimas foram:
Vítimas da Segunda Grande Guerra
URSS 20 milhões
China 10 milhões
Alemanha 6 milhões
Polônia 5,8 milhões
Japão 2,3 milhões
Iugoslávia 1,7 milhão
França 600 mil
Itália 500 mil
Romênia 500 mil
Grécia 450 mil
Áustria 370 mil
Tchecoslováquia 350 mil
Grã-Bretanha 350 mil
EUA 300 mil
Fonte: Vizentini (1989, p. 150).
Além disso:
“Dentro deste quadro estão incluídos 6 milhões de judeus e 600 mil ciganos — a maior parte destes
povos na Europa. Milhões de pessoas indefesas morreram nos campos de concentração e nos territórios
ocupados, vítimas da fome premeditada e da covarde brutalidade dos deuses guerreiros nazistas. Mas
as perdas humanas têm também outras dimensões: milhões de crianças órfãs, de pessoas humilhadas e
traumatizadas, além de milhões de deslocados pelas migrações decorrentes da própria guerra,
despovoamento e colonização com fins políticos e retificações de fronteiras.” (VIZENTINI, 1989, p. 150,
grifo do autor).
44
“Al adquirir la guerra europea de 1939 el carácter de guerra mundial a partir de 1941, los últimos restos del
orden europeo negociado en Versalles, St. Germain, Trianon, Neuilly y Sèvres se convirtieron también en papel
mojado. Dentro de los objetivos bélicos de la coalición anti-Hitler, el problema de las fronteras y de la relación
de fuerzas en Europa era un punto programático más y, cuanto mas se prolongaban los combates en los
campos de batalla, tanto más evidente se hacia que, después de la guerra, los europeos ya no serían los
Ao passo que a guerra foi se aproximando do seu final, os aliados ingleses, americanos
e russos fizeram acordos com o objetivo de fixar algumas diretrizes para o pós-guerra.
“Em fevereiro de 1945, os Três Grandes Roosevelt (EUA), Stalin (URSS) e Churchill (Inglaterra) firmaram
o Acordo de Yalta, pelo qual, entre outras coisas, a URSS aceitou entrar na guerra contra o Japão. O
presidente Roosevelt, após o acordo ter sido assinado, proclamou o sucesso de um entendimento
definitivo com a URSS. Em junho de 1945, com a participação de caras novas, o primeiro-ministro Atlee
pela Inglaterra — Churchill fora derrotado nas eleições — e o presidente Truman pelos EUA — Roosevelt
morrera — realizou-se novamente um encontro entre os Três Grandes, dessa vez em Potsdam, para
tratar da divisão da Alemanha em zonas de ocupação, tendo ficado assentado que a França seria
convidada como a quarta potência a participar daquela partilha. A divisão da Alemanha consagrou a sua
eliminação temporária do jogo político internacional.” (LOPEZ, 1987, p. 32).
Esses acordos viriam então estabelecer a Nova Ordem Mundial do pós-Segunda Grande Guerra
Mundial. Nos anos imediatos, as chamadas “potências periféricas” - EUA e URSS - dariam as cartas
no novo mundo que surgia. “Mas finda a Segunda Guerra, após um curto período de calma, ocorre a
novidade da divisão do mundo em duas áreas de influência: uma norte-americana e a outra soviética”
(MAGALHÃES, 2000, p. 51).
únicos dueños de sus destinos. La falta de una influencia digna de mención por parte de la Resistencia en los
países ocupados por Alemania, de los gobiernos en el exilio o de algún movimiento de masas permitió a las
tres grandes potencias, Estados Unidos, la Unión Soviética y Gran Bretaña, decidir de mutuo acuerdo cómo
habría de ser Europa al acabar la guerra” (BENZ; GRAML, 1996, p. 8).
45
“Estados Unidos emergió de la guerra nunha posición de dominio global con poco (ou nengun) paralelos na
historia. Los suyos concurrentes en la industria foran destruidos ou altamente debilitados, encanto a
producción industrial estadounidense case se cuadruplicara durante os mismos años; moitos anos antes, los
Estados Unidos llegaron a ser a primera potencia mundial con omita distancia. Estados Unidos literalmente
posuia aproximadamente a metade da riqueza mundial cando rematou a guerra. En termos de poder militar,
era rei supremo. Non tina inimigos no Hemisferio Occidental. Controlaba ambos océanos e vastas áreas mais
alá déles. Rara vez ou nunca, tivo um estado tanto poder e protección contra as ameazas” (CHOMSKY,
1993, p. 25).
“Seu resultado determinou o padrão peculiar de acumulação de capital no mundo por todo um
período. No mundo organizado pelo capital com base em Estados-nação, a guerra é o mecanismo para
a resolução final das diferenças. Pois embora a força militar não seja a única espécie de pressão que
um Estado capitalista pode aplicar sobre seus concorrentes, constitui, não obstante, a forma mais alta
de força: a utilização potencial ou real de força armada para impor sua vontade constitui a prova
decisiva de superioridade de um Estado imperialista. Assim sendo, estamos tratando, aqui, da
capacidade de cada um dos beligerantes para utilizar a força militar de modo continuado e de maneira
mais bem sucedida que seus adversários, o que, por sua vez, depende da capacidade de cada Estado
de mobilizar todos os recursos, tanto humanos quanto materiais, necessários à vitória.
Conseqüentemente as guerras nessa escala são o supremo teste da solidez da ordem social e de sua
saúde econômica, tanto quanto o são da robustez política das classes dirigentes e de suas lideranças.”
(MANDEL, 1989, p. 16-17).
