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Nutricionista do Serviço de Nutrição HCFMRP-USP, responsável pela Unidade Funcional de Neurologia da Unidade de Emergência
(UE); Aprimoramento em Nutrição Hospitalar; 2Nutricionista do Serviço de Nutrição HCFMRP-USP, responsável pelo CTI-UE;
Especialista em Nutrição Clínica; Mestranda em Educação e Saúde na Universidade de Ribeirão Preto - UNAERP; 3Fonoaudióloga
Assistente (FAEPA) do Setor de Fonoaudiologia HCFMRP-USP, responsável pela Área de Neurologia Adulto; Mestre em Ciências
Médicas (Clínica Médica) e Doutora em Neurociências, pela FMRP-USP; 4Nutricionista da Divisão de Nutrição e Dietética do
HCFMRP/USP; 5Analista de Sistemas do Centro de Informações e Análises (CIA) do HCFMRP/USP
RESUMO
A disfagia consiste em qualquer dificuldade na efetiva condução do alimento da cavidade oral até o
estômago. Acomete, principalmente, portadores de doenças neurológicas podendo causar perda de peso,
desidratação e desnutrição por inadequação dietética. O presente trabalho teve por objetivo a implantação e
padronização de dietas adequadas aos quadros de disfagia orofaríngea em um serviço de nutrição hospitalar. A
partir de discussões interdisciplinares da Nutrição e Fonoaudiologia, verificou-se a necessidade de se abordar
mais efetivamente a terapêutica da disfagia com a utilização de dietas nutricionalmente balanceadas e de
consistência alimentar adequada. Foram implantados dois tipos de dietas: pastosa modificada para disfagia com
líquidos e pastosa modificada para disfagia sem líquidos, ambas com viscosidade tipo pudim, indicadas para
disfagia orofaríngea. Para o espessamento das preparações, adotou-se técnica de menor custo operacional,
utilizando-se principalmente o amido de milho na obtenção da consistência alimentar desejada. As dietas foram
incluídas no sistema de prescrição eletrônica do hospital, facilitando a escolha desta pelo prescritor. O trabalho
resultou em melhor abordagem terapêutica da disfagia a partir das discussões interdisciplinares que se firma-
ram em torno do tema, em aumento do número de prescrições da dieta, em melhor controle de qualidade sobre
os processos que envolvem o atendimento e na redução de riscos de complicações da disfagia orofaríngea.
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dade Funcional de Neurologia. Verificou-se que a exis- da, pastosa para disfagia com líquidos e pastosa para
tência de discordância no conceito da dieta pastosa disfagia sem líquidos.
pela Nutrição e pela Fonoaudiologia se encontrava tan- Em março de 2011, foi concluída a padroniza-
to na prática clínica, quanto nas literaturas especiali- ção das dietas, através da inserção no Sistema de
zadas20, pois as características e indicações destas Prescrição Eletrônica com os uni-termos, pastosa
dietas são diferentes, embora utilizem a mesma termi- modificada para disfagia sem líquidos e pastosa modi-
nologia (pastosa) para designar a consistência espera- ficada para disfagia com líquidos, para uso também na
da (Anexo A). Unidade Campus.
Reuniões interdisciplinares permitiram que se Na hidratação dos pacientes que apresentavam
chegasse ao consenso sobre as texturas e consistên- disfagia para líquidos, adotou-se um espessante co-
cias recomendadas e as viáveis de serem desenvolvi- mercial à base de amido modificado, o qual foi adicio-
das pela cozinha dietética do hospital, respeitando-se nado, não alterando cor ou sabor da água e proporci-
os tipos de alimentos, equipamentos e mão-de-obra onando a ingestão de líquidos com menor risco de as-
disponíveis no Serviço de Nutrição. Na definição das piração laringotraqueal. Para os pacientes que não
preparações a serem padronizadas, tomou-se o cuida- conseguiam satisfazer suas necessidades hídricas por
do de não elevar os custos operacionais significativa- via oral, utilizou-se a reposição via sonda nasogástrica
mente, respeitar as características organolépticas dos ou nasoentérica.
alimentos e os hábitos alimentares dos pacientes. Para Para a finalização do trabalho, procedeu-se o
tanto, procurou-se utilizar ingredientes comuns na com- treinamento dos funcionários do Serviço de Nutrição,
posição dos cardápios no ambiente hospitalar, os quais a elaboração de receituários-padrão e a criação de for-
poderiam ter seus usos empregados também para o mulários de orientação nutricional para alta hospitalar.
