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REMÉDIOS MILAGROSOS

INTRODUÇÃO
O cientista William Perkin, ao sintetizar a molécula da planta malva, não
imaginava o impacto que sua descoberta teria na indústria de corantes e, posteriormente,
na fabricação de produtos farmacêuticos. A introdução de compostos da química
medicinal, como antibióticos e analgésicos, revolucionou a prática da medicina e
aumentou significativamente a expectativa de vida ao longo do século XX. A descoberta
e o desenvolvimento desses medicamentos foram impulsionados pelos lucros gerados
pela aspirina e pelos primeiros antibióticos, como a sulfa e a penicilina.
Durante milhares de anos, as sociedades humanas utilizaram ervas medicinais
para tratar doenças e aliviar dores, muitas das quais deram origem a compostos
quimicamente modificados que ainda são usados atualmente. No entanto, o tratamento
de infecções bacterianas representava um desafio, colocando vidas em risco. Somente
com o avanço da química medicinal e a descoberta de antibióticos foi possível combater
efetivamente essas infecções. Anteriormente, infecções secundárias causadas por
bactérias eram frequentemente fatais, como evidenciado pela grande pandemia de gripe
em 1918 - 1919, que resultou em milhões de mortes em todo o mundo.
A descoberta da imunização artificial por Edward Jenner em 1798, usando o
vírus da varíola, abriu caminho para o desenvolvimento de vacinas contra várias
doenças bacterianas. Gradualmente, programas de vacinação ajudaram a reduzir a
incidência de doenças como escarlatina e difteria.
Em resumo, os avanços na química orgânica sintética, especialmente no campo
dos corantes, abriram as portas para a fabricação de produtos farmacêuticos, incluindo
antibióticos e analgésicos. Essas descobertas revolucionaram a prática médica,
aumentando significativamente a expectativa de vida e salvando milhões de vidas. Além
disso, a imunização artificial por meio de vacinas contribuiu para a prevenção de
doenças bacterianas e a redução da mortalidade.

ASPIRINA
Descoberta do ácido salicílico
No início do século XX, as indústrias químicas alemã e suíça obtiveram sucesso
ao investir na fabricação de corantes, o que resultou em lucros financeiros
significativos. Além disso, esse investimento trouxe avanços no conhecimento químico,
experimentos em grande escala e técnicas de separação e purificação que foram
fundamentais para a expansão da indústria química no campo dos medicamentos.
A empresa Bayer and Company, da Alemanha, reconheceu o potencial comercial da
produção química de medicamentos e foi uma das pioneiras nesse campo. Em 1893,
Felix Hofmann, um químico da Bayer, realizou pesquisas sobre compostos relacionados
ao ácido salicílico, extraído da casca de árvores do gênero Salix. O ácido salicílico
possuía propriedades analgésicas, e seu uso medicinal era conhecido desde a
antiguidade.
A partir dessas pesquisas, Hofmann desenvolveu a aspirina, que se tornou um dos
medicamentos mais utilizados no mundo. A descoberta da aspirina representou um
marco na indústria farmacêutica, impulsionando ainda mais o desenvolvimento de
medicamentos químicos.

Síntese da aspirina
A molécula de indicã, presente no índigo, e a salicina são compostos que contêm
glicose. A salicina pode se decompor em duas partes: glicose e álcool salicilado. Tanto o
álcool salicilado quanto o ácido salicílico, resultante da oxidação do álcool salicilado,
são classificados como fenóis. Isso ocorre devido à presença de um grupo OH ligado
diretamente ao anel de benzeno em suas estruturas.

Propriedades e uso da aspirina


As moléculas de salicina, isoeugenol, eugenol e zingerona, presentes em plantas
como o salgueiro, cravo-da-índia, noz-moscada e gengibre, possuem estruturas
semelhantes. É provável que a salicina atue como um pesticida natural para proteger o
salgueiro. O ácido salicílico, produzido a partir das flores da rainha-dos-prados, também
tem propriedades medicinais.
O ácido salicílico, a parte ativa da salicina, não apenas reduz a febre e alivia a
dor, mas também possui propriedades anti-inflamatórias. No entanto, pode ser irritante
para o revestimento do estômago, o que limita seu uso medicinal. Felix Hofmann ficou
interessado em compostos relacionados ao ácido salicílico devido à artrite reumatoide
de seu pai, que não era aliviada efetivamente pela salicina. Ele decidiu criar um
derivado do ácido salicílico chamado ácido acetilsalicílico (AAS), que tinha
propriedades anti-inflamatórias preservadas, mas com menos efeitos corrosivos.
No AAS, o grupo acetil (CH3CO) substitui o hidrogênio do grupo OH do ácido
salicílico. A molécula de fenol é corrosiva, então Hofmann pensou que a substituição do
grupo fenólico OH por um grupo acetil poderia reduzir suas características irritantes,
mascarando seus efeitos indesejados.

