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AJUSTE POR MÍNIMOS QUADRADOS

Um dos mais comuns e interessantes tipos de experimentos envolve a medição de vários


valores de duas varáveis físicas distintas para investigar a relação matemática existente entre
essas duas varáveis. Por exemplo, no experimento de queda dos corpos, deixa-se cair uma
pequena esfera a partir de várias alturas distintas ℎ1 , … ℎ𝑁 , e mede o tempo correspondente às
quedas, 𝑡1 , … 𝑡𝑁 , para verificar se as alturas e tempos seguem a relação esperada, ℎ = 1/2𝑔𝑡 2 .

Provavelmente, os mais importantes experimentos desse tipo são aqueles para os quais
a relação esperada é linear. Por exemplo, se acreditamos que um corpo está caindo com a
aceleração constante 𝑔, então sua velocidade 𝑣 deve ser uma função linear do tempo 𝑡.

𝑣 = 𝑣0 + 𝑔𝑡 (1)
No geral, consideramos duas variáveis físicas quaisquer 𝑥 𝑒 𝑦 que suspeitamos que
estejam conectadas por uma relação linear da forma

𝑦 = 𝐴 + 𝐵𝑥 (2)
onde A e B são constantes. Muitas notações diferentes são usadas para uma relação linear;
atenção para não confundir a forma (2) com a igualmente popular 𝑦 = 𝑎𝑥 + 𝑏.

Se as duas variáveis 𝑦 𝑒 𝑥 estão linearmente relacionadas, como na forma (2), então um


gráfico de 𝑦 𝑝𝑜𝑟 𝑥 deve ser uma reta que possui a inclinação 𝐵 e que intercepta o eixo 𝑦 em
𝑦 = 𝐴. Se tivéssemos que medir 𝑁 valores distintos 𝑥1 , … , 𝑥𝑁 e os valores correspondentes
𝑦1 , … , 𝑦𝑁 e se nossas medidas não estivessem sujeitas a incertezas, então cada um dos pontos
(𝑥𝑖 , 𝑦𝑖 ) cairia exatamente sobre a reta 𝑦 = 𝐴 + 𝐵𝑥 como na fig. 1a.

Figura 1-(a) Duas variáveis 𝑥 𝑒 𝑦 estão linearmente relacionadas sem incertezas (b) são apresentados com barras
de erro (incertezas)
Na prática, há incertezas, e o melhor que podemos esperar é que a distância de cada
ponto (𝑥𝑖 , 𝑦𝑖 ) até a reta seja razoavelmente comparável com as incertezas, conforme ilustrado
na fig.1b.

Quando fazemos uma série de medições, podemos indagar duas questões. Primeiro, se
tomarmos como certo que 𝑦 𝑒 𝑥 estão relacionados linearmente, então o problema de interesse
é determinar a reta 𝑦 = 𝐴 + 𝐵𝑥 que melhor se ajusta às medidas, ou seja, determinar as
melhores estimativas para as componentes 𝐴 𝑒 𝐵, baseado nos dados. Esse problema pode ser
tratado graficamente ou também analiticamente, por intermédio do princípio da máxima
verossimilhança. Esse método analítico para determinar a reta de melhor ajuste a uma série de
pontos experimentais é chamado de regressão linear ou ajuste por mínimos quadrados para uma
reta.

A segunda pergunta que pode ser feita é se os valores medidos dão realmente suporte à
nossa expectativa de que 𝑦 é linear em 𝑥. Para responder essa questão, determinaremos primeiro
a reta de melhor ajuste dos dados, mas devemos construir algumas medidas de quão bem essa
reta de ajusta aos dados. Se as incertezas já forem conhecidas nas medidas, podemos desenhar
um gráfico como na fig.1b, que exibe a reta de melhor ajuste e os dados experimentais com as
respectivas barras de erros. Assim, podemos analisar visualmente se reta de melhor ajuste passa
suficientemente próxima de todas as barras de erros ou não. Caso não sejam conhecidas as
incertezas com segurança, devemos julgar o quão bem os pontos se ajustam à reta examinando
a própria distribuição dos pontos.

Cálculo das constante 𝑨 𝒆 𝑩

Para ajustar um conjunto de pontos medidos (𝑥1 , 𝑦1 ), … , (𝑥𝑁 , 𝑦𝑁 ). Por simplificação,


vamos supor que embora as medidas 𝑦 estejam sujeitas a uma incerteza razoável, as incertezas
nas medidas 𝑥 são desprezíveis. Essa suposição é em geral aceitável, pois as incertezas em uma
varável são, na maioria das vezes, muito maiores do que aquelas na outra varável; que podemos,
portanto, ignorar. Além disso, assumiremos que todas as incertezas em 𝑦 possuam a mesma
magnitude. (Essa suposição é também razoável em muitos experimentos).

∑ 𝑥 2 ∑ 𝑦 − ∑ 𝑥 ∑ 𝑥𝑦 (3)
𝐴=

𝑁 ∑ 𝑥𝑦 − ∑ 𝑥 ∑ 𝑦 (4)
𝐵=

Onde introduzir convenientemente a abreviação para o denominador
∆= 𝑁Σ𝑥 2 − (Σ𝑥)2 (5)

Os resultados (3) e (4) geram as melhores estimativas para as constantes 𝐴 𝑒 𝐵 da reta


𝑦 = 𝐴 + 𝐵𝑥, baseadas nos 𝑁 pontos medidos (𝑥1 , 𝑦1 ), … , (𝑥𝑁 , 𝑦𝑁 ). A reta resultante é chamada
de ajuste por mínimo quadrado para os dados, ou reta de regressão de 𝑦 em função de 𝑥.

