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Cidades Inteligentes, Proximidade e Mobilidade inteligente

Smart Cities and smart mobility

Da sociedade do esforço físico


à
sociedade da avaria

Baptista da Costa
Universidade do Minho
14 de junho de 2023
Índice

1 - Introdução ............................................................................................................................ 2
2 - O sistema de inovações.................................................................................................... 3
3 - A complexidade do sistema técnico ............................................................................. 4
4 - Generalização das tecnologias....................................................................................... 5
4.1 - Exclusões ...................................................................................................................... 5
4.1.1 - Excluídos da abstração ...................................................................................... 5
4.1.2 - Excluídos da interatividade ............................................................................... 5
4.1.3 - Excluídos da velocidade .................................................................................... 6
4.1.4 - Excluídos do diagnóstico .................................................................................. 6
4.2 - Desigualdades ............................................................................................................. 7
4.2.1 - Desaparecimento das fronteiras trabalho / não trabalho.......................... 8
4.2.2 - Teletrabalho........................................................................................................... 8
4.3 - Injustiças ....................................................................................................................... 8
4.3.1 - Tempo de preocupação...................................................................................... 8
4.3.2 - Rendimento individual ou solidariedade ....................................................... 9
4.3.3 - Complexidade e qualificação............................................................................ 9
4.3.4 - As grandes responsabilidades dos operadores.......................................... 9
4.3.5 - O fim da individualização dos salários ........................................................ 10
5 - Conclusão........................................................................................................................... 10

1 - Introdução

Só na década de 80 do século XX as organizações tomaram consciência de que


as tecnologias se tinham tornado uma variável estratégica. Muitas empresas
desapareceram em consequência das mutações tecnológicas.

Os investimentos em tecnologia tornaram-se cada vez mais dispendiosos,


enquanto, paralelamente, duram cada vez menos tempo.
O sistema técnico e o ambiente em que se integra têm características
particulares que têm de ser conhecidas e dominadas por forma a que ações
possam ser implementadas.

As tecnologias não são socialmente neutras e ninguém lhes é indiferente.

Nem todos valorizam a evolução tecnológica da mesma forma e as suas


avaliações variam segundo a personalidade, formação, idade e ideologia.

A Fibra Ótica é valorizada se aplicada à endoscopia na saúde e ao contrário


quando elimina posto de trabalho.

A Energia Nuclear é valorizada de forma muito diferente pela sociedade se tem


aplicação civil ou militar.

Muitas mudanças tecnológicas são consideradas, pela maioria das pessoas,


como positivas, como é o caso do seu uso na saúde que aumenta a esperança
de vida, nas comunicações, na mobilidade, no conforto, na conquista espacial
ou no acesso a serviços públicos.

2 - O sistema de inovações

As tecnologias são uma parte importante do sistema de inovações com especial


impacto ao nível dos processos e produtos.

Inovações dos produtos, dos serviços e de marketing, os novos canais de


distribuição, os produtos personalizados, a eletrónica nos produtos, etc.

Inovações organizacionais introduzem novos métodos de gestão e


organização, tais como a qualidade total, maior flexibilidade, melhor gestão de
fluxos, gestão da manutenção.

As inovações de processo foram amplamente utilizadas e, particularmente, a


informatização e automação.

Inovações sociais introduzem novos métodos na gestão dos recursos


humanos, nomeadamente quanto ao método de remuneração, organização e
redução do tempo de trabalho, formação, condições de trabalho, gestão
previsional do emprego e de ofícios.
Mas todos estes elementos não existem isoladamente antes interagem,
equilibrando ou desequilibrando o sistema.

Geralmente, os investimentos em tecnologia visam melhorar a produtividade,


não surpreendendo a tendência para o desaparecimento de alguns empregos.
Os diferentes tipos de inovações formam um sistema que tem grande influência
sobre o volume de emprego, podendo gerar novos empregos, nomeadamente
pelo aumento do volume de vendas, novos produtos, novos serviços ou uma
nova organização do trabalho.

3 - A complexidade do sistema técnico

O sistema técnico é mais complexo que no passado. Em comparação com os


sistemas técnicos de outras épocas, pode-se constatar três efeitos importantes
que antes não existiam.

Efeito de acumulação, os produtos, os processos, o trabalho e a vida quotidiana


não são condicionados por uma tecnologia, mas sim por uma acumulação de
tecnologias.

Pela primeira vez na história da humanidade, as mudanças tecnológicas dizem


respeito à vida, no trabalho, à saúde, ao lazer, à formação, aos bancos, ao
comércio, etc.

Efeito de cruzamento. Cruzamento entre organizações entre setores e entre


serviços. Frequentemente, uma mudança tecnológica tem consequências mais
importantes noutras organizações ou serviços do que naquela em que é
implementada.

