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Constipação intestinal em Pediatria

Texto base: Mauro Batista de Morais


Revisão e Processamento Didático: Conselho Editorial

DIMENSÃO DO PROBLEMA

Constipação intestinal constitui um problema freqüente na população pediátrica. No


nosso país, o interesse em definir a prevalência deste problema a nível da comunidade
surgiu há cerca de uma década. Posteriormente, confirmou-se que a constipação
intestinal acomete parcela considerável das crianças, apesar de grande parte delas não
receber nenhum tipo de atenção específica para o controle deste problema. Ao que tudo
indica, a heterogeneidade dos critérios para caracterização da presença ou ausência
de constipação faz com que as estimativas de prevalência apresentem grande
variabilidade, situando-se aproximadamente entre 15 e 30% nos diferentes grupos
avaliados em várias regiões do país.

Um interrogatório complementar detalhado e direcionado para o hábito intestinal


permite, com certeza, a caracterização de constipação em várias crianças cujas consultas
ao pediatra estão sendo realizadas devido a outras queixas principais.

Nos serviços assistenciais, o impacto da constipação na infância pode ser exemplificado


pelo fato de 3% das consultas em Pediatria e 25% das consultas em
Gastroenterologia Pediátrica terem a constipação intestinal como motivo principal.

DEFINIÇÕES

Constipação intestinal é geralmente definida em termos de alteração na freqüência,


calibre e consistência das fezes, valorizando-se, também, o esforço ou dificuldade e a
dor durante as evacuações.

Um grupo de especialistas brasileiros conceituou constipação como uma síndrome que


consiste na eliminação com esforço, de fezes ressecadas ou de consistência aumentada,
independentemente do intervalo de tempo entre as evacuações. Dois aspectos deste
conceito devem ser ressaltados:

1. freqüentemente, em Pediatria, observa-se constipação mesmo em crianças com


freqüência evacuatória maior do que três vezes por semana, aspecto valorizado em
muitos estudos estrangeiros;

2. às vezes, nas crianças pequenas, é difícil interpretar com precisão o comemorativo de


dor ou dificuldade relatado pela mãe.

Assim, constipação pode ser conceituada como a eliminação de fezes endurecidas,


com esforço, dor ou dificuldade, associada ou não a aumento do intervalo entre as
evacuações, escape fecal e sangramento em torno das fezes.
É importante, também, definir escape fecal (“soiling”) e encoprese. Na literatura
estrangeira, com freqüência, soiling e encoprese são utilizados como sinônimos, em
contraposição aos conceitos normalmente adotados em nosso meio, onde ESCAPE
FECAL ou SOILING indica a perda involuntária de parcela do conteúdo retal em
portadores de constipação intestinal crônica, muitas vezes associada à presença de
fezes impactadas no reto e/ou cólon. A encoprese, por sua vez, pode ser entendida,
em analogia com a enurese, como sendo o completo ato da defecação, em sua plena
seqüência fisiológica, em local e/ou momento inapropriados, sendo, em geral,
secundária a distúrbios psicológicos ou psiquiátricos. Rigorosamente, escape fecal
deve ser caracterizado somente após o quarto ano de vida; entretanto, em algumas
oportunidades, observa-se crianças menores com esta manifestação, principalmente
quando o controle esfincteriano ocorreu antes do aparecimento desta manifestação
clínica.

Finalmente, o termo INCONTINÊNCIA FECAL fica reservado para a falta de


controle esfincteriano decorrente de causas orgânicas, como as anormalidades
anorretais e disfunções neurológicas.

Didaticamente, a constipação intestinal pode ser classificada em aguda e crônica. Não


existe um limite de duração claramente definido entre as duas, mas, em geral, os estudos
clínicos de CONSTIPAÇÃO CRÔNICA exigem o mínimo de um a três meses para
caracterizar a cronicidade do processo.

