Desenvolvimento de formulações cosméticas para animais de estima-

ção: desafios e perspectivas

Cosmetic formulations development for pets: challenges and perspectives

Taís Aleriano Lucon Wagemaker1

1
R&D Zutti Cosméticos, Ribeirão Preto-SP, Brasil.

Resumo
O objetivo deste estudo foi uma breve revisão das características morfológicas e estruturais da pele e dos pelos de animais de estimação.
Também foram abordadas regulamentações e conceitos fundamentais para elaboração de formulações cosméticas para o mercado pet.
Para isso foram utilizadas base de dados Web of Science, Willey e Scielo, sendo consultados diversos periódicos e também livros de ve-
terinária e dermatologia. Também foram consultados diversos jornais, revistas e associações relacionadas aos aspectos mercadológicos.
Por fim, orgão regulamentadores brasileiros também foram consultados. São muitos os desafios na obtenção de produtos cosméticos se-
guros e eficazes para o mercados pet. As formulações cosméticas devem ser desenvolvidas especialmente para os animais considerando-
se as características da pele e seus anexos, bem como as formas cosméticas que proporcionem maior praticidade, eficácia e segurança.
Não se pode deixar de considerar também a legislação que ainda incipiente permite a comercialização de produtos que podem até
mesmo causar danos aos animais e aos seus donos e cuidadores. As perspectivas para o setor pet e para os cosméticos para animais são
de franco crescimento com boas oportunidades de negócios. Desse modo, este artigo vem contribuir com este importante setor da eco-
nomia pois pode auxiliar no desenvolvimento de produtos cosméticos de maior qualidade, segurança e valor agregado.
Descritores: Cosméticos; Cães; Gatos; Preparações farmacêuticas

Abstract
The aim of this study was a brief review of the morphological and structural characteristics of the skin and the fur of pets. In addition,
fundamental regulations and concepts for elaborating cosmetic formulations for the pet market were discussed. Scientific databases,
Web of Science, Wiley and Scielo were used for this purpose. It was consulted several periodic and also veterinary and dermatology
books. Several newspapers, magazines and institutions related to the market aspects were also consulted. Finally, Brazilian regulatory
agencies were also consulted. There are many challenges in obtaining safe and effective cosmetic products for the pet market. Cosmetic
formulations should be developed especially for animals taking into account the characteristics of the skin and its appendages, as well
as the cosmetic forms that provide greater practicality, effectiveness and safety. It is also important to consider the legislation that is
still in the early stages of commercialization of products which may even cause harm to animals and their owners and caregivers. The
perspectives for the pet and animal cosmetics industry are booming with good business opportunities. Thus, this article contributes to
this important sector of the economy because it can help in the development of cosmetic products of higher quality, safety and greater
value.
Descriptors: Cosmetics; Dogs; Cats; Pharmaceutical preparations

Introdução nefícios antes só oferecidos aos humanos como sham-

Produtos cosméticos são produtos para higiene e em-
belezamento que vem sendo utilizados pelos homens
há milênios. Atualmente existe uma demanda crescente
deste tipo de produto para utilização em animais de
estimação, principalmente cães e gatos.
Cães e gatos de estimação denominados de pets estão
cada vez mais presentes e já ocupam 44% dos lares
brasileiros1.
De acordo com Associação Brasileira de Indústria de
Produtos para Animais de Estimação2 houve um au-
mento de faturamento do setor chegando a quase R$18
bilhões em 2015. Só no Estado de São Paulo já são
quase 1300 empresas de produtos para o mercado pet3.
Muitos consumidores ainda tem o hábito de utilizar os
produtos que compram para si em seus animais. No en-
tanto, esta realidade vem se alterando devido, principal-
mente ao caráter afetivo que é atribuído a estes animais.
Aproveitando-se deste nicho de mercado, a indústria
tem lançado diversos produtos com propostas de be-
poos clareadores, antialérgicos, máscaras de tratamen-
tos, banhos relaxantes, desembaraçantes, linhas espe-
cíficas para filhotes entre outros.
Tais produtos, por serem isentos de registro, muitas
vezes não apresentam uma pesquisa anterior sobre as
peculiaridades dos pelos, pele, lágrima e mucosas des-
ses animais, tão pouco sobre veículos mais eficazes e
seguros. Soma-se a isso a escassa diferenciação entre
cães e gatos e dentre as diversas raças. Dessa forma,
muitas vezes um produto seguro e eficaz para a pele e
cabelo humanos pode causar danos e até mesmo a
morte dos animais de estimação.
Além disso, as referências na literatura são escassas e
utilizam uma linguagem não facilmente entendível para
os profissionais da área cosmética e dermatológica.
Nesse sentido formular especificamente para o pú-
blico pet (animais de estimação e companhia) se traduz
num desafio ímpar para pesquisadores e manipuladores
da indústria cosmética.

