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Intervenção fonoaudiológica em recém-nascido pré-termo com

Relato de Caso
gastrosquise

Speech language therapy in a preterm newborn infant with gastroschisis

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Marilene de Souza Rocha , Susana Elena Delgado

RESUMO

O objetivo deste estudo foi descrever a intervenção fonoaudiológica para a adequação da função alimentar por meio da avaliação
e tratamento do sistema estomatognático e suas funções. O estudo foi feito a partir do relato de caso de um recém-nascido pré-
termo com gastrosquise que foi alimentado por sonda, atendido na Neonatologia do Hospital Luterano, no período de 29/03/2005
a 22/04/2005. A avaliação fonoaudiológica foi realizada, seguindo o protocolo padronizado do serviço de Neonatologia e apresentou
os seguintes resultados: órgãos do sistema estomatognático no que se refere à postura, conformação e mobilidade dentro da
normalidade; reflexos orais presentes; força e ritmo adequados na sucção não nutritiva; alteração na sensibilidade oral com reflexo
nauseoso anteriorizado e exacerbado; sinal de estresse de alteração respiratória durante a sucção nutritiva na mamadeira; e dificuldade
de pegar o seio materno. Foram realizadas três sessões de intervenção fonoaudiológica, uma vez por semana, com orientação para
a equipe de enfermagem dar continuidade na estimulação oral nos demais dias. Em uma das sessões, a mãe recebeu orientações
sobre os benefícios da amamentação e a importância do uso adequado de chupetas e bico de mamadeira do tipo ortodôntico para o
desenvolvimento adequado das funções orais. O recém-nascido do relato de caso teve alta sem alterações orais, mamando no seio
materno com complementação de mamadeira, sugerindo desta forma, a importância da intervenção fonoaudiológica para a adequação
da função alimentar.

DESCRITORES: Prematuro; Gastrosquise; Amamentação; Comportamento alimentar; Sistema estomatognático

INTRODUÇÃO parenteral é indicada em casos de recém-nascido com muito


baixo peso, submetidos à ventilação mecânica, na presença
A alimentação por via oral é de extrema importância para de sepse, de asfixia perinatal, de patologias cirúrgicas e em
o desenvolvimento normal do sistema estomatognático. O pós-operatório, ou patologia que impeça alimentação
aleitamento materno, além de ser melhor tanto para o bebê enteral(1).
quanto para a mãe, propicia um desenvolvimento mais ade- A gavagem gástrica contínua é utilizada em recém-nas-
quado das estruturas neuromotoras necessárias à função ali- cidos (RN) imaturos, principalmente sob ventilação mecâni-
mentar(1). ca, pois a oferta de uma quantidade pequena de alimento no
Embora se saiba que a alimentação por via oral é a mais trato gastrintestinal, porém contínua, propicia a nutrição
adequada para o perfeito desenvolvimento das estruturas sen- trófica da mucosa, impedindo a translocação bacteriana e
sório motoras, muitas vezes existem situações em que, para preparando o intestino para receber dieta láctea adequada,
garantir a sobrevivência de recém-nascido pré-termo (RNPT) posteriormente(2).
extremos e patológicos, se faz necessária utilização de ali- A nutrição enteral é indicada para RNPT que são impe-
mentação parenteral, enteral e/ou gavagem. A nutrição didos de ser amamentados em conseqüência dos déficits
maturacionais fisiológicos. Essa imaturidade apresenta como
(1) Especializanda em Motricidade Oral pela Universidade Luterana do Brasil resultado a incoordenação na sucção-respiração-deglutição,
– ULBRA – Canoas (RS), Brasil. o que representa também dificuldade de alimentação por via
(2) Mestre em Saúde Coletiva; Professora Adjunto do Curso de Fonoaudio-
logia da Universidade Luterana do Brasil – ULBRA – Canoas (RS), Brasil. oral, sendo necessária utilização de alimentação enteral, atra-
Trabalho de conclusão de Curso de Especialização em Motricidade Oral da vés de sondas nasogástrica (SNG) ou orogástrica (SOG), pe-
Universidade Luterana do Brasil – ULBRA, realizado no Hospital Luterano las quais o alimento é depositado diretamente no tubo diges-
– ULBRA – Canoas (RS), Brasil. tivo do RN.
Endereço para correspondência: Susana Elena Delgado. R. Pedro Chaves
Barcellos, 892/201, Bela Vista, Porto Alegre – RS, CEP 90450-010. E-mail: Ambos os tipos de sonda apresentam vantagens e des-
sudel.ez@terra.com.br vantagens para os RN. Uma das vantagens da SNG é que
Recebido em: 8/5/2006; Aceito em: 30/10/2006 esta é mais fácil de fixar e mais duradoura; outra vantagem é