Com o final da Segunda Grande Guerra Mundial, inicia-se a construção de um novo mundo,
uma nova ordem, na verdade, uma Nova Ordem Mundial:
“O esmagamento dos imperialismos alemão, japonês e italiano; um enfraquecimento definitivo de
seus equivalentes francês e inglês; a decadência e ruína do colonialismo direto’ de modo gera!; o
surgimento do imperialismo norte-americano como potência hegemônica no mundo; o surgimento da
URSS como potência mundial e seu domínio militar sobre a Europa oriental e central; a impetuo sa
ascensão de movimentos de libertação nacional nas colônias e semicolônias, cada vez mais
entrelaçados com a revolução social, como na China; o ressurgimento do movimento operário
organizado na Europa continental, com alto nível de militância, especialmente no período de 1944-48;
desenvolvimentos análogos no Japão e nos EUA, ainda que com nível mais baixo de consciência de
classe; a deflagração da Guerra Fria, basicamente como um leste de força entre os Estados Unidos e a
União Soviética e a conseqüente ideologia campista no seio de amplas camadas do movimento
operário internacional — este foi o mundo que emergiu da Segunda Grande Guerra.” (MANDEL, 1989,
p. 160, grifo do autor).
O resultado da guerra significou para a Alemanha a perda de seus territórios a leste da linha Oder-
Neisse para a Polônia e parte da Prússia Oriental para a URSS.
“A última formulação do isolacionismo, ou seja, o seu abandono, foi feito pelo presidente Truman
(Doutrina Truman), em 1947, que afirmou perante o Congresso que defender os povos livres é
defender a segurança americana. [...] Na verdade, os EUA jamais praticaram o isolacionismo total, o
próprio discurso de Washington condenava as alianças permanentes, mas admitia alianças
temporárias em circunstâncias extraordinárias.” (MELLO, 2001, p. 473).
É por isso que se pode considerar a proclamação da Doutrina Truman como o início da
primeira fase da Guerra Fria.
Sem sombra de dúvida, os Estados Unidos foram o país mais beneficiado pela Segunda
Grande Guerra Mundial; além de terem reativado, Também expandiram seu parque industrial. Uma
das conseqüências disso foi a absorção de gigantesca massa de desempregados dos anos trinta, além
de não terem sofrido danos materiais.
“Sua economia tornou-se dominante a nível mundial, respondendo por quase 60% da produção
industrial em 1945, posição reforçada pela semidestruição de seus rivais capitalistas — tanto os
inimigos como os aliados tornaram-se devedores dos EUA. Quanto à sua tecnologia, conheceu um
enorme desenvolvimento. Mas não se deve perder de vista que o crescimento do capitalismo norte-
americano ocorreu em grande parte sobre as rumas dos outros capitalismos. No plano político-militar,
os EUA detinham uma posição talvez nunca ocupada por outra potência: dominavam inteiramente os
mares, possuíam bases aéreas e navais, além de exércitos, em todos os continentes, bem como a
bomba atômica e uma aviação estratégica capaz de atingir todas as áreas importantes do planeta. A
nível financeiro e comercial, o dólar impôs sua vontade ao conjunto do mundo capitalista com o
Acordo de Bretton-Woods e a criação do FMI e do Banco Mundial.” (VIZENTINI, 1989, p. 152-153).
O conjunto das potências, incluindo a URSS, ao sair da guerra, teve ajuda econômica e
financeira dos Estados Unidos da América. O objetivo de todas elas era o de obter a ajuda mantendo
sua independência e capacidade de decisão sobre suas próprias políticas, tal como entendiam suas
classes e castas dominantes. A grande questão é que isso era justamente o que os EUA, em 1945, não
estava pronto a lhes conferirem.
A interrupção da ajuda direta norte-americana sob a forma de empréstimos e arrendamento
(Lend and Lease) foi um duro golpe sentido por Churchill, De Gaulle e Stalin. Em função disso, a
questão das reparações alemãs tornou-se ainda mais importante para a burocracia soviética.
“As forças armadas soviéticas começaram a despojar suas zonas de ocupação de parte importante do
equipamento industrial nelas existente. Fizeram assim na Alemanha Oriental. Do mesmo modo na
Manchúria. Quando começaram a agir desse mesmo modo na România, Bulgária e Hungria, fatalmente
começaram a aumentar os conflitos com a burguesia local e com as alas não-estalinistas do movimento
operário. Estavam sendo lançadas as sementes da segunda etapa da Guerra Fria.” (MANDEL, 1989, p.
174).
Com isso a libra recuperou sua convertibilidade anterior, logo tornando a perdê-la em
decorrência de um novo depauperamento de divisas, deixando escancarada a completa gravidade da
crise econômica pela qual passava a Europa. O governo dos EUA fixou o valor da ajuda para o período
de 1948-1952 em 12,8 bilhões de dólares (para os 22 bilhões que a Europa necessitava) como forma
de assegurar a correspondente cooperação entre os Estados europeus, que, em 16 de abril de 1948,
assinaram a Convenção de Cooperação Econômica Européia, que criou a OECE 46. Era a primeira
Organização européia do pós-guerra. Quadros (1995) irá dirá que: “[...] a primeira tarefa da nova
Organização foi a de repartir pelos Estados da Europa Ocidental os 12,8 bilhões de dólares de
donativos e empréstimos norte-americanos” 47.