J Health Sci Inst. 2019;37(3):272-5 272

 Este artigo aborda de maneira sucinta e objetiva as
principais características da pele, pelo e lágrimas de
cães e gatos para auxiliar a Pesquisa & Desenvolvi-
mento da indústria cosmética a desenvolver formula-
ções mais seguras, estáveis e eficazes para animais de
estimação.
Revisão da literatura
Características da pele
A pele e o pelo de cães e gatos possuem especifici-
dades primordiais no desenvolvimento das formulações
e na avaliação de sua eficácia e segurança.
A epiderme desses animais varia em espessura de
acordo com a parte do corpo assim como a dos huma-
nos. Todavia esta é geralmente mais fina nos cães e,
principalmente, nos gatos. Chegando a ser três vezes
mais fina que a dos humanos4.
A renovação celular da pele desses animais também
é bem mais lenta4. Desse modo, a seleção e principal-
mente a concentração dos ingredientes ativos e exci-
pientes deve ser extremamente cuidadosa, pois a pe-
netração de substâncias é mais rápida e seu efeito
prejudicial pode durar mais tempo.
A pele desses animais apresenta ainda menor quan-
tidade de ceramidas5, sendo deste modo, mais propícia
a descamação por danos a interligação entre os quera-
tinócitos (tight junction).
As glândulas sebáceas, responsáveis pela produção
de sebo e, consequentemente pela oleosidade da pele
e pelo, estão distribuídas por toda a pele dos animais,
mas são maiores e mais numerosas nas junções muco-
cutâneas, nos espaços interdigitais, na face dorsal do
pescoço, na região mentoniana, na região lombossacra
e na face dorsal da cauda. Nos gatos as glândulas se-
báceas são mais abundantes na face6.
Na pele sem pelos, como nas junções mucocutâneas
(por exemplo, na margem labial e no ânus), na pálpebra
e no canal auditivo externo, os ductos sebáceos se
abrem diretamente na superfície da pele. Os coxins de
cães e gatos, semelhante à palma das mãos e à sola
dos pés em humanos e o plano nasal por sua vez, não
possuem glândulas sebáceas.
O pH da pele de cães e gatos é assunto controverso
na literatura devido aos diferentes métodos empregados
e as diferenças fenotípicas entre as raças. De acordo
com Campbell4, o pH da pele dos gatos é de aproxi-
madamente 6,7, enquanto que a dos cães é em torno
de 7,5. Todavia há referências entre 4,84 e 9,957.
O desbalanço do pH cutâneo pode favorecer a en-
trada de patógenos e facilitar a incidência de infecções
e dermatites. Nesse sentido, a pele dos cães também é
diferente da dos humanos, sendo prevalentes as bacté-
rias gram (–) nos primeiros4.
Características do pelo
São muitas as diferenças encontradas na quantidade
e distribuição dos pelos de cães e gatos em relação
aos humanos. Estas diferenças podem facilitar a pe-
netração de ativos, pois o folículo piloso é uma das
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vias de penetração de substâncias pelo estrato cór-
neo.
Ao contrário dos humanos em que os fios se encon-
tram distribuídos entre as fases de crescimento catágena,
anágena e telógena aleatoriamente, os pelos de cães e
gatos possuem sazonalidade5. Apesar da grande varia-
ção quanto à raça, idade e gênero, alguns autores citam
que o ciclo de renovação do pelo de gatos chega a
226 dias5.
Além disso, cães e gatos possuem folículos pilosos
compostos, formados por vários folículos primários e
secundários. Os pelos primários emergem em poros
separados, ao contrário dos pelos secundários que
emergem de poros comuns, sendo em média 5 a 20
pelos secundários para cada pelo primário.
Os folículos primários possuem uma glândula sudo-
rípara apócrina, uma glândula sebácea e um músculo
eretor do pelo, os folículos secundários possuem apenas
uma glândula sebácea8.
Além da distribuição dos pelos, a estrutura e compo-
sição destes também é diferenciada em relação a dos
humanos, sendo encontradas três tipos de queratina6.
No entanto, o fato de serem formados externamente
por queratina, e sendo o ponto isoelétrico da queratina
igual a 4,0, indica que o pH adequado para o condi-
cionamento dos pelos seria ao redor deste valor.
Características da lágrima
O pH da lágrima é outro fator a ser considerado para
o desenvolvimento de formulações cosméticas seguras
e não irritantes para cães e gatos, pois as formulações
com enxágue se não estiverem no pH adequado podem
causar forte irritação ocular.
O pH da lágrima humana é de 7,4 enquanto que
para os cães sadios a zona de conforto do pH é ligeira-
mente mais alcalina, ao redor de 8,09.