O experimento de Hofmann foi bem-sucedido tanto para seu pai quanto para a
empresa Bayer. A forma acetilada do ácido salicílico, conhecida como aspirina,
mostrou-se eficaz e bem tolerada. Em 1899, a Bayer decidiu comercializar a aspirina em
pó devido às suas potentes propriedades anti-inflamatórias e analgésicas. O nome
"aspirina" é uma combinação das palavras "acetil" e "spir" de Spiraea ulmaria, a rainha-
dos-prados.

Impacto da aspirina na indústria farmacêutica


Conforme a popularidade da aspirina aumentava, as fontes naturais de ácido
salicílico, como a rainha-dos-prados e o salgueiro, não eram mais suficientes para
atender à demanda global. Um novo método sintético foi introduzido, utilizando fenol
como matéria-prima. Isso impulsionou ainda mais as vendas da aspirina. Durante a
Primeira Guerra Mundial, a subsidiária americana da Bayer comprou todo o fenol
disponível nacional e internacionalmente, garantindo um suprimento adequado para a
fabricação da aspirina.

Avanços na síntese e produção da aspirina


Essa aquisição de fenol pela Bayer afetou a capacidade dos países de produzir
ácido pícrico, um explosivo também feito a partir do fenol. O impacto exato disso na
Primeira Guerra Mundial é especulativo, mas é possível que a produção de aspirina
tenha reduzido a disponibilidade de ácido pícrico para fins militares e acelerado o
desenvolvimento de explosivos baseados em TNT.

Aplicações terapêuticas e preventivas da aspirina


A aspirina é amplamente utilizada como medicamento para tratar doenças e
ferimentos. Com mais de 400 preparações disponíveis, a produção anual nos Estados
Unidos ultrapassa os 18 milhões de quilos. Além de aliviar a dor, reduzir a febre e
combater inflamações, a aspirina também possui propriedades anticoagulantes.
Pequenas doses de aspirina são recomendadas para prevenir derrames cerebrais e
trombose venosa profunda, especialmente em viagens longas de avião, conhecida como
"síndrome da classe econômica".
SULFANAMINAS
Descoberta das "balas mágicas"
Paul Ehrlich, um médico alemão, conduziu seus próprios apesar de não ter formação
formal em química experimental ou bacteriologia aplicada, Ehrlich observou que certos
corantes tingiam tecidos e microorganismos específicos, deixando outros intactos. Ele
teorizou que um corante tóxico poderia matar seletivamente o tecido tingido sem
prejudicar os tecidos não tingidos, eliminando assim o microorganismo infeccioso
enquanto preservava o hospedeiro. Essa abordagem ficou conhecida como teoria da
"bala mágica", com a molécula do corante visando o tecido tingido.
Ehrlich obteve seu primeiro sucesso com um corante chamado vermelho tripan, que
mostrou resultados promissores contra tripanossomos (um parasita protozoário) em
camundongos de laboratório. No entanto, não foi eficaz contra o tipo de tripanossomo
responsável pela doença do sono africana em humanos, uma doença que Ehrlich
esperava curar. Ehrlich continuou suas pesquisas, acreditando que era apenas uma
questão de encontrar a "bala mágica" certa para a doença específica. Ele voltou sua
atenção para a sífilis, causada por uma bactéria em forma de saca-rolhas conhecida
como espiroqueta. Na época, havia mais de 400 anos de alegações de que a sífilis
poderia ser curada com mercúrio, mas o tratamento frequentemente se mostrava fatal ou
causava efeitos colaterais graves.
Em 1909, após testar 605 substâncias químicas diferentes, Ehrlich finalmente descobriu
um composto que era eficaz e seguro. Conhecido como "Composto 606" ou salvarsan,
continha arsênico e demonstrou atividade contra a espiroqueta da sífilis. O salvarsan,
comercializado pela Hoechst Dyeworks em 1910, representou uma melhoria
significativa em comparação com o sofrimento do tratamento com mercúrio. Embora
tivesse alguns efeitos colaterais tóxicos e não fosse capaz de curar sempre a sífilis, ele
reduziu muito a incidência da doença onde quer que fosse usado.
Após o sucesso do salvarsan, os químicos começaram a buscar outras "balas mágicas",
testando os efeitos de dezenas de milhares de compostos em microorganismos e fazendo
pequenas modificações químicas antes de testá-los novamente. No entanto, esses
esforços não produziram resultados significativos, e a promessa da "quimioterapia"
como Ehrlich havia imaginado parecia ilusória.
Descoberta da Sulfanaminas
No início da década de 1930, Gerhard Dogmak, um médico que trabalhava no grupo de
pesquisa da IG Farben, teve a ideia de usar um corante chamado vermelho prontosil
para tratar sua filha, que estava gravemente doente devido a uma infecção
estreptocócica. Embora a substância não tivesse mostrado atividade contra bactérias em
culturas de laboratório, ela havia inibido o crescimento de estreptococos em
camundongos de laboratório. Dogmak administrou uma dose experimental do corante
oralmente à sua filha, e ela se recuperou rapidamente e completamente.
Inicialmente, acreditava-se que a ação de tingimento do corante era responsável por
suas propriedades. No entanto, os pesquisadores logo perceberam que os efeitos
antibacterianos da substância não tinham relação com sua ação de tingimento. A
molécula do vermelho prontosil se decompõe no corpo humano e produz sulfanilamida,
que é o composto antibiótico real. A sulfanilamida mostrou eficácia no tratamento de
várias doenças além das infecções estreptocócicas, incluindo pneumonia, escarlatina e
gonorreia.
Após reconhecerem a sulfanilamida como uma substância antibacteriana, os cientistas
passaram a sintetizar compostos semelhantes, buscando fazer pequenas modificações
em sua estrutura molecular para aumentar a eficácia e reduzir os efeitos colaterais. A
compreensão de que o vermelho prontosil não era a molécula ativa foi crucial nesse
processo já que a molécula do vermelho prontosil era mais complexa e difícil de
sintetizar e modificar em comparação com a sulfanilamida.
Variações e mecanismo de ação
Entre 1935 e 1946, foram criadas mais de cinco mil variações da molécula da
sulfanilamida. Muitas dessas variações mostraram-se superiores à sulfanilamida
original, que podia causar efeitos colaterais como reações alérgicas, erupções cutâneas,
febre e danos ao fígado. Os melhores resultados nas variações da estrutura da
sulfanilamida foram obtidos quando um dos átomos de hidrogênio do grupo SO2NH2
foi substituído por outro grupo químico.

