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Rodrigo Fortunato Goulart

Marco Antônio Villatore


coordenadores

RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO


REFLEXÕES ATUAIS

Homenagem ao Professor
José Affonso Dallegrave Neto

L'IR
EDITORA LTDA.
© Todos os direitos reservados

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Abril, 2015

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Versão digital: LTr 8648.8 -lSBN: 978-85-361-8342-8

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Responsabilidade civil nas relações de trabalho : reflexões atuais :


homenagem ao professor José Affonso Dallegrave Neto I Rodrigo
Fortuna to Goulart, Marco Antônio Villatore, coordenadores. -São
Paulo: LTr, 2015.

Bibliografia.

1. Dallegrave Neto, José Affonso 2. Direito do trabalho- Brasil3.


Responsabilidade (Direito)- Brasil L Goulart, Rodrigo Fortunato. 11.
Villatore, Marco Antônio. lll. Série.

15-01654 CDU-34 7.51:331.823(81)

índice para catálogo sistemático:


l. Brasil: Responsabilidade civil :
Direito do trabalho 347.51:331.823(81)
Responsabilidade Civil do Empregador e
Tutela do Meio Ambiente de Trabalho
GusTAvo FILIPE BARBOSA GARCIA(*)

1. INTRODUÇÃO positiva do Estado<4l, como o direito ao trabalho, à educa-


ção, à saúde, trabalhistas e previdenciários, enfatizados no
Os direitos humanos fundamentais podem ser entendi- início do século xx<''- Objetiva-se corrigir as desigualda-
dos como prerrogativas essenciais à garantia da dignidade des sociais e econômicas, procurando solucionar os gra-
da pessoa humana. ves problemas da chamada "questão social", surgida com
Historicamente, podem ser mencionados, com certa a RevÓlução Industrial. O Estado, assim, passa a intervir
generalização, três momentos de conscientização dos di- no domínio econômico-socialC6>.
reitos humanos fundamentais. Nesse sentido, é possível A "terceira dimensão" refere-se aos direitos de solida-
distinguir-se três "dimensões" de direitos humanos fun- riedade, pertinentes ao desenvolvimento, ao patrimônio
damentais(!), conforme teoria lançada por Karel Vazak, comum da humanidade, à autodeterminação dos povos,
"em Conferência proferida no Instituto Internacional de à paz, à comunicação e à preservação do meio ambienteC7l.
Direitos Humanos no ano de 1979""'- Cabe registrar a existência de autores que fazem men-
A "primeira dimensão" corresponde à consagração ção a uma "quarta geração" (ou dimensão), referente aos
dos chamados direitos individuais, civis e políticos<". As- direitos ligados à biogenética e ao patrimônio genético<8l,
sim, nas Declarações de Direito do século XVIII, ganham ou à participação democrática, à informação e ao plura-
destaque os direitos de "liberdade", no sentido de que o lismo<''-
Estado deve abster-se de interferir na conduta dos indivi- O fundamento dos direitos fundamentais relaciona-se
duas. com o valor jurídico supremo da dignidade da pessoa hu-
A "segunda dimensão" corresponde aos direitos eco- mana. Nesse sentido, a previsão do art. 1º, inciso Ill, da
nômicos, sociais e culturais, envolvendo uma prestação Constituição Federal de 1988.

(*) Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em DÍreito pela Faculdade de Direito da Universi-
dade de São Paulo. Especialista em Direito pela Universidad de Sevilla. Pós-Doutorado em Direito pela Universidad de Sevilla. Mem-
bro Pesquisador do IBDSCJ. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira n. 27. Professor Universitário
em Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito. Advogado. Foi Juiz do Trabalho das 2ª, 8ª e 24ª Regiões, Ex-Procurador do
Trabalho do Ministério Público da União e Ex-Auditor Fiscal do Trabalho.
(I) Cf. SARLET, lngo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 7. ed. São Paulo: Livraria do Advogado, 2007. p. 54: "não há
como negar que o reconhecimento progressivo de novos direitos fundamentais tem o caráter de um processo cumulativo, de comple-
mentaridade, e não de alternância, de sorte que o uso da expressão 'gerações' pode ensejar a falsa impressão da substituição gradativa
de uma geração por outra, razão pela qual há quem prefira o termo 'dimensões' dos direitos fundamentais".
(2) RAMOS, André de Carvalho. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. Rio de janeiro: Renovar, 2005. p. 82.
(3) Cf. ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vida I Serrano. Curso de direito constitucional. 1O. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
p. 116.
(4) Cf. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 49-50.
(5) Cf. COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 52-54.
(6) Cf. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 249-251.
(7) Cf. ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional, cit., p. 117-118; REZEK, José
Francisco. Direito internacional público: curso elementar. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 225.
(8) Cf. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de janeiro: Campus, 1992. p. 6.
(9) Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 525.
1
166 Responsabilidade Civil no Direito do Trabalho- Reflexões Atuais
Gustavo Filipe Barbosa Garcia