O pH e composição da lágrima dos animais é um
importante indicador da saúde destes, sendo associado
até mesmo com a presença de tumores7.
Existe grande controvérsia quanto à origem das man-
chas escuras que aparecem na parte inferior dos olhos
de cães e gatos como uma lágrima negra, a chamada
lágrima ácida. Na comunidade científica tal caracterís-
tica incômoda é denominada epífora. Em estudo reali-
zado no Brasil somente com cães da raça poodle mos-
trou valores de pH bastante abaixo dos descritos
anteriormente entre 5,5 e 6. No entanto, não foi en-
contrada correlação entre o pH da lágrima e a presença
de epífora10.
Desenvolvimento da formulação
As formas cosméticas para o mercado pet são um
pouco mais restritas que no mercado humano. Nesse
sentido, as formulações devem ser desenvolvidas para
atender as necessidades dos animais e proporcionar
limpeza, cuidado e embelezamento de modo suave e
prático.
273 Desenvolvimento de cosméticos para animais de estimação
 A forma cosmética que mais se destaca nesse seg-
mento é sem dúvida o shampoo e suas variáveis, ou
seja, produtos de limpeza com enxágue. Com a pre-
sença cada vez mais constante dos pets dentro dos
lares brasileiros, os produtos de limpeza sem enxágue
também se encontram em expansão.
Formas cosméticas para limpeza dos olhos e dos ou-
vidos são menos frequentes assim como produtos que
auxiliam no tratamento de problemas dermatológicos.
Como principais ativos cosméticos destacam-se os
extratos vegetais, principalmente aloe vera. O óleo de
argan, que foi tendência para produtos capilares, tam-
bém apresenta forte apelo de marketing.
As vitaminas, principalmente a vitamina E, com po-
tencial antioxidante ou de “nutrição” dos fios também
são encontradas na maioria das formulações. Por fim,
os produtos para clareamento dos pelos contendo ativo
branqueador óptico também tem ganhado força em lo-
jas especializadas de banho e tosa.
Dentre os novos ativos promissores estão os extratos
e óleos extraídos de plantas da biodiversidade brasileira,
principalmente os óleos da Amazônia. Os quais apesar
da rica composição em ácidos graxos não se sobres-
saem em relação a sua composição quando compara-
dos aos óleos vegetais amplamente utilizados na in-
dústria cosmética como o óleo de amêndoas.
Legislação
O órgão responsável pelo registro, cadastro e regula-
mentação dos produtos de uso veterinário é O Minis-
tério da Agricultura e Pecuária e Abastecimento (MAPA),
entretanto, as exigências são distintas de acordo com a
função do produto.
Os produtos de higiene e embelezamento animal são
classificados na categoria isentos de registro, sendo so-
mente necessário o cadastro no órgão, definindo-se
essa categoria como produtos que são desprovidos de
ação terapêutica, profilática e diagnóstica.
Avaliação de estabilidade
A avaliação da estabilidade de produtos tópicos isen-
tos de registro é bastante controversa, pois não há uma
regulamentação específica do MAPA para estes.
Desse modo, muitas vezes é possível encontrar no
rótulo destes produtos a informação “Agite antes de
usar”, a qual por si só já denota que nenhum teste para
assegurar a estabilidade da formulação foi realizado.
No entanto, a maioria das empresas que primam por
excelência e qualidade realizam testes de estabilidade
de acordo com a Instrução Normativa No 15, de 9 de
maio de 2005. Esta é um Regulamento Técnico para
Testes de Estabilidade de Produto Farmacêutico de Uso
Veterinário11.
De acordo com esta normativa deverão ser realiza-
dos: Testes de Estabilidade Acelerada durante 3 ou 6
meses, Testes de Estabilidade de Longa Duração durante
24 meses e Testes de Estabilidade de Acompanhamento
até o prazo de validade declarado.
Wagemaker TAL
Por se tratar de uma normativa para medicamentos,
esses testes consideram também a análise da estabili-
dade química dos princípios ativos, o que não é possível
para cosméticos.
Avaliação de segurança e eficácia
A segurança dos produtos de uso tópico para pets
também é outro ponto carente de legislação, pois não
existem normas para realização destes testes.
Esta ausência de uma regulamentação pode causar
sérios riscos à saúde dos animais e também aos donos
e pessoas responsáveis pelo cuidado destes animais.
O Guia para a Condução de Estudos Não Clínicos
de Toxicologia e Segurança Farmacológica Necessários
ao Desenvolvimento de Medicamentos, o Guia para
Avaliação de Segurança de Produtos Cosméticos ambos