domicílio no período de pós-alta. Adotou-se o espessa-
mento das preparações por meio da utilização das pro-
priedades dos próprios alimentos com seus agentes
Resultados
intrínsecos (polissacarídeos, tais como as gomas e A abordagem terapêutica do paciente com dis-
amido, pectinas e derivados de celulose). Além desta fagia passou a ter um enfoque maior a partir das reu-
técnica, foram utilizadas fontes de amido natural (ami- niões e discussões em equipe. Verificou-se que, em
do de milho, farinha de aveia, fubá) e o amido modifica- pouco tempo de implantação das dietas no Serviço de
do (cereal infantil pré-cozido de arroz e de milho). Nutrição e abordagem dos profissionais junto aos mé-
Estabeleceram-se dois tipos de dietas a serem dicos, houve um aumento do número de prescrições,
implantadas: pastosa modificada para disfagia sem lí- o qual se elevou ainda mais após sua inserção no siste-
quidos (ralos) e pastosa modificada para disfagia com ma eletrônico (Anexo B).
líquidos, ambas de viscosidade tipo pudim, sem textu- Os resultados demonstram que de janeiro a ju-
ras mistas. Os cálculos de composição nutricional da lho de 2010, antes da realização do trabalho, o núme-
dieta foram feitos pelo Software Nutwin, versão 2003, ro de prescrições variou de zero (0) a 24/mês (média
obtendo-se os seguintes valores em calorias e macro- =7,4); de agosto/2010 a fevereiro/2011, após a
nutrientes: Valor Calórico Total (VCT) = 2191 Kcal, implantação das dietas, variou de 12 a 143/mês (mé-
Proteínas = 78,9 g -14,2 % do VCT, Lipídios = 71,9 g dia =79,7) e de março/2011 a dezembro/2011, com
- 29,2 % do VCT, Carboidratos = 312,5g - 56,4% do a inserção no sistema eletrônico, o número variou de
VCT e VCT = 2216 Kcal, Proteínas = 86 g -15,2 % do 59 a 187 prescrições/mês (média =121,3). Analisan-
VCT, Lipídios = 67 g - 26,5 % do VCT, Carboidratos = do os dados obtidos antes e após o trabalho, consta-
332g - 58,2 % VCT, respectivamente. Ambas as die- tou-se um aumento importante, variando entre 12 e
tas foram compostas por cinco refeições/dia: desjejum, 187/mês (média=104,1).
almoço, refeição complementar da tarde, jantar e re- Para o Serviço de Nutrição, o estabelecimento
feição complementar da noite. de uma dieta padronizada proporcionou a otimização
Em agosto de 2010, iniciou-se a prescrição das dos serviços prestados, com foco na qualidade. Para a
dietas, já uniformizadas no serviço de nutrição, atra- fonoaudiologia, a padronização caracterizou um
vés da prescrição eletrônica na opção individualizada facilitador no processo de transição das dietas quanto
com os seguintes uni-termos: dieta pastosa modifica- a melhor e mais segura via de administração e no
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melhor entendimento de todos os profissionais da equi- todos os agentes envolvidos no processo de promoção
pe no processo de gerenciamento das disfagias. de saúde.
Para a alta hospitalar, foram criados formulári-
os de orientação nutricional (Anexos C e D), sendo ofe-
Agradecimentos
recido treinamento aos cuidadores e/ou familiares
quanto ao preparo das dietas para disfagia, no intuito Ana Paula Lara Michelin Sanches - Nutricionista
de dar continuidade adequada à terapia nutricional em Unidade de Emergência - HCFMRP- USP.
domicílio. Anita Emi Kamimura - Nutricionista Unidade de
Emergência - HCFMRP- USP.
Cristiana Alves Ferreira Amato - Nutricionista da
Considerações finais Divisão de Cardiologia do Departamento de Clínica
Médica do HCFMRP- USP.
Considerando que no rol de dietas padronizadas
Equipe de nutricionistas da Divisão de Nutrição
anteriormente ao trabalho, não havia uma opção de
e Dietética - HCFMRP- USP.
consistência adequada para disfagia e que isto poderia
Funcionários do Serviço de Nutrição - Unidade
gerar viés de informações e de interpretação da pres-
de Emergência - HCFMRP- USP.
crição, com prejuízos na terapia nutricional do pacien-
Marcela Panossian - Aprimoranda de Nutrição
te, detectou-se a necessidade de padronização da
Hospitalar - HCFMRP-USP.
mesma no serviço de nutrição.