A constipação aguda é observada durante períodos de jejum ou anorexia associados


com infecções agudas e, até mesmo, durante mudanças abruptas de ambiente, como
pode ser exemplificado pelas pessoas que apresentam aumento do intervalo entre as
evacuações no decorrer de uma viagem. Em geral, estes quadros agudos não requerem
medidas terapêuticas específicas, sendo reversíveis com a volta à dieta normal e ao
estilo de vida habitual.

A constipação crônica pode ser dividida em funcional e orgânica (Quadro 1).

As causas orgânicas podem ser subdivididas em: anormalidades intestinais e extra-


intestinais. Dentre as causas orgânicas intestinais destacam-se a doença de
Hirschsprung, a estenose retal e o ânus anteriorizado. Dentre as causas extra-intestinais,
podem ser mencionados o hipotireoidismo e as encefalopatias crônicas. Certas drogas
anticonvulsivantes, anticolinérgicas, sais de ferro, antiácidos (carbonato de cálcio e
hidróxido de alumínio) e codeína também podem ocasionar constipação.
Inquestionavelmente, mais de 95% das crianças com constipação crônica
enquadram-se na constipação crônica funcional.

Quadro 1: Causas de constipação intestinal crônica em pediatria


Constipação crônica funcional Anormalidades extra-intestinais

- simples · endócrina e metabólica


- complicada
- oculta - hipotireoidismo
- diabetes melito
Anormalidades estruturais anorretais e - hipercalcemia
do cólon - hipocalemia
· estenose retal ou anal · neurológica

· má formação anorretal - encefalopatia crônica


- lesão da medula espinhal
- ânus imperfurado - paralisia cerebral
- ânus ectópico anterior
- ânus anteriorizado · drogas
· aganglionose
- sais de ferro
- congênita (doença de - antiácidos
Hirschsprung) - anticonvulsivantes
- adquirida - anticolinérgicos
- codeína
FISIOPATOGENIA

Com certeza, a constipação intestinal crônica funcional é uma condição clínica


resultante da interação de múltiplos fatores.

No passado, foram valorizados os aspectos psicológicos na gênese da constipação,


especialmente as atitudes rígidas e coercitivas dos pais durante a fase do treinamento
esfincteriano. Este dado discorda da idade de início da constipação, uma vez que mais
da metade dos casos de constipação crônica funcional se inicia no primeiro ano de vida,
antecedendo, portanto, a época do treinamento esfincteriano.

Os fatores constitucionais têm como base a concentração familiar de constipação. A


presença de distúrbio da motilidade intestinal também tem sido apontada como fator
etiológico; entretanto, o aumento do tempo de trânsito intestinal observado nesta
condição clínica pode ser conseqüência do próprio quadro de constipação.

O medo de evacuar e o comportamento de retenção são fatores observados em


grande parcela das crianças com constipação crônica funcional. O comportamento de
retenção constitui um dos pontos fundamentais do ciclo vicioso, sendo caracterizado por
retenção das fezes, que leva ao endurecimento e aumento das dimensões do bolo fecal;
as evacuações tornam-se, pois, muito dolorosas e indesejáveis para a própria criança
que, inconscientemente ou deliberadamente, tenta evitá-las. A massa fecal retida e
ressecada pode provocar irritação mecânica da mucosa retal, produzindo um líquido
fecalóide que é eliminado através do ânus no intervalo entre as evacuações e que
mantém suja a roupa do paciente. Constitui o escape fecal que pode ocorrer com
freqüência variável, segundo a gravidade do quadro.

Outro fator importante é o dietético. Estudos realizados em nosso meio, constatou que a
dieta de crianças com constipação crônica funcional apresenta pequena quantidade de
fibra alimentar. Crianças que consomem fibra em quantidade inferior ao mínimo
recomendado, apresentam chance quatro vezes maior de apresentar constipação crônica
funcional do que aquelas com consumo em quantidade adequada.