Durante a Primeira Guerra Mundial, a gangrena gasosa, uma forma grave de infecção
causada pela bactéria Clostridium, era um problema comum em campos de batalha e
hospitais militares. O único tratamento disponível na época era a amputação do membro
infectado. No entanto, com o desenvolvimento das sulfanilamidas, como a sulfapiridina
e a sulfatiazol, muitos feridos puderam ser poupados de amputações e morte.
A eficácia das sulfanilamidas contra infecções bacterianas está relacionada ao tamanho
e à forma da molécula de sulfanilamida, que impede a produção de ácido fólico pelas
bactérias. O ácido fólico é um nutriente essencial para o crescimento das células
humanas, mas algumas bactérias são capazes de sintetizá-lo internamente. A inibição da
produção de ácido fólico nas bactérias leva à sua morte ou redução da sua capacidade de
se reproduzir.

A parte do meio da molécula de ácido fólico, derivada do ácido ρ-aminobenzoico, é um


nutriente essencial para as bactérias que produzem seu próprio ácido fólico. A estrutura
química do ácido ρ-aminobenzoico é semelhante à da sulfanilamida, o que explica a
atividade antimicrobiana desta última.
As enzimas bacterianas envolvidas na síntese do ácido fólico não conseguem distinguir
o ácido ρ-aminobenzoico da sulfanilamida. Assim, quando as bactérias tentam usar
sulfanilamida em vez do ácido ρ-aminobenzoico, elas não conseguem produzir ácido
fólico em quantidade suficiente e acabam morrendo. Como os seres humanos obtêm
ácido fólico da alimentação, não são afetados pela ação da sulfanilamida.
Embora as sulfas baseadas em sulfanilamida não sejam consideradas verdadeiros
antibióticos, pois não são derivadas de células vivas, elas são classificadas como
antimetabólitos, inibindo o crescimento de micróbios. No entanto, o termo "antibiótico"
é comumente usado para descrever todas as substâncias que matam bactérias, sejam
naturais ou artificiais.
As sulfanilamidas foram o primeiro grupo de compostos de uso geral no combate à
infecção bacteriana. Elas salvaram vidas de soldados feridos, vítimas de pneumonia e
mulheres com febre puerperal. No entanto, o uso das sulfanilamidas diminuiu devido a
preocupações com efeitos a longo prazo, o surgimento de bactérias resistentes e o
desenvolvimento de antibióticos mais potentes.
PENICILINAS
A Revolução da Penicilina: Da Descoberta à Produção em Massa
Os primeiros antibióticos da família da penicilina foram descobertos por Alexander
Fleming em 1928. Ele observou que um fungo da família Penicillium produzia uma
substância, que ele chamou de penicilina, com efeitos antibióticos contra bactérias
estafilococos. A penicilina mostrou-se eficaz contra diversas infecções bacterianas,
sendo menos tóxica e mais potente do que os antissépticos da época. Sua descoberta
abriu caminho para o desenvolvimento de outros antibióticos e revolucionou o
tratamento de doenças causadas por bactérias, como meningite, gonorreia e infecções
estreptocócicas.
Após a descoberta da penicilina por Alexander Fleming, houve inicialmente pouco
interesse pelos seus resultados. A penicilina era facilmente inativada por produtos
químicos comuns de laboratório, o que dificultava a seu isolamento e estudo. Enquanto
isso, as sulfanilamidas se tornaram o tratamento mais importante contra infecções
bacterianas.
Somente em 1941, a penicilina foi submetida a testes clínicos. Os primeiros resultados
foram decepcionantes, com pacientes falecendo devido à falta de quantidade suficiente