O efeito do cruzamento é uma das originalidades mais difícil de gerir,


nomeadamente no plano social. Este efeito complica consideravelmente o
estudo das implicações de um projeto tecnológico e, em particular, por
problemas de negociação com os diferentes intervenientes.

Efeito ritmo, o atual ritmo das descobertas científicas das inovações


tecnológicas, assim como da sua difusão, não tinha jamais sido observada
noutros períodos da humanidade.
4 - Generalização das tecnologias

Na gestão da mudança o conceito mais importante passa a ser o da


generalização das tecnologias.

Esta generalização apresenta grandes vantagens para as organizações e para


os homens: aumento da produtividade, aumento da qualidade, aumento da
competitividade, diminuição do esforço físico, novas atividades, etc.

Esta generalização e velocidade de difusão provoca um efeito de rejeição por


parte de uma grande parte de pessoas, pelo que o “deixa andar” tecnológico,
deixando as decisões para os fornecedores e especialistas nessas tecnologias
não é mais possível porque ela é fonte de:

Exclusões;

Desigualdades;

Injustiças.

4.1 - Exclusões

4.1.1 - Excluídos da abstração

Cada vez mais a informação é digitalizada, o que facilita o seu tratamento por
computador e a sua transmissão rápida à distância. Esta tendência torna o
conteúdo do trabalho cada vez mais “comunicacional” e abstrato, porque cada
um trabalha sobre representações da realidade.

Uma grande parte dos indivíduos aceita esta evolução sem problemas
particulares, mas criamos excluídos da abstração que, pela sua cultura o perfil
profissional, não suportam a abstração.

4.1.2 - Excluídos da interatividade

A interatividade generaliza-se. O diálogo homem/máquina surge em todos os


postos de trabalho e no atendimento ao público. A utilização de sistemas
interativos comporta duas características: é preciso compreender as mensagens
afixadas, geralmente sob a forma escrita, e é necessário reagir rapidamente a
essas mensagens.

Uma tal utilização provoca grande prazer em alguns e exclusão de outros que
não suportam o stress da interatividade.

4.1.3 - Excluídos da velocidade

Em numerosos os postos de trabalho, as organizações exigem novas


capacidades: capacidades de flexibilidade (mudar de posto de trabalho a
qualquer momento), capacidade de suportar em segurança (postos de trabalho
de fluxo contínuo ou a segurança que representa os stocks a desaparecer),
capacidade de ir mais rápido (porque o mercado exige).

Até ao momento, estas capacidades eram reservadas a certas atividades em


geral realizadas por voluntários (desportistas, alpinistas, corredores de
automóveis…).

Exigindo-a a todos arriscamo-nos a provocar, em muitos, stress, fator de erros


na execução do trabalho e de exclusão dos que não conseguem suportar.

4.1.4 - Excluídos do diagnóstico

Os sistemas “altamente integrados” representam riscos de avarias importantes


derivadas das inter-relações entre os seus componentes. Geralmente, quando
são bem concebidos, estes sistemas têm poucas avarias importantes, mas
subsistem frequentes e numerosas micro avarias. A intervenção humana,
permanente e imediata, é necessária se queremos evitar que a repetição destas
micro avarias provoque uma paralisia total do sistema.

Passamos da civilização do esforço físico para a civilização da avaria, onde os


trabalhos principais são trabalhos de vigilância, de manutenção, de diagnóstico
e de reparação.
É preciso aprender a viver com esta civilização da avaria. Em particular, é preciso
aprender a geri-la pondo em relevo três tipos de tratamento: um tratamento
técnico, um tratamento organizacional e um tratamento social da avaria.

A falta destes três tratamentos, arriscamo-nos a caminhar para a “civilização da


catástrofe”. Catástrofe económica pela perda da competitividade pela
multiplicação das paragens ou catástrofe humana que foi o exemplo de
Chernobyl, acidentes de comboio ou ciberataques.

O tratamento técnico é o mais conhecido. Trata-se de aumentar a fiabilidade de


cada componente e multiplicar os circuitos. Este tratamento é indispensável, mas
limitado, porque torna ainda mais complexo os sistemas já complexos. Está
também limitado pelo facto de as avarias devidas a erros de programação
informáticos serem difíceis de eliminar.

O talento organizacional torna-se cada vez mais indispensável. Reagrupar numa


mesma equipa “manutenção, diagnóstico, reparação” com a menor divisão de
trabalho possível; investigar a velocidade ótima para diminuir a taxa de avarias;
formação em diagnóstico, conceção e difusão de sistemas de diagnóstico
inteligente de avarias.

Há uma categoria de excluídos que não conseguem efetuar os trabalhos de


diagnóstico. De facto, ainda se ignora como se efetua um “bom” diagnóstico em
sistemas complexos. É difícil ensinar a técnica de diagnósticos aos que não têm
“intuição”.