Em síntese, a constipação pode ser iniciada a partir de um episódio de evacuação


dolorosa, decorrente de uma fissura anal ou endurecimento das fezes durante um
período de anorexia, que ocorra em uma criança constitucionalmente predisposta
por distúrbio de motilidade intestinal e que venha sendo alimentada com dieta
pobre em fibra alimentar.
Estudos de manometria demonstram anormalidades na fisiologia anorretal em
portadores de constipação crônica funcional, notando-se, em especial, uma diminuição
da sensação de enchimento retal e necessidade de maiores volumes de inflação para
desencadeamento do reflexo reto-anal. Estas anormalidades, entretanto, podem ser
conseqüência da distensão retal crônica, não constituindo obrigatoriamente uma causa
da constipação.

Em resumo, vários fatores participam da fisiopatogenia da constipação, destacando-se o


fator constitucional e familiar provavelmente associado a distúrbio da motilidade
intestinal, dieta pobre em fibras e o comportamento de retenção desencadeado por
episódios de evacuação dolorosa.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

A anamnese e o exame físico devem ser direcionados no sentido de pesquisar


evidências das diferentes causas de constipação.

Na ausência de dados característicos a certas condições, como por exemplo, uso de


drogas, encefalopatia ou hipotireoidismo, deve prevalecer, inicialmente, a hipótese
diagnóstica de constipação crônica funcional. É necessário que o interrogatório
alimentar seja ser realizado detalhadamente, pois fornece dados importantes para a
prescrição dietética, que sempre faz parte do tratamento da constipação. Quando o
paciente apresenta características sugestivas das condições clínicas apresentadas no
Quadro 1, os procedimentos diagnósticos e terapêuticos serão realizados de acordo com
a hipótese diagnóstica em questão.

As características das fezes podem apresentar grande variabilidade: algumas crianças


evacuam diariamente fezes endurecidas em cíbalas, com dificuldade, enquanto outras
eliminam, a cada cinco ou sete dias, fezes volumosas e ressecadas, que quase entopem o
vaso sanitário.

As manifestações clínicas variam com a idade. Em lactentes, é comum observar-se


a eliminação, com dor ou dificuldade, de fezes secas não muito volumosas, logo
após o desmame. É importante, nesta fase da vida, a diferenciação entre a
constipação e a pseudoconstipação do aleitamento natural exclusivo. A
pseudoconstipação caracteriza-se pela eliminação de fezes amolecidas e amorfas,
sem dor ou dificuldade, com intervalos prolongados que podem ultrapassar cinco
dias. Estes lactentes em aleitamento natural exclusivo não devem receber
tratamento para tal situação fisiológica.
Nos pré-escolares é muito comum a ocorrência do comportamento de retenção. O
comemorativo de medo para evacuar e atitudes para evitar a defecação são obtidos com
facilidade na anamnese. Aversão ao vaso sanitário e tentativas de evacuação em
posições e locais não habituais são também relatados com freqüência.

A partir dos quatro ou cinco anos aumenta em freqüência a queixa de escape fecal.
Cerca de 40% das crianças com constipação crônica funcional atendidas em Serviços de
Gastroenterologia Pediátrica em nosso meio apresentam esta manifestação. Apesar de
um longo histórico de constipação, muitas vezes a família só procura atendimento para
o problema após o aparecimento do escape fecal, que representa uma importante
preocupação para os pais e, em geral, para o próprio paciente; em conseqüência do
mesmo, a criança, passa a ser vítima de rejeição no ambiente escolar e, com freqüência,
no próprio ambiente familiar.

No exame físico de pacientes graves e com grande impactação de fezes pode-se


observar a presença de massas abdominais palpáveis, especialmente no hipogástrio e na
fossa ilíaca esquerda. Nesta situação, é fundamental muita atenção e cuidado no
acompanhamento a curtíssimo prazo, para não deixar de diagnosticar um tumor
abdominal em um paciente constipado. As massas devem desaparecer completamente
com a realização da desimpactação. O exame anal pode revelar a presença de fissura,
enquanto, ao toque retal, costuma-se observar a presença de fezes endurecidas.