da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)
e a Lei de Princípios Éticos de Experimentação Animal
(Lei 11.794/2008) podem auxiliar nos estudos de segu-
rança.
Assim como para os testes de segurança, não existe
regulamentação para os testes de eficácia de produtos
cosméticos para animais de estimação. Desse modo,
tanto os testes de segurança quanto os de eficácia se
constituem em um diferencial do produto no mercado.
Mercado cosmético animal
Os animais de estimação adquiriram hoje status de
membros da família. Muitas linhas de produtos criados
atualmente têm o mesmo apelo que para humanos no
intuito de convencer os proprietários que eles podem
fornecer produtos similares aos que eles consomem
para seus pets.
Com base neste apelo, o setor tem resistido à crise
econômica. O mercado pet tem mostrado desempenho
superior a demais setores, mantendo-se equilibrado
diante das adversidades.
O Brasil continua sendo o terceiro maior mercado
do mundo em faturamento pet, sendo ultrapassado ape-
nas pelo Reino Unido e Estados Unidos, e o crescimento
do setor tem sido, em média, de 10% ao ano desde
2012, enquanto o PIB brasileiro teve uma retração de
3,8% em 2015.
Discussão
O mercado de cosméticos para pets está em franco
crescimento apesar da crise econômica em que se en-
contra o país. Os animais de estimação são tidos como
membros da família substituindo as crianças em muitos
lares brasileiros.
Apesar da franca expansão, o mercado carece de
produtos de qualidade que utilizem ingredientes com
segurança e eficácia comprovada. Além disso, há uma
grande variabilidade e deficiência de estudos nos dife-
rentes tipos de pele e pelo.
Desse modo, desenvolver formulações cosméticas
seguras, eficazes e estáveis que apresentem ainda ca-
racterísticas sensoriais que agradem não somente os
animais mas também seus donos é um grande desafio.
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 Desafio que se torna ainda maior num mercado com-
petitivo e que não possui uma regulamentação condi-
zente com as suas necessidades. Os testes de estabili-
dade deveriam ser o mínimo exigido para que os
cosméticos pudessem ser comercializados.
Outro ponto a ser considerado é a falta de informação
do consumidor final que, muitas vezes compra um pro-
duto contendo no rótulo a informação “Agite antes de
usar” sem saber dos riscos aos quais seus animais estão
expostos.
Produtos tópicos sem testes de estabilidade e segu-
rança podem causar diversos problemas de saúde nos
animais além de diversos tipos de afecções cutâneas
nos seus donos e cuidadores.
Embora ainda não haja uma previsão de regulamen-
tação, grande parte dos consumidores já está se cons-
cientizando da utilização de diversas substâncias peri-
gosas em cosméticos humanos e transferindo sua
preocupação e escolha mais consciente para os cos-
méticos para pets.
No entanto, esta escolha é dificultada por rótulos
cuja composição dos produtos contém somente os ati-
vos de interesse para o marketing e “Veículo seguido
de qsp (quantidade suficiente para)”. Dessa forma, os
consumidores, mesmo os mais conscientes, não tem
acesso à composição do veículo, o qual pode conter
substâncias perigosas para a saúde do animal.
Conclusões
São muitos os desafios na obtenção de produtos cos-
méticos seguros e eficazes para o mercado pet. As for-
mulações cosméticas devem ser desenvolvidas espe-
cialmente para os animais considerando-se as
características da pele e seus anexos, bem como as for-
mas cosméticas que proporcionem maior praticidade,
eficácia e segurança.
Não se pode deixar de considerar também a legisla-
ção que ainda incipiente permite a comercialização
de produtos que podem até mesmo causar danos aos
animais e aos seus donos e cuidadores.
As perspectivas para o setor pet e para os cosméticos
para animais são de franco crescimento com boas opor-
J Health Sci Inst. 2019;37(3):272-5
tunidades de negócios. Desse modo, este artigo vem
contribuir com este importante setor da economia, pois
pode auxiliar no desenvolvimento de produtos cosmé-
ticos de maior qualidade, segurança e valor agregado.
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Endereço para correspondência:
Dra. Taís A. L. Wagemaker
G&G Cosmética Ltda ME – Zutti
Av. Dra. Nadir Aguiar, 1805 – sala 304, Prédio 2
Ribeirão Preto-SP, CEP 14056-680
Brasil
E-mail: taisalw@uol.com.br
Recebido em 26 de maio de 2019
Aceito em 30 de julho de 2019
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