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Análise da pintura de José de Guimarães – 3 Fétiches

José Maria Fernandes Marques, considerado um dos maiores artistas plásticos


portugueses da Arte Contemporânea nasceu a 25 de novembro de 1939, na cidade de
Guimarães, onde viveu até 1957. Em 1958, já em Lisboa, iniciou os estudos no âmbito
da pintura e do desenho com Teresa de Sousa e Gil Teixeira Lopes. Frequentou os
cursos de gravura da Sociedade Cooperativa de Gravadores Portugueses onde conheceu
Hogan, Júlio Pomar, Almada Negreiros, Bartolomeu Cid dos Santos, entre outros.

Entre 1961 e 1966 realiza diversas viagens pela Europa, fixando-se em Angola por
razões de serviço militar, entre 1967 e 1974, envolvendo-se, mesmo assim, com os
discursos e práticas estéticas internacionais de 60, em particular com a exuberância
cromática da “Pop Art”, a qual conjugaria com alguns dos arquétipos culturais
angolanos.

Ao longo da sua vida e com as suas viagens pelo mundo foi “beber” e conjugar diversas
correntes artísticas como o fauvismo, o expressionismo, o pop art, o cubismo com a sua
própria arte, pois José de Guimarães tem um estilo único.

É visível que quando José de Guimarães se encontra com uma nova cultura, quando se
dá este choque cultural, o pintor deixa-se levar por essa mesma cultura e parece que
inicia um novo percurso na pintura, com referências à cultura que confronta no
momento, o que é visível noutras obras deste artista. Em primeiro lugar a cultura
africana que parece que foi a que mais marcou o seu percurso assim como traços da
cultura oriental e mexicana, culturas que conheceu nas suas viagens.

Esta pintura, 3 Fétiches de 1992 encontra-se no Museu da Guarda, mas pertence à


coleção do Novo Banco, uma coleção que foi constituída em 2017 a partir de um
conjunto disperso de obras, de origens e épocas diversas, provenientes de várias salas
da administração do Banco e de agências de norte a sul do país.

Segundo os dados do Novo Banco, foi utilizada nesta tela de 130 x 162cm uma técnica
mista.

Para compreender a obra de José de Guimarães é necessário um conhecimento mínimo


prévio sobre o mesmo, sobre o seu trajeto de vida enquanto pessoa e artista, dado que
na primeira vez que observei a obra “3 Fétiches”, apesar das pinceladas de cor , as
formas pictóricas e abstratas me causarem certo encanto, o mistério das mesmas
entranhava-se no pensamento, porque vejamos, qualquer sujeito que observe uma obra
mais abstrata e sem referências especificas no título , e mesmo que lhe cause alegria,
admiração não vai passar daí a sua compreensão se não souber nada daquilo que
representa e por isso fica só por apreciar, o que não deixa de ser belo , porque a arte é
para isso mesmo.

Numa primeira análise visual podemos ver na tela duas figuras: uma com
preenchimento a verde e a outra a vermelho. De forma sobreposta uns traços de uma
cara ou aquilo que parece uma máscara. Atrás dos mesmos um objeto oval a cinzento.
De fundo destas figuras temos a permanência de cores mais escuras como o preto, o
cinzento com umas pinceladas a vermelho por toda a obra.
Como não existe profundidade, as figuras patentes na obra e o fundo parece misturar-
se de forma a serem próximas de uma obra abstrata, mesmo apresentando traços
pictóricos.
Voltando a análise dos elementos presentes na obra, esta possível figura masculina a
verde apresenta-se de forma estática, ao contrário da figura predominante na obra, a
vermelho que se assimila a uma figura feminina devido à extensão do corpo da figura
como se esta estivesse a utilizar um vestido. Esta possível figura feminina apresenta-se
de boca aberta como se estivesse a comunicar com a outra figura. Além disso apresenta-
se de braços abertos que pode significar várias coisas.
A máscara (forma sobreposta) assume uma forma discreta, como se estivesse quase
camuflada mesmo sem a esconder de verdade.
Sabendo o trajeto do artista e o contato que teve com as culturas, conseguimos ter uma
maior compreensão das obras dele, o que tal não aconteceria se fossemos uma tábua
rasa relativamente a este assunto e aconteceria como eu já disse, ficaríamos só pelo ato
de observar o belo sem o mínimo de compreensão. Assim sendo, sabendo que teve um
confronto com a cultura africana, mexicana e oriental conseguimos extrair alguns
elementos desta obra.
Começando pelo título “3 Fétiches”, fétiche significa um objeto ao qual se presta
adoração, uma certa homenagem a um objeto que representa uma entidade espiritual e,
portanto, podemos atribuir a esta obra uma importância cultural religiosa por aquilo
que representa.
De seguida a forma da máscara sobreposta às duas figura pode representar assim uma
simbologia forte da cultura africana, as máscaras que são nesta cultura adereços
utilizados em cerimónias e rituais e têm grande importância religiosa. Lembremos que
as máscaras também eram utilizadas como agradecimento por vitória em confrontos e
sendo que José de Guimarães teve influência desta cultura numa época em que esteve
em Angola a cumprir serviço militar em Angola a cumprir serviço militar e que podia
então ser uma referência a algum conflito em que esteve envolvido. No entanto como
também esteve no México, a máscara aqui pode simbolizar algo semelhante. Também
religioso sim, mas utilizada de forma diferente. A máscara no méxico é vista como algo
sagrado e representa a celebração da vida e faz parte da identidade cultural deste povo,
sendo até património cultural imaterial da humanidade há alguns anos.
Uma curiosidade destas duas culturas é que as máscaras nas duas culturas estão
relacionadas ao contato com o mundo espiritual; na cultura africana utilizam-se as
máscaras para estabelecer contato com o mundo espiritual e os deuses, e no México as
máscaras estão associadas a uma celebração que como já disse se celebra a vida e onde
se dá permissão aos mortos para visitarem os vivos. Mais uma vez, uma conexão de
culturas, uma mistura de elementos de várias culturas nas obras de José de Guimarães
o que torna as suas obras muito mais interessantes no que diz respeito ao conteúdo da
obra e à sua simbologia.
Outro elemento supramencionado foi o objeto oval a cinzento por trás das duas figuras
que me remete de imediato a uma lápide. Pode representar aqui a
celebração/homenagem aos mortos como se faz no México como já referi ou
representar toda aquela gente que morreu na guerra colonial em Angola, onde o artista
esteve a combater e pode de alguma forma querer fazer referência a isso de forma a
homenagear os mortos ou algo ainda mais pessoal
Agora que mencionei as possibilidades que se criam nos vários elementos do quadro do
que é e o que poderá ser, falemos das duas figuras que ocupam a maior parte da tela.
A figura a vermelho que digamos ser feminina, parece a abraçar a figura masculina, que
parece contente de a ver, pode significar reencontro entre um casal, um amor à espera
que a guerra acabasse. Por momentos até parece que sinto a saudade que estas duas
figuras têm uma pela outra. Parece um reencontro feliz depois de tanto sofrerem com
as mortes ou com a separação por a figura a verde estar a combater pelo povo. Visto
que a pessoa está de braços abertos, pode significar ainda alguém que recebe alguém de
braços abertos como diz a expressão de forma educada para partilhar culturas e
conhecimentos, tal como José de Guimarães fazia nas suas viagens. O facto de que os
braços se apresentam abertos podem remeter-nos ainda a algo mais religioso como o
título da pintura o indica, portanto, estar a “adorar” a algo ou alguém.
Outra coisa que não podemos esquecer de falar é das cores que é isso que causa mais
impacto numa obra de arte. São elas que têm o poder de estimular o nosso cérebro de
várias formas, que foi o caso desta obra, o impacto da mistura de cores e aquilo que
associei de imediato, assim como associei depois de pensar sobre a simbologia de todas
as formas presentes na obra.
O vermelho, o verde, o cinzento-escuro e o preto são as cores que conseguimos observar
em 3 Fétiches.
O vermelho e o verde que são as cores predominantes podem significar no seu conjunto
o país de origem do pintor que é Portugal, as cores da bandeira portuguesa ou as cores
que representam o México e que se encontram igualmente na sua bandeira.
De forma individual o vermelho é uma cor intensa e representa emoções intensas, é a
cor do amor, da paixão, do sangue, da violência, portanto visto que é a tal figura
feminina que está na cor vermelha pode significar como já foi referido o amor que por
norma está sempre associado à mulher, pode significar a violência existente na guerra
colonial e todo o sangue derramado, pode ainda significar a energia e alegria que esta
forma demonstra ao ver a figura a verde.
A cor verde pode significar a esperança que o sujeito masculino sentiu ao ver por
terminada a guerra e esperança naquilo que o fim da mesma significaria ou a esperança
do novo amor mudar a sua vida. Pode significar ainda a natureza que é aquilo que o
artista encontra nas viagens a estas culturas.
Ainda na cor verde consigo perceber uma forma de equilíbrio entre as duas formas
diferentes na obra, sendo a forma feminina a vermelho uma figura alegre e com os
sentimentos a flor da pele, uma figura mais emotiva, a figura verde faz referência a um
equilibro que tem de haver no casal, alguém com os “pés mais assentes na terra”, e por
isso a tal posição estática desta forma.
Relativamente à cor cinza, presente na figura oval à qual associei a uma lápide, mesmo
tratando-se de uma cor neutra podemos associar aqui a uma tristeza emocional de
perder alguém ou talvez a tranquilidade que sentem por essa pessoa que partiu não
estarem a sofrer e por isso a tal celebração dos mortos.
Por fim a cor preta que se encontra como fundo, pode simbolizar todo o mal existente
na vida do pintor ou dos povos das culturas ali representadas, pode representar mais
uma vez a morte ou a solidão e por isso que as duas figuras se apresentam sobrepostas
ao fundo, afugentando-se dessa mesma solidão que antes sentiam, podendo agora
apoiar-se um no outro e mais uma vez as tais expressões faciais.

Concluindo, “3 Fétiches” apresenta-se assim uma obra de arte bastante interessante e


após conhecer a vida do artista mais ainda pois conseguimos estabelecer várias
referências a todas estas culturas, aqui mais propriamente a cultura africana e a
mexicana.
Como ele diz “a arte é uma linguagem que não necessita de tradutor" e a sua obra "não
se encaixa em designações rigorosas" e por isso creio que cada leitor pode imaginar
tudo o que quiser e o que interessa é apreciar a arte tal como ela é. Sem explicações
porque se as pedirmos também não as vamos conseguir.

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