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A Relação Entre A Autoria e A Orientação No Processo de Elaboração de Teses e Dissertações
A Relação Entre A Autoria e A Orientação No Processo de Elaboração de Teses e Dissertações
Há vinte anos pesquisamos sobre as diversas dimensões da escrita e do processo de escrever. Numa
primeira etapa, de maneira teórico-conceitual, partindo dos domínios da psicanálise e da lingüística para
explorar outras disciplinas e, mais recentemente, também por meio de práticas de laboratório de escrita
(incluindo pesquisas participativas de campo e experienciais). Na fase atual estamos voltados ao
desenvolvimento de estratégias para promover a autoria, pesquisando e trabalhando os obstáculos que se
interpõem entre o sujeito e sua escrita, as razões do pânico da folha em branco e os estopins capazes de
desencadear uma escrita criativa. Nessa caminhada temos, com freqüência, trabalhado com mestrandos, seja
em grupo ou individualmente, bem como, com interessados em aprimorar suas competências scriptológicas,
vindos de qualquer área profissional ou acadêmica.
Essa trajetória levou-nos a detectar na atividade do orientador de teses e dissertações, a
figura que desempenha papel crucial, na academia, no processo subjetivo de tornar-se autor.
Cabe lembrar que, para a maioria dos cidadãos que se inscrevem num mestrado, a dissertação é
a primeira obra de fôlego que produzem e também a condição fundamental para obter a
titulação. Sabemos também quão elevado é o índice de pós-graduandos que obtém os créditos
mas não conseguem escrever suas teses ou dissertações, gerando frustração e ônus, tanto para
os programas como para os indivíduos.
Uma vez que este artigo destina-se a um público de profissionais ocupado e
preocupado com a educação, decidimos apresentar nossas descobertas, no diálogo com alguns
autores, dessa área, escolhidos porque dedicaram, em artigos ou capítulos de livros, algumas
páginas ou alguns parágrafos a temas, direta ou indiretamente, associados à função do
orientador de teses e dissertações ou próximos da autoria..
Tais textos foram selecionados a partir da consulta a aproximadamente 80 obras sobre pesquisa ou
metodologia científica, do acervo da biblioteca da PUC/RS, além do conjunto de seis artigos, enfocando
explicitamente o processo de orientação, que detectamos na bibliografia brasileira. Evidentemente, o
levantamento não pode ser considerado exaustivo nem absolutamente atualizado, mas servirá como ponto de
partida para a discussão do problema, que nos parece urgente e fundamental, no atual momento brasileiro.
Apenas uma pequena parcela dos fragmentos selecionados será aproveitada aqui, dados os limites
estabelecidos.
1 Psicanalista e Pesquisadora, Dra em Ciências da Linguagem pela Universidade de Paris X, Coordenadora do 1o Laboratório
de Escrita do Brasil.
Comecemos por duas declarações bastante contundentes. A primeira, de Miriam
Warde (1997, p. 164): “Não se cria da noite para o dia um orientador”. E a segunda, de
Haguette (1994, p. 157): “Algumas crenças vinculadas ao senso comum nos meios
universitários conduzem a aceitação do princípio de que todo doutor é um bom orientador”.
Haguette (1994, p. 163) vai ainda mais longe na sua denúncia, ao dizer:
nem todo doutor é pesquisador. Suspeito, ao contrário, que a grande maioria deles
encerra sua carreira na pesquisa ao obter aquela titulação. Entendo por pesquisador o
profissional que desenvolve com regularidade a atividade de campo dentro de um
processo continuado de geração de conhecimento ao longo de sua vida acadêmica (ou
fora dela.).
Regina Célia Pagliuchi (1997, p. 160) afirma que “para nossos universitários, em geral, o
discurso científico de pesquisa só é exigido e muito pouco ensinado durante as orientações de
dissertações de mestrado e teses de doutorado”. Cabe salientar que a primeira condição
(certamente não a única mas a básica) para elevar um discurso ao estatuto de científico é que
ele seja escrito, quando não, estritamente simbólico, como no caso da formalização matemática
que, diga-se de passagem, também é da ordem das marcas e registros como a escrita.