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deixar a cavidade oral livre para receber os estímulos. Por extração do leite não o é, e exige do RN aprender a retirar o
outro lado, a SNG provoca um aumento na resistência das leite do peito, adaptando suas condições orais anatômicas
vias aéreas, propiciando ocorrência de apnéias; além disso, para a ordenha correta na mama da mãe. Outro ponto impor-
quando utilizada por um período mais longo, pode desenca- tante a ser avaliado se refere ao posicionamento da mãe e do
dear refluxo gastroesofágico (RGE)(1). A SOG é preferível a bebê, uma vez que uma posição incorreta dificulta que a boca
SNG, apesar desta ser mais estável em seu posicionamento se encaixe corretamente no aréolo-mamilar, levando, muitas
por permitir que as narinas fiquem livres, auxiliando, desta vezes, a traumas mamilares, dor e desconforto para a mãe. O
forma, na respiração do bebê. No entanto, a SOG apresenta vínculo mãe-bebê também deve ser observado: a forma como
a desvantagem de ser um estimulador dos sensores vagais, a mãe segura o bebê, os toques físicos e o contato visual
provocando aumento da freqüência respiratória e cardíaca(3). durante a mamada(1,5).
Seu uso prolongado pode contribuir para alterar as estruturas Por intermédio das observações de avaliação, o
orais, principalmente, o palato duro e mole e a gengiva su- fonoaudiólogo poderá detectar disfunções orais como:
perior. Podem ocorrer alterações no que se refere à forma, à incoordenação na respiração, sucção e deglutição; reflexos
mobilidade, à tonicidade e, principalmente, à sensibilidade orais de busca, sucção, deglutição, mordida e náusea, ausen-
oral(4). tes ou incoordenados; ritmo de sucção-deglutição alterado;
O fonoaudiólogo é um dos profissionais capacitados para hipossensibilidade nos lábios, o que poderá ocasionar
atuar em berçário neonatal com RNPT e a termo, que apre- vedamento labial inadequado; ou hipersensibilidade, dificul-
sentam dificuldades na alimentação e que necessitam de nu- tando na aceitação do alimento(5). Essas disfunções orais,
trição parenteral/gavagem e/ou enteral. O objetivo desse pro- mencionadas anteriormente, podem ser causadas por diver-
fissional é a adequação do sistema estomatognático à sos fatores e poderão interferir na alimentação por VO.
estimulação da alimentação oral de forma segura e eficaz, e Outro fator que poderá gerar disfunção oral e prejudicar
à promoção do aleitamento materno. a alimentação de forma natural, é o fenômeno denominado
A avaliação clínica do fonoaudiólogo no berçário neonatal “confusão de bicos”, que ocorre quando é introduzido pre-
tem início no levantamento aprofundado da história do RN, cocemente um ‘bico artificial’, seja de mamadeira ou de chu-
obtida por meio do prontuário, do contato com a equipe e peta, antes da amamentação no seio ter sido realizada com
com a família. São levantados os dados relativos à história sucesso, levando o neonato a uma dificuldade de exibir a
da gestação e parto, à idade gestacional, ao peso do nasci- configuração oral correta, com vedamento e padrão de suc-
mento, ao Apgar, às intercorrências clínicas no período pós- ção adequado para extrair o leite do peito(5,7).
natal imediato e mediato, à medicação em uso, à necessida- A intervenção direta com o RNPT deve ser realizada tão
de de ventilação mecânica e tempo de permanência no apa- logo sejam detectadas alterações no sistema estomatognático,
relho e, ainda, ao tipo, à forma e ao volume prescrito de por meio do treino oral da SNN, que consiste na estimulação
alimentação. O manuseio direto do RN ou lactente realizado do reflexo de sucção, repetidamente, de modo sincrônico com
pelo fonoaudiólogo deve ocorrer sempre antecedendo o ho- o ritmo do bebê, usando como recurso a introdução do dedo
rário de alimentação, pois se espera que neste momento o mínimo enluvado ou chupeta adequada na boca do RN. Os
RN esteja faminto e em estado de alerta(5-6). exercícios para estimulação oral devem ser sempre realiza-
Durante o manuseio, é avaliada a sensibilidade táctil ex- dos antes da alimentação, seja por gavagem, sonda, mama-
tra-oral nas bochechas e nos lábios, a sensibilidade intra- deira ou seio materno, para que seja aproveitada a prontidão
oral na papila palatina, e os reflexos orais que irão garantir a e a fome do bebê(5-6).
alimentação do RN nessa fase inicial do desenvolvimento. A literatura aponta, ainda, como benefícios da estimulação
Esses são: busca ou procura, reflexo que é eliciado pelo to- da SNN, um maior ganho de peso do RNPT, uma transição
que nos quatro pontos cardeais dos lábios, cuja principal fun- mais rápida da alimentação gástrica para a VO, melhora no
ção consiste em localizar o peito; sucção, desencadeado pelo controle dos estados de consciência, aceleração da maturação
toque na ponta da língua e papila palatina, cuja função é a do reflexo de sucção, aumento do trânsito gastrintestinal e,
retirada do leite; deglutição, desencadeada mediante estímulo conseqüentemente, alta hospitalar precoce.
do leite na região posterior da língua, véu palatino, faringe e Os estudos científicos mostram que vários são os fatores
epiglote. São avaliados, ainda, os reflexos de proteção, que que podem interferir no processo de alimentação do RN, sen-
são o de mordida, desencadeado mediante o toque na região do um deles a prematuridade, principalmente, quando este
interna das gengivas, e nauseoso, eliciado pelo estímulo na bebê, além de pré-termo, nasce com alguma malformação
parte posterior da língua ou faringe(5). congênita como a gastrosquise.
Na avaliação da sucção não nutritiva (SNN) são verifica- Nesta patologia, o RN apresenta um defeito congênito na
dos: a presença ou ausência de sucção, a força, o ritmo, as parede abdominal anterior que permite a herniação das
pausas e a coordenação com a deglutição. A investigação da vísceras abdominais, geralmente, à direita do cordão umbi-
sucção nutritiva (SN) é realizada quando o RN inicia a ali- lical. As alças intestinais e outros órgãos abdominais podem
mentação por via oral (VO) e é avaliada a postura, o tempo protruir através desta abertura(8-9). O acidente ocorre intra-
que permanece sugando, o estado de consciência, além, dos útero e as alças ganham a cavidade amniótica ficando em
itens avaliados na SNN(6). contato direto com o líquido. Não existe membrana
Durante a amamentação do RN, o fonoaudiólogo avalia recobrindo as vísceras(8).
a pega correta, pois, apesar de a sucção ser um ato reflexo, a O prognóstico dos RN com gastrosquise apresentou me-

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lhora dramática na segunda metade do século XX. Até 1960, seguindo o protocolo padronizado do serviço de Neonato-
a gastrosquise era vista como apenas uma curiosidade logia, no qual foram realizadas observações pré-alimentacão:
teratológica, confundida com a onfalocele e o prognóstico da postura; do estado de consciência; do tônus da muscula-
era sombrio, com praticamente 100% de mortalidade. Atu- tura global; da estabilidade respiratória; dos órgãos do siste-
almente, nos países desenvolvidos, a taxa de sobrevivência ma estomatognático (lábios, língua no repouso, língua na
atinge quase 100% nos casos não-complicados(8-9). O apri- sucção e deglutição, bochechas, mandíbula, palato duro) e
moramento das técnicas de cirurgia neonatal, a nutrição dos reflexos orais (busca, sucção, deglutição, mordida,
parenteral total e a terapia intensiva neonatal são os grandes nauseoso); da SNN, antes da alimentação e durante a ali-
responsáveis pelos melhores resultados(9). mentação com sonda (sucções/pausas, ritmo, força, pausas)
A gastrosquise pode ser diagnosticada por meio da ultra- com introdução do dedo mínimo enluvado dentro da cavida-
sonografia, a partir da 12ª semana de gestação(10). É conside- de oral do RN e por intermédio da chupeta convencional; e
rada um evento esporádico com etiologia multifatorial. É da SN na mamadeira e seio materno (sucções/pausas, tempo
mais freqüente em gestantes jovens e sua incidência gira em de alimentação, sinais de estresse (Anexo 2).
torno de 1 a 2,11 em 10.000 nascidos vivos(10), e parece não A observação de assistência à alimentação foi registrada
haver predominância de um dos sexos. A predominância em no protocolo da UTI neonatal (Anexo 3). Foram realizadas
gestantes jovens pode ser secundária ao estilo de vida, rela- uma sessão de avaliação e três sessões de intervenção
cionado a uma maior exposição a agentes teratogênicos. O fonoaudiológica, ocorrendo o acompanhamento durante três
defeito é provavelmente devido à isquemia, como resultado semanas. A equipe de enfermagem e a mãe foram orientadas
da disrupção da artéria onfalomesentérica ou da involução a realizar a estimulação oral, nos demais dias da semana,
anormal da veia umbilical direita(9-10). pelo menos três vezes por dia, antes da alimentação. Em
A abordagem terapêutica visa evitar a infecção, reintro- uma das sessões foram dadas orientações para a mãe sobre a
duzir as alças na cavidade peritoneal e nutrir o RN até que importância da amamentação e do uso adequado de chupe-
seja normalizado o trânsito intestinal. A cirurgia deve ser tas ortodônticas para o correto desenvolvimento dos órgãos
realizada logo após o nascimento. Até as alças readquirirem do sistema estomatognático. Na última sessão, foi realizada
o seu tônus e o trânsito intestinal se refazer, o RN necessita a reavaliação.
ser mantido em nutrição parenteral periférica, o que poderá O compromisso de sigilo para a utilização dos dados do
ocorrer por um período de 3 a 4 semanas(8). Quando não exis- prontuário usado no estudo de caso, obrigatório para pesqui-
tem outras malformações associadas, o prognóstico é muito sa com seres humanos (Resolução N° 196/96), foi assinado
bom, com uma taxa de sobrevida pós-cirúrgica de 43% a pelo pesquisador responsável.
92,3%(10). O RNPT do estudo era do sexo masculino, nascido 19/
Embora tenha sido feita uma revisão ampla da literatura, 03/2005, no hospital do município de Cachoeirinha. Nasceu
não encontramos artigos que descrevam a intervenção de cesárea, de mãe primípara, com idade gestacional de 36
fonoaudiológica em bebês com gastrosquise. semanas, com peso de 2.460 gramas e 45 cm de comprimen-
Portanto, o objetivo deste estudo foi descrever a inter- to. Apresentou um Apgar 8 no 1’ e 9 no 5’, sendo transferido
venção fonoaudiológica para adequação da função alimen- para o Hospital Luterano por apresentar gastrosquise e ne-
tar, por meio da avaliação e tratamento dos órgãos do siste- cessitar de cirurgia para correção da malformação. O proce-
ma estomatognático e suas funções, a partir do relato de caso dimento cirúrgico ocorreu em 28/03/2005. Após a cirurgia,
de um RNPT com gastrosquise, alimentado por sonda e in- o RNPT foi atendido na UTI neonatal, no período de 29/03/
ternado em UTI neonatal. 2005 a 22/04/2005, fazendo uso de SNG até 03/04/2005 e
mantendo nutrição parenteral até 07/04/2005, quando ini-
APRESENTAÇÃO DO CASO ciou VO.
Na avaliação fonoaudiológica, o RNPT, mantido em ber-
Este estudo é do tipo observacional, exploratório, de caso, ço aquecido, encontrava-se na postura de decúbito dorsal,
contemporâneo, prospectivo e está vinculado a outro projeto com estado de consciência alerta, tônus da musculatura glo-
realizado na mesma instituição*, aprovado pelo Comitê de bal normal e boa estabilidade respiratória. Na avaliação dos
Ética do Grupo de Pesquisa da Universidade Luterana do órgãos do sistema estomatognático, foram observados lábios
Brasil – ULBRA, sob n° 2004-303H. com vedamento, língua no repouso no soalho da boca, lín-
As informações do paciente foram obtidas por meio de gua na sucção e deglutição com canolamento e mobilidade
consulta ao prontuário padronizado do serviço de Neona- funcional, bochechas simétricas e com coxins, mandíbula
tologia, de onde foram coletados dados da história gestacional retraída, palato duro normal, reflexos orais (busca, sucção,
e do parto, condições do bebê ao nascer, peso, data da deglutição, mordida, nauseoso) presentes. A SNN, avaliada
internação, intercorrências clínicas durante a internação, di- pela introdução do dedo mínimo enluvado na cavidade oral
agnósticos, uso de sondas para alimentação, condições clíni- do RN e por meio da chupeta convencional, apresentou como
cas gerais atuais e anotadas na ficha de levantamento de da- resultado um número de sucções/pausas de 8:1, com ritmo
dos (Anexo 1). A avaliação fonoaudiológica foi realizada, presente, com força adequada.

* O presente estudo está vinculado ao projeto “Caracterização do desenvolvimento da alimentação de bebês de risco internandos na UTI Neonatal”, sob
responsabilidade da fonoaudióloga Susana Elena Delgado.

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A primeira avaliação da SN na mamadeira, apresentou ções nutritivas acima de oito por grupo podem ser acompa-
sucções/pausa de 23:1, pausas longas, demorando um tempo nhados de alterações na freqüência respiratória(1). Esta alte-
de 10 min, aceitando 5ml dos 15ml prescritos. Foi observado ração pode influenciar a segurança da alimentação por VO,
sinal de estresse de alteração respiratória e reflexo de náusea interferindo na coordenação das funções de deglutição com
anteriorizado e exacerbado, demonstrando hipersensibilidade a respiração(11).
oral em resposta ao bico convencional da mamadeira. Dificuldade para sugar o peito da mãe, apesar de já de-
Na avaliação da SN no seio materno, o RN apresentou monstrar condições de sucção adequada na mamadeira, tam-
dificuldade, não conseguindo realizar a pega correta. Foram bém foi observada, possivelmente, comprovando o que os
realizadas manobras de ajuda para tentar facilitar o proces- autores referem sobre a dificuldade do neonato em exibir
so, mas o bebê não conseguiu sugar. Em 15/04/2005, a ali- uma configuração oral correta, com vedamento e padrão de
mentação passou a ser só por VO de 3/3 horas, aceitando sucção necessário para extrair o leite do peito. Entre as cau-
15ml dos 30ml prescritos, apresentando um ritmo de SN em sas para isto acontecer, assinaladas na literatura, destaca-se
10 seg de pausas de 6:1 com força adequada. o fato de ter sido apresentado ao RN um bico artificial, antes
A intervenção fonoaudiológica foi realizada sempre an- da amamentação natural ter acontecido com sucesso, fenô-
tes da alimentação e consistia em estimular a região peri e meno este denominado “confusão de bicos” (5,7).
intra-oral feita com o dedo mínimo enluvado, ou com a chu- Por intermédio da estimulação do sistema estomatog-
peta, visando melhora da função, ritmo adequado e amadu- nático, com manuseio peri e intra-oral e uso da chupeta, fo-
recimento do reflexo de sucção e coordenação, com ram realizadas as intervenções fonoaudiológicas com o ob-
deglutição e respiração, e propiciar a amamentação no seio jetivo de adequar a sensibilidade oral alterada, organizar a
materno. coordenação das funções de deglutição com respiração e es-
As orientações dadas à mãe sobre a amamentação foram timular a pega correta na mama da mãe. Os manejos foram
no sentido de continuar colocando o bebê no peito para esti- realizados com o RN em estado de alerta de forma organiza-
mular a pega correta, observando a postura dos lábios, a pos- da e por um período aproximado de cinco a dez minutos,
tura corporal e procurando manter contato visual, assim como antes da alimentação.
realizando carícias, propiciando, dessa forma, um bom vín- Alguns estudos(1,6,12-13) relataram os benefícios da estimu-
culo mãe-bebê. Além das orientações para incentivar a lação oral como facilitadora na transição da alimentação por
amamentação, a mãe foi informada sobre a importância do sonda para a VO. A SNN, quando realizada antes da dieta,
uso da chupeta e bico de mamadeira do tipo ortodôntico por leva a um melhor ganho de peso, uma vez que o RN estimu-
terem conformação mais semelhante com o bico do seio lado mama todo o volume prescrito com maior facilidade,
materno. ativa o comportamento reflexo de procura, sucção e deglu-
Em 22/04/2005, o RN recebeu alta hospitalar, mamando tição, favorecendo a alimentação por mamadeira ou seio
no seio materno e aceitando toda a quantidade de alimenta- materno mais precocemente, facilitando o vínculo mãe-bebê
ção prescrita na mamadeira. e alta hospitalar precoce(1,11-13). Isto se comprovou pelos re-
sultados obtidos com o RN do estudo, que recebeu alta sem
DISCUSSÃO alterações sensório motoras e mamando no seio materno
complementado com mamadeira.
Um dos principais objetivos da avaliação e intervenção A amamentação exerce um papel muito importante no
fonoaudiológica com RNPT, dentro da UTI Neonatal, é de- desenvolvimento do bebê. Além de ser a forma mais saudá-
terminar de forma segura o momento ideal para a transição vel de alimentação, proporciona um correto desenvolvimen-
alimentar da sonda para a VO. Portanto, é de extrema impor- to do sistema estomatognático e fortalece os laços afetivos
tância o conhecimento deste profissional dos fatores que entre a díade mãe-bebê. Já na prematuridade ou na privação
podem interferir neste processo(11). da via oral por tempo prolongado, muitas vezes, o aleita-
O processo pode não acontecer de forma natural se o RN mento materno é acompanhado de insegurança, ansiedade e
apresentar alterações como as que foram identificadas nas sofrimento(14).
avaliações realizadas no RNPT do caso apresentado, tais Alguns estudos(14-15) realizados com o objetivo de verificar
como: hipersensibilidade oral e reflexo nauseoso exacerba- os sentimentos de mães de prematuros em relação à
do – alteração provocada, provavelmente, pelo uso da sonda, amamentação, constataram que muitas das nutrizes entrevis-
pois segundo estudos relatados na literatura, os lábios e a tadas passaram por um período estressante, onde emergiram
língua possuem uma grande quantidade de receptores senso- conflitos contraditórios entre o discurso técnico e a prática de
riais que, quando expostos a estímulos sensoriais negativos, amamentar esse bebê. A dúvida, o medo da incapacidade de
resultantes de procedimentos como aspiração, intubação e manter a lactação por meio da ordenha, confrontados com as
uso de sondas oro ou nasogástricas, levam à hipersensibilidade orientações recebidas que enfatizavam a sucção no seio ma-
oral. Esse fator pode levar à recusa alimentar, retardando o terno, o receio de o bebê não conseguir pegar o peito, o
início da alimentação por VO(5,11). ingurgitamento mamário e a dor que acompanhava a ordenha,
Além disso, o paciente apresentou, quando da liberação eram sentimentos que faziam parte do cotidiano dessas mães,
da VO, um grupo de sucções nutritivas na mamadeira de 23:1, enquanto o bebê ainda não estava mamando no seio.
resultando em sinal de estresse de alteração respiratória, com- Sentimentos de angústia e ansiedade podem levar as mães
provando, assim, segundo a literatura, que grupos de suc- a questionamentos quanto à capacidade de alimentar seus

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bebês adequadamente, situação que pode levar ao desmame enta as mães sobre como devem amamentar corretamente,
precoce(15), se os profissionais que atuam junto às duplas não dando, desta maneira, o suporte necessário para que elas se
ficarem atentos aos aspectos psicossociais que envolvem a sintam seguras e acolham seus bebês. Com sua atuação, o
alimentação(1). Eles devem olhar cada mãe não como uma fonoaudiólogo auxilia no restabelecimento da unidade da
nutriz fracassada, e sim como uma mãe que está envolvida díade por meio da amamentação e favorece o desabrochar da
com sentimentos que geram emoção e contradição como re- mãe intuitiva e empática com seu bebê(15).
sultado da situação de ter um bebê prematuro e das dificul-
dades de ter que amamentá-lo(14). COMENTÁRIOS FINAIS
É necessário que os profissionais da equipe de saúde ajam
de forma a desenvolver confiança e tranqüilidade, mostran- Por intermédio da avaliação fonoaudiológica foi possível
do as mães destes bebês que a amamentação consiste em um detectar as alterações que poderiam levar ao fracasso da ali-
processo de aprendizagem que ocorre de forma gradual, no mentação por VO. A hipersensibilidade oral do RN, manifes-
qual alguns comportamentos dos prematuros são esperados(15). tada pelo reflexo nauseoso anteriorizado e exacerbado, e o
A equipe que atende aos bebês precisa estar consciente ritmo de sucções/pausa demonstrado pelo sinal de estresse de
da importância do afeto e respeito que estas mães e seus alteração respiratória, sugerem estar relacionadas, de acordo
filhos necessitam neste momento crítico de suas vidas. Ela com a literatura consultada, ao uso prolongado da sonda de
deve estar preparada para realizar a escuta daquilo que a mãe alimentação. A dificuldade do bebê em sugar o peito, tam-
está tentando mostrar, desempenhando, desta forma, a fun- bém, só foi possível de ser detectada a partir das observações
ção de mediadora na relação mãe-bebê, facilitando a cons- realizadas pelo fonoaudiólogo na assistência à alimentação.
trução do primeiro vínculo do RN, crucial para o desenvol- A intervenção fonoaudiológica realizada pela estimulação
vimento de sua saúde física e mental(15). dos órgãos do sistema estomatognático e da SNN, as orienta-
Levando em consideração todas as questões que envol- ções para a equipe de enfermagem, assim como o auxílio dado
vem a amamentação, as orientações dadas à mãe pelo a mãe, facilitando a pega correta no bico do seio, além das
fonoaudiólogo, foram realizadas com o objetivo de esclare- informações sobre a importância da amamentação para o de-
cer dúvidas, desenvolver confiança e tranqüilidade. Foi faci- senvolvimento global do bebê, comprovaram a importância
litada a postura corporal, evitando desconforto para a mãe e da atuação do fonoaudiólogo como membro da equipe dentro
esforço excessivo do bebê, uma vez que a posição inadequa- da UTI neonatal, uma vez que o RNPT do estudo de caso teve
da pode tornar a mamada ineficiente, gerando conflitos e alta sem alterações no sistema estomatognático, mamando no
frustrações(5). A mãe foi auxiliada para o bebê realizar a pega seio materno com complementação de mamadeira.
correta, assim como, informada sobre a importância do uso Embora o resultado da intervenção tenha sido positivo, é
de chupetas e bicos de mamadeiras ortodônticos para o de- importante ressaltar que idealmente o acompanhamento diá-
senvolvimento adequado dos órgãos do sistema estoma- rio do paciente poderia ter acelerado o estabelecimento da
tognático, por se assemelharem à conformação do bico do alimentação adequada. Porém, esta não é uma realidade no
seio, evitando, desta forma, o desmame precoce. Serviço, no qual foi realizado o estudo, podendo ser consi-
O fonoaudiólogo, como membro da equipe de saúde, ori- derado um fator de limitação.

ABSTRACT

The aim of this study was to describe the speech-language therapy regarding the adequation of the feeding function by assessing
and treating the stomatognathic system and its functions. The study was carried out based on a case report of a preterm newborn
infant with gastroschisis, who was tube fed while assisted in the Neonatology division of Lutheran Hospital, from 3/29/2005 to 4/
22/2005. The speech-language pathology assessment was carried out according to a standardized protocol used at the Neonatology
service, and showed the following results: the stomatognathic system structures, regarding posture, conformation and mobility,
were normal; oral reflexes were present; strength and rhythm were suitable during non-nutritional sucking; the oral sensitiveness
was impaired, with an anterior and overactive gag reflex; there was a sign of stress through breathing alteration during nutritional
sucking with the bottle, and difficulties in sucking during breastfeeding. Three weekly sessions of speech-language therapy were
carried out, and the nursing staff received orientations to continue the oral stimulation during the other days. In one of the sessions
the mother received orientations about the benefits of breastfeeding and the importance of the right use of pacifiers and orthodontic
bottle teats in order to promote an adequate development of the oral functions. The newborn was discharged with no oral alterations;
he was being breastfed and had bottle-feeding as complement, which suggests the effectiveness of speech-language pathology
intervention to the adequation of feeding functions.

KEYWORDS: Infant, premature; Gastroschisis; Breast feeding; Feeding behavior; Stomatognathic system

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Neonatologia: um convite à atuação fonoaudiológica. São Paulo: 2004;16(3):301-10.
Lovise; 1998. p.282-93. 12. Fucile S, Gisel E, Lau C. Oral stimulation accelerates the transition from
4. Migliónico AM. Estúdio exploratório sobre alimentación en bebés tube to oral feeding in preterm infants. J Pediatr. 2002;141(2):230-6.
prematuros [tese]. Rosário: Universidad Nacional de Rosário. Facultad Erratum in: J Pediatr. 2002;141(5):743.
de Ciencias Médicas. Escuela de Fonoaudiologia; 1999. 13. Simão KC, Mallet NR, Sant‘Anna GM, Ramos JR, Meio MD.
5. Sanches MTC. Manejo clínico das disfunções orais na amamentação. Estimulação sensório-motora oral em neonatos prematuros com peso
J Pediatr (Rio de J). 2004;80(5 Supl):S155-S162. de nascimento inferior a 1.501 g. Fono Atual. 2001;4(15):35-8.
6. Andrade ISN, Guedes ZCF. Sucção do recém-nascido prematuro: 14. Javorski M, Caetano LC, Vasconcelos MGL, Leite AM, Scochi CGS.
comparação do método mãe-canguru com os cuidados tradicionais. Rev As representações sociais do aleitamento materno para mães de
Bras Saúde Matern Infant. 2005;5(1):61-9. prematuros em unidade de cuidado canguru. Rev Latinoam
7. Neifert M, Lawrence R, Seacat J. Nipple confusion: toward a formal Enfermagem. 2004;12(6):890-8.
definition. J Pediatr. 1995;126(6):S125-9. 15. Delgado SE, Halpern R. Aleitamento materno de bebês pré-termo com
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fonoaudiológica. São Paulo: Lovise; 1998. p.213-33.

Anexo 1. Ficha de levantamento de dados

FICHA DE LEVANTAMENTO DE DADOS

1. Identificação do RN

Nome da mãe: ____________________________________________________________________________________________________

Nome do RN: ____________________________________________________________________________________________________

DN: _____________________ sexo: ____________________ Peso: _____________________ Data atual: _________________________

2. Manifestações do RN

Apgar: 1‘ _______________________ 5‘ ______________________ Peso ao nascer: ________________________________________

Comprimento: _____________________________________________ Idade gestacional: _______________________________________

Manobras de reanimação: ___________________________________________________________________________________________

Uso de sonda: ____________________________________________________________________________________________________

Alimentação atual: _________________________________________________________________________________________________

3. Resumo do caso:

_______________________________________________________________________________________________________________

4. Diagnóstico do Pediatra:

_______________________________________________________________________________________________________________

5. Outras informações:

_______________________________________________________________________________________________________________

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Intervenção em pré-termo com gastrosquise 61

Anexo 2. Avaliação fonoaudiológica

AVALIAÇÃO FONOAUDIOLÓGICA

Nome da mãe:
Identificação do paciente:
RN:
Data:
1. Observação pré-alimentação
Postura:
Estado de consciência:
Tônus da musculatura global:
Estabilidade respiratória:

2. Estruturas do SISTEMA ESTOMATOGNÁTICO:


Lábios: fissura ( ) assimetria ( ) direita ( ) esquerda ( ) superior ( ) inferior ( )
tônus ( ) c/vedamento ( ) s/vedamento ( )
Língua no repouso: postura > retraída ( ) protuída ( ) soalho da boca ( )
ponta na papila ( ) elevação de dorso ( ) assimetrias ( )
Língua na sucção e deglutição: canolamento ( ) mobilidade funcional ( )
mov. ântero-posterior ( ) protusão ( )
posteriorização ( ) clônus ( )
Bochecha: simétricas ( ) assimétricas ( ) direita ( ) esquerda ( ) colabadas ( )
coxins ( ) hipertônicas ( ) hipotônicas ( )
Mandíbula: retraída ( ) simétrica ( ) assimétricas ( ) abertura exagerada ( )
tremores ( ) travamento ( )
Palato duro: ogival ( ) atrésico ( ) fissura ( ) tipo:______________

3. Reflexos orais:
Busca:
Sucção:
Deglutição:
Mordida:
Reflexo nauseoso:

4. Sucção não-nutritiva:
Antes da alimentação:
Sucções x pausas:
Ritmo: presente ( ) desorganizado ( ) inconsistente ( )
Força: adequada ( ) moderada ( ) débil ( ) exagerada ( )
Pausas: rítmicas ( ) longas ( ) curtas ( )
Durante a alimentação com sonda:
Sucções x pausas:
Ritmo: presente ( ) desorganizado ( ) inconsistente ( )
Força: adequada ( ) moderada ( ) débil ( ) exagerada ( )
Pausas: rítmicas ( ) longas ( ) curtas ( )

5. Sucção Nutritiva:
Sucções x pausas:
Pausas: ausentes ( ) longas ( ) curtas ( ) adequadas ( )
Tempo de alimentação:_____________________________________
Sinais de estresse: escape de líquido ( ) alteração respiratória ( ) cianose ( )
Variação de tônus global ( ) sonolência ( ) palidez ( )

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62 Rocha MS, Delgado SE

Anexo 3. Ficha de observação da assistência à alimentação

FICHA DE OBSERVAÇÃO DA ASSISTÊNCIA À ALIMENTAÇÃO

RN : Localização na unidade:
Examinador:

Data/hora

Idade

Peso

Estado geral

Assistência ventilatória e outros

Intercorrência do dia

Alimentação sog/sng/vo eOutros

Volume aceitoVolume prescrito

Ritmo de sucção não nutritiva 10”

Ritmo de sucção nutritiva 10”

Mls. Sugados 15’

Estimulação intra-oral

Outros procedimentos

Observações

Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12(1):55-62

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