Constipação oculta é a situação na qual a queixa principal do paciente indica outra


manifestação, especialmente dor abdominal crônica, fezes com sangue ou escape fecal.
No interrogatório específico sobre o hábito intestinal observa-se indícios de
constipação. Algumas vezes, principalmente em crianças na idade escolar, os pais não
sabem informar com precisão a freqüência de evacuações, a consistência das fezes e
outros dados importantes para o diagnóstico, sendo importante que essas informações
sejam reavaliadas após um período de observação. O desaparecimento das queixas
associadas com a constipação oculta, concomitantemente ao controle da constipação, é
considerado o indicador da vinculação da queixa com o distúrbio do hábito intestinal.

Na constipação crônica funcional são descritas, ainda, outras manifestações como


anorexia, vômitos, distúrbios da continência urinária e infecções urinárias de repetição,
que devem ser avaliadas com a devida prudência, no sentido de oferecer ao paciente
atendimento pleno para todos os seus problemas de saúde, além de preservar a relação
do médico com o paciente e sua família.

O principal diagnóstico diferencial da constipação crônica funcional é a doença de


Hirschsprung.
A doença de Hirschsprung caracteriza-se pela ausência de células ganglionares
intestinais em um segmento intestinal de extensão variável, a partir da extremidade
caudal do tubo digestivo. Em 80% dos casos compromete o reto e o sigmóide; em 15%
a aganglionose se estende até o cólon ascendente e, menos freqüentemente, pode
envolver todo o cólon e mesmo o intestino delgado. O quadro clínico clássico consiste
em retardo da eliminação de mecônio, constipação desde o primeiro mês de vida,
distensão abdominal, déficit de crescimento e eliminação explosiva de gases e fezes
após o toque retal. Alguns lactentes podem apresentar diarréia paradoxal como
manifestação do grave quadro do megacólon tóxico. O megacólon de segmento ultra-
curto pode apresentar manifestações clínicas superponíveis às observações na
constipação crônica funcional. Existem controvérsias quanto à possibilidade de
identificação do segmento de aganglionose em todos os portadores de aganglionose de
segmento ultra-curto, mesmo que se utilize a técnica da acetilcolinesterase. No Quadro
2 são comparadas as características clínicas da constipação crônica funcional e da
doença de Hirschsprung. Analisando com atenção este quadro, pode-se concluir que não
é possível diferenciar com plena segurança estas duas entidades, sem o emprego de
exames subsidiários. É importante notar que, na experiência de Loening-Baucke, autora
desse quadro, a freqüência de escape fecal (“soiling”) é maior do que nas observações
brasileiras, provavelmente em função de um grau mais elevado de referenciamento.
Quadro 2: Características clínicas da constipação crônica funcional e da doença de
Hirschsprung(*)
CONSTIPAÇÃO DOENÇA DE
FUNCIONAL HIRSCHSPRUNG
Desde o nascimento
Início no primeiro ano
24% 50%
Tamanho das fezes
84% 90%
Comportamento de
volumosas Normal ou em fita
Menores de retenção
97% Raro
quatro anos Massa fecal palpável
42% 95%
no abdômen
Freqüente Raro
Fezes na ampola retal
Raro Comum
Déficit de
crescimento
Desde o nascimento
Início no primeiro ano
10% 53%
amanho das fezes
49% 67%
Dor abdominal
volumosas Normal ou volumosa
Comportamento de
51% 87%
Maiores de retenção
71% Raro
quatro anos Massa fecal palpável
42% 93%
no abdômen
96% 27%
Fezes na ampola retal
90% 33%
Escape fecal (soiling)
Raro Raro
Déficit de
crescimento

(*) Segundo Loening-Baucke (1996)

ABORDAGEM TERAPÊUTICA

O programa terapêutico deverá ser individualizado de acordo com a idade, tipo de


alimentação, relações sociais da criança com a família, amigos e dentro do ambiente
escolar, e principalmente, com a gravidade do caso.

Conforme já referido, a maior parte das crianças com constipação não recebe nenhum
tratamento específico e convive com o problema.

Caso o início do tratamento coincida com a fase de treinamento do esfíncter anal, este
treinamento deve ser postergado para um ou dois meses após a normalização do ritmo
intestinal.

Na avaliação inicial deve-se decidir qual a terapêutica a ser adotada. Casos leves
devem receber, em uma primeira etapa, orientação alimentar baseada na correção
de erros alimentares, aumento da oferta de líquidos e fibra alimentar. Deve ser
assegurado livre acesso ao banheiro e condições para apoiar os pés durante a
defecação. É importante, também, que a criança permaneça por cerca de dez
minutos no vaso sanitário após uma refeição, na tentativa de aproveitar o reflexo
gastro-cólico como estímulo para a evacuação.
Os pais e o paciente devem ser informados da importância de cada um destes
procedimentos, dando ênfase à desmistificação de conceitos falsos relativos à
constipação e seu tratamento.

Nos casos mais graves, especialmente os atendidos em ambulatórios especializados, o


tratamento da constipação crônica funcional envolve o emprego de laxantes. Os laxantes
podem ser classificados em quatro categorias (Quadro 3):

1. formadores de bolo fecal: o aumento do bolo fecal aumenta o peristaltismo


intestinal. Neste grupo estão incluídas as fibras alimentares, definidas como
polissacarídeos distintos do amido que não são digeridos e absorvidos, e a lignina, que
não é um carboidrato. As fibras são divididas em solúveis e insolúveis. Ambas podem
auxiliar na prevenção e no tratamento da constipação, mas as fibras insolúveis são mais
eficazes.

- A celulose, a lignina e uma parcela da hemicelulose são fibras insolúveis, enquanto a


pectina, as gomas e outra parcela da hemicelulose são exemplos de fibras solúveis .
Vale lembrar que os alimentos possuem, em geral, ambos os tipos de fibras. Os cereais,
os grãos, especialmente o feijão e a ervilha verde, tendem a conter maior quantidade de
fibras insolúveis, enquanto as frutas e os vegetais contêm predominantemente fibras
solúveis.

Quadro 3: Laxantes empregados no tratamento da constipação intestinal


CATEGORIA MECANISMO DE AÇÃO LAXANTES
Aumento do bolo fecal e • Fibras alimentares
FORMADORES DE
conseqüente aumento do insolúveis
BOLO FECAL
peristaltismo • Fibras alimentares solúveis
• Óleo mineral* • Óleos
Lubrificação e amolecimento vegetais (oliva, algodão e
LUBRIFICANTES das fezes, sem interferência milho)
no peristaltismo
• Vaselina
• Sulfato de magnésio • Leite
de magnésia

• Sulfato de sódio
Aumento da quantidade de
OSMÓTICOS água na luz intestinal, com
• Lactulose
aumento do peristaltismo
• Manitol

• Sorbitol
• Derivados antraquinônicos
de plantas (senna, cáscara
ESTIMULANTES DO Aumento do peristaltismo por sagrada) • Óleo de rícino
PERISTALTISMO contato direto com a mucosa
INTESTINAL colônica • Derivados de difenilmetano
(fenolftaleína, picossulfato e
bisacodil)
*O óleo mineral não deve ser utilizado no primeiro ano de vida em função do risco de
aspiração e pneumonia aspirativa.

2. lubrificantes: lubrificam e amolecem as fezes, mas não interferem no peristaltismo


intestinal. Óleo mineral, óleos vegetais (oliva, algodão e milho) e vaselina enquadram-
se neste grupo.