No espessamento das preparações, empregou-
se a técnica de utilização dos próprios alimentos, a Bibliografia
qual ainda é desconhecida por muitos dos pacientes,
1. Dray TG, Hillel AD, Miller RM. Dysphagia caused by
cuidadores e profissionais da saúde, o que limita a in- neurologic déficits. In: Bastian RW. Dysphagia in children,
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Anexo A.
Pastosa Dieta de consistên- Arroz bem cozido, Oferecer alimentos Situações especiais com
(Nutrição) cia pastosa, com- macarrão argoli- que exijam o mínimo acometimento de fases
em forma de papas caldo de feijão, leite, jam de fácil trânsito digestivo, como falta de
sementes em peda-
ços pequenos e
tos amolecidos,
Pastosa Dieta de consistên- Purê de arroz, cal- Oferecer alimentos Situações de transição
(Fonoaudiologia) cia pastosa homogê- do de feijão engros- que não requeiram da dieta enteral para via
nea, tipo “pudim”, sado, purê de legu- mastigação alguma, oral; disfagia grave para
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Anexo B.
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Anexo C
Consiste de alimentos pastosos (na consistência de pudim). Não são permitidas texturas grossas e áspe-
ras, alimentos inteiros, em pedaços ou com resíduos. São excluídos quaisquer alimentos que requerem mastiga-
ção.
Os líquidos ralos (água, sucos, leite, iogurtes, vitaminas) podem ser oferecidos, desde que estejam sem
resíduos (pedaços ou fibras).
EXEMPLO DE CARDÁPIO
Desjejum
Mingau com amido de milho, farinha de cereal e fruta batidos – 1 copo (250ml)
Suco natural de fruta, coado – 1 copo (200 ml)
Almoço
Purê de arroz - 6 colheres, das de sopa, cheias
Caldo de feijão - 1 concha pequena
Papa de carne - 3 colheres, das de sopa, cheias
Purê de legumes - 6 colheres, das de sopa, cheias
Doce de fruta pastoso batido ou gelatina ou pudim – 1 pote de sobremesa (100 g)
Complementar da tarde
Vitamina de frutas - 1 copo ( 250ml)
Jantar
Purê de arroz - 6 colheres, das de sopa, cheias
Caldo de feijão - 1 concha pequena
Papa de carne - 3 colheres, das de sopa, cheias
Purê de legumes - 6 colheres, das de sopa, cheias
Doce de fruta pastoso batido ou gelatina ou pudim – 1 pote sobremesa ( 100g)
Complementar da noite
Mingau de aveia batido com fruta – 1 copo (250 ml)
Orientação de Alta
Elaborado por: Nutricionista Leida Divina Freire da Cruz
CRN3: 6351
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Anexo D
Consiste de alimentos pastosos (na consistência de pudim). Não são permitidas texturas grossas e áspe-
ras, alimentos inteiros, em pedaços ou com resíduos. São excluídos quaisquer alimentos que requerem mastiga-
ção.
Os líquidos ralos (água, sucos, leite, iogurtes, vitamina) não podem ser oferecidos por via oral.
EXEMPLO DE CARDÁPIO
Desjejum
Mingau com amido de milho, farinha de cereal e fruta batidos – 1 copo (250ml)
Almoço
Purê de arroz – 6 colheres, das de sopa
Purê de feijão– 1 concha pequena
Purê de carne – 3 colheres, das de sopa
Purê de legumes – 6 colheres, das de sopa
Banana amassada até formar purê – 1 unidade
Complementar da tarde
Vitamina de frutas engrossada com farinha de cereal – 1 copo (250 ml)
Jantar
Purê de carne – 3 colheres das de sopa
Purê de legumes – 6 colheres das de sopa
Purê de arroz – 6 colheres das de sopa
Purê de feijão– 3 colheres das de sopa
Creme de frutas sem leite – 1 pote sobremesa ( 100g)
Complementar da noite
Mingau de aveia batido com fruta - 250 ml
OBSERVAÇÃO: Os líquidos ralos (água, sucos, chás, leite, etc.) só poderão ser oferecidos pela sonda. Ou por via
oral com espessante ( de acordo com o caso de cada paciente e com orientação profissional).
Orientação de Alta
Elaborado por: Nutricionista Leida Divina Freire da Cruz
CRN3: 6351
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