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A RELAÇÃO ENTRE A AUTORIA E A ORIENTAÇÃO NO PROCESSO DE

ELABORAÇÃO DE TESES E DISSERTAÇÕES

Profa. Dra. Ana Maria Netto Machado 1

Há vinte anos pesquisamos sobre as diversas dimensões da escrita e do processo de escrever. Numa
primeira etapa, de maneira teórico-conceitual, partindo dos domínios da psicanálise e da lingüística para
explorar outras disciplinas e, mais recentemente, também por meio de práticas de laboratório de escrita
(incluindo pesquisas participativas de campo e experienciais). Na fase atual estamos voltados ao
desenvolvimento de estratégias para promover a autoria, pesquisando e trabalhando os obstáculos que se
interpõem entre o sujeito e sua escrita, as razões do pânico da folha em branco e os estopins capazes de
desencadear uma escrita criativa. Nessa caminhada temos, com freqüência, trabalhado com mestrandos, seja
em grupo ou individualmente, bem como, com interessados em aprimorar suas competências scriptológicas,
vindos de qualquer área profissional ou acadêmica.
Essa trajetória levou-nos a detectar na atividade do orientador de teses e dissertações, a
figura que desempenha papel crucial, na academia, no processo subjetivo de tornar-se autor.
Cabe lembrar que, para a maioria dos cidadãos que se inscrevem num mestrado, a dissertação é
a primeira obra de fôlego que produzem e também a condição fundamental para obter a
titulação. Sabemos também quão elevado é o índice de pós-graduandos que obtém os créditos
mas não conseguem escrever suas teses ou dissertações, gerando frustração e ônus, tanto para
os programas como para os indivíduos.
Uma vez que este artigo destina-se a um público de profissionais ocupado e
preocupado com a educação, decidimos apresentar nossas descobertas, no diálogo com alguns
autores, dessa área, escolhidos porque dedicaram, em artigos ou capítulos de livros, algumas
páginas ou alguns parágrafos a temas, direta ou indiretamente, associados à função do
orientador de teses e dissertações ou próximos da autoria..
Tais textos foram selecionados a partir da consulta a aproximadamente 80 obras sobre pesquisa ou
metodologia científica, do acervo da biblioteca da PUC/RS, além do conjunto de seis artigos, enfocando
explicitamente o processo de orientação, que detectamos na bibliografia brasileira. Evidentemente, o
levantamento não pode ser considerado exaustivo nem absolutamente atualizado, mas servirá como ponto de
partida para a discussão do problema, que nos parece urgente e fundamental, no atual momento brasileiro.
Apenas uma pequena parcela dos fragmentos selecionados será aproveitada aqui, dados os limites
estabelecidos.

1 Psicanalista e Pesquisadora, Dra em Ciências da Linguagem pela Universidade de Paris X, Coordenadora do 1o Laboratório
de Escrita do Brasil.
Comecemos por duas declarações bastante contundentes. A primeira, de Miriam
Warde (1997, p. 164): “Não se cria da noite para o dia um orientador”. E a segunda, de
Haguette (1994, p. 157): “Algumas crenças vinculadas ao senso comum nos meios
universitários conduzem a aceitação do princípio de que todo doutor é um bom orientador”.
Haguette (1994, p. 163) vai ainda mais longe na sua denúncia, ao dizer:
nem todo doutor é pesquisador. Suspeito, ao contrário, que a grande maioria deles
encerra sua carreira na pesquisa ao obter aquela titulação. Entendo por pesquisador o
profissional que desenvolve com regularidade a atividade de campo dentro de um
processo continuado de geração de conhecimento ao longo de sua vida acadêmica (ou
fora dela.).