3. osmóticos: são substâncias não absorvidas pelo intestino que, por força osmótica,
aumentam a quantidade de água na luz intestinal, acarretando estímulo do peristaltismo.
Nesta categoria enquadram-se o sulfato de magnésio, o leite de magnésia, o sulfato de
sódio, a lactulose, o manitol e o sorbitol.

4. estimulantes do peristaltismo intestinal: aumentam o peristaltismo por contato


direto com a mucosa colônica. Incluem os derivados antraquinônicos extraídos de
plantas (senna, cáscara sagrada), o óleo de rícino e os derivados de defenilmetano
(fenoftaleína, picossulfato e bisacodil).

Os produtos comercializados contêm, por vezes, uma mistura de vários agentes laxantes
pertencentes aos diferentes grupos acima mencionados. De uma forma geral, não é
recomendável o emprego prolongado de estimulantes do peristaltismo intestinal no
tratamento da constipação crônica funcional de crianças, mesmo porque esses produtos
provocam cólicas abdominais em parcela considerável dos pacientes.

A catarse inicial deve ser indicada em todos os pacientes que apresentam fezes
impactadas, com o objetivo de eliminar as fezes ressecadas retidas no reto e colo,
permitindo a ação adequada das outras medidas terapêuticas. Em nosso ambulatório, são
utilizados enemas osmóticos de fosfato (Fleet enema®) ou sorbitol (Minilax®),
realizados uma vez ao dia. É recomendável que os enemas sejam realizados no
ambulatório, especialmente o enema de fosfato, com atenção redobrada caso não ocorra
completa eliminação do volume administrado. O esvaziamento reto-colônico
geralmente é conseguido após dois a quatro dias; entretanto, casos mais graves podem
requerer, entretanto, um período mais prolongado. Deve-se suspender os enemas
esvaziatórios quando o paciente eliminar fezes amolecidas, uma ou duas vezes ao dia;
prossegue-se, então, com o tratamento de manutenção.

O tratamento de manutenção inclui todas as medidas recomendadas para os casos leves


e o correto emprego de laxantes.

Costuma-se empregar um dos seguintes laxantes: óleo mineral, leite de magnésia ou


lactulose. A dose varia de acordo com a gravidade e a resposta de cada paciente,
devendo, portanto, ser reavaliada em consultas realizadas a curto prazo. Pode-se
utilizar 1 a 2 ml/kg de peso de óleo mineral ou leite de magnésia como referência
para a dose inicial. Não é necessário, geralmente, ultrapassar a dose diária total de
40 ml. O objetivo é a ocorrência de uma a duas evacuações amolecidas por dia e
completo esvaziamento do intestino grosso terminal, evitando, assim, a
possibilidade de reimpactação fecal. A dose de 1 ml/kg/dia costuma ser suficiente
para grande parte dos pacientes.

Com relação à dieta, esta é a medida mais importante para assegurar o controle da
constipação a longo prazo. Deve-se ter em mente as dificuldades que o paciente e a sua
família têm para promover mudanças nos hábitos dietéticos, no sentido de aumentar a
quantidade de fibras na alimentação. Dependendo da idade do paciente, os seguintes
alimentos devem ser incluídos ou aumentados na alimentação: feijão, ervilha, lentilha,
grão de bico, pipoca, verduras, frutas, aveia em flocos, ameixa preta. Farelo de trigo e
produtos comercializados ricos em fibras podem ser utilizados, mas nem sempre são
aceitos com facilidade pelos pacientes. Ainda não existem informações sobre a
quantidade terapêutica de fibra necessária para tratamento da constipação intestinal;
provavelmente, essa quantidade, é variável, na dependência da gravidade da constipação
e da resposta fisiológica individual.

Até há poucos anos não existiam recomendações em relação ao consumo de fibra


alimentar para crianças normais. Recentemente, foi publicada uma recomendação que
vem sendo aceita na literatura, ou seja, crianças normais com idade superior a dois anos
devem consumir diariamente, no mínimo, quantidade de fibras equivalente a: Consumo
diário de fibras = idade em anos + 5 (resultado expresso em gramas)
Deve-se levar em conta, também, que as diversas tabelas apresentam valores
discrepantes referentes ao teor de fibra de um mesmo alimento, o que pode dificultar a
orientação dietética.

CONDUTA NA FALHA DO TRATAMENTO

A principal causa de falta de resposta ao tratamento é sua realização de forma


inadequada. Com freqüência, a família não segue, ou a criança não aceita as
recomendações dietéticas, e os laxantes não são administrados adequadamente. O
emprego dos laxantes deve ser diário e muitas vezes os pais, imaginando que esse
procedimento possa deixar o intestino “mal acostumado”, suspendem os
medicamentos quando a criança começa a evacuar, voltando a utilizá-los apenas quando
o paciente permanece alguns dias sem evacuar. Neste momento já pode ter havido
reimpactação e o mesmo laxante deixa de proporcionar o efeito desejado. Em alguns
casos observa-se prescrição de doses aquém do necessário ou por períodos muitos
curtos. Apesar de não serem disponíveis muitos estudos a respeito da duração do
tratamento, vários pacientes necessitam, nos serviços de referência, do uso contínuo
de laxantes por mais de seis meses.
Quando um paciente não evolui bem com o tratamento realizado de maneira correta,
devem ser indicados exames subsidiários para investigação. Vários métodos são
encontrados na literatura, como a eletromiografia superficial do períneo, defecograma,
estudo do tempo de trânsito intestinal e teste de eliminação de balão colocado na ampola
retal. Em nosso meio, porém, os procedimentos realizados com maior frequência são a
radiologia, a manometria anorretal e biópsia retal. A radiografia simples de abdome
pode auxiliar na avaliação de constipação oculta e na verificação da eficácia dos
procedimentos de desimpactação reto-colônica. O enema opaco deve ser realizado sem
preparo, permitindo a caracterização de megacólon e a identificação de segmento
estreitado de aganglionose na doença de Hirschsprung, exceto nos casos de segmento
curto e ultra-curto.

A manometria anorretal permite a identificação de várias anormalidades presentes na


constipação funcional, no que se refere à pressão de repouso do esfíncter anal, pressão
de contração anal voluntária, sensibilidade e complacência retais; costuma haver
redução da sensibilidade retal à insuflação do balão. Do ponto de vista diagnóstico, a
pesquisa do reflexo de relaxamento do esfíncter anal interno, desencadeado pela
distensão da ampola retal, é um dos dados mais importantes, pois na doença de
Hirschsprung este reflexo não está presente. Para descartar a doença de Hirschsprung, a
análise, pela técnica da acetilcolinesterase, de espécimes da mucosa retal obtidos por
biópsia apresenta grande valor diagnóstico.

Pode-se verificar, na literatura internacional, um grande entusiasmo com o emprego do


biofeedback no tratamento da constipação crônica funcional grave, especialmente na
parcela de pacientes portadores de contração paradoxal do esfíncter externo do ânus
durante as tentativas de defecação; esta situação é denominada dissinergia de assoalho
pélvico. O biofeedback consiste numa série de sessões nas quais o paciente realiza
treinamento para controlar a contração e o relaxamento da musculatura estriada
do assoalho pélvico e do esfíncter externo do ânus, sob controle de manometria
anorretal. Entretanto, os resultados dos estudos publicados por alguns grupos, com
experiência nesta modalidade de tratamento, não permite que se conclua de forma
definitiva por sua real eficácia no tratamento da constipação crônica funcional grave,
associada ou não à dissinergia de assoalho pélvico.

Para finalizar, deve-se enfatizar que a melhor maneira de controle da constipação


crônica funcional é a completa sensibilização da família e do paciente para a plena
obediência ao tratamento dietético e laxativo preconizado, evitando, ainda, que o
tratamento seja suspenso precocemente.

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