“Nesta região os Estados Unidos dominavam de forma absoluta, embora o prosseguimento da guerra
civil na China viesse em seguida trazer o primeiro revés à política americana, que se beneficiava ainda
do recuo dos imperialismos europeus na Ásia e no Pacifico. O Japão, além de devolver Taiwan à China,
perder a Coréia — que se torna independente, mas com zonas de ocupação — e entregar as ilhas
Curilas e Sacalina meridional à URSS, perdeu para os EUA os imensos arquipélagos que pos suía no
Pacífico.” (VIZENTINI, 1989, p. 153).
46
No final da década de 1950, esvaziada de conteúdo, por iniciativa do próprio Conselho da Organização, em
14 de dezembro de 1960, é assinada uma Convenção que cria a OCDE - Organização de Cooperação e
Desenvolvimento Econômico - em substituição à OECE. O Art. 1º da OCDE profere os seguintes escopos da
Organização: “[...] a) para a expansão do comércio mundial em bases unilaterais e não discriminatórias. b) a
realização da mais forte expansão possível da economia e do emprego; c) a melhoria do nível de vida dos
Estados membros, procurando manter a estabilidade financeira dos mesmos e promovendo a sua
contribuição para o desenvolvimento da economia mundial; d) contribuir para a expansão econômica dos
Estados membros e dos Estados não membros em situação de subdesenvolvimento econômico [...]”.
47
Cf. QUADROS (1995, p. 557).
“O Pentágono foi obrigado a conter-se, temeroso de que essas explosões se multiplicassem. E, em
nível mais modesto, a eleição do governo trabalhista na Grã-Bretanha, em 1945, agiu como um fator
de contenção. Em última instância, era uma questão de prioridades. As lide ranças da burguesia norte-
americana tinham que traçar uma estratégia de pós-guerra, tendo como primeira tarefa a restauração
do capitalismo na Europa ocidental, no Japão e em seu próprio país. Ela se atribuiu o papel de guardiã
mundial do capitalismo, mas limitaria sua intervenção a guerras tocais, isto é, a guerras limitadas de
contra-revolução.” (MANDEL, 1989, p. 180).
“O imperialismo norte-americano pôde conter-se porque tinha uma saída econômica. A opção que ele
escolheu de 1946-48 foi a de concentrar esforços na consolidação política e econômica do ca pitalismo
nos principais países imperialistas, e conceder-lhes crédito e espaço suficiente de desenvolvimento
para iniciar uma expansão da economia capitalista em âmbito mundial, com base na qual o capitalismo
se estabilizaria política e socialmente em suas principais fortalezas. A essa prioridade estavam
subordinadas outras metas — inclusive salvar a China do comunismo e reduzir a URSS a suas
fronteiras e a sua impotência de antes da guerra. Com o auxílio de partidos social-democratas e
comunistas locais, de um modo que faz lembrar nitidamente a estratégia da burocracia operaria de
após a Primeira Grande Guerra, o projeto norte-americano mostrou-se plenamente bem-sucedido por
exatamente vinte anos: de 1947-48 a 1967-68.” (MANDEL, 1989, p. 180, grifo do autor).
Na verdade, Chomsky (1999), relata que, já durante a Segunda Grande Guerra Mundial, grupos
de estudo do Departamento de Estado e do Conselho de Relações Exteriores desenvolveram planos
para o mundo pós-guerra nos termos do que chamaram a “Grande Área”, com o objetivo que esta
fosse subordinada às necessidades da economia norte-americana 48.
Faziam parte da “Grande Área” o Hemisfério Ocidental, a Europa, o Oriente, o antigo Império
Britânico, então destruído, as extraordinárias fontes de energia do Oriente Médio 49, o resto do
Terceiro Mundo e se possível, o mundo inteiro. Esses planos foram sendo executados à medida que as
oportunidades permitiram.
“A cada setor da nova ordem mundial foi designada uma função específica. Os paises industrializados
seriam guiados pelas grandes oficinas, Alemanha e Japão, que tinham demonstrado sua proeza na
guerra (e agora estavam trabalhando sob a supervisão norte-americana). Ao terceiro mundo cabia
executar sua principal função de fonte de matérias-primas e de mercado para as sociedades
industriais capitalistas, como dizia um memorando do Departamento de Estado de 1949. Era para ser
explorado (nas palavras de Kennan) para a reconstrução da Europa e do Japão.” (CHOMSKY, 1999, p.
15-16, grifo do autor).
Tenderia essa época a terminar? Assim parece. Esgotam-se, nos países da periferia, as
possibilidades de import-substitution, o que se traduz em sensível debilitação da industrialização e do
crescimento. Nos países ocidentais do centro, as tensões deflacionárias semipermanentes que
voltaram a surgir, como a crise internacional de liquidez, indicariam uma pausa. Por certo, o sistema
capitalista mundial pode superar tal situação; não existe crise catastrófica capaz de engendrar, por si
mesma, o fim apocalíptico do sistema. Sua busca de solução, por outro lado, segue em duas direções
que, provavelmente, conformarão as modalidades do futuro da especialização internacional. Nesse
sentido, Amin (1981) esclarece que:
48
Cf. Chomsky (1999, p. 15).
49
O controle sobre as fontes de energia do Oriente Médio passava então para as mãos norte-americanas, com
os EUA expulsando os rivais, França e Inglaterra da região.