As indicações das duas autoras obrigam a fazer distinções entre um doutor, um


pesquisador e um orientador. Para ser um bom orientador, tendemos a pensar que é preciso ter
passado por um doutorado e praticar a pesquisa. Entretanto, pode-se ter o título sem praticar
pesquisa e pode-se ter o título e exercer a pesquisa, sem necessariamente exercer a orientação.
Tais distinções podem parecer óbvias mas não o são. Com muita freqüência são pequenos
detalhes os que permitem passar do conhecimento do senso comum ao conhecimento
científico. Como vimos através da primeira afirmação de Haguette, o próprio meio
universitário, que é por definição a sede do pensamento universal e a morada da ciência, não
está vacinado contra o senso comum e as ingenuidades.
O que fica patente é que poucos discursos e pouca pesquisa têm-se desenvolvido em
torno do tema da orientação. Entretanto, preocupações com o problema aparecem, esparsas,
nas obras sobre pesquisa, sobre metodologia científica ou sobre a produção de conhecimentos,
desde a década de 1970, através de um parágrafo ou de um item de um capítulo (23 entre 80
obras examinadas, isto é, pouco mais de ¼ delas, incluía pelo menos um item cujo título
sugeria alguma preocupação dos autores com a elaboração de teses e dissertações). Recolher,
sistematizar e socializar esses elementos é a caminhada que iniciamos e que se justifica, já num
primeiro momento, porque sempre que o silêncio paira sobre uma certa temática, estamos
caminhando no escuro. E quando não temos ciência, necessariamente impera o senso comum
e a intuição, carregados de ideologia. Daí a urgência em criarmos o palco para que as múltiplas
experiências se manifestem e possam ser partilhadas, discutidas, relativizadas e aprimoradas.
Haguette (1994, p. 163) propõe que “O domínio da pesquisa - expresso em produção
científica - deveria ser condição sine qua non para a habilitação de um docente à categoria de
orientador”.
Se o critério é a produção científica, o orientador deve, além de ser doutor, exercer a
pesquisa, escrever e publicar, isto é, deve exercer a autoria. Ao colocar a produção científica
como critério principal para autorizar um orientador como tal, Haguette permite-nos salientar
a intimidade do orientador com o campo scriptológico e com a autoria. Como veremos
adiante, boa parte do trabalho de orientação, “desse acontecimento ímpar que resulta da plena
consonância de dois sujeitos em torno de uma mesma produção de natureza intelectual”
(Warde, 1994, p. 178), dar-se-á, basicamente no espaço dos escritos deste último.
A primeira condição para vir a ser orientador (ser doutor) está sendo alvo de
investimentos por parte das instituições (titulação), em função das exigências da LDB. Temos
cada vez um maior contingente de mestres e doutores, formados ou em formação, e o
número de pesquisas (segunda condição) têm aumentado, ao menos se contabilizarmos como
pesquisa as teses e dissertações. A pressão da Capes sobre os programas de pós-graduação,
quanto à produção científica entendida como publicações, tem sido cada vez mais forte e o
conseqüente sofrimento dos docentes, equivalente. Mas ao que temos notícia, tal pressão está
longe de ser eficaz.
Produção científica, contribuição para o avanço da ciência e construção de
conhecimentos implicam, necessariamente, em escritos, em documentos, em publicações que,
por sinal, não brotam do nada nem das instituições. É preciso que um ou mais sujeitos, criem
tais documentos, os elaborem, os construam e os assumam publicamente, isto é, por eles se
responsabilizem (e a isto chamamos autoria). São as publicações que permitem a circulação da
informação, que possibilitam a socialização, em grande escala, das novas descobertas, que
viabilizam uma produção cumulativa e evitam a duplicidade de esforços, ocasionada pelo
simples desconhecimento do que já foi feito. Como corrobora Ivani Fazenda (1993, p. 98):
“Milhares de experiências bem sucedidas perdem-se no tempo [...] isso gera desconhecimento e
a necessidade de partir da estaca zero em seus projetos e trabalhos de ensino”.
Certamente, produzir documentos faz parte do cotidiano de todo docente. Porém, a
maior parte desses escritos são planos e relatórios, cuja finalidade é, mais do que nada, prestar
contas de uma tarefa realizada, que será fiscalizada e avaliada, para fechar os cômputos
institucionais. Quando falamos de produção científica, se trata de escritos de outra ordem e
finalidade, cujo sentido é não apenas a circulação da informação para permitir o diálogo, a
crítica e o avanço da ciência, mas a própria formulação das experiências, experimentos e
descobertas. Porque, como acabamos de ver na passagem de Fazenda, a experiência sucumbe
ao confinamento da memória daqueles que a vivenciaram, e permanece indisponível.
Ora, a nossa tradição universitária, fortemente assentada no ensino, cultua uma
tradição oral, da aula expositiva ou dos seminários onde se fala e se escuta sobre o que se leu.
Mesmo utilizando dinâmicas mais modernas e participativas, a oralidade continua sendo a
tônica do ensino. O tempo em sala de aula, via de regra é consumido na discursividade oral. A
escrita, característica típica da ciência, tem lugar nas salas de aula da graduação, mais do que
nada, no dia da prova. Aí sim, considera-se necessário um documento, uma vez que sobre ele
tomar-se-á uma decisão, um julgamento sobre o aluno: aprovação ou reprovação! Ou então,
no final do semestre, quando da entrega, ao professor, de um trabalho final. Mas este escrito,
curiosamente ficará, na maioria dos casos, à margem dos dias letivos, circulará fora da sala de
aula, praticamente quando o curso já terminou, funcionando na mesma dinâmica dos relatórios
(documentos para prestar contas e dormir no arquivo).
Essa questão que acabamos de levantar é, de fato, o grande divisor de águas entre a
graduação e a pós-graduação e explica, em parte, a enorme dificuldade que se tem, apesar das
intenções expressas, para integrar os dois níveis universitários. O primeiro, continua
funcionando sob a regência da oralidade, da eficácia da retórica, das práticas oratórias,
enquanto que a pós-graduação desenrola-se, predominantemente, no universo da escrita. A
diferença é notável e notada, com grande susto, pelos alunos que ingressam num mestrado ou
doutorado. Sobretudo, quando acabam os créditos e as aulas, que ainda mantinham um elo
com as formas orais, tradicionais de aprendizagem, dando lugar ao desafio de escrever a
dissertação ou a tese.
Gaudêncio Frigoto (1997, p. 195), em consonância com esta problemática, já
recomendava o remédio para superar esta cultura da oralidade que domina a vida acadêmica
brasileira:
Outro obstáculo a superar é, tanto o traço cultural da improvisação quanto a ênfase na
‘oralidade’, estabelecendo como cultura acadêmica obrigatória, para os orientadores e
orientandos, escrever e, particularmente, para os primeiros, publicar.