Como se pode notar, o "meio ambiente" pode ser visto A Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981, dispõe sobre
justamente entre os chamados direitos fundamentais de a Politica Nacional do Meio Ambiente. De acordo com o
"terceira dimensão". seu art. 3º, inciso I, entende-se por meio ambiente: "o con-
Ao mesmo tempo, importantes direitos trabalhistas, junto de condições, leis, influências e interações de ordem
diretamente relacionados à segurança e medicina do traba- física, química e biológica, que permite, abriga e rege a
lho, fazem parte dos direitos sociais, os quais também fi- vida em todas as suas formas".
guram como direitos humanos fundamentais, normalmente O Direito Ambiental, assim, estabelece as normas ju-
conhecidos como de "segunda dimensão" ou "família"Cl 0). rídicas que disciplinam a conduta humana em relação ao
Assim, observa-se nítida interdependência entre o meio ambiente, com o fim de preservá-lo e protegê-lo.
meio ambiente do trabalho, a segurança e medicina do traba- O meio ambiente pode ser classificado nas seguintes
lho, o Direito do Trabalho, os direitos sociais, os direitos espécies{lSl:
fundamentais e o próprio Direito Constitucional lU'.
- meio ambiente natural ou físico: constituído pelo
Nesse tema, cabe destacar, ainda, o mandamento
solo, água, ar atmosférico, flora e fauna.
constitucional de "redução dos riscos inerentes ao traba-
lho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança" - meio ambiente cultural: valores históricos, ou seja, o
(art. 7º, inciso XXII, da CRFB/1988). patrimõnio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico
Observa-se, assim, a existência de sistema jurídico e turístico, existentes em determinado país.
de tutela do meio ambiente do trabalho, reconhecido pela - meio ambiente artificial: espaço urbano construído
Constituição da República, em seu art. 200, inciso VIII, pelo ser humano, englobando o conjunto de edificações e
e que integra o próprio meio ambiente em sentido global espaços urbanos públicos.
(art. 225 da CRFB/1988); a par disso, estão incluídas no - meio ambiente do trabalho: local de realização da ati-
importante rol dos direitos humanos fundamentais (art. 5º, vidade laboral, a ser compreendido em sentido amplo.
§ 2º, da CRFB/1988)m>.
As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio
ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou ju-
2. MEIO AMBIENTE DO TRABALHO E SUA rídicas, a sanções penais e administrativas, independen-
INSERÇÃO NO MEIO AMBIENTE COMO UM temente da obrigação de reparar os danos causados (art.
TODO
225, § 3º, da CRFB/1988).
A proteção ao meio ambiente é questão de grande rele- Nesse sentido, adotando a responsabilidade obje-
vância na atualidade, tendo em vista que a sociedade mo- tiva em matéria de responsabilidade civil por danos ao
derna, apesar dos avanços e desenvolvimentos alcançados, meio ambiente, de acordo com o art. 14, § 1º, da Lei n.
muitas vezes acaba por acarretar a degradação ambientall 13>. 6.938/1981, o poluidor é obrigado, independentemente da
justamente em razão disso, a Constituição Federal de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causa-
1988, no art. 225, assegura a todos o direito ao meio am- dos ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua ati-
biente ecologicamente equilibrado, considerado "bem de uso vidade.
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida", im- Quanto ao meio ambiente cultural, de acordo com o
pondo ao Poder Público e à coletividade "o dever de defen- art. 216 da Constituição Federal de 1988, constituem pa-
dê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações". trimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e
O meio ambiente é a interação do conjunto de elemen- imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, por-
tos naturais, artificiais e culturais, possibilitando o desen- tadores de referência à identidade, à ação, à memória dos
volvimento equilibrado da vidal 14'- diferentes grupos formadores da sociedade brasileira.