“A primeira de tais direções é a integração da Europa oriental na rede de trocas internas do centro, sua
modernização. Ademais, evoluções internas próprias dessa região possibilitam a integração, apesar de
sua forma (sob a égide russa ou, pelo contrário, na independência dos Estados ao estilo da Iugoslávia
etc.) ser objeto de intensas lutas. A segunda direção possível é a da especialização do terceiro mundo
na produção industrial clássica (aqui compreendida a de bens de capital), reservando-se o centro às
atividades ultramodernas (automação, eletrônica, conquista espacial, átomos). Com efeito, nossa
época é a de uma revolução científica e técnica extraordinária. Isto torna caducos os modos clássicos
da acumulação, marcados pelo incremento da composição orgânica do capital. O fator residual -
massa cinzenta – converte-se no fator principal do crescimento. Isto significa que as indústrias
ultramodernas se caracterizam por uma composição orgânica do trabalho, outorgando uma
participação relativa muito maior ao trabalho altamente qualificado, para empregar os termos muito
claros de A. Emmanuel. Os países subdesenvolvidos especializar-se-iam, então, nas produções
clássicas que não exigem senão o trabalho simples, compreendendo-se aqui as produções industriais
pesadas clássicas (siderurgia, química etc.).” (AMIN, 1981, p. 125, grifo do autor).
41 - A ONU
“Em grande parte, o resultado das grandes guerras de coalizão do período 1500-1945 confirma as
mudanças que vêm ocorrendo, num período mais longo, em nível econômico. A nova ordem territorial
estabelecida ao final de cada guerra reflete assim a redistribuição de poder ocorrida no sistema
internacional.” (KENNEDY, 1989, p. 510).
Assim, após a Segunda guerra Mundial, surge uma nova ordem, ou um novo sistema de
Estados desenhado pelos vencedores. Os pontos de partida foram estabelecidos nas Conferências de
Teerã, Yalta - entre EUA, Inglaterra e URSS, (Conferência tida como o marco inicial da Guerra Fria, por
fixar as zonas de ocupação da Alemanha, além de estabelecer as normas para a nova formulação da
Europa); a Conferência de Potsdam - que decidiu pelo desarmamento e as indenizações a serem
pagas pela Alemanha e sua divisão em zonas de ocupação aliada; e, finalmente, a Conferência de São
Francisco no ano de 1945, na qual se deu a criação da ONU, em lugar da Liga das Nações.
“Em 1º de janeiro de 1942 foi constituída uma aliança para o tempo de guerra pelos países aliados que
lutavam contra o Eixo, que foi consubstanciada na Declaração das Nações Unidas. Foi na Conferência
de Moscou, em outubro de 1943, entretanto, que se fez a primeira menção à necessidade de se criar
uma organização internacional, após o término da guerra. Na Conferência de Teerã (dezembro de
1943) esta ideia foi reafirmada. Em Dumbarton Oaks, em 1944, foi realizada uma conferência a fim de
se constituir a nova organização, sendo preparadas as proposições iniciais referentes a ela. Em
fevereiro de 1945, os chefes de Estado (Churchill, Stalin e Roosevelt) resolveram os últimos pontos
referentes à nova organização, como o sistema de tutela, o sistema de votação do Conselho de
Segurança etc. Foi decidida ainda, em Yalta, a convocação para uma Conferência a ser realizada na
cidade de São Francisco, a ter início em 25 de abril no mesmo ano. A Conferência de São Francisco foi
um convite dos EUA em seu nome e no da URSS, Grã-Bretanha e China.” (ALBUQUERQUE MELLO,
2001, p. 590).
Se em Teerã, em fins de 1943, não se tinha noção definitiva de como seria o final da
guerra, de uma conferência para outra as coisas foram ficando mais conclusivas, sobretudo na
Conferência de Potsdam, que ocorre com a guerra já findada na Europa.
Em primeiro lugar resolveu-se pela rendição incondicional da Alemanha. A partir daí, a
Alemanha tornou-se um Estado ocupado pelos EUA, pela União Soviética, pela Inglaterra e, em
seguida pela França, e dividida em quatro zonas de ocupação, assim como a capital Berlim, localizada
na zona soviética.
Uma população de cerca de 3 a 4 milhões de origem alemã que habitava a
Tchecoslováquia, os sudetos, foi deslocada, à força, para a Alemanha. A província da Silésia e outras
regiões adjacentes, limítrofes da Polônia, a esta foi também anexada. A população alemã da Prússia
Oriental, por sua vez, teve que deslocar-se das províncias da Prússia para o ocidente alemão, dando
lugar ao povoamento dessa região a uma população polonesa. A Ucrânia se recompôs com a
incorporação da sua parte ocidental que estava sob a soberania polonesa, e os Estados bálticos foram
incorporados à URSS.
Vários remanejamentos foram feitos na própria Europa. E é claro que isso tinha de ser
feito de comum acordo, pois de outra forma não seria possível, isto porque a Europa emergiu da
guerra com todo o leste ocupado por tropas soviéticas, enquanto a parte ocidental fora ocupada –
incluindo a Alemanha – por tropas anglo-americanas.
Criou-se então, em 1945, a Organização das Nações Unidas (ONU):
“Não foi só o descrédito geral que caíra sobre a SDN que obstou à sua reconstituição. Razões políticas
imediatas e fáceis de compreender intervieram em sentido análogo: a SDN tinha sido dominada pela
França e pelo Reino Unido, potências que as circunstâncias do conflito tinham reduzido a um papel de
segundo plano, em contraste com os Estados Unidos e a União Soviética, ambos desafetos à SDN, os
primeiros porque nunca a ela tinham aderido, a segunda porque dela tinha sido expulsa em dezembro
de 1939.” (PEREIRA; QUADROS, 1995, p. 24).
A Organização das Nações Unidas (ONU) desde sua Carta confere ao Conselho de Segurança
os poderes políticos de segurança internacional, o qual se encarregou da função de “guardião da
paz”.