Assim, podemos dizer que, na legítima intenção de produzir conhecimentos, escrever
faz parte do instrumental de base. Mas é só tardia e muito lentamente, nos mestrados e
doutorados, principalmente da década de 1990, que esta condição vai ficando cada vez mais
evidenciada como fundamental. Intuída sua importância pelos orientadores mais antigos, a
consciência da relevância dos processos de escrita na produção científica cresce dia a dia, o que
se percebe, também, na tendência dos novos livros sobre pesquisa e dos inúmeros manuais
contemporâneos, cujos títulos se acumulam no sentido de abordar os procedimentos de
elaboração de dissertações, teses e monografias. Note-se que começamos a entender que
escrever é uma ferramenta para a elaboração de idéias, para a construção e criação de conceitos
e não intervém apenas, como se pensava, na formatação final. Muitos ainda pensam que a
escrita entra apenas no que chamam de redação final, que só seria empreendida quando o
trabalho está praticamente pronto. Nessa concepção, a escrita é mero acessório ou enfeite e é
desperdiçada na sua função essencial de ferramenta do pensamento, que o torna visível, para
quem o formula e para os outros e torna-se, dessa maneira, passível de ser trabalhado.
Quanto à orientação, ela é uma função típica da pós-graduação e se dá, com força, após
o término das disciplinas. Mas em nossos dias, começa a existir, também, na graduação, à
medida que a maioria dos cursos está introduzindo um trabalho de conclusão ou uma
monografia final. Os professores da graduação, que muitas vezes não tiveram que escrever esse
tipo de monografia e não necessariamente concluíram seu mestrado, estão sendo,
progressivamente, empurrados para o exercício da função da orientação sem, entretanto, ter
qualquer preparo para ela. E convém aqui lembrar que, quando se orienta uma monografia,
tese ou dissertação, boa parte do trabalho em questão é a elaboração de uma obra escrita, sem
a qual a pesquisa, por mais importante que seja, não poderá ser apreciada, nem avaliada, nem
aproveitada. Toda pesquisa precisa tomar uma forma material visível, para que possa circular,
ser lida, aprimorada, contrariada ou utilizada. Eis nesse ponto a proximidade da função do
orientador com o desenvolvimento da autoria.
No material que examinamos, produzido por profissionais, na sua maioria, experientes
na função de orientar, os problemas relativos à orientação foram, com muita freqüência,
associados à dificuldades na escrita. Os doze autores aqui diretamente considerados fazem
referência à questão, sendo esta a temática mais mencionada. O que, face ao que acabamos de
desenvolver, não é de estranhar. Se as práticas de escrita tiveram uma presença ínfima na
escolaridade prévia à pós-graduação, é lógico que resulte penoso e difícil entregar-se a elas
depois de adulto. Mas aqui é preciso distinguir entre o ensino da língua portuguesa, que pode
ter perpassado muito mais de uma década de escolaridade, e a intimidade com o exercício da
escrita.
A observação prática nos mestrados demonstra, de maneira inquestionável, que 15 ou
mais anos de língua portuguesa não desenvolveram, na grande maioria dos adultos, qualquer
intimidade com a sua própria escrita, de modo que eles não conseguem escrever com
facilidade, nem razoavelmente, nem corretamente, nem sem sofrimento. Isto é válido para
leitores ávidos, oradores eloqüentes e bem-sucedidos e sérios eruditos, cuja cultura não lhes
garante a habilidade para escrever. É fácil constatar essas teses no meio acadêmico entre bons
professores.
Há muitos anos, Umberto Eco (1978, p. 83) percebera este aparente paradoxo:
Com efeito, presume-se que o estudante saia da escola secundária já sabendo escrever,
pois lhe deram uma infinidade de temas para redação. Depois, passa quatro, cinco ou
mais anos na universidade, onde via de regar ninguém lhe exige mais que escreva, e se
vê diante da tese completamente desapercebido. Será um grande choque. Cumpre
aprender a escrever depressa, talvez utilizando as próprias hipóteses de trabalho.
Não é raro que o desespero tome conta e seja a tônica nesses momentos. Warde (1997,
p. 170), assim como Eco, mostra de maneira clara e simples uma das razões do problema: “as
dificuldades redacionais dos orientandos decorrem, na grande maioria dos casos, da
inexperiência com as lides gramaticais e estilísticas; afinal, a escola básica e mesmo os cursos de
graduação exercitam pouco a expressão escrita”. A receita para superar as dificuldades seria
simples, desde que entendida e praticada durante toda a escolaridade: exercitar a escrita
constantemente. Entretanto, esta constatação, a qual muitos orientadores perspicazes são
levados pelo simples acompanhamento das peripécias e percalços de seus orientandos, nas
sucessivas tentativas e tropeços do escrever, não transparece com a mesma evidência para os
professores de português, de 1o e 2o graus, muitas vezes obcecados pela tarefa, hercúlea, de
levar crianças e adolescentes ao domínio das normas da língua culta. Para muitos deles, ver
reduzido seu trabalho e sua função a uma fórmula tão simples, como o exercício continuado
das práticas escritas, resulta insuportável e muito aquém do que consideram ser sua tarefa
específica.