Incertezas nas medições de 𝒚

Podemos facilmente estimar a incerteza 𝜎𝑦 nos números 𝑦1 , … 𝑦𝑁 . A medida de cada 𝑦𝑖


segue (estamos assumindo) uma distribuição normal em torno de seu valor verdadeiro 𝐴 + 𝐵𝑥𝑖
com parâmetros de largura 𝜎𝑦 . Assim, os desvios 𝑦𝑖 − 𝐴 − 𝐵𝑥𝑖 têm uma distribuição normal,
todos com o mesmo valor central zero e a mesma largura 𝜎𝑦 . Essa situação sugere
imediatamente que uma boa estimativa para 𝜎𝑦 seria dada pela soma dos quadrados, com a
forma

(6)
1
𝜎𝑦 = √ ∑(𝑦𝑖 − 𝐴 − 𝐵𝑥𝑖 )2
𝑁

Os números 𝐴 𝑒 𝐵 na equação (6) são os valores verdadeiros desconhecidos das


constantes 𝐴 𝑒 𝐵. Na prática, esses números devem ser substituídos por nossas melhores
estimativas para 𝐴 𝑒 𝐵, precisamente (3) e (4) e essa substituição reduz levemente o valor de
(6). Pode ser mostrado que essa redução é compensada se substituirmos o fator 𝑁, no
denominador, por (𝑁 − 2). Logo, o resultado para a incerteza nas medidas 𝑦1 , … 𝑦𝑁 é:

𝑁
(7)
1
𝜎𝑦 = √ ∑(𝑦𝑖 − 𝐴 − 𝐵𝑥𝑖 )2
𝑁−2
𝑖=1

Com 𝐴 𝑒 𝐵 dados por (3) e (4)


Incertezas nas constantes 𝑨 𝒆 𝑩

Tendo determinado a incerteza 𝜎𝑦 nos números medidos 𝑦1 , … 𝑦𝑁 podemos facilmente


retomar às nossas estimativas para as constantes A e B e calcular as suas incertezas. O fato é
que as estimativas (3) e (4) para 𝐴 𝑒 𝐵 são funções bem definidas das medidas 𝑦1 , … 𝑦𝑁 .
Portanto, as incertezas em 𝐴 𝑒 𝐵 são dadas pela simples propagação de erros em termos
daqueles em 𝑦1 , … 𝑦𝑁 .

(8)
Σ𝑥 2
𝜎𝐴 = 𝜎𝑦 √
Δ

(9)
N
𝜎𝐵 = 𝜎𝑦 √
Δ

Exemplo: medição do zero absoluto com termômetro a gás a volume constante

Se o volume de uma amostra de um gás ideal for mantido constante, a sua temperatura
𝑇 será uma função linear de sua pressão 𝑃.

𝑇 = 𝐴 + 𝐵𝑃 (10)
Aqui, a constante 𝐴 é a temperatura na qual a pressão 𝑃 atingirá zero (se o gás não
condensar antes em um líquido); ela é chamada de zero absoluto da temperatura, e tem valor
aceito de 𝐴 = −273,15°𝐶. A constante 𝐵 depende da natureza do gás, da sua massa e do seu
volume. Medindo-se uma série de valores de 𝑇 𝑒 𝑃, podemos determinar as melhores
estimativas para 𝐴 𝑒 𝐵. Em particular o valor de 𝐴 indica o zero absoluto da temperatura.

Tabela 1-Pressão em mmHg e temperatura em °C de um gás a volume constante

Um conjunto de cincos medições de 𝑃 𝑒 𝑇 obtidas por um estudante, é apresentada nas


três primeiras colunas da tabela 1. O estudante julga que suas medições para 𝑃 têm incertezas
desprezíveis de “poucos graus”. Assumindo que seus pontos devem se ajustar a uma reta da
forma (2), ele calcula a melhor estimativa para a constante 𝐴 (o zero absoluto) e a respectiva
incerteza. Qual deverá ser a conclusão do estudante?

A partir da tabela1 podemos calcular:

Σ𝑃 = 425

Σ𝑃2 = 37125

Σ𝑇 = 260

Σ𝑃𝑇 = 25810

Δ = 𝑁Σ𝑃2 − (Σ𝑃)2 = 5000

Calculando as constantes 𝐴 𝑒 𝐵

∑ 𝑃2 ∑ 𝑇 − ∑ 𝑃 ∑ 𝑃𝑇
𝐴= = −263,35

𝑁 ∑ 𝑃𝑇 − 𝑃 ∑ 𝑇
𝐵= = 3,71

Esse cálculo já dá ao estudante a melhor estimativa do zero absoluto, 𝐴 = −263𝐶.

Conhecendo as constantes 𝐴 𝑒 𝐵, podemos calcular os valores 𝐴 + 𝐵𝑃𝑖 , as temperaturas


“esperadas” com base na relação de melhor ajuste 𝑇 = 𝐴 + 𝐵𝑃.

Figura 2- Gráfico T versus P

Esses valores estão apresentados na última coluna da tabela e, como esperado, todos
concordam razoavelmente bem com as temperaturas observadas. Podemos calcular a incerteza
em 𝜎𝑇 .
1
𝜎𝑦 = √ Σ(𝑇𝑖 − 𝐴 − 𝐵𝑃𝑖 )2 = 6,7
𝑁−2

Esse resultado concorda razoavelmente com a estimativa do estudante de que as suas


medidas da temperatura possuíam incerteza de “poucos graus”.

Podemos calcular a incerteza em 𝐴.

Σ𝑃2
𝜎𝐴 = 𝜎𝑇 √ = 18
Δ

Portanto, a conclusão final do estudante, apropriadamente arredondada, deve ser, zero


absoluto, 𝐴 = −260 ± 20°𝐶, o que está satisfatoriamente de acordo com o valor aceito de
−273°𝐶.

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