“Art. 39. O Conselho de Segurança determinará a existência de qualquer ameaça à paz, ruptura da paz ou ato
de agressão, e fará recomendações ou decidirá que medidas deverão ser tomadas de acordo com os Art. 41 e
42, a fim de manter ou restabelecer a paz e a segurança internacional. Art. 40. A fim de evitar que a situação
se agrave, o Conselho de Segurança poderá antes de fazer as recomendações ou decidir a respeito das
medidas preventivas no art. 39, convidar as partes interessadas que aceitem as medidas provisórias que lhe
pareçam necessárias ou aconselháveis. Tais medidas provisórias não prejudicarão os direitos ou pretensões,
nem a situação das partes interessadas, O Conselho de Segurança tomará devida nota do não cumprimento
dessas medidas. Art. 41. O Conselho de Segurança decidirá sobre as medidas que, sem envolver o emprego de
forças armadas, deverão ser tomadas para tornar efetivas suas decisões, e poderá convidar os Membros das
Nações Unidas a aplicarem tais medidas. Estas poderão incluir a interrupção completa ou parcial das relações
econômicas, dos meios de comunicação ferroviários, marítimos, aéreos, postais, telegráficos, radiofônicos, ou
de outra qualquer espécie, e o rompimento das relações diplomáticas. Art. 42. No caso do Conselho de
Segurança considerar que as medidas previstas no art. 41 seriam ou demonstraram que são inadequadas,
poderá levar a efeito, por meio de forças aéreas, navais ou terrestres, a ação que julgar necessária para
manter ou restabelecer a paz e a segurança internacional. Tal ação poderá compreender demonstrações,
bloqueios e outras operações, por parte das forças aéreas, navais ou terrestres dos Membros das Nações
Unidas. Art. 43. Todos os Membros das Nações Unidas, a fim de contribuir para a manutenção da paz e da
segurança internacionais, se comprometem a proporcionar ao Conselho de Segurança, a seu pedido e de
conformidade com acordo ou acordos especiais, forças armadas, assistência e facilidades, inclusive direitos de
passagem, necessárias à manutenção da paz e da segurança internacionais. 1. Tal acordo ou tais acordos
determinará o número e tipo das forças, seu grau de preparação e sua localização geral, bem como a natureza
das facilidades e da assistência a serem proporcionadas. 2. O acordo ou os acordos será negociado o mais cedo
possível, por iniciativa do Conselho de Segurança. Serão concluídos entre o Conselho de Segurança e Membros
da Organização ou entre o Conselho de Segurança e grupos de Membros, e submetidos à ratificação pelos
Estados signatários, de conformidade com seus processos constitucionais. Art. 44. Quando o Conselho de
Segurança decidir o emprego de força, deverá, antes de solicitar a um Membro nele não representado o
fornecimento de forças armadas em cumprimento das obrigações assumida em virtude do art. 3, convidar o
referido Membro se este assim o desejar, a participar das decisões d Conselho de Segurança relativas ao
emprego de contingentes das forças armadas do dito Membro. Art. 45. A fim de habilitar as Nações Unidas a
tomarem medidas militares urgentes, os Membros das Nações Unidas deverão manter, imediatamente
utilizáveis contingentes das forças aéreas nacionais para a execução combinada de uma ação coercitiva
internacional. A potência e o grau de preparação desses contingentes, bem como os planos de ação
combinada serão determinados pelo Conselho de Segurança com a assistência da Comissão de Estado Maior,
dentro dos limites estabelecidos no acordo ou acordos especiais a que se refere o art. 3. Art. 46. O Conselho
de Segurança, com a assistência da Comissão de Estado Maior, fará planos para a aplicação das forças
armadas. Art. 47. Será estabelecida uma Comissão de Estado Maior destinada a orientar e assistir o Conselho
de Segurança, em todas as questões relativas às exigências militares do mesmo Conselho, para a manutenção
da paz e da segurança internacionais, utilização e comando das forças colocadas à sua disposição,
regulamentação de armamentos e possível desarmamento. 1. A Comissão de Estado Maior será composta dos
Chefes de Estado Maior, dos Membros permanentes cio Conselho de Segurança ou de seus representantes.
Todo Membro das Nações Unidas que não estiver permanentemente representado na Comissão será, por
esta, convidado a tomar parte nos seus trabalhos, sempre que a sua participação for necessária ao eficiente
cumprimento das responsabilidades da Comissão. 2. A Comissão de Estado Maior será responsável, sob a
autoridade do Conselho de Segurança, pela direção estratégica de todas as forças armadas postas à disposição
do dito Conselho. As questões relativas ao comando dessas forças serão resolvidas ulteriormente. 3. A
Comissão de Estado Maior com autorização do Conselho de Segurança e depois de consultar os organismos
regionais adequados poderá estabelecer subcomissões regionais. Art. 48. A ação necessária ao cumprimento
das decisões do Conselho de Segurança para manutenção da paz e da segurança internacionais será levada a
efeito por todos os Membros das Nações Unidas ou por alguns deles, conforme seja determinado pelo
Conselho de Segurança. 1. Essas decisões serão executadas pelos Membros das Nações Unidas diretamente, e,
por seu intermédio nos organismos internacionais apropriados de que façam parte. Art. 49. Os Membros das
Nações Unidas prestar-se-ão assistência mútua para a execução das medidas determinadas pelo Conselho de
Segurança. Art. 50. No caso de serem tomadas medidas preventivas ou coercitivas contra um Estado pelo
Conselho de Segurança, qualquer outro Estado, Membro ou não das Nações Tinidas, que se sinta em presença
de problemas especiais de natureza econômica, resultantes da execução daquelas medidas, terá o direito de
consultar o Conselho de Segurança a respeito da solução de tais problemas. Art. 51. Nada na presente Carta
prejudicará o direito inerente de legítima defesa individual ou coletiva, no caso de ocorrer um ataque armado
contra um Membro das Nações Unidas, até que o Conselho tenha tomado as medidas necessárias para a
manutenção da paz e da segurança internacionais. As medidas tomadas pelos Membros no exercício desse
direito de legítima defesa serão comunicadas imediatamente ao Conselho de Segurança e não deverão, de
modo algum, atingir a autoridade e a responsabilidade que a presente Carta atribui ao Conselho para levar a
eleito, em qualquer tempo, a ação que julgar necessária à manutenção ou ao restabelecimento da paz e da
segurança internacionais. Art. 52. 1. Nada na presente Carta impede a existência de acordos ou de entidades
regionais, destinadas a tratar dos assuntos relativos à manutenção da paz e da segurança internacionais que
forem suscetíveis de uma ação regional, desde que tais acordos ou entidades regionais e suas atividades sejam
compatíveis com os Propósitos e Princípios das Nações Tinidas. 2. Os membros das Nações Tinidas, que forem
parte em tais acordos ou que constituírem tais entidades, empregarão todos os esforços para chegar a uma
solução pacífica das controvérsias locais por meios desses acordos e entidades regionais, antes de as submeter
ao Conselho de Segurança. 3. O Conselho de Segurança estimulará o desenvolvimento da solução pacífica de
controvérsias locais mediante os referidos acordos ou entidades regionais, por iniciativa dos Estados
interessados ou a instâncias do próprio Conselho de Segurança. 4. Este Art. não prejudica de modo algum a
aplicação dos Art. 34 e 35. Art. 53. 1. O Conselho de Segurança utilizará, quando for o caso, tais acordos e
entidades regionais para uma ação coercitiva sob a sua própria autoridade. Nenhuma ação coercitiva será, no
entanto, levada a efeito de conformidade com acordos ou entidades regionais sem autorização do Conselho
de Segurança, com exceção das medidas contra um Estado Inimigo, como está definido no parágrafo 2 deste
Art., que forem determinadas em consequências do art. 107 ou em acordos regionais destinados a impedir a
renovação de uma política agressiva por parte de qualquer desses Estados, até o momento em que a
organização possa, a pedido dos Governos Interessados, ser incumbida de impedir toda nova agressão por
parte de tal Estado. 2. O termo Estado inimigo, usado no parágrafo 1º deste Art., aplica-se a qualquer Estado
que, durante a Segunda Guerra Mundial, tal Inimigo de qualquer signatário da presente Carta. Art. 54. O
Conselho de Segurança será sempre informado de toda ação compreendida ou projetada em conformidade
com os acordos ou entidades regionais para a manutenção da paz e da segurança internacionais.
A formação da ONU encerrou por definitivo a situação de forças do entre guerras, tirando de
vez da Europa a centralidade da política internacional.
“A Carta do Atlântico, documento elaborado por Roosevelt e Churchill em agosto de 1941 a bordo de
um navio de guerra americano, diante das costas de Terranova, resumia as intenções e os objetivos de
uma ordem global de paz que, posteriormente, na primavera de 1945, se colocaria em prática em São
Francisco com a fundação das Nações Unidas, nova organização de Estados que, ainda sendo
formalmente a Sociedade das Nações de Genebra, desde sua criação apareceria já claramente
desligada das tradições europeias e cujo centro de atividade, diferentemente da sociedade das nações,
deixaria de ser Europa. Independente do duvidoso êxito com que a ONU tenha podido cumprir a
missão encomendada, ou de seus erros de construção, de modo algum pode-se considerar
representante dos interesses europeus, coisa que foi essencialmente a sociedade das nações do entre
– guerras” (BENZ; GRAM, 1996, p. 8-9, tradução nossa) 50.
50
“La Carta del Atlántico, documento elaborado por Roosevelt y Churchill en agosto de 1941 a bordo de un
buque de guerra americano, ante las costas de Terranova, resumía las intenciones y los objetivos de un
orden global de paz que, posteriormente, en la primavera de 1945, habría de ponerse en práctica en San
Francisco con la fundación de las Naciones Unidas, nueva organización de Estados que, aun siendo
Porém, em que pesem todas as declarações e cartas de intenções, a Organização das Nações
Unidas organizou-se como entidade mundial das potências vencedoras e dos países a elas aderentes.
Inicialmente não faziam parte dela a Alemanha e o Japão. Algumas características da ONU merecem
ser assinaladas:
“Em primeiro lugar, sua sede foi estabelecida nos Estados Unidos, precisamente em Nova Iorque, o
que corresponde a um deslocamento do poder mundial, em substituição à Europa como centro deste
poder. Em segundo lugar, sua composição previa uma Assembléia Geral e um Conselho de Segura com
um certo número de membros permanentes, com direito de veto: Estados Unidos, União Soviética,
França, Inglaterra e China. Quanto ao lugar da China, ficou-se em duvida durante um certo período em
virtude das mudanças políticas ocorridas naquele país, com a queda do regime do Kuomintang de
Chiang Kai Chek e a tomada do poder, em 1949, pelo Exército Popular Chinês, comandado por Mao
Tse-Tung. Mas, com o reconhecimento da China em 1971 pelos Estados Unidos, a China Popular
ocupou esse lugar na ONU e Taiwan – a China fundada por Chiang Kai Chek – se retirou da ONU.”
(GORENDER, 1995, p. 433).
A ONU passou a ser uma organização mundial funcionando num cenário no qual as duas potências
nucleares emergentes da guerra - os EUA (embora já se constituíssem como potência militar desde a guerra) e
a URSS - podiam negociar e divulgar seus pontos de vista a uma tribuna mundial e, de certo modo, testar
certas ações de caráter estratégico mundial. Mas, além da ONU, as duas superpotências colaboraram em
outras organizações que vieram a surgir.
Ao mesmo tempo, o caráter da bipolaridade deu-se pela formação dos dois blocos que se
estabeleceram, cada um deles criando suas organizações de domínio, de estabelecimento de regras, de
normatização da política internacional e da conduta de cada Estado.
Enquanto potência hegemônica, os EUA cunharam, em particular, duas organizações de fundamental
importância para o “novo mundo”: o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, ambos com
sede em seu principal país financiador - os Estados Unidos. Os países do mundo capitalista do pós-guerra
começaram a fazer parte do FMI e, depois, a própria Alemanha e o Japão a ele se associaram, à medida que
superavam a situação de Estados vencidos e assinavam os tratados de paz.
“O FMI surgiu com a incumbência de regular o comercio internacional, o câmbio, as moedas e as
finanças de cada Estado. Estabeleceu-se um sistema internacional em que o dólar tomou o papel de
moeda mundial, ou seja, a própria decadência da Inglaterra já não permitia que a libra fosse a moeda
de reserva mundial. A Inglaterra não tinha lastro ou potência econômica para tal, e o dólar se tornou a
moeda de reserva, a principio, lastreada pelo ouro.” (GORENDER, 1995, p. 434).
Malgrado, na Conferência de Bretton Woods, onde surgiu o FMI, o economista inglês John M.
Keynes defendeu a criação de uma moeda mundial que não fosse de nenhuma nacionalidade, e não
tivesse um lastro-ouro. Seu ponto de vista, no entanto, foi derrotado e o próprio Keynes teve que se
conformar com a solução americana51.
51
A opinião de Keynes baseava-se, em primeiro lugar, em seus fundamentos teóricos, vez que ele
considerava o ouro uma relíquia bárbara, e em segundo, pelo fato da Inglaterra não possuir
reservas em ouro ao fim da guerra. Os ingleses tinham esgotado suas reservas na guerra, ao
passo que os Estados Unidos, como grande potência credora que era, tinham cofres cheios de
ouro e, com isso, estabeleceram uma cotação do dólar na base de uma certa quantidade de ouro,
em onças-troy. Porém, com o passar do tempo, essa situação viu-se ameaçada pelos próprios
Estados Unidos, na medida em que passaram a gastar exageradamente no exterior, sobretudo nas
guerras da Coréia e do Vietnã, e no financiamento de tropas americanas pelos quatro cantos do
mundo; criou-se assim uma inflação da moeda-dólar no mundo. A crise foi tamanha que, em 1971,
com o lastro-ouro correndo perigo, o então presidente dos Estados Unidos, Nixon, separou o dólar
O Banco Mundial, por sua vez, surgiu com o intuito de financiar projetos e auxiliar os
países em dificuldades, dentro de princípios convenientes às potências capitalistas e, primeiramente,
aos Estados Unidos.
“Além disso, criou-se o GATT (Acordo Geral de Comércio e Tarifas), também com a adesão da maioria
dos países do mundo, e que regula as normas de comércio mundial, geralmente de acordo com os
princípios liberais que convinham aos americanos logo no imediato pós-guerra, aliás, convenientes até
hoje, embora não sejam eles mesmos fiéis a esses princípios quando se trata dos seus interesses. Mas
convinha aos Estados Unidos, necessitados de mercados, com uma potência produtiva imensa se
comparada aos demais países logo depois da guerra, — produziam mais da metade do produto
mundial no pós-guerra, hoje produzem de 20 a 22% — que barreiras alfandegárias e políticas e
impérios como o britânico acabassem, porque as áreas preferenciais eram um empecilho à entrada
dos produtos, negócios e investimentos americanos. Esses investimentos se espalharam
impetuosamente no imediato pós-guerra, durante 25 a 30 anos.”(GORENDER, 1995, p. 435).
Ainda como parte da “Nova Ordem Mundial criada após a Segunda Guerra Mundial” e dois
anos depois do surgimento da Doutrina Truman (1947) é criada, em 1949, pelos Estados Unidos, a
OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), que se constituiria então, como a expressão
militar do princípio da Guerra Fria, ou seja, o princípio da contenção 52.
“Concretizou-se a hegemonia americana na Europa Ocidental, ratificada em 1949 com a criação da OTAN
(Organização do Tratado do Atlântico Norte), permitindo a instalação ou permanência de bases militares
americanas em pontos estratégicos da Europa.” (SOARES, 2000, p. 155).
52
O princípio da contenção foi enunciado por George Kennan, diplomata americano que atuara em Moscou.
Para Kennan, o regime soviético era adversário e hostil à democracia ocidental, deveria ser contido nos
limites em que estava. O diplomata não pregava a guerra direta – daí o surgimento dessa expressão “Guerra
Fria” – mas a contenção, onde quer que houvesse uma tentativa de expansão, por força militar. O discurso
de Churchill, em Furton (Estados Unidos) no ano de 1946, cunhou a expressão Guerra Fria. Kennan dirigiu a
equipe de planejamento do Departamento de Estado norte-americano até 1950. Chomsky, em “O que o Tio
Sam realmente quer” se refere a Kennan como um dos mais lúcidos e inteligentes estrategistas dos Estados
Unidos e uma das mais importantes personalidades na configuração do mundo pós-guerra.
dizia que, após a guerra franco-prussiana de 1870-1871, a Europa atravessara aproximadamente 40
anos de paz, e isto foi considerado como paz mundial. Sem dúvida, as duas únicas guerras mundiais
conhecidas na história, mas, com relação ao sistema que surgiu da Segunda Guerra, é pertinente
indagar de qual estabilidade se pode falar. A península indochinesa, por exemplo, esteve assolada por
uma guerra que durou dezenas de anos; alguns países da África precisaram se empenhar em guerras
duríssimas para se livrar do jugo colonial, como é o caso do Zaire, das colônias portuguesas e da
própria África do Sul, com lutas internas contra o apartheid, além de outras guerras que
ensangüentaram o continente africano. Nesses casos, portanto, é difícil falar de estabilidade.”
(GORENDER, 1995, p. 436).
A estabilidade que ocorreu no centro do sistema não se reproduziu em sua periferia, que
foi invariavelmente abalada por uma sucessão de guerras:
“Assiste-se nesse momento à violência norte-americana contra o Vietnã, Cuba, Granada, Nicarágua e
quase todos os países latino-americanos, que receberam regimes autoritários impostos e financiados
pelos Estados Unidos. A tortura, as perseguições e assassinatos praticados pelo Estado e por grupos
paramilitares foram comuns no Chile, na Argentina, no Uruguai, no Brasil, em Honduras, em El
Salvador. Do outro lado, o exército russo impõe, à força, a política soviética na Hungria, na
Tchecoslováquia, no Afeganistão.” (MAGALHÃES, 2000, p. 51).
O que foi evitado no Afeganistão, na Coréia e no Vietnã foi o enfrentamento direto entre
Rússia e Estados Unidos. Nos países em que um deles intervinha de maneira direta com suas forças,
no caso, os Estados Unidos na Coréia e no Vietnã, e a União Soviética no Afeganistão, a outra
superpotência não se intrometia; seu papel era o de ajudar os inimigos do invasor, mas não entrar
diretamente no conflito. Esse pacto ficou muito claro em alguns episódios clássicos, tal como o
ocorrido em 1956 quando tropas soviéticas sufocaram um levante em Budapeste (Hungria), e em
1968, quando a União Soviética, apoiada pelo Pacto de Varsóvia, invadiu a Tchecoslováquia e
derrubou o governo do país; em ambas as situações, os rivais norte-americanos mantiveram-se
afastados. Do lado da União Soviética, a mesma não tomou parte diretamente em dissidências e
conflitos que ocorreram fora de sua “área de influência”.
“A Segunda Guerra Mundial na verdade trouxe soluções, pelo menos por décadas. Os impressionantes
problemas sociais e econômicos do capitalismo na Era da Catástrofe aparentemente sumiram. A
economia do mundo ocidental entrou em sua Era de Ouro; a democracia política ocidental, apoiada
por uma extraordinária melhora na vida material, ficou estável; baniu-se a guerra para o Terceiro
Mundo. Por outro lado, até mesmo a revolução pareceu ter encontrado seu caminho para a frente. Os
velhos impérios coloniais desapareceram ou logo estariam destinados a desaparecer. Um consórcio de
Estados comunistas, organizado em torno da União Soviética, agora transformada em superpotência,
parecia disposto a competir na corrida pelo crescimento econômico com o ocidente. Isso se revelou
uma ilusão, mas só na década de 1960 essa ilusão começou a desvanecer-se.” (HOBSBAWM, 1995, p.
59).
“[...] à revelia das superpotências, ocorreram desdobra mentos, lutas sociais que levaram à
descolonização dos impérios constituídos ainda nos séculos XVIII e XIX, e que sobreviveram até a
Segunda Guerra, bem como o estabelecimento de uma série de conquistas dos trabalhadores na
Europa, mesmo na Europa Ocidental e a democratização em muitos países por força das lutas
populares. Enfim, o sistema não pôde ser congelado, ao contrário, foi minado por suas contradições
internas, lutas sociais e desequilíbrios internacionais.”(GORENDER, 1995, p. 437).
43 - A integração europeia
53
“La división del mundo estimuló la integración de Europa, aunque sin Duda de una manera muy distinta a la
somada por los propagandistas de la Idea de Europa en la época de entreguerras, o incluso por Churchill en
el año 1946. La integración se produce dentro de dos sistemas claramente delimitados entre si, a los que se
ha dado en definir – de una forma más que superficial y acertando solo a medias – como capitalista por un
lado y socialista por otro, occidental u oriental, libre o no libre, democrático o democrático popular, y cuyos
centros gravitatorios se hallan más o menos alejados del centro geográfico de Europa. Los procesos de
integración prosiguen, con aceleraciones y estancamientos, tanto en el Este como en el Oeste; a la guerra
fría se sucedió un período de distensión. Sea como fuere, la coexistencia pacífica y permanente de ambas
partes de Europa sigue siendo la meta ambicionada” (BENZ; GRAM, 1996, p. 10- 11).
54
“La segunda guerra mundial no supondría, realmente, el fin de la historia europea, sino el de la historia del
sistema de equilibrio entre las potencias europeas surgido en el Renacimiento y que, pese a todas sus
modificaciones, básicamente se había vuelvo a imponer, una y otra vez, en cada caso particular. Este
sistema se había resquebrajado a partir del momento en que la creciente interdependencia económica y el
desarrollote la técnica armamentística cuestionaran la autonomía de hasta entonces grandes potencias,
quedando destruido tras el intento alemán de resolver el dilema cada vez mayor de una posición semi-
hegemónica mediante al logra de una posición de poder en el mundo a costa de las restantes potencias
europeas; las tentativas de revitalizarlo después de la guerra” (BENZ; GRAML, 1996, p. 16).