Regina Célia Pagliuchi (1997, p. 160) afirma que “para nossos universitários, em geral, o
discurso científico de pesquisa só é exigido e muito pouco ensinado durante as orientações de
dissertações de mestrado e teses de doutorado”. Cabe salientar que a primeira condição
(certamente não a única mas a básica) para elevar um discurso ao estatuto de científico é que
ele seja escrito, quando não, estritamente simbólico, como no caso da formalização matemática
que, diga-se de passagem, também é da ordem das marcas e registros como a escrita.
Assim, podemos dizer que, na legítima intenção de produzir conhecimentos, escrever
faz parte do instrumental de base. Mas é só tardia e muito lentamente, nos mestrados e
doutorados, principalmente da década de 1990, que esta condição vai ficando cada vez mais
evidenciada como fundamental. Intuída sua importância pelos orientadores mais antigos, a
consciência da relevância dos processos de escrita na produção científica cresce dia a dia, o que
se percebe, também, na tendência dos novos livros sobre pesquisa e dos inúmeros manuais
contemporâneos, cujos títulos se acumulam no sentido de abordar os procedimentos de
elaboração de dissertações, teses e monografias. Note-se que começamos a entender que
escrever é uma ferramenta para a elaboração de idéias, para a construção e criação de conceitos
e não intervém apenas, como se pensava, na formatação final. Muitos ainda pensam que a
escrita entra apenas no que chamam de redação final, que só seria empreendida quando o
trabalho está praticamente pronto. Nessa concepção, a escrita é mero acessório ou enfeite e é
desperdiçada na sua função essencial de ferramenta do pensamento, que o torna visível, para
quem o formula e para os outros e torna-se, dessa maneira, passível de ser trabalhado.
Quanto à orientação, ela é uma função típica da pós-graduação e se dá, com força, após
o término das disciplinas. Mas em nossos dias, começa a existir, também, na graduação, à
medida que a maioria dos cursos está introduzindo um trabalho de conclusão ou uma
monografia final. Os professores da graduação, que muitas vezes não tiveram que escrever esse
tipo de monografia e não necessariamente concluíram seu mestrado, estão sendo,
progressivamente, empurrados para o exercício da função da orientação sem, entretanto, ter
qualquer preparo para ela. E convém aqui lembrar que, quando se orienta uma monografia,
tese ou dissertação, boa parte do trabalho em questão é a elaboração de uma obra escrita, sem
a qual a pesquisa, por mais importante que seja, não poderá ser apreciada, nem avaliada, nem
aproveitada. Toda pesquisa precisa tomar uma forma material visível, para que possa circular,
ser lida, aprimorada, contrariada ou utilizada. Eis nesse ponto a proximidade da função do
orientador com o desenvolvimento da autoria.
No material que examinamos, produzido por profissionais, na sua maioria, experientes
na função de orientar, os problemas relativos à orientação foram, com muita freqüência,
associados à dificuldades na escrita. Os doze autores aqui diretamente considerados fazem
referência à questão, sendo esta a temática mais mencionada. O que, face ao que acabamos de
desenvolver, não é de estranhar. Se as práticas de escrita tiveram uma presença ínfima na
escolaridade prévia à pós-graduação, é lógico que resulte penoso e difícil entregar-se a elas
depois de adulto. Mas aqui é preciso distinguir entre o ensino da língua portuguesa, que pode
ter perpassado muito mais de uma década de escolaridade, e a intimidade com o exercício da
escrita.
A observação prática nos mestrados demonstra, de maneira inquestionável, que 15 ou
mais anos de língua portuguesa não desenvolveram, na grande maioria dos adultos, qualquer
intimidade com a sua própria escrita, de modo que eles não conseguem escrever com
facilidade, nem razoavelmente, nem corretamente, nem sem sofrimento. Isto é válido para
leitores ávidos, oradores eloqüentes e bem-sucedidos e sérios eruditos, cuja cultura não lhes
garante a habilidade para escrever. É fácil constatar essas teses no meio acadêmico entre bons
professores.
Há muitos anos, Umberto Eco (1978, p. 83) percebera este aparente paradoxo:
Com efeito, presume-se que o estudante saia da escola secundária já sabendo escrever,
pois lhe deram uma infinidade de temas para redação. Depois, passa quatro, cinco ou
mais anos na universidade, onde via de regar ninguém lhe exige mais que escreva, e se
vê diante da tese completamente desapercebido. Será um grande choque. Cumpre
aprender a escrever depressa, talvez utilizando as próprias hipóteses de trabalho.