4.2 - Desigualdades

Toda a mudança tecnológica modifica as desigualdades: certas desigualdades


desaparecem ou são minimizadas como por exemplo o esforço físico, mas outras
há que aparecem ou se desenvolvem.

É o caso das desigualdades em relação ao tempo de trabalho, que está em fase


de grande modificação. Assiste-se a uma sobreocupação de uns e a uma
subocupação de outros que pode ir até ao desemprego.

Mesmo o conceito de tempo de trabalho está posto em causa.


4.2.1 - Desaparecimento das fronteiras trabalho / não trabalho

As fronteiras tradicionais entre o local de trabalho, local de formação, local de


lazer, local de consumo, rompem-se sobre a influência das tecnologias de
comunicação.

Há que levar em consideração as diversas reações e permitir desestruturar as


atividades dos que o desejem e de garantir uma certa estrutura diferenciadora
"trabalho/formação/lazer" para os que o desejem.

4.2.2 - Teletrabalho

O teletrabalho ao domicílio tem vindo a crescer. Em particular o trabalho misto


(parte em casa e parte na empresa) toma uma importância crescente.

O desenvolvimento do teletrabalho cria um sentimento de autonomia, mas


também de prisão: é necessário negociar as modalidades de implementação,
por forma a não se criarem desigualdades insuportáveis.

4.3 - Injustiças

As remunerações, ainda hoje têm por base cinco grandes fatores: O tempo de
trabalho, o rendimento pessoal, a qualificação, as responsabilidades, a
individualização.

4.3.1 - Tempo de preocupação

Cada vez mais, estar disponível para intervir rapidamente em caso de incidente
é mais importante que trabalhar muito por via da fragilidade dos sistemas
técnicos, razão pela qual é necessário encontrar a forma de remunerar - o que
não é fácil - a disponibilidade do trabalhador.

Ainda no domínio do tempo há que constatar que em muitos dos trabalhos sobre
sistemas informáticos, em particular os sistemas interativos, exigem uma
implicação total do indivíduo. Este quando sai do local de trabalho, continua a
pensar nele. Pelo que alguns utilizadores de sistemas interativos são pagos
tradicionalmente pelo tempo de ocupação no seu posto de trabalho pelo que será
importante ter em consideração o "tempo de preocupação".

4.3.2 - Rendimento individual ou solidariedade

Na produção tradicional é frequente o estabelecimento de prémios


correspondentes à produção individual de cada um.

Na produção automatizada o número de peças produzidas depende da


fiabilidade do sistema automatizado pelo que é necessário procurar sistemas de
remuneração que levem em consideração a eficácia coletiva "equipa de projeto
+ equipa de organização + equipa de produção".

4.3.3 - Complexidade e qualificação

Nas grelhas tradicionais a remuneração é indexada á qualificação. No caso de


postos de trabalho interativos constata-se que uma parte importante da
qualificação dos indivíduos é obtida, não em cursos ou estágio profissionais
sancionados por diploma, mas no próprio local de trabalho. É preciso encontrar
os meios de reconhecer estas qualificações adquiridas pela utilização quotidiana
dos sistemas informáticos.

4.3.4 - As grandes responsabilidades dos operadores

Os grandes salários são, frequentemente, justificados pela noção de


responsabilidade. Com a automatização generalizada, aparecem novas
responsabilidades frequentemente mais importantes que as responsabilidades
administrativas tradicionais.

Por exemplo numa linha de produção automatizada de grande cadência de


produção a paralisação da linha de produção ou a produção de peças
defeituosas em grande quantidade pode tomar uma dimensão catastrófica. Por
esta razão será justo conceber novos sistemas de remuneração, que levem em
consideração as novas responsabilidades.

Este problema se mal gerido tornar-se-á a principal fonte de conflitos sociais.


4.3.5 - O fim da individualização dos salários

A individualização dos salários é cada vez mais difícil. Pagar a um coletivo,


segundo o tempo disponível, o tempo de preocupação, a rapidez no início das
operações após uma avaria é difícil e mesmo a informática pouco ajuda.
Reconhecer uma qualificação adquirida “sobre o terminal" não é fácil. É,
portanto, nesta via que é preciso que os intervenientes sociais negoceiem e
experimentem.

Os sistemas automáticos só serão eficazes se a solidariedade entre os serviços,


entre os homens, se desenvolver. Evitar criar conflitos pela conceção de novos
sistemas de remuneração adaptados aos constrangimentos do trabalho
interativo, deverá ser uma das prioridades se não queremos que as novas
tecnologias sejam fonte de desigualdades e de ineficácia.

5 - Conclusão

Vivemos numa sociedade de negociação. Negociar quer dizer: informação


recíproca, debates, troca de argumentos, tentativa de compreensão dos
objetivos de cada um, dos limites e dos constrangimentos de cada um, procura
de compromisso.

As cidades são espaços físicos e económicos.

Organizar a participação de todos é uma necessidade económica e social.

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