(70) Cf. ROMITA, Arion Sayão. Direitos fundamentais nas relações de trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2007. p. 104-105.
(7 7) Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Meio ambiente do trabalho: direito, segurança e medicina do trabalho. 4. ed. São Paulo:
Método, 2014 ..
( 72) Cf. MELO, Raimundo Simão de. Direito ambiental do trabalho e saúde do trabalhador: responsabilidades legais, dano material,
dano moral, dano estético. São Paulo: LTr, 2004. p. 31: 11 0 meio ambiente do trabalho adequado e seguro é um direito fundamental
do cidadão trabalhador (lato sensu)".
(73) Cf. ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vida! Serrano. Curso de direito constitucional, cit., p. 506.
(74) SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 2.
(7 5) Cf. ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vi~al Serrano. Curso de direito constitucional, cit., p. 506; MELO, Raimundo
Simão de. Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador, cit., p. 28-29.
Responsabilidade Civil no Direito do Trabalho- Reflexões Atuais
Responsabilidade Civil do Empregador e Tutela do Meio Ambiente de Trabalho
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Em relação ao meio ambiente artificial, por sua vez, -principio da prevenção: no sentido de se evitar qual-
incide na disciplina da propriedade urbana e rural0 6l. quer perigo de dano ou prejuízo ao meio ambiente.
O meio ambiente do trabalho também conta com pre- De acordo com o princípio 15 da "Declaração sobre
visão constitucional, conforme art. 200, inciso Vlll, da Meio Ambiente e Desenvolvimento", aprovada pela Con-
Constituição Federal, destacando-se, ainda, o art. 7°, inci- ferência das Nações Unidas sobre meio ambiente e desen-
sos XXII e XXlll, os quais preveem os seguintes direitos: volvimento, tendo-se reunido no Rio de janeiro, de 3 a 21
redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de nor- de junho de 1992: "De modo a proteger o meio ambiente,
mas de saúde, higiene e segurança; adicional de remune- o principio da precaução deve ser amplamente observado
ração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando
na forma da lei. houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência
de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como
O meio ambiente como um todo está inserido no âm-
razão para postergar medidas eficazes e economicamente
bito dos direitos humanos fundamentais<m, apresentan-
viáveis para prevenir a degradação ambiental".
do-se como um direito difuso ou coletivo, a ser tutelado
por meio da ação civil pública< 18J - principio do desenvolvimento sustentável: no sentido
de que o desenvolvimento econômico deve levar em conta
Desse modo, o art. 129, inciso lll, da Constituição Fe-
a necessidade de defesa e preservação do meio ambiente,
deral de 1988, estabelece ser função institucional do Mi- como prevê o art. 170, inciso VI, da Constituição Federal
nistério Público "promover o inquérito civil e a ação civil de 1988.
pública, para a proteção do patrimônio público e social, do
Dessa forma, de acordo com o art. 4°, inciso I, da Lei
meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos".
n. 6.938/1981, a Política Nacional do Meio Ambiente vi-
A Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, disciplina a sará a tomar compatível "o desenvolvimento econômico-
ação civil pública, indicando os entes legitimados para o -social com a preservação da qualidade do meio ambiente
seu ajuizamento (art. 5°). e do equilíbrio ecológico".
Destaca-se, ainda, o cabimento da ação popular tam- - princípio do poluidor-pagador: o poluidor deve, em
bém com o objetivo de defesa do meio ambiente, confor- princípio, arcar com o custo decorrente da poluição que
me prevê o art. 5°, inciso LXXIII, da Constituição Federal causou (princípio 16 da "Declaração sobre Meio Ambien-
de 1988, no sentido de que "qualquer cidadão é parte legí- te e Desenvolvimento", Rio de janeiro, 1992).
tima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo Como já mencionado, em matéria ambiental, o man-
ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado damento principal é no sentido de prevenir qualquer dano
participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente ao meio ambiente. Mesmo assim caso ocorra algum dano a
e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo este bem jurídico, torna-se devida a reparação integral do
comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da dano causado (art. 225, § 3°, da CRFB/1988, art. 14, § 1º,
sucumbência". da Lei n. 6.938/1981, o qual adota a teoria da responsabi-
O meio ambiente, por ser um bem jurídico essencial lidade civil objetiva).
para a vida humana, é disciplinado por diversos ramos do Nessa linha, conforme o art. 4°, inciso VII, da Lei n.
Direito, estando presente, assim, no Direito Constitucio- 6.938/1981, a Política Nacional do Meio Ambiente visará
nal, no Direito Administrativo, no Direito Penal, no Direi- "à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de
to Civil, no Direito do Trabalho e no Direito Processual. recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuá-
rio, da contribuição pela utilização de recursos ambientais
3. PRINCÍPIOS DE DIREITO AMBIENTAL E O MEIO com fins econômicos,.
AMBIENTE DO TRABALHO -princípio da participação: no sentido de que a defesa
e a preservação do meio ambiente são deveres tanto do
Podem ser destacados os seguintes princípios ambien- Poder Público como da coletividade (art. 225, caput, da
tais, ou seja, pertinentes ao Direito Ambiental09 l: CRFB/1988).