Não é raro que o desespero tome conta e seja a tônica nesses momentos. Warde (1997,
p. 170), assim como Eco, mostra de maneira clara e simples uma das razões do problema: “as
dificuldades redacionais dos orientandos decorrem, na grande maioria dos casos, da
inexperiência com as lides gramaticais e estilísticas; afinal, a escola básica e mesmo os cursos de
graduação exercitam pouco a expressão escrita”. A receita para superar as dificuldades seria
simples, desde que entendida e praticada durante toda a escolaridade: exercitar a escrita
constantemente. Entretanto, esta constatação, a qual muitos orientadores perspicazes são
levados pelo simples acompanhamento das peripécias e percalços de seus orientandos, nas
sucessivas tentativas e tropeços do escrever, não transparece com a mesma evidência para os
professores de português, de 1o e 2o graus, muitas vezes obcecados pela tarefa, hercúlea, de
levar crianças e adolescentes ao domínio das normas da língua culta. Para muitos deles, ver
reduzido seu trabalho e sua função a uma fórmula tão simples, como o exercício continuado
das práticas escritas, resulta insuportável e muito aquém do que consideram ser sua tarefa
específica.
Temos, entretanto, trabalhado com professores de língua portuguesa e, após muita
resistência, uma vez que se põem, eles próprios a exercitar a escrita, prática que muito poucos
incorporam no seu dia a dia, começam a mudar de postura. Mas é muito difícil para um
professor de português pensar na sua função, de outra maneira, diferente do lugar do defensor
da norma e da regra, e deslocar-se do lugar do corretor ou caçador de erros para ser um leitor
interessado nos textos de seus alunos. Mas o fato é que nenhum argumento, na defesa da
função tradicional do professor de português, resiste diante da tragédia que constatamos na
pós-graduação: salvo raras exceções, podemos insistir, sem equívoco, que 15 anos de língua
portuguesa não habilitam para escrever!
As preocupações dos orientadores apontam para problemas de escrita, para a tendência
indesejável de cópia e reprodução e para dificuldades de criar, mostrar audácia e autonomia,
características, estas últimas, que consideram bem vindas para um pesquisador. Abordam as
relações afetivas entre orientador e orientando, muitas vezes apontando para a necessidade de
superar a excessiva dependência que facilmente se instala, neste último, com relação ao
primeiro. Referem-se, também, ao entrelaçamento dos problemas de pesquisa com a vida
pessoal 2, às vivências e experiências do autor e também se ocupam de delinear e discutir as
diferenças entre as funções de professor e pesquisador, na busca de uma definição para o papel
do orientador.
Vejamos uma das queixas dos orientadores, trazida por Luna (1985, p. 96):
As avaliações dos professores (e de alguns alunos) evidenciaram que ao chegar para a
orientação o aluno não apresenta os requisitos que consideram necessários para a
execução do trabalho [...] os requisitos faltantes, não eram objetivo da pós-graduação
mas condições para serem admitidos.

Boa parte dos requisitos a que se refere Luna são apresentados pelos diversos autores
consultados como associados à escrita. Luna assinala uma situação paradoxal porque, se não
tinham condições, como foram admitidos? Esse caso revela falhas na clareza do que se quer do
aluno na pós-graduação 3. Se os programas tivessem clareza que boa parte do trabalho exige,
como habilidade indispensável, escrever, por exemplo, a capacidade do candidato para

2 Remetemos o leitor ao artigo A dimensão Subjetiva na Pesquisa (1998), no qual desenvolvemos longamente e
especificamente esse problema, a partir dos mesmos autores aqui trabalhados. Os demais serão retomados em próximos
artigos.
3 Evidentemente, a pesquisa de Luna, data de 1985. De lá para cá muitas mudanças têm sido efetuadas no sistema da

pós-graduação, como o fato de exigir o projeto já na seleção. Nos cursos mais antigos, a escolha do orientador e a elaboração
do projeto ia sendo construída ao mesmo tempo que as disciplinas, e muitas vezes ia ficando esquecida, sendo efetivamente
retomada no final dos créditos.
formular suas idéias por escrito faria parte essencial dos critérios de seleção. Mas para tal, é
preciso uma consciência nítida da importância da autoria no âmbito da pós-graduação.
Estamos ainda longe dessa clareza mas sabemos que, em muitos programas atuais, esse aspecto
preocupa e já está sendo levado em consideração.
Como vimos com Umberto Eco, supomos que os alunos trazem os pré-requisitos
necessários mas, sistematicamente, constatamos o engano, sem ter muitos recursos para sanar
o problema. Acusar os professores e a formação pregressa tem sido tão freqüente quanto
ineficiente. Alguns têm reagido a esta constatação de maneira mais positiva, empreendendo
uma capacitação complementar, necessária mas que não é considerada da alçada da
pós-graduação. Diz Warde (1997, p. 170):
Os cursos de graduação em Educação dispensam grosso modo, a iniciação à pesquisa, ou,
o que é tão lamentável quanto, não preparam os alunos para lerem de maneira crítica e
científica as obras que lhes caem às mãos [...] como chegam sem essa experiência
prévia cabe a este nível oferecer um novo patamar de formação que, enfim, inicie e
desenvolva as habilidades fundamentais exigidas ao pesquisador.

Também preocupada com este problema, e ciente de “que as publicações existentes


para a redação de textos científicos não tem auxiliado muito os nossos alunos
pós-graduandos”, Pagliuchi (1997, p. 160) considera
urgente uma mudança no nosso ensino de língua materna a fim de que este possa estar
direcionado às reais necessidades existentes para nossos alunos pós-graduandos. Creio
que urge despertar nossos professores e alunos para a formação lingüística de sujeitos
epistêmicos, pois só assim as dificuldades atuais diminuirão.

Praticamente todos os autores tendem a apontar falhas na formação anterior, que


consideram responsável pelas dificuldades que enfrentam com seus orientandos. Apenas uma
declaração, de Ana Maria Cintra, numa carta à Ivani Fazenda (1993, p. 87), apresentada por
esta última, vai na contracorrente da maioria, considerando que “o universitário já tem todas as
condições de desenvolvimento para solucionar suas dificuldades com o ato de ler, escrever e
pesquisar”.
Talvez ela tenha razão, apesar das inúmeras afirmações em contrário: os universitários
têm as condições mas, as têm potencialmente. Ela esqueceu de dizer que estas condições
estão, neles, adormecidas por falta de uso, e ficaram obsoletas como um dente de ciso, que está
em extinção. Estas condições anestesiadas precisam ser despertadas e desenvolvidas. Ora, para
desenvolver potencialidades precisa-se de tempo e provocações adequadas. Tempo para que o
aluno escreva muito, e muito tempo para que o orientador leia os escritos de seus alunos. E
como sabemos, nos dias de hoje, o tempo para defender uma dissertação ou uma tese
encurtou.
Em 1978, Cláudio Moura Castro já tinha percebido que uma das principais
conseqüências de fazer um mestrado, não era gerar pesquisa nem criar conhecimentos novos,
objetivos exibidos nos programas, mas o grande ganho, para o mestrando, era aprender a
escrever! Uma habilidade que acreditamos conquistada na segunda série do ensino
fundamental! Mas precisamos admitir que ela foi apenas adquirida na tenra infância, mas não
foi desenvolvida e, por simples falta de uso, atrofiou-se. Conclusão? Levar o sujeito a
adquirir a escrita não garante que ele poderá usufruir da aquisição pelo resto da vida.
Vejamos como Castro (1978, p. 323) - provavelmente o primeiro a escrever sobre a
orientação - situava, no seu artigo ‘Memórias de um Orientador de Teses’, essa questão. O
trecho que transcreveremos já foi, parcialmente, citado por Warde no seu artigo ‘Diário de
bordo de uma orientadora de teses’, escolha que se justifica pela contundência da reflexão do
primeiro:
A experiência de fazer um mestrado talvez tenha como grande ganho pessoal um
imenso aumento da capacidade para se fazer entender por escrito na língua pátria.
Possivelmente, os ganhos de conhecimento na área substantiva das teses ou a
contribuição para a humanidade daquele conhecimento não se comprarem às
melhorias na capacidade de expressão escrita. De um aluno que praticamente nada
escreveu até então – quem sabe uma carta para a mamãe, um telegrama, ou um suado
trabalhinho de estágio - pede-se que produza uma obra que tenha inclusive o
potencial de publicação em forma de livro.

