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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS

2ª Promotoria de Justiça da Comarca de Goiás


Rua Luiz do Couto, n.º 01, antiga Casa de Fundição, Goiás/GO.
CEP 76.600-000. Telefone: (62) 3371-2349/2288
E-mail: 2goias@mpgo.mp.br; Internet: www.mpgo.mp.br

À EXCELENTÍSSIMA SENHORA JUÍZA DE DIREITO DA VARA CÍVEL DA


COMARCA DE GOIÁS-GO

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIAS, por sua


Promotora de Justiça que esta subscreve, no uso de suas atribuições
constitucionais e legais, insertas no artigo 129, inciso III, da Constituição
Federal; pelo artigo 25, inciso IV, alínea “b”, da Lei Federal nº 8.625/93 (Lei
Orgânica Nacional do Ministério Público); pelo artigo 5°, I, da Lei nº 7.347/85; e,
pelo artigo 17, da Lei nº 8.429/92, embasado nos documentos do Inquérito Civil
Público oriundo desta Promotoria de Justiça em anexo, vem perante VOSSA
EXCELÊNCIA, ajuizar a presente:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR DANO MORAL COLETIVO

em desfavor de MÁRCIO ANTONIO SOUZA JÚNIOR,


brasileiro, médico, com endereço na Praça da Bandeira, n. 01, Setor Central,
Cidade de Goiás-GO.

1 – DOS FATOS

Extrai-se dos autos do Inquérito Civil, autuado nesta


Promotoria de Justiça sob o nº 2022002256866, que em fevereiro de 2022, o

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Dr. Márcio Antônio Souza Junior publicou na rede social denominada


"Instagram", um vídeo em que filma uma pessoa negra acorrentada e
algemada, explanando: "aí ó (sic), falei pra estudar, não quer, então vai ficar
na minha senzala, aí ó (sic), vamos ver se não estuda, prender - risos - aí, se
tentar fugir… tenta fugir Camarão (...) pode ir embora (…)";

O referido vídeo, como é usual nas redes sociais, foi


extremamente compartilhado, tomando proporções nacionais. Conforme se vê
no movimento 10 dos citados autos investigativos, há inúmeras notas de
repúdio proferidas por órgãos públicos, a exemplo da Defensoria Pública do
Estado de Goiás e a Prefeitura Municipal da Cidade de Goiás.

Além disso, o fato fora amplamente noticiado na imprensa


nacional, sempre destacando a repercussão social do acontecido, já que
explicitamente remete ao passado escravocrata brasileiro, vez que demonstra
um homem negro acorrentado em um recinto fechado. Logo após, o requerido
afirma que o rapaz se encontra nesta situação porque optou por não estudar e,
sendo assim, ficaria em sua “senzala”.

A título de exemplo, leia-se as seguintes reportagens:

BHAZ: “Um médico de Goiás tornou-se alvo de críticas nas redes sociais,
nesta quarta-feira (16), depois que um vídeo publicado por ele no
Instagram ganhou repercussão no Twitter. Nas imagens, é possível ver que
o homem chega a um espaço, parecido com uma fazenda, e mostra outro
acorrentado, pelas mãos, pés e até mesmo no pescoço. O registro provoca
repulsa e indignação e a Polícia Civil do estado apura o caso (veja detalhes
abaixo). (...) Nas redes sociais, o registro é repudiado por todo o contexto,
mas principalmente pelas falas do médico e o fato de acorrentar uma
pessoa negra. “Inacreditável um absurdo desse, alguém está esperando o
que pra tomar uma providência?”, questionou um internauta. “Revoltante,
estou sem palavras”, comentou outro. “Depois dizem que não existe
racismo”, ponderou um terceiro.

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Carta Capital: Polícia de Goiás investiga médico que acorrentou e mandou


homem negro ‘ficar na senzala’ O autor do vídeo ri de suposto funcionário
que aparece com as pernas acorrentadas, algemas e uma argola de ferro
no pescoço. Um médico da cidade de Goiás (GO) publicou um vídeo em
suas redes sociais no qual supostamente submete um funcionário a
situação análoga à escravidão. No registro, Márcio Antônio Souza Júnior,
conhecido como Doutor Marcim, diz: “Falei pra estudar, não quer... Então
vai ficar na minha senzala”, referindo-se a um homem negro que aparece
com correntes nos pés, algemas e uma argola de ferro no pescoço. Em
outro momento, o autor do vídeo acrescenta, rindo: “Tenta fugir, vai
embora”...

Mais Goiás: Um médico da Cidade de Goiás está sendo investigado por


constrangimento ilegal e injúria racial após ter filmado um homem negro
acorrentado, em situação análoga à escravidão. No vídeo, o rapaz aparece
preso com correntes nos pés e algemado. “Falei para estudar, mas não
quer. Então vai ficar na minha senzala”, diz o médico na filmagem.
Segundo a Polícia Civil, o vídeo foi filmado em um cômodo da fazenda do
médico e publicado por ele mesmo, nesta terça-feira (15), nas redes
sociais. Depois que a filmagem viralizou na internet, muitas pessoas
denunciaram o caso à polícia. Em outro trecho do vídeo, o profissional
acrescenta: “tenta fugir, pode ir embora” e o homem acorrentado também ri.

SBT News: Homem negro foi filmado algemado e acorrentado no pescoço


e pés. Vídeo foi publicado pelo próprio suspeito. "Falei para estudar, mas
não quer. Então vai ficar na minha senzala", afirma, rindo, um homem
branco a um homem negro filmado acorrentado nos pés e no pescoço e
algemado nas mãos. A cena poderia remeter ao tenebroso tempo da
escravização, mas foi registrada em Goiás, em 2022. "Falei para estudar,
mas não quer. Então vai ficar na minha senzala", afirma, rindo, um homem
branco a um homem negro filmado acorrentado nos pés e no pescoço e
algemado nas mãos. A cena poderia remeter ao tenebroso tempo da
escravização, mas foi registrada em Goiás, em 2022 (..).

1.1 – DA REPERCUSSÃO SOCIAL DOS FATOS

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Para a perfeita compreensão dos danos causados pela


conduta do requerido, esta promotoria de justiça colheu depoimentos de
diversos membros da comunidade vilaboense e de outras localidades, a
maioria atuantes na defesa do repúdio ao racismo.

Nesse contexto, a Sra. Alessandra Rodrigues de Jesus,


Coordenadora do Coletivo de Mulheres Negras da Cidade de Goiás, explanou
de maneira clara acerca dos graves danos causados pela conduta do réu.

Em sua oitiva, defendeu que os fatos retratados no vídeo em


questão reforçam no imaginário popular a imagem da pessoa negra ligada a
um lugar de subalternidade, privada de qualquer dignidade e respeito.

Além do mais, asseverou que a vítima de tal conduta de forma


alguma se restringe à pessoa retratada nas imagens, eis que o coletivo de
pessoas afetadas transborda qualquer individualidade.

Em arremate, aduziu que a punição, ao menos pecuniária, é


um instrumento legítimo, para que seja feita justiça ao caso.

Sob o mesmo tom, são as considerações da Sra. Karla


Alessandra Alves de Souza, Presidente da Associação Anunciando a
Consciência Negras com Meninos de Angola, a qual reverberou que a situação
do vídeo é “racismo explícito”.

Agitou, ainda, a tese de que o racismo no solo pátrio apresenta


uma feição estrutural, já que engendrada no imaginário popular, notadamente
na Cidade de Goiás, construída por bandeirantes, indígenas e escravos.

Assim, há uma propensão da população vilaboense em


minimizar a situação, dada a relação clientelista ainda existente por parte de
algumas pessoas para com a família do réu.

Por seu turno, a Sra. Iolanda Divina de Aquino Leite, Secretária


das Mulheres, Juventude, Igualdade Racial e Direitos Humanos da Cidade de
Goiás, relatou que na data dos fatos recebeu diversos pedidos de providências

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quanto ao vídeo, e o órgão público expediu nota de repúdio e enviou solicitação


de investigações ao Ministério Público Federal, Estadual e do Trabalho.

A vereadora Elenizia da Mata de Jesus constatou que o vídeo


retratou verdadeiro racismo recreativo, ao reproduzir uma cena a qual o Brasil,
há mais de 130 anos, decidiu repelir.

O Dr. José Vicente, Reitor da Universidade Zumbi dos


Palmares, manifestou que a cena retratada claramente se remetia à
escravidão, dados os elementos que o compõe, tais como os grilhões e
correntes amarradas na vítima imediata. Ademais, menciona a existência de
severos danos decorrentes da conduta do réu, não só na Cidade de Goiás,
mas em todo o âmbito nacional e, possivelmente, internacional.

O professor Domingos Barbosa dos Santos, o qual tomou


conhecimento dos fatos pelo Jornal Nacional, programa veiculado pela
emissora Rede Globo, argumentou que se trata, indubitavelmente, de racismo
recreativo, e que entende que houve um dano moral coletivo, eis que a fala e o
vídeo reverberam em todo o mundo.

À vista de todo o exposto, torna-se imperioso o reconhecimento


da grande repercussão dos fatos em deslinde, eis que para além da pessoa
retratada no vídeo, fere uma coletividade de pessoas, impondo-se as
consequências jurídicas de mister.

Ante a narração dos fatos, passa-se às consequências


jurídicas.

2 - DO DIREITO

2.1) DA LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO

O Ministério Público, por força do que dispõe o artigo 127 da


Constituição da República, possui a relevante missão institucional de defender

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a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais


indisponíveis.

Em função de norma constitucional (art. 129, inciso III, da CF),


também foi conferido ao Parquet a competência de promover o inquérito civil e
a ação civil pública para proteção do patrimônio público e social, do meio
ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, disposição igualmente
inclusa na Constituição do Estado de Goiás, em seu art. 117, inciso III.

Nesta seara, o artigo 5°, inciso I, da Lei 7.347/1985, dispõe que


“Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: I - o
Ministério Público”

Patente, portanto, que o Ministério Público é parte legítima para


aforar Ação Civil Pública visando buscar reparação pelo dano moral coletivo
ocasionado pela conduta do réu.

2.2) DO PASSADO ESCRAVOCATA NACIONAL

Como é sabido, o Estado brasileiro possui uma mancha


histórica de mais de 353 anos de escravidão, em que a importação de pessoas,
tratadas como verdadeiras mercadorias, era coisa do cotidiano nacional.

Segundo historiadores, em 1535 chegou a Salvador-BA, o


primeiro navio com negros escravizados ao Brasil. Este ano marcaria o início
da maior vergonha do passado nacional: a escravidão.

Tal mácula em nosso passado só terminaria 353 anos depois


com a Lei Áurea.

As primeiras pessoas a serem escravizadas na antiga colônia


Portuguesa foram os indígenas. Ao longo dos anos, tal mão de obra foi
substituída pela dos negros africanos que eram capturados em possessões

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portuguesas como Angola e Moçambique, e regiões como o Reino do Daomé,


trazidos à força ao Brasil para serem escravizados.

Na cidade de Goiás, esse passado não foi diverso.

As ruas de pedra que dão o ar pitoresco a esta cidade, as


paredes grossas de adobe que estão presentes nas igrejas e nas casas do
centro histórico e que abrigam, inclusive, a sede deste Ministério Público, são
representações claras e incontestáveis que nosso passado foi forjado às custas
de sangue, suor e lágrimas de negros, negras e dos povos indígenas.

Não há como visitar a antiga capital de Goiás sem sentir o peso


desse fardo histórico que o Brasil tenta esquecer sem indenizar.

Os negros foram expulsos das senzalas e tomaram lugares nas


favelas e nas periferias de nossas cidades, impedidos de votar e de exercer
qualquer cidadania.

Se o Império do Brasil teve sua existência intimamente ligada a


origem escravocrata, a República nasce sendo censitária, antidemocrática e
racista.

Segrega-se o negro do centro do poder político, histórico,


cultural e de conhecimento cientifico para que este povo não pudesse ter
oportunidades de competir de igual para igual com aqueles que não foram
escravizados, demonizados e expurgados de suas dignidades.

Tal passado, presente nas paredes desta Sede, esconde um


fator importante e que é esquecido: a escravidão durou 353 anos e do seu fim
até a presente só se passaram 134 anos.

O Brasil enquanto país viveu mais tempo com a existência de


escravos do que sem.

2.3) O ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO E A TEMÁTICA DO RACISMO

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Em uma simples leitura da Carta Política de 1988, é possível


vislumbrar o rechaço do constituinte pátrio a todas as formas de racismo,
sentimento pessoal e coletivo de discriminação de determinado grupo social
por características que lhes são próprias.

Nessa perspectiva, dispõe o texto constitucional, em seu art.


4°, que a República Federativa do Brasil se rege nas suas relações
internacionais pelo princípio do repúdio ao racismo, o qual, consoante art. 5°,
inc. XLII, da Carta Constitucional, constitui crime inafiançável e imprescritível,
sujeito à pena de reclusão.

Em uma decida na ordem normativa escalonada brasileira,


tem-se que o Brasil é signatário da Convenção Internacional sobre Eliminação
de todas as formas de Discriminação Racial, promulgada em 10.12.1969, a
qual conceitua discriminação racial como “qualquer distinção, exclusão,
restrição ou preferência baseadas em raça, côr, descendência ou origem
nacional ou étnica que tem por objetivo ou efeito anular ou restringir o
reconhecimento, gôzo ou exercício num mesmo plano, (em igualdade de
condição), de direitos humanos e liberdades fundamentais no domínio político
econômico, social, cultural ou em qualquer outro domínio de vida pública”.

Além do mais, tem-se a Lei 7.716 de 1989, a qual define os


crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor.

À luz do narrado, tem-se que o Estado brasileiro, com a


finalidade de repudiar veementemente qualquer conduta discriminatória em
razão da cor da pele, sobretudo ante o passado escravocrata brasileiro, ainda
presente no imaginário popular, institui diversas normativas, nos planos
Constitucional, supralegal e legal.

Nesse sentido, condutas como a exposta no vídeo em questão,


a qual reforça estereótipos ainda viventes no seio do imaginário popular
brasileiro, devem ser coibidas de maneira punitiva e educativa no âmbito do
Poder Judiciário.

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2.4) DO DANO MORAL COLETIVO

A ordem jurídica brasileira consagra que a ação ou omissão


voluntária, negligente ou imprudente, que acarreta dano a outrem, configura ato
ilícito, ainda que a lesão seja exclusivamente moral.

O denominado dano moral coletivo está atrelado à 3ª geração


do constitucionalismo: a solidariedade - e estará presente quando houver
violação a direitos personalíssimos em seu aspecto individual homogêneo ou
coletivo em sentido estrito, em que as vítimas são determinadas ou
determináveis. O dano moral coletivo constitui, assim, lesão a valores coletivos
da comunidade, como consequência de comportamento antijurídico do agente.

O instituto jurídico do dano moral coletivo é assim conceituado


por Flávio Tartuce, em seu Manual de Direito Civil, ed. 11°, 2022:

O dano moral coletivo surge como outro candidato dentro da ideia de


ampliação dos danos reparáveis. O seu conceito é controvertido, mas ele
pode ser denominado como o dano que atinge, ao mesmo tempo, vários
direitos da personalidade, de pessoas determinadas ou determináveis
(danos morais somados ou acrescidos)

Tendo por base o conceito narrado, simples se torna a


conclusão de que a conduta do requerido causou extremo prejuízo à
consciência do corpo social sobre o dever de repúdio à discriminação social.

O médico, ao retratar uma pessoa preta acorrentada,


debochando de sua situação, remete-se ao capítulo mais bárbaro da história
nacional, causando um abalo psíquico em um coletivo de pessoas
determináveis, não apenas na Cidade de Goiás, mas no País como um todo.

Nesse sentido, vê-se o enorme prejuízo social que tal ação


causa, já que faz chacota de situação extremamente reprovável, transbordando
qualquer limite da liberdade de expressão.

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Importante ressaltar que o citado dano coletivo, apesar de


evidente, não precisa ser provado, já que consistiria em verdadeira prova
diabólica.

Veja-se entendimentos do STJ sobre o tema:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM


RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INDENIZAÇÃO POR
DANOS MORAIS COLETIVOS. MATERIAL PUBLICITÁRIO.
INFORMAÇÕES DUVIDOSAS. LESÃO A VALORES FUNDAMENTAIS.
NÃO OCORRÊNCIA. DECISÃO MANTIDA.
1. Segundo a jurisprudência desta Corte Superior, "se, por um lado, o
dano moral coletivo não está relacionado a atributos da pessoa
humana e se configura in re ipsa, dispensando a demonstração de
prejuízos concretos ou de efetivo abalo moral, de outro, somente
ficará caracterizado se ocorrer uma lesão a valores fundamentais da
sociedade e se essa vulneração ocorrer de forma injusta e intolerável"
(REsp 1502967/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA,
julgado em 07/08/2018, DJe 14/08/2018). 2. No caso dos autos, a
vinculação de material publicitário com informações duvidosas, capazes de
induzir o consumidor a erro, não configura lesão a valores fundamentais da
sociedade 3. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp
2160486 / PR AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO
ESPECIAL 2022/0198128-0 Relator Ministro ANTONIO CARLOS
FERREIRA. – Grifo Nosso

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OMISSÃO. AUSÊNCIA.


DANO MORAL COLETIVO. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS.
COMPATIBILIDADE. DANO MORAL COLETIVO. AFERIÇÃO IN RE IPSA.
CAIXAS ELETRÔNICOS INOPERANTES. FALTA DE NUMERÁRIO.
DESABASTECIMENTO. EXCESSIVA ESPERA EM FILAS POR TEMPO
SUPERIOR AO LIMITE PREVISTO EM LEI MUNICIPAL. REITERAÇÃO
DAS CONDUTAS. DANO MORAL COLETIVO CARACTERIZADO. VALOR
DA COMPENSAÇÃO. RAZOABILIDADE. JUROS DE MORA. TERMO
INICIAL. EVENTO DANOSO. ASTREINTES. BIS IN IDEM.
PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. MULTA DIÁRIA. VALOR
ARBITRADO. SÚMULA 7 DO STJ. SÚMULA 284 DO STF. DISSÍDIO

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JURISPRUDENCIAL PREJUDICADO. 1- Recurso especiais interpostos em


30/09/2019 e 19/09/2019 e conclusos ao gabinete em 26/3/2021. 2- Os
propósitos recursais consistem em dizer se: a) o acórdão recorrido conteria
omissão; b) é possível a condenação ao pagamento de danos morais
coletivos em demanda em que se discute direitos individuais homogêneos;
c) em demanda em que se discute a caracterização de dano moral coletivo
é necessária a prova concreta do dano; d) a reiterada existência de caixas
eletrônicos inoperantes, sobretudo por falta de numerário, e o consequente
excesso de espera em filas de agências bancárias por tempo superior ao
estabelecido em legislação municipal são causas suficientes de dano moral
coletivo; e) o valor arbitrado a título de compensação pelos danos morais
coletivos é excessivo; f) os juros de mora devem incidir a partir da sentença
que constituiu a obrigação de compensar os danos morais coletivos ou da
citação na ação civil pública; g) a imposição de multa diária configura bis in
idem, tendo em vista que a Lei Municipal nº 2.111/2002, da cidade de
Araguaína/TO, já estabelece punição para a hipótese de vício de qualidade
no serviço bancário prestado; e h) o valor fixado a título de multa diária
seria excessivo. 3- Na hipótese em exame é de ser afastada a existência
de omissão no acórdão recorrido, pois as matérias impugnadas foram
enfrentadas de forma objetiva e fundamentada no julgamento do recurso,
naquilo que o Tribunal a quo entendeu pertinente à solução da
controvérsia. 4- Não bastasse ser possível cumular, na mesma ação
coletiva, pretensões relativas a diversos interesses transindividuais, é
forçoso concluir que, na espécie, não se está a tratar de ofensa a direitos
individuais homogêneos, mas sim a direitos difusos com a imposição de
obrigação de fazer e de compensar os danos morais coletivos perpetrados.
5- Ao contrário do que argumentam as recorrentes, a
responsabilização por dano moral coletivo se verifica pelo simples
fato da violação, isto é, in re ipsa, não havendo que se falar, portanto,
em ausência de prova do dano na hipótese em apreço. 6- A inadequada
prestação de serviços bancários, caracterizada pela reiterada existência de
caixas eletrônicos inoperantes, sobretudo por falta de numerário, e pelo
consequente excesso de espera em filas por tempo superior ao
estabelecido em legislação municipal, é apta a caracterizar danos morais
coletivos. 7- Na hipótese, não se evidencia a exorbitância apta a permitir a
redução do valor fixado pela Corte de origem a título de compensação
pelos danos morais coletivos, porquanto entende-se razoável o quantum
fixado correspondente a R$ R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) para cada

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instituição financeira. 8- Na hipótese de danos morais coletivos, os juros de


mora devem incidir desde o evento danoso, notadamente por não se tratar,
na espécie, de responsabilidade civil contratual. 9- Quanto a alegação de
que a imposição de multa diária configuraria bis in idem, tem-se, no ponto,
inviável o debate, porquanto não se vislumbra o efetivo prequestionamento,
o que inviabiliza a apreciação da tese recursal apresentada, sob pena de
supressão de instância. 10- A jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça consolidou o entendimento de que o valor arbitrado a título de
astreintes somente pode ser revisto excepcionalmente, quando irrisório ou
exorbitante, sob pena de ofensa ao disposto na Súmula 7 do STJ. 11- A
parte recorrente não logrou êxito em demonstrar a exorbitância do valor
fixado a título de multa diária, limitando-se a tecer considerações genéricas
sem desenvolver argumentação jurídica capaz de conferir sustentação à
tese engendrada, o que atrai, por analogia, a incidência da Súmula 284 do
STF. 12- No que diz respeito a interposição dos recursos pela alínea "c" do
permissivo constitucional, importa consignar que não se pode conhecer dos
recursos pela referida alínea, uma vez que pretendem as partes recorrentes
discutir idêntica tese já afastada, ficando prejudicada a divergência
jurisprudencial aduzida. 13- Recursos especiais parcialmente conhecidos e,
nesta extensão, não providos. (REsp 1929288 / TO RECURSO ESPECIAL
2021/0087575-0 Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI – Grifo Nosso

O presente caso é um típico exemplo de conduta que ofende


sobremaneira os valores fundamentais da sociedade brasileira, notadamente
quando perpetrada na Cidade de Goiás, local histórico que ainda guarda as
marcas do passado escravista brasileiro.

Assim, presentes a conduta, o nexo causal, o dolo do agente,


assim como o dano, a reparação é a medida mais justa, devendo o quantum
indenizatório servir para a devida repreensão da conduta e educação particular
do requerido e de toda a sociedade.

3 – DOS PEDIDOS

Com estribo na fundamentação fática e jurídica deduzida nesta


peça inaugural, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS requer a
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prestação de uma tutela jurisdicional cabível, para tanto, apresenta os


seguintes pedidos e requerimentos:

a) seja a presente inicial recebida, autuada e processada, com


os documentos que a acompanham, na forma da Lei 7.347/1985.

b) A citação do requerido, junto ao endereço fornecido, para,


querendo, contestar a presente ação;

c) seja o pedido julgado procedente em todos os seus termos,


para a condenação do Dr. MÁRCIO ANTONIO SOUZA JUNIOR em R$
2.000.000,00 (dois milhões de reais), a título de danos morais coletivos.

Protesta provar o alegado por todos os meios de prova em


direito admitidos, especialmente perícias, testemunhas e juntada de novos
documentos.

Dá-se à causa o valor de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de


reais).

Termos em que pede deferimento

Goiás, datado e assinado eletronicamente pelo sistema ATENA.

Luciene Maria Silva Oliveira Otoni


Promotora de Justiça

Testemunhas:
1 – Karla Alessandra Alves de Souza, Presidente da Associação Anunciando a
Consciência Negras com Meninos de Angola.

2 – Iolanda Divina de Aquino Leite, Secretária das Mulheres, Juventude, Igualdade


Racial e Direitos Humanos da Cidade de Goiás.

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS
2ª Promotoria de Justiça da Comarca de Goiás
Rua Luiz do Couto, n.º 01, antiga Casa de Fundição, Goiás/GO.
CEP 76.600-000. Telefone: (62) 3371-2349/2288
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3 – Dr. José Vicente, Reitor da Universidade Zumbi dos Palmares.


4 – Domingos Barbosa dos Santos, professor.

Documentos:
- Cópia dos autos de n° 202200060370

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