Temos, entretanto, trabalhado com professores de língua portuguesa e, após muita
resistência, uma vez que se põem, eles próprios a exercitar a escrita, prática que muito poucos
incorporam no seu dia a dia, começam a mudar de postura. Mas é muito difícil para um
professor de português pensar na sua função, de outra maneira, diferente do lugar do defensor
da norma e da regra, e deslocar-se do lugar do corretor ou caçador de erros para ser um leitor
interessado nos textos de seus alunos. Mas o fato é que nenhum argumento, na defesa da
função tradicional do professor de português, resiste diante da tragédia que constatamos na
pós-graduação: salvo raras exceções, podemos insistir, sem equívoco, que 15 anos de língua
portuguesa não habilitam para escrever!
As preocupações dos orientadores apontam para problemas de escrita, para a tendência
indesejável de cópia e reprodução e para dificuldades de criar, mostrar audácia e autonomia,
características, estas últimas, que consideram bem vindas para um pesquisador. Abordam as
relações afetivas entre orientador e orientando, muitas vezes apontando para a necessidade de
superar a excessiva dependência que facilmente se instala, neste último, com relação ao
primeiro. Referem-se, também, ao entrelaçamento dos problemas de pesquisa com a vida
pessoal 2, às vivências e experiências do autor e também se ocupam de delinear e discutir as
diferenças entre as funções de professor e pesquisador, na busca de uma definição para o papel
do orientador.
Vejamos uma das queixas dos orientadores, trazida por Luna (1985, p. 96):
As avaliações dos professores (e de alguns alunos) evidenciaram que ao chegar para a
orientação o aluno não apresenta os requisitos que consideram necessários para a
execução do trabalho [...] os requisitos faltantes, não eram objetivo da pós-graduação
mas condições para serem admitidos.
Boa parte dos requisitos a que se refere Luna são apresentados pelos diversos autores
consultados como associados à escrita. Luna assinala uma situação paradoxal porque, se não
tinham condições, como foram admitidos? Esse caso revela falhas na clareza do que se quer do
aluno na pós-graduação 3. Se os programas tivessem clareza que boa parte do trabalho exige,
como habilidade indispensável, escrever, por exemplo, a capacidade do candidato para
2 Remetemos o leitor ao artigo A dimensão Subjetiva na Pesquisa (1998), no qual desenvolvemos longamente e
especificamente esse problema, a partir dos mesmos autores aqui trabalhados. Os demais serão retomados em próximos
artigos.
3 Evidentemente, a pesquisa de Luna, data de 1985. De lá para cá muitas mudanças têm sido efetuadas no sistema da
pós-graduação, como o fato de exigir o projeto já na seleção. Nos cursos mais antigos, a escolha do orientador e a elaboração
do projeto ia sendo construída ao mesmo tempo que as disciplinas, e muitas vezes ia ficando esquecida, sendo efetivamente
retomada no final dos créditos.
formular suas idéias por escrito faria parte essencial dos critérios de seleção. Mas para tal, é
preciso uma consciência nítida da importância da autoria no âmbito da pós-graduação.
Estamos ainda longe dessa clareza mas sabemos que, em muitos programas atuais, esse aspecto
preocupa e já está sendo levado em consideração.
Como vimos com Umberto Eco, supomos que os alunos trazem os pré-requisitos
necessários mas, sistematicamente, constatamos o engano, sem ter muitos recursos para sanar
o problema. Acusar os professores e a formação pregressa tem sido tão freqüente quanto
ineficiente. Alguns têm reagido a esta constatação de maneira mais positiva, empreendendo
uma capacitação complementar, necessária mas que não é considerada da alçada da
pós-graduação. Diz Warde (1997, p. 170):
Os cursos de graduação em Educação dispensam grosso modo, a iniciação à pesquisa, ou,
o que é tão lamentável quanto, não preparam os alunos para lerem de maneira crítica e
científica as obras que lhes caem às mãos [...] como chegam sem essa experiência
prévia cabe a este nível oferecer um novo patamar de formação que, enfim, inicie e
desenvolva as habilidades fundamentais exigidas ao pesquisador.
Muitos poderão ficar chocados com a antiga mas ainda atualíssima consideração de
Castro. Fazer um mestrado para, no final, constatar que o principal objetivo atingido foi
aumentar o domínio da língua portuguesa? Isto parece, num primeiro momento, muito pouco.
É como se detonássemos um canhão para atingir uma perdiz. Os objetivos explícitos de um
mestrado nunca foram esses. O próprio Castro (1978, 323) continua a passagem acima
demonstrando certa frustração: “se o grande ganhador nesse processo é o aluno, não há dúvida
que o grande perdedor é o orientador de teses. Não raro, cerca de 50% do tempo de
orientação são consumidos em questões de estilo, clareza ou forma”.
Se o orientador é considerado aqui perdedor é porque pretendia outro resultado de seu
trabalho de orientação, diferente daquele que obteve. Ou porque imaginava sua função de
outra maneira. Porque acreditava que o que estava fazendo era diferente do que de fato fez.
Entretanto, realizada a orientação, ele tem de admitir que 50% de seu investimento como
orientador ficou ao rés do processo de escrita e a serviço de levar seu orientando a elaborar
uma obra, em geral, como dissemos acima, a primeira desse sujeito. Isto quer dizer que o
orientador conduziu seu orientando a dar os primeiros passos rumo à autoria.
Nesse tom de frustração de Castro e de outros autores, ao se resignarem a
complementar tarefas que julgam não serem de sua alçada ou atribuição, e deveriam ter sido
cumpridas pelos educadores precedentes, vemos, claramente, uma distância senão um abismo,
entre os objetivos pretendidos e alcançados, entre os ideais e a realidade. Vemos também uma
dificuldade em perceber que talvez seja mais fácil e mais produtivo render-se às evidencias e
contingências da realidade e, simplesmente, mudar os objetivos. Isto significa reconhecer o que
de fato se tem feito, se está fazendo ou se fez, ao orientar.
O trabalho de orientação é um espaço nunca antes concedido ao aluno, um espaço no
qual ele pode desenvolver as capacidades adquiridas mas raramente praticadas antes e,
por essa razão tão simples, fadadas ao desperdício.
Muito se fala, no campo educacional, em construir conhecimentos, em ser criativo,
numa educação e em métodos que tolham a reprodução e levem ao caminho da autonomia e
do pensamento crítico. Mas esquece-se que o conhecimento não mora nos porões da memória
de intelectuais brilhantes. Ao contrário, os intelectuais brilhantes, procuram, via de regra,
tornar públicas suas descobertas, sendo a maneira mais eficaz e duradoura de fazê-lo, extraí-las
do pensamento amorfo e dar-lhes forma escrita, publicando-as.
Quando Castro (1981, p. 76) afirma que “em parte devido a falhas de comunicação, o
pesquisador não toma conhecimento de outras pesquisas semelhantes que poderiam dispensar
a sua ou servir de base para um maior aprofundamento”, precisamos entender, como primeira
falha de comunicação, o fato de ainda se escrever pouco. O conhecimento, quando mantido
nos limites mentais do sujeito, permanece colado a ele e escravo de sua voz e presença.
Precisamos perceber que o conhecimento é uma abstração, mas materializada em
produções capazes de correr o mundo. Se ele se mantiver confinado ao pensamento intangível
dos sujeitos não será propriamente conhecimento. Este precisa constituir um acervo material,
sem o que ele é de pouca utilidade e, muitas vezes, ficará a serviço do uso e abuso do poder
(lembremos aqui que o virtual também é materializado e visível). O conhecimento está em
museus, em livros, em bibliotecas, em documentos, em arquivos magnéticos ou digitais, na
Internet, nos monumentos, nas publicações, nas inscrições rupestres, nas obras de arte, visíveis
e consultáveis, inscritas em suportes de toda ordem.
Por isso podemos questionar o processo educativo que se quer ou se diz construidor
de conhecimentos mas não leva os alunos e professores a inscreverem suas experiências e
descobertas em suportes duráveis, que possam ser revisitados e, por serem passíveis de
reexame, tantas vezes quanto quisermos, sirvam de trampolim para novas produções, próprias
ou de outros interessados. Escrever é preciso, diz Mario Osorio Marques, e além do mais
‘escrever é o princípio da pesquisa’, como já explicita o título de seu livro de 1997.
É preciso mas não é fácil! Celso Ferreti (1997; p. 153) é um dos autores consultados
que fornece mais detalhes e pistas para resolver os problemas que detecta. Por exemplo,
quando observa as modalidades das produções de seus orientandos e as descreve:
Em função disso, a forma de encadear o pensamento, às vezes, se dá por saltos, por
voltas, sem uma certa logicidade que indique, com clareza, o que o aluno está querendo
expressar. Isso é bastante difícil num processo de orientação porque o orientador não
tem muito o que dizer depois que fez a discussão sobre os enfoques teóricos, indicou
bibliografia, encaminhou procedimentos metodológicos, enfim, encaminhou o
trabalho. Ele fica na dependência do texto do aluno para dar continuidade ao trabalho
e um dos problemas que ocorre e que, exatamente por encontrarem dificuldades, os
alunos demoram-se nas redações. Nesse sentido, as apresentações de textos para
discussão ficam muito difíceis, demorados e isso é muito angustiante, quer para o
aluno quer para o orientador, que vêem o tempo se escoando e o trabalho não fluindo.
Essa autora desenvolve uma idéia muito interessante, ao considerar que essas
dificuldades dos alunos, que resultam em textos que não passam de colagens de citações dos
autores preferidos, tem a ver com a sua incapacidade de julgamento, do que ela chama dar
aderência ou rejeição às idéias de outrem. Poderíamos traduzir seus termos por uma tomada de
posição. Diante de um saber que nos é apresentado, podemos simplesmente acreditar nele,
assimilá-lo como se fosse verdadeiro, sem entrar no mérito de sua validade. Outra postura, que
ela sugere, é julgá-lo pertinente ou inadequado e desenvolver argumentos para elucidar nossas
posições, no diálogo com os autores e suas formulações. É esse patamar, que podemos chamar
de propriamente teórico ou crítico, que os alunos não galgam facilmente.
Por outro lado, quando julgamos as idéias de outrem e justificamos, com argumentos,
nossas posições, tornando-as públicas, podemos ser questionados e criticados. Forte razão para
dissuadir o pesquisador debutante desse saudável mas perigoso exercício. O próprio Castro
(1981, p. 78, p. 129) traz uma referência de Karl Popper para elucidar este problema:
O processo de descoberta científica envolve sempre certo risco. Mostra-nos Popper
que os enunciados científicos que pela sua modéstia pouco risco correm de estar
errados, ipso facto afirmam muito pouco ou nada a respeito da realidade [...]A pesquisa é
uma atividade em boa parte artesanal, desafiando as tentativas de automatização e
criação de rotinas burocráticas. Há certo risco em cada projeto, há dificuldades,
contratempos e crises.
E Ivani Fazenda (1993, p. 111), ao defender a atitude interdisciplinar, diz que ela
consiste na “ousadia da busca, da pesquisa, é a transformação da insegurança num exercício do
pensar, num construir”. O que implica numa maturidade de atitude, no sentido de suportar a
incerteza e usá-la como instrumento para o progredir no campo das idéias.
Antonio J. Severino (1993, p. 112), discute uma série de posturas favoráveis à pesquisa
e desejadas na pós-graduação, de maneira muito esclarecedora. Referindo-se ao trabalho
científico, afirma que:
Ele deve ser cada vez mais criativo. Não se trata mais de apenas aprender, de
apropriar-se da ciência acumulada mas de colaborar no desenvolvimento da
ciência, de fazer avançar este conhecimento aplicando-se o instrumental da ciência
aos objetos e situações, buscando seu desvendamento e sua explicação [...] É bom
esclarecer que a originalidade não quer dizer novidade. A originalidade diz
respeito à volta às origens, explicitando assim um esclarecimento original ao
assunto, até então não percebido. A descoberta original lança novas luzes sobre o
objeto pesquisado, superando assim, seja o desconhecimento seja então a ignorância.
Mas o trabalho científico em nível de pós-graduação deve ser ainda, antes
extremamente rigoroso. Esta exigência não se opõe à exigência da criatividade
a pressupõe. Não há lugar, neste nível para o espontaneísmo, para o diletantismo,
para o senso comum e para a mediocridade. Aqui se define a exigência da logicidade e
da competência.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
4 A máquina de guerra discursiva, artigo publicado no Caderno Mais da Folha de S. Paulo, do dia 3 de setembro de 2000.
__________________. Observações metodológicas referentes aos trabalhos de pós-graduação. In:
SEVERINO, Antônio J. Metodologia do trabalho científico. 19° ed., S.P.: Cortez, 1993.
SILVEIRA, Regina Célia Pagliuchi. Acompanhando o processo de escrever de
pós-graduandos: um depoimento. In: BIANCHETTI, Lucídio. Trama & Texto.
Leitura crítica. Escrita criativa. São Paulo e Passo Fundo : Plexus e EDIUPF, 1997. v. II.
WARDE, Miriam. Diário de uma orientadora de teses. In: BIANCHETTI, Lucídio. Trama
& Texto. Leitura crítica. Escrita criativa. São Paulo e Passo Fundo : Plexus e EDIUPF,
1997. v. II.