Muitos poderão ficar chocados com a antiga mas ainda atualíssima consideração de
Castro. Fazer um mestrado para, no final, constatar que o principal objetivo atingido foi
aumentar o domínio da língua portuguesa? Isto parece, num primeiro momento, muito pouco.
É como se detonássemos um canhão para atingir uma perdiz. Os objetivos explícitos de um
mestrado nunca foram esses. O próprio Castro (1978, 323) continua a passagem acima
demonstrando certa frustração: “se o grande ganhador nesse processo é o aluno, não há dúvida
que o grande perdedor é o orientador de teses. Não raro, cerca de 50% do tempo de
orientação são consumidos em questões de estilo, clareza ou forma”.
Se o orientador é considerado aqui perdedor é porque pretendia outro resultado de seu
trabalho de orientação, diferente daquele que obteve. Ou porque imaginava sua função de
outra maneira. Porque acreditava que o que estava fazendo era diferente do que de fato fez.
Entretanto, realizada a orientação, ele tem de admitir que 50% de seu investimento como
orientador ficou ao rés do processo de escrita e a serviço de levar seu orientando a elaborar
uma obra, em geral, como dissemos acima, a primeira desse sujeito. Isto quer dizer que o
orientador conduziu seu orientando a dar os primeiros passos rumo à autoria.
Nesse tom de frustração de Castro e de outros autores, ao se resignarem a
complementar tarefas que julgam não serem de sua alçada ou atribuição, e deveriam ter sido
cumpridas pelos educadores precedentes, vemos, claramente, uma distância senão um abismo,
entre os objetivos pretendidos e alcançados, entre os ideais e a realidade. Vemos também uma
dificuldade em perceber que talvez seja mais fácil e mais produtivo render-se às evidencias e
contingências da realidade e, simplesmente, mudar os objetivos. Isto significa reconhecer o que
de fato se tem feito, se está fazendo ou se fez, ao orientar.
O trabalho de orientação é um espaço nunca antes concedido ao aluno, um espaço no
qual ele pode desenvolver as capacidades adquiridas mas raramente praticadas antes e,
por essa razão tão simples, fadadas ao desperdício.
Muito se fala, no campo educacional, em construir conhecimentos, em ser criativo,
numa educação e em métodos que tolham a reprodução e levem ao caminho da autonomia e
do pensamento crítico. Mas esquece-se que o conhecimento não mora nos porões da memória
de intelectuais brilhantes. Ao contrário, os intelectuais brilhantes, procuram, via de regra,
tornar públicas suas descobertas, sendo a maneira mais eficaz e duradoura de fazê-lo, extraí-las
do pensamento amorfo e dar-lhes forma escrita, publicando-as.
Quando Castro (1981, p. 76) afirma que “em parte devido a falhas de comunicação, o
pesquisador não toma conhecimento de outras pesquisas semelhantes que poderiam dispensar
a sua ou servir de base para um maior aprofundamento”, precisamos entender, como primeira
falha de comunicação, o fato de ainda se escrever pouco. O conhecimento, quando mantido
nos limites mentais do sujeito, permanece colado a ele e escravo de sua voz e presença.
Precisamos perceber que o conhecimento é uma abstração, mas materializada em
produções capazes de correr o mundo. Se ele se mantiver confinado ao pensamento intangível
dos sujeitos não será propriamente conhecimento. Este precisa constituir um acervo material,
sem o que ele é de pouca utilidade e, muitas vezes, ficará a serviço do uso e abuso do poder
(lembremos aqui que o virtual também é materializado e visível). O conhecimento está em
museus, em livros, em bibliotecas, em documentos, em arquivos magnéticos ou digitais, na
Internet, nos monumentos, nas publicações, nas inscrições rupestres, nas obras de arte, visíveis
e consultáveis, inscritas em suportes de toda ordem.
Por isso podemos questionar o processo educativo que se quer ou se diz construidor
de conhecimentos mas não leva os alunos e professores a inscreverem suas experiências e
descobertas em suportes duráveis, que possam ser revisitados e, por serem passíveis de
reexame, tantas vezes quanto quisermos, sirvam de trampolim para novas produções, próprias
ou de outros interessados. Escrever é preciso, diz Mario Osorio Marques, e além do mais
‘escrever é o princípio da pesquisa’, como já explicita o título de seu livro de 1997.
É preciso mas não é fácil! Celso Ferreti (1997; p. 153) é um dos autores consultados
que fornece mais detalhes e pistas para resolver os problemas que detecta. Por exemplo,
quando observa as modalidades das produções de seus orientandos e as descreve:
Em função disso, a forma de encadear o pensamento, às vezes, se dá por saltos, por
voltas, sem uma certa logicidade que indique, com clareza, o que o aluno está querendo
expressar. Isso é bastante difícil num processo de orientação porque o orientador não
tem muito o que dizer depois que fez a discussão sobre os enfoques teóricos, indicou
bibliografia, encaminhou procedimentos metodológicos, enfim, encaminhou o
trabalho. Ele fica na dependência do texto do aluno para dar continuidade ao trabalho
e um dos problemas que ocorre e que, exatamente por encontrarem dificuldades, os
alunos demoram-se nas redações. Nesse sentido, as apresentações de textos para
discussão ficam muito difíceis, demorados e isso é muito angustiante, quer para o
aluno quer para o orientador, que vêem o tempo se escoando e o trabalho não fluindo.

Observamos na formulação desse autor, um certo desconforto quando terminam as


orientações iniciais e o orientador fica na dependência da produção escrita de seu orientando.
Arriscaríamos a dizer que acontece, nesse momento, uma inversão inusitada de posição na
condução da aprendizagem que, de alguma maneira, desestabiliza o professor de seu lugar
tradicional, no qual o aluno esperava alguma coisa dele e não o contrário. A partir desse
momento, não é mais o professor que dirá o que o aluno deverá ler, mas será o aluno a
oferecer o seu material para a leitura do orientador. Este fica destituído da posição de
professor, a qual está acostumado. Ele terá de ler aquilo que o orientando lhe fornecer. Pela
primeira vez, o aluno terá, antes de um corretor, como era seu professor de português, um
leitor, que se debruçará, inúmeras vezes e durante muito tempo, sobre seus escritos. Pela
primeira vez ele não terá que disputar um pequeno espaço para fazer valer sua voz, ou melhor,
sua letra, como era o caso na sala de aula, onde os mais corajosos e os menos inibidos,
disputavam a palavra durante poucos minutos, com seus inúmeros colegas.
A posição para a qual o docente, acostumado a ser professor, é empurrado, quando
assume uma orientação, é inédita e peculiar na sua carreira, e sobre este lugar e função, a nosso
ver estratégicos na tão desejada mudança de paradigma educacional, muita pesquisa faz-se
ainda necessária.
Diversos autores apontam para as interferências pessoais e subjetivas que irrompem na
relação entre orientador e orientando durante o processo, e não raro os autores percebem que
são chamados a exercer um papel quase terapêutico, nessa caminhada, sem, no entanto,
contarem com o preparo para tal função. Cabe dizer, que o orientador, por estar no lugar
daquele que lê e daquele que escuta, não deixa de se aproximar do lugar do terapeuta e se
afasta do lugar do professor, que está, mais do que nada, para ser escutado pelo aluno. Por sua
vez, nas aulas, este tem pouquíssima chance de expressar-se, de ser lido, de ser ouvido ou de
ser levado em consideração na suas idiossincrasias.
Se, como dizíamos, 15 anos de estudo da língua portuguesa não garantiram o usufruto
do fantástico poder das tecnologias da escrita, e tal aquisição irá desenvolver-se no mestrado é,
em boa parte, porque, finalmente, alguém espera e quer que o aluno escreva; finalmente,
alguém aposta na sua capacidade de fazê-lo e, finalmente, alguém está disposto a gastar seu
tempo lendo os textos desajeitados de seu orientando, para que, no processo de ler, reler,
escrever e reescrever, ele possa aprimorá-los.
Evidentemente, esses aspectos sobre os limites das funções terapêutica e orientadora e
suas possíveis sobreposições precisam e merecem estudo e aprofundamento. E se podemos
chamar a atenção para elas é porque praticamos pessoalmente a psicanálise clínica e também a
orientação. Esta dupla via favorece-nos perceber tais semelhanças, com maior clareza do que
elas transparecem para os educadores, com pouca familiaridade com esse outro campo do
saber.
Outra preocupação importante de muitos orientadores, associada à autoria, diz respeito
à tendência à reprodução e às dificuldades de cultivar a criatividade na produção científica.
Como situa Regina Célia Pagliuchi (1997, p. 157-58-60):
Salvo raras exceções, o nosso educando está sendo formado para a reprodução do
‘saber’ transferido pela escola, através do livro didático e do professor. Assim sendo,
creio que a dificuldade maior está na produção de conhecimentos novos [...] o que
temos assistido é um ensino de língua materna centrado na reprodução de modelos
literários, desde o primeiro grau. Nesse sentido, os alunos têm sido formados para
repetir, tornando-se incapazes de enfrentar situações novas e de serem criativos [...]
Logo, o discurso científico da revisão é redigido como uma colcha de retalhos, de
resumos reprodutivos das leituras feitas durante o curso de pós-graduação, sem haver
hierarquização das informações seja por uma tese, por um questionamento ou por um
tema.

Essa autora desenvolve uma idéia muito interessante, ao considerar que essas
dificuldades dos alunos, que resultam em textos que não passam de colagens de citações dos
autores preferidos, tem a ver com a sua incapacidade de julgamento, do que ela chama dar
aderência ou rejeição às idéias de outrem. Poderíamos traduzir seus termos por uma tomada de
posição. Diante de um saber que nos é apresentado, podemos simplesmente acreditar nele,
assimilá-lo como se fosse verdadeiro, sem entrar no mérito de sua validade. Outra postura, que
ela sugere, é julgá-lo pertinente ou inadequado e desenvolver argumentos para elucidar nossas
posições, no diálogo com os autores e suas formulações. É esse patamar, que podemos chamar
de propriamente teórico ou crítico, que os alunos não galgam facilmente.
Por outro lado, quando julgamos as idéias de outrem e justificamos, com argumentos,
nossas posições, tornando-as públicas, podemos ser questionados e criticados. Forte razão para
dissuadir o pesquisador debutante desse saudável mas perigoso exercício. O próprio Castro
(1981, p. 78, p. 129) traz uma referência de Karl Popper para elucidar este problema:
O processo de descoberta científica envolve sempre certo risco. Mostra-nos Popper
que os enunciados científicos que pela sua modéstia pouco risco correm de estar
errados, ipso facto afirmam muito pouco ou nada a respeito da realidade [...]A pesquisa é
uma atividade em boa parte artesanal, desafiando as tentativas de automatização e
criação de rotinas burocráticas. Há certo risco em cada projeto, há dificuldades,
contratempos e crises.

Ao permitirmo-nos emitir julgamentos, como propõe Regina Pagliuchi, temos que


submetermo-nos ao risco de também sermos julgados. Algumas considerações de Antônio J.
Severino (1993, p. 109) vêm ao encontro destas reflexões. Quando ele afirma, por exemplo,
que a “escolha de um tema de pesquisa bem como sua realização necessariamente é um ato
político [...] [e também um] trabalho pessoal no sentido em que qualquer pesquisa exige do
pesquisador um envolvimento tal que seu objetivo de investigação passa a fazer parte de sua
vida, a temática deve ser realmente uma problemática vivenciada pelo pesquisador, ela deve lhe
dizer respeito”..
Podemos verificar, nestas passagens, quão implicado está o sujeito na sua pesquisa e o
quanto deverá ser apoiado para conquistar a coragem necessária para assumir suas posições e
argumentos, desenvolvê-los por escrito e entregá-los ao público.
Num outro artigo, este mesmo autor (Severino, 1992, p. 31) referir-se-á à “capacidade
de produção científica de conhecimento que supõe, necessariamente, um ímpeto criador”. Em
conferência recente, no evento comemorativo dos 30 anos do Geempa/POA (7 a 9 de
setembro/2000), a filósofa e psicopedagoga Sara Paín, salientou, sob um outro aspecto, a
importância da fantasia e da imaginação na descoberta científica, apontando para essas
características em Newton, Einstein, Darwin que propuseram suas teorias a partir de
observações da realidade, certamente, mas acrescidas de uma boa dose imaginativa, sem a qual
não teriam proposto as teorias que os consagraram.
Odília Fachin (1993, p. 144), ao descrever as funções do doutorado, mostra também
estar de próxima de Sara Paín:
Este curso visa proporcionar formação científica e cultural ampla e aprofundada,
desenvolvendo a capacidade de pesquisa e o poder criador em determinado ramo do
conhecimento.

E Ivani Fazenda (1993, p. 111), ao defender a atitude interdisciplinar, diz que ela
consiste na “ousadia da busca, da pesquisa, é a transformação da insegurança num exercício do
pensar, num construir”. O que implica numa maturidade de atitude, no sentido de suportar a
incerteza e usá-la como instrumento para o progredir no campo das idéias.
Antonio J. Severino (1993, p. 112), discute uma série de posturas favoráveis à pesquisa
e desejadas na pós-graduação, de maneira muito esclarecedora. Referindo-se ao trabalho
científico, afirma que:
Ele deve ser cada vez mais criativo. Não se trata mais de apenas aprender, de
apropriar-se da ciência acumulada mas de colaborar no desenvolvimento da
ciência, de fazer avançar este conhecimento aplicando-se o instrumental da ciência
aos objetos e situações, buscando seu desvendamento e sua explicação [...] É bom
esclarecer que a originalidade não quer dizer novidade. A originalidade diz
respeito à volta às origens, explicitando assim um esclarecimento original ao
assunto, até então não percebido. A descoberta original lança novas luzes sobre o
objeto pesquisado, superando assim, seja o desconhecimento seja então a ignorância.
Mas o trabalho científico em nível de pós-graduação deve ser ainda, antes
extremamente rigoroso. Esta exigência não se opõe à exigência da criatividade
a pressupõe. Não há lugar, neste nível para o espontaneísmo, para o diletantismo,
para o senso comum e para a mediocridade. Aqui se define a exigência da logicidade e
da competência.

Muito importante consideramos esta última indicação de Severino. Efetivamente, o


rigor científico não se opõe à criatividade. Mas tampouco a criatividade pode ser confundida
com o espontaneísmo. Nem o rigor científico pode ser confundido com os formalismos e
muito menos com as regras e normas burocráticas, quando obedecidas sem se entender
porque. Muita confusão reina neste terreno. Algumas observações de Fachin (1993, p.
145-146) contribuem, neste momento final, com uma pista importante para explorar soluções
que permitam integrar os traços, aparentemente contraditórios, que os pesquisadores gostariam
de promover nos seus orientandos mas não sabem muito bem quais as estratégias capazes de
desencadear tais processos:
Todo indivíduo expressa-se segundo um estilo próprio, o que proporciona a todo o
estudo uma característica determinada, ou seja uma forma particular de cada redator [...] A
clareza é uma qualidade que merece consideração na linguagem escrita, pois, quando esta é
obscura, dificulta a compreensão do que é transmitido. [...] Convém mencionar que o texto
científico dispensa a elegância literária ou requinte de preciosismo vocabular. A
redação deve ter a essência, a transmissão de conhecimento, e não a pretensão de forçar o
leitor a aceitar o que foi redigido.
É muito interessante perceber seu complexo movimento: ao admitir que cada um tem
um estilo pessoal, sem que ela pretendesse, Fachin introduziu o campo literário na pesquisa,
para imediatamente expulsá-lo como supérfluo, adjetivando-o com os termos elegância,
requinte e preciosismo, que designam acessórios, enfeites desnecessários. Na verdade,
pensamos que não é o discurso literário o inimigo do discurso científico. Muito pelo contrário.
E de fato, se queremos pesquisadores criativos, precisamos de autores, de sujeitos que tenham
intimidade com as letras, e este traquejo, está muito mais próximo da poética do que de
qualquer outra prática. O que se deve temer quando se produz conhecimento e se pretende
formular um discurso científico, o que precisamos superar é o discurso do senso comum e da
ideologia, este sim perigoso e funesto para o campo da crítica, da criação e da autoria, seja ela
científica ou artística.
Em recente artigo 4 sobre a obra daquele que introduziu, no discurso contemporâneo, a
noção de desconstrução, o controvertido pensador argelino Jacques Derrida, Evandro
Nascimento faz uma análise das funções atribuídas por Derrida à literatura. E uma delas é de
extrema relevância e utilidade para refletir sobre nosso problema, quanto à produção e à
construção de conhecimento científico e as funções do orientador nessa trajetória. É com esta
passagem, que poderá retroagir, no leitor, sobre as diversas questões pelas quais transitamos ao
longo dessas páginas, que finalizamos estas reflexões, para retomá-las num próximo trabalho.
Em Derrida, a literatura não é um mero recurso com a finalidade de embelezar
o texto ou, pior, de ilustrar teses filosóficas, como no existencialismo de Sartre. Longe do
beletrismo e do determinismo filosófico, nos textos da ‘desconstrução’ a literatura é uma
categoria de pensamento para engendrar formas e reflexões ‘recalcadas’ pela tradição
pensante.

PALAVRAS/CHAVE: Formação de professores – Orientação – Autoria

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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