do antibiótico para tratar suas infecções graves. No entanto, após várias tentativas, a
penicilina foi produzida em quantidade suficiente para curar com sucesso infecções
estreptocócicas e estafilocócicas.
Síntese da penicilina
A penicilina mostrou-se ativa contra várias bactérias e não apresentava efeitos colaterais
graves. Sua estrutura química ainda era desconhecida na época, o que impedia sua
produção sintética. No entanto, pesquisadores desenvolveram métodos para produzir
penicilina em grandes quantidades a partir de fungos, o que levou a uma produção em
massa do antibiótico pelas indústrias farmacêuticas a partir de 1943.
A produção mensal de penicilina aumentou rapidamente, alcançando bilhões de
unidades, e o antibiótico se tornou amplamente utilizado como uma poderosa arma
contra infecções bacterianas.
Durante a Segunda Guerra Mundial, mil químicos em laboratórios nos Estados Unidos e
na Grã-Bretanha trabalharam na determinação da estrutura química da penicilina e na
busca por uma forma de sintetizá-la. Em 1946, a estrutura do antibiótico foi descoberta,
mas apenas em 1957 foi possível sintetizá-lo.
Estrutura e Ação Antibiótica
A estrutura da penicilina contém um anel β-lactâmico de quatro membros, o que é
incomum e traz instabilidade à molécula. Essa instabilidade é fundamental para a
atividade antibiótica da penicilina. A presença de uma enzima nas bactérias faz com que
o anel β-lactâmico se abra, resultando na desativação da enzima envolvida na formação
das paredes celulares bacterianas. As células humanas não são afetadas porque não
possuem a mesma enzima formadora de paredes.

A instabilidade do anel β-lactâmico é também a razão pela qual a penicilina precisa ser
armazenada em baixas temperaturas. Quando o anel se abre, principalmente devido ao
calor, a molécula perde sua eficácia como antibiótico. Algumas bactérias desenvolveram
resistência à penicilina através de uma enzima adicional que abre o anel antes que ele
possa desativar a enzima responsável pela formação das paredes celulares.
A estrutura da penicilina pode variar, pois diferentes grupos laterais podem estar
presentes. Existem várias penicilinas em uso atualmente, todas contendo o anel β-
lactâmico de quatro membros. Essa característica estrutural tem sido crucial para a
eficácia da penicilina como um dos antibióticos mais amplamente utilizados no
tratamento de infecções bacterianas.
Durante séculos passados, a expectativa de vida nas sociedades europeias e em outras
regiões variava entre 30 e 40 anos, devido a fatores como provisão inadequada de
alimentos, saneamento deficiente e doenças epidêmicas. No entanto, melhorias na
agricultura, transporte, abastecimento de alimentos e medidas de higiene e saúde
pública resultaram em queda nas taxas de mortalidade desde a década de 1860. Os
antibióticos tiveram um impacto significativo na redução da mortalidade por doenças
infecciosas a partir da década de 1930. Doenças como pneumonia, tuberculose, gastrite
e difteria, que eram principais causas de morte no passado, foram controladas ou
eliminadas com o uso de antibióticos. Embora o uso excessivo de antibióticos tenha
levado ao surgimento de cepas resistentes de bactérias, os avanços na compreensão das
estruturas químicas e das vias metabólicas bacterianas podem levar ao desenvolvimento
de novos antibióticos mais eficazes. Essa compreensão é crucial na luta contínua contra
as bactérias causadoras de doenças.

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