116) Cf. ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional, cit., p. 509.
(17) Cf. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais, cit., p. 62; ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES
JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional, cit., p. 117-118; REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso
elementar, cit., p. 225.
(18) Cf. MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio
público e outros interesses. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 148.
(19) Cf. MELO, Raimundo Simão de. Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador, cit., p. 48-55.
Responsabilidade Civil no Direito do Trabalho- Reflexões Atuais
168 Gustavo Filipe Barbosa Garcia

Como dispõe o art. 4°, inciso V, da Lei n. 6.938/1981, dignidade, a intimidade, a imagem ou outros direitos da
a Política Nacional do Meio Ambiente visará "à difusão personalidade, ou mesmo direitos fundamentais que preser-
de tecnologias de manejo do meio ambiente, à divulgação vem a dignidade da pessoa humana.
de dados e informações ambientais e à formação de uma Parte da doutrina prefere a expressão "dano pessoal",
consciência pública sobre a necessidade de preservação da pois "exprime com mais fidelidade o que é efetivamente
qualidade ambiental e do equilíbrio ecológico" (destaquei). lesado pelo dano: os direitos da pessoa humana"" 0 , ou
- princípio da ubiquidade: tendo em vista que toda a seja, os direitos da personalidade, "em suas diversas inte-
sociedade e todos os povos devem se empenhar na preser- gridades psicofísicas, intelectual e moral"C22'-
vação e na proteção do meio ambiente.
Dano material, por sua vez, refere-se à violação de di-
De acordo com a parte inicial do princípio 7 da "De- reitos patrimoniais (pecuniários)< 23).
claração sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento" (Rio
Frise-se que, nos termos da Súmula n. 37 do Superior
de janeiro, 1992): "Os Estados devem cooperar, em nm
Tribunal de justiça, "são cumuláveis as indenizações por
espírito de parceria global, para a conservação, proteção
dano material e dano moral oriundos do mesmo fato".
e restauração da saúde e da integridade do ecossistema
terrestre". Por dano moral trabalhista entenda-se aquele ocorri-
do no âmbito do contrato de trabalho, no seu bojo e em
razão da sua existência, envolvendo os dois polos dessa
4. RESPONSABiliDADE CIVIL DO EMPREGADOR E
relação jurídica (de emprego), ou seja, o empregador e
DANOS AMBIENTAIS
o empregadoC24l. Normalmente, este se apresenta como o
Observados os aspectos acima, caba analisar a temá- lesado e aquele como o sujeito ativo, embora nada impe-
tica da responsabilidade civil do empregador quanto a ça que estas posições se invertam. Aliás, ressalte-se que a
danos causados a seus empregados, com especial desta- jurisprudência já se pacificou quanto à possibilidade de a
que para as hipóteses de acidente de trabalho e doenças pessoa jurídica sofrer dano moral'25l. Nesta linha, dispõe
ocupacionais. o art. 52 do CC/2002 que é aplicável "às pessoas jurídicas,
No aspecto processual, merece destaque a atual reda- no que couber, a proteção dos direitos da personalidade".
ção do art. 114, incisos I e VI, da Constituição da Repú- Cabe fazer menção, ainda, ao dano estético, o qual re-
blica, incluindo-se na competência da justiça do Trabalho sulta da lesão da integridade física, especialmente quanto
a "ação de indenização por danos morais e patrimoniais ao direito à imagem externa (aparência), o qual é direito
decorrentes de acidente do trabalho, proposta pelo em- da personalidade.
pregado em face de seu (ex-)empregador", conforme inter- Entende-se que o dano estético é abrangido pelo
pretação do Pleno do Supremo Tribunal Federal, ao decidir conceito de dano moral<l6), embora mereça, conforme o
o Conflito de Competência 7.204/MG (j., 29.6.2005, Rel. entendimento majoritário da jurisprudência, inclusive
Min. Carlos Ayres Britto). do STj, uma indenização diferenciada e separada (a ser
Dano pode ser entendido como o prejuízo causado à cumulada com a indenização pelo dano moral em si)C27l,
pessoa, ou seja, a lesão a bem ou interesse jurídico, poden- em razão do direito de personalidade especificamente vio-
do ser de ordem material ou moral'20'- lado, como quando são verificadas sequelas, mutilações
Pode-se conceituar o dano moral como a lesão a di- ou deformações flsicas"'l, o que encontra fundamento na
reitos extrapatrimoniais da pessoa, violando a honra, a parte final do art. 949 do Código Civil de 2002.

(20) Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. v. 7, p. 48.
(21) OLIVEIRA, Paulo Eduardo Vieira de. O dano pessoal no direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2002. p. 18.
(22) Idem, ibidem, p. 35.
(23) Cf. BITTAR, Carlos Alberto. Curso de direito civil. Rio de janeiro: Forense Universitária, 1994. v. 1, p. 570.
(24) Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 8. ed. Rio de janeiro: Forense, 2014. p. 173-196.
(25) Súmula n. 227 do ST): "A pessoa jurídica pode sofrer dano moral".
(26) Cf. DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade civil no direito do trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr, 201 O. p. 175: "é inade-
quado falar na 'acumulação do dano moral com o dano estético', uma vez que o dano estético importará, necessariamente, em dano
material ou estará compreendido no conceito de dano moral".
(27) Súmula n. 387 do ST): "É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral" (Dje 1.9.2009).
(28) Cf. OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006.
11
p. 199: mesmo estando o dano estético compreendido no gênero dano moral, a doutrina e a jurisprudência evoluíram para definir
indenizações distintas quando esses danos forem passíveis de apuração em separado, com causas inconfundíveis".
Responsabilidade Civil no Direito do Trabalho- Reflexões Atuais
Responsabilidade Civil do Empregador e Tutela do Meio Ambiente de Trabalho
169
A responsabilidade civil, por su.a vez, é a obrigação de No caso de danos morais e materiais decorrentes de
responder pelas consequências jurídicas decorrentes do acidente do trabalho, a que a Lei n. 8.213/1991 (art. 20)
ato ilícito praticado, reparando o prejuízo causado. equiparou a doença profissional e a doença do trabalho'31 ',
Essa responsabilidade pode ser contratual ou extra- deve-se destacar que a ocorrência, em si, de acidente do
contratual. A primeira decorre do descumprimento de de- trabalho ou doença ocupacional, não é propriamente o
ver contratual. A segunda refere-se à violação de preceito que gera ao empregado o direito a reparações civis por da-
jurídico-legal, sem se reportar a uma norma contratual. nos morais contra o empregador, pois estes decorrem, na
No caso em estudo, defende-se que esses danos estão verdade, de lesões aos direitos da personalidade, aos direitos
inseridos no contexto mais amplo da relação jurídica de fundamentais e à dignidade da pessoa humana.
emprego, de natureza contratual. Na jurisprudência, há decisão do Tribunal Superior do
Não há como negar que um dos principais deveres do Trabalho, analisando pretensão de dano moral decorrente
empregador, sempre presente no contrato de trabalho, é a de doença profissional, que assim decidiu:
preservação da dignidade da pessoa humana do empregado,
bem como de seus direitos da personalidade e seus direitos A existência de Lesão por Esforços Repetitivos (LER), por
fundamentais. si só, não gera necessariamente um sofrimento psíquico de
Havendo a afronta a tal dever substancial, inerente ao modo a autorizar sempre e indistintamente uma condenação
contrato de emprego, surge o dano moral e material, a ser por dano moral. Deve-se analisar caso a caso e verificar se,
indenizado pelo empregador justamente por ter descum- e(etivamente, decorreu do dano físico alguma consequência
prido o referido dever contratual trabalhista'"'. psíquica relevante, a ponto de merecer indenização. (TST,
A relevância prática dessa conclusão é evidente, pois SBDI-l, E-RR 483.206/98.4, Rel. p/ o Acórdão Min.•Vantuil
"na responsabilidade civil aquiliana a culpa deve ser sem- Abdala, DJ 17.10.2003).
pre provada pela vítima, enquanto na responsabilidade
Na realidade, o que não se exige é a demonstração (ou
contratual, ela é, de regra, presumida, invertendo-se o ônus
seja, a prova) de eventual sofrimento, aflição ou outro sen-
da prova, cabendo à vitima provar, apenas, que a obrigação
não foi cumprida, restando ao devedor o onus probandi, timento intimamente padecido pela vítima, pois é do fato
por exemplo, de que não agiu com culpa ou que ocorreu da violação do referido direito da personalidade, ou da
alguma causa excludente do elo de causalidade"<3ll>. lesão a direito fundamental, preservando a dignidade da
pessoa humana, que surge, automaticamente, o prejuízo
Por isso, tendo em vista a conclusão de que a respon-
sabilidade do empregador por danos morais e materiais de ordem moral'">.
(inclusive quando decorrentes de acidente do trabalho A Constituição Federal, no art. 7°, inciso XXVIII, segun-
e doença ocupacional) é modalidade de responsabilidade da parte, ao versar sobre o acidente de trabalho, assegura
contratual, a culpa é presumida, invertendo-se o ônus da o direito à indenização a que está obrigado o empregador,
prova em favor da vitima (no caso, o trabalhador). Nesse "quando incorrer em dolo ou culpa". O benefício previ-
sentido, cabe destacar o Enunciado n. 41, aprovado na denciário acidentário, previsto na lei de seguridade so-
"1ª jornada de Direito Material e Processual na justiça do cial, é que se rege pela responsabilidade objetiva, fundada
Trabalho", ocorrida no TST, em Brasília, em 23.11.2007: no risco social (art. 7°, inciso XXVIII, primeira parte, da
Responsabilidade civil. Acidente do trabalho. Onus da prova.
CRFB/1988).
Cabe a inversão do ônus da prova em favor da vitima nas Apesar dessa previsão, cabe analisar os casos em que a
ações indenizatórias por acidente do trabalho. atividade desenvolvida pelo empregador é prevista em lei

(29) Cf. o Enunciado n. 39, aprovado na "1ª jornada de Direito Material e Processual na justiça do Trabalho", ocorrida no TST, em
Brasília, em 23.11.2007: "MEIO AMBIENTE DE TRABALHO. SAÚDE MENTAL. DEVER DO EMPREGADOR. É dever do empregador
e do tomador dos serviços zelar por um ambiente de trabalho saudável também do ponto de vista da saúde mental, coibindo práticas
tendentes ou aptas a gerar danos de natureza moral ou emocional aos seus trabalhadores, passíveis de indenização".
(30) GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo:
Saraiva, 2005. v. 3, p. 20.
(31) Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Acidentes do trabalho, doenças ocupacionais e nexo técnico epidemiológico. 4. ed. São
Paulo: Método, 2011. p. 18-19.
(32) Cf. LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: obrigações e responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: RT, 2004. v. 2, p. 503:
''A responsabilidade de agente causador do dano moral advém da violação, ou seja, trata-se de responsabilidade ex facto, bastando
a demonstração dos acontecimentos causadores do dano. A prova do dano moral decorre, destarte, da mera demonstração dos fatos
(damnum in re ipsa). I ... ] A presunção da existência do dano no próprio fato violador é absoluta (presunção iure et de iure), tornando-
-se prescindível a prova do dano moral". ·
Responsabilidade Civil no Direito do Trabalho- Reflexões Atuais
170 Gustavo Filipe Barbosa Garcia

como hipótese de responsabilidade objetiva, ou mesmo visa a inserção da aludida regra geral. No direito do consu-
quando a atividade normalmente desenvolvida pelo em- midor, a responsabilidade do fornecedor pelos defeitos dos
pregador implique, por sua natureza, risco para os direitos produtos e serviços despejados no mercado é objetiva, in-
de outrem (art. 927, parágrafo único, do CC/2002). dependentemente da atividade por ele normalmente desen-
volvida apresentar risco a direito de outrem. Assim, desne-
Nessas hipóteses, ocorrendo lesões patrimoniais e/ou
cessária a aplicação da norma civil às relações de consumo,
morais ao empregado, decorrentes de acidente do trabalho
dado o caráter mais benéfico desta. No direito do trabalho,
ou doença profissional, é necessário saber se a responsabi-
entretanto, o art. 7º, XXVIII, determina, tão somente, que
lidade do empregador é subjetiva ou objetiva.
o empregador responderá pelos danos morais e materiais
Nos casos em questão, evoluindo na compreensão da causados aos seus empregados, desde que comprovada a
matéria, o correto é entender que prevalece a nova dispo- culpa daquele que suporta os riscos da atividade produtiva.
sição, mais favorável, do Código Civil em vigor, ao prever A Constituição Federal, como se percebe, não faz menção à
a responsabilidade objetiva nos casos previstos em lei, ou possibilidade de se responsabilizar objetivamente o empre-
quando a atividade desenvolvida seja de risco"". gador pelos aludidos danos. Apesar disso, tendo em vista o
Nessa linha, seria um paradoxo que o terceiro lesado disposto no caput do aludido dispositivo constitucional e o
possa obter a reparação civil independentemente de culpa, princípio da norma mais benéfica, a outra conclusão não se
mas, quanto a danos sofridos pelo empregado, exija-se a pode chegar, senão a de que não se vedou a criação de um
sua presença 04). Nesse sentido, transcreve-se o seguinte sistema de responsabilidade mais favorável ao empregado,
julgado oriundo do Tribunal Superior do Trabalho: ainda que fora da legislação especificamente destinada a re-
ger as relações laborais, mormente se considerarmos que
Recurso de revista. Dano moral. Acidente de trabalho. Respon- o trabalhador, premido pela necessidade de auferir meios
sabilidade objetiva do empregador. Art. 927, parágrafo único, para a sua sobrevivência, apresenta-se, em relação ao seu
do código civil. Conceito de atividade habitWllmente desen- empregador, na posição mais desigual dentre aquelas que se
volvida. Direito do consumidor. Direito do trabalho. Princípio pode conceber nas interações humanas. Dessa forma, a fim
constitucional solidarista. Incidtncia. O sistema de respon- de evitar o paradoxo de se responsabilizar o mesmo indiví-
sabilidade civil adotado pelo ordenamento jurídico é um duo (ora na condição de empregador, ora na condição de
dos reflexos da preocupação do legislador com a tutela dos fornecedor) de forma diversa (objetiva ou subjetivamente)
direitos pertencentes àqueles que não podem negociar, em em face do mesmo evento danoso, somente pelo fato das
condições de igualdade, os seus interesses com a outra par- suas consequências terem atingidos vítimas em diferentes
te da relação contratual. Nesse passo, o Código Civil, em estágios da atividade produtiva, necessária se faz a aplicação
seu art. 927, parágrafo único, estabelece que será objetiva a do art. 927, parágrafo único, do Código Civil ao direito do
responsabilidade daquele que, em face do desenvolvimento trabalho, desde que, no momento do acidente, o emprega-
normal de sua atividade, puder causar dano a outrem. Ati- do esteja inserido na atividade empresarialmente desenvol-
vidade, no sentido utilizado pela norma, deve ser entendida vida pelo seu empregador. A adoção de tal entendimento
como a conduta habitualmente desempenhada, de maneira confere plena eficácia ao princípio constitucional solidaris-
comercial ou empresarial, para a realização dos fins econô- ta, segundo o qual a reparação da vítima afigura-se mais
micos visados pelo autor do dano. Entretanto, dado o cará- importante do que a individualização de um culpado pelo
ter excepcional de que se reveste a responsabilidade objetiva evento danoso. Na hipótese dos autos, restam presentes os
em nosso ordenamento jurídico (já que a regra é a de que elementos necessários à incidência do dispositivo civilista,
somente haverá a imputação de conduta lesiva a alguém se motivo pelo qual merece acolhida a pretensão esposada pelo
provada a sua atuação culposa), somente nos casos em que obreiro em sua petição inicial. Recurso de revista conhecido
os produtos e serviços fornecidos pelo causador do dano e provido. (Processo: RR - 94600-70.2006.5.12.0025 Data
apresentarem perigo anormal e imprevisível ao sujeito que de julgamento: 17.12.2008, Redator Ministro: Luiz Philippe
deles se utiliza haverá espaço para a incidência do citado Vieira de Mello Filho, lª Turma, Data de Publicação: DEJT
diploma legal. Ressalte-se, ainda, que o Código Civil, por 20.2.2009).
força dos arts. 8º, parágrafo único, da CLT e 7º do CDC
ostenta a condição de norma geral em termos de responsa- Entretanto, cabe registrar a existência de decisões do
bilidade civil, motivo pelo qual a sua aplicação aos demais Tribunal Superior do Trabalho em sentido diverso:
ramos do direito depende da inexistência de legislação espe-
cífica sobre o assunto, assim como de sua compatibilidade Recurso de revista. Indenização por danos provenientes de
com os princípios inerentes à parcela do direito a que se infortúnios ela trabalho. Responsabilidade subjetiva ela emprega-

(33) Cf. OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional, cit., p. 103-105.
(34) Cf. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Responsabilidade civil nas relações de trabalho e o novo Código Civil brasileiro. Revista de
Direito do Trabalho, São Paulo, RT, ano 29, n. 111, p. 173, jul./set. 2003.
Responsabilidade Civil no Direito do Trabalho- Reflexões Atuais
Responsabilidade Civil do Empregador e Tutela do Meio Ambiente de Trabalho
171
dor de que trata o art. 7º, inciso XXVII da Constituição em balhista (CF, art. 7°, XXVIII). 2. -In casu -, o Regional con-
detrimento da responsabilidade objetiva consagrada no pará- firmou a sentença condenatória de pagamento de indeniza-
grafo único do art. 927 do código civil de 2002. Supremacia ção por danos morais decorrente de acidente de trabalho,
da nonna constitucional. lnaplicabílidade da regra de direito sob o fundamento de que, independentemente de culpa da
intertemporal do§ 1° do art. 2° da LlCC. I- É sabido que o Reclamada, a sua responsabilização seria objetiva, na forma
acidente de trabalho e a moléstia profissional são infortú- do art. 927, parágrafo único, do CC, na medida em que de-
nios intimamente relacionados ao contrato de emprego, e sempenha atividade empresarial intrinsecamente perigosa
por isso só os empregados é que têm direito aos benefícios (laminação de madeira). 3. Se, por um lado, a norma civil
acidentários, daí ser impondo a conclusão de a indeniza- não alcança a esfera trabalhista, iluminada pelo comando
ção prevista no art. 79 , inciso XXVIII da Constituição se constitucional do art. 7º, XXVIII, por outro, nenhuma ati-
caracterizar como direito genuinamente trabalhista. li - vidade laboral está infensa a riscos de acidente (no próprio
Essa conclusão não é infirmável pela versão de a indeniza- dizer de Guimarães Rosa, