Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
CASE REPORTS
PUBLICAÇÃO TRIMESTRAL
VOL.1 | N.º3 | JUL/SET 2023 149
DISFAGIA OROFARÍNGEA POR OSTEOFITOSE CERVICAL ANTERIOR
CASOS CLÍNICOS
CASE REPORTS
o prognóstico, com resolução da disfagia e restituição da evidência de paralisia das cordas vocais ou lesões endolarín-
qualidade de vida.4,5 geas. A videoendoscopia da deglutição (VED), para além das
Este caso tem como objetivo a apresentação de uma alterações estruturais previamente descritas, evidenciou na
etiologia de disfagia que, embora rara, tem uma elevada pre- avaliação funcional realizada com conteúdo pastoso, restri-
valência na população idosa, sendo pertinente considerá-la ção à retroflexão da epiglote, limitação da elevação laríngea
na marcha diagnóstica. e refluxo nasal do alimento, com elevada quantidade de resí-
duo alimentar na valécula, salientando-se fenómenos de as-
Caso Clínico piração. No teste de manobras posturais, não se evidenciou
Apresenta-se o caso de um homem de 78 anos, antece- melhoria com a flexão cervical ou manobra de chin-tuck. To-
dentes patológicos relevantes de hipertensão arterial, disli- mografia computorizada (TC) do pescoço a confirmar proci-
pidemia, obesidade, cardiopatia hipertensiva e insuficiência dência da parede posterior da faringe, sendo esta resultante
cardíaca com fração de ejeção preservada em classe II de da presença de exuberantes osteófitos na coluna cervical em
New York Heart Association, medicado com candesartan, C2-C3 e C3-C4, não se registando evidente espessamento
ácido acetilsalicílico, pravastatina e furosemida, autónomo da parede da faringe ou laringe (Fig. 1).
nas atividades da vida diária. Quadro clínico com um ano de Com vista a completar o estudo etiológico, e também
evolução de disfagia, associada a disfonia e perda ponderal. pela perda ponderal acentuada associada, foi realizada TC
A disfagia caracterizava-se por uma dificuldade no início da da região tóraco-abdominopélvica e crânio-encefálica que
deglutição, com sensação de impactação alimentar na região excluiu a presença de lesões neoformativas e, na última, le-
cervical, seguido de engasgamento e tosse, inicialmente para sões vasculares agudas ou crónicas.
alimentos sólidos, com progressão para sólidos e líquidos. Admite-se, portanto, um quadro de disfagia orofaríngea
Consequentemente o doente desenvolveu disfonia e apre- de causa puramente mecânica, no contexto de osteofitose
sentou perda ponderal de 23% em 6 meses. Exame objetivo, cervical exuberante.
incluindo exame neurológico sumário, sem alterações de re- Atendendo ao estadio avançado de disfagia orofaríngea,
levo, estudo analítico globalmente inocente. sem resposta às medidas terapêuticas conservadoras, foi
No seguimento do estudo etiológico, guiado pela sinto- proposta e aceite a colocação temporária de sonda naso-
matologia acompanhante, foi realizada nasofaringolaringos- gástrica para alimentação e hidratação, pelo elevado risco
copia tendo-se observado abaulamento da parede posterior de eventos de aspiração. O doente foi posteriormente ob-
da hipofaringe ocultando parcialmente o lúmen glótico, sem servado em consulta externa de Ortopedia onde foi proposto
A B
Figura 1 - Tomografia computorizada de pescoço, cortes sagital (A) e axial (B), evidenciando osteófitos cervicais de C2 a C4, o
maior (seta amarela) medindo 12,2 mm no diâmetro anteroposterior.
150
CASOS CLÍNICOS
CASOS CLÍNICOS
CASE REPORTS
para cirurgia de exérese de osteófitos cervicais. Enquanto torna-se essencial uma revisão detalhada das terapêuticas
aguardava cirurgia em ambulatório, apresentou episódio de em curso no doente idoso disfágico.3,5
aspiração, complicada com sobreinfeção bacteriana e insu- O diagnóstico de osteofitose cervical anterior é realizado
ficiência respiratória grave. Apesar das medidas terapêuticas por TC de coluna cervical. Funcionalmente, a disfagia secun-
instituídas, assistiu-se a uma evolução clínica desfavorável, dária à OCA pode ser avaliada com VED ou esofagograma
acabando por falecer. com bário. Em ambos exames, pode-se observar compres-
são faringoesofágica posterior, espasmo cricofaríngeo, reflu-
Discussão xo nasal de alimento ou resíduos sobre a lesão. A VED, além
Os osteófitos cervicais anteriores são comuns na popu- de esclarecer a dinâmica da deglutição e a eficácia da fase
lação idosa, estimando-se uma prevalência de 20% a 30% faríngea, identifica alterações anatómicas e funcionais das
nesta faixa etária. Apesar de raramente implicados como estruturas. No caso dos osteófitos cervicais, vê-se de forma
causa de disfagia, a sua identificação deve fazer parte da in- direta uma lesão abaulada e regular na parede posterior da
vestigação sistemática de disfagia nos idosos, já que se trata faringe, podendo ainda existir diminuição da elevação larín-
de uma etiologia potencialmente tratável, com as medidas gea, penetração de alimento e dificuldade de retroversão da
adequadas, sejam estas conservadoras ou cirúrgicas.5 epiglote devido à barreira anatómica imposta pelo osteófito.5
As doenças que mais comumente cursam com osteo- A abordagem terapêutica inicial deve ser conservadora
fitose cervical são doença osteoarticular degenerativa (de e incluir modificação da dieta com alteração da consistência
destaque na população idosa), espondilite anquilosante, dos alimentos, correções posturais e adoção de manobras
pós-trauma ou síndromes pós-cirúrgicos, embora seja mais de deglutição. Associadamente, pode ser necessária tera-
frequente em síndromes como a hiperostose esquelética pêutica farmacológica com recurso a relaxantes musculares,
idiopática difusa, também conhecida como doença de Fo- fármacos anti-refluxo e/ou anti-inflamatórios.10,11
restier.6 Além da idade avançada, o sexo masculino (relação Não há recomendações claras relativas às indicações ci-
6:1) e a obesidade são fatores de risco bem estabelecidos rúrgicas, mas há evidência de benefício no caso de falência
para o desenvolvimento de osteófitos.5,7 do tratamento conservador – definida por persistência da dis-
A sintomatologia associada é muito variável, desde casos fagia com perda involuntária de peso – ou na vigência de obs-
assintomáticos, até disfagia progressiva, episódios de aspiração trução de via aérea superior. O tratamento cirúrgico consiste
de alimentos, sensação de massa na hipofaringe, perda ponde- na excisão dos osteófitos cervicais (ou osteofitectomia), con-
ral, dispneia, disfonia, estridor, roncopatia, bem como sintomas siderada como altamente efetiva. Estima-se que 8% a 10%
osteoarticulares e neurológicos. Não existe uma correlação li- dos pacientes com disfagia secundária à OCA necessitem de
near entre tamanho do osteófito e sintomatologia, mas sabe-se tratamento cirúrgico.5
que osteófitos maiores de 10 mm aumentam significantemente Uma vez que há poucos casos de disfagia secundária a
o risco de aspiração.5,8 Os osteófitos provenientes da quinta e OCA relatados na literatura, este caso clínico visa alertar para
sexta vértebras cervicais (C5 e C6) são os mais implicados na a suspeição desse diagnóstico à equipe multidisciplinar que
disfagia.5 Três teorias foram postuladas para explicar o mecanis- cuida do idoso disfágico. O diagnóstico atempado possibi-
mo da disfagia causada por osteófitos: a) osteófitos de grandes litaria o tratamento oportuno e precoce, melhor prognóstico
dimensões podem causar compressão mecânica direta do esó- e menor incidência de complicações associadas à disfagia
fago ou hipofaringe; b) osteófitos de pequenas dimensões loca- orofaríngea.
lizados em pontos específicos do esófago, como na cartilagem
cricoide a nível de C6; c) reação inflamatória local resultando em Declaração de Contribuição
edema compressivo. A disfonia explica-se, também, por fenó- SOF – Elaboração do manuscrito, revisão critica e aprovação final
menos inflamatórios locais e compressivos, quer da laringe quer SS, LNF, SF, PA – Revisão critica e aprovação final
do nervo laríngeo recorrente.6 Todos os autores aprovaram a versão final a ser publicada.
Antes de identificar a OCA como agente causador de
disfagia, devem-se pesquisar e excluir outras causas mais Contributorship Statement
comuns, como presbifagia, acidente vascular cerebral, de- SOF – Preparation of the manuscript, critical review, and final approval.
mência e outras doenças neurodegenerativas, lesões tumo- SS, LNF, SF, PA – Critical review and final approval
rais ou efeitos adversos de fármacos.5 Vários medicamentos All authors approved the final draft
vulgarmente usados acarretam toxicidade farmacológica a
nível do sistema nervoso central (neurolépticos, p. ex.), da Responsabilidades Éticas
placa neuromuscular ou do próprio músculo liso/ estriado Conflitos de Interesse: Os autores declaram a inexistência de conflitos
(estatinas, p. ex.), interferindo com o processo de deglutição. de interesse na realização do presente trabalho.
Adicionalmente, a xerostomia secundária a fármacos pode Fontes de Financiamento: Não existiram fontes externas de financia-
afetar a capacidade de mastigação e deglutição. Assim, mento para a realização deste artigo.
PUBLICAÇÃO TRIMESTRAL
VOL.1 | N.º3 | JUL/SET 2023 151
DISFAGIA OROFARÍNGEA POR OSTEOFITOSE CERVICAL ANTERIOR
CASOS CLÍNICOS
CASE REPORTS
REFERÊNCIAS
Confidencialidade dos Dados: Os autores declaram ter seguido os pro-
1. World Gastroenterology Organisation. WGO Practice Guidelines: Dyspha-
tocolos da sua instituição acerca da publicação dos dados de doentes. gia. [accessed Jan 2022] Available from: https://www.worldgastroentero-
Consentimento: Consentimento do doente para publicação obtido. logy.org/guidelines/dysphagia
Proveniência e Revisão por Pares: Não comissionado; revisão externa 2. Espitalier F, Fanous A, Aviv J, Bassiouny S, Desuter G, Nerurkar N, et
por pares. al. Crevier-Buchman L. International consensus (ICON) on assessment
of oropharyngeal dysphagia. Eur Ann Otorhinolaryngol Head Neck Dis.
2018;135:S17-S21. doi: 10.1016/j.anorl.2017.12.009.
Ethical Disclosures
3. Aslam M, Vaezi MF. Dysphagia in the elderly. Gastroenterol Hepatol. 2013
Conflicts of Interest: The authors have no conflicts of interest to declare.
;9:784-95.
Financing Support: This work has not received any contribution, grant
4. Baijens LW, Clavé P, Cras P, Ekberg O, Forster A, Kolb GF, et al. European
or scholarship Society for Swallowing Disorders - European Union Geriatric Medicine So-
Confidentiality of Data: The authors declare that they have followed the ciety white paper: oropharyngeal dysphagia as a geriatric syndrome. Clin
protocols of their work center on the publication of data from patients. Interv Aging. 2016;11:1403-28. doi: 10.2147/CIA.S107750.
Patient Consent: Consent for publication was obtained. 5. Aires MM, Fukumoto GM, Ribeiro SL, Haddad L, Alvarenga EHL. Dys-
Provenance and Peer Review: Not commissioned; externally peer re- phagia due to anterior cervical osteophytosis: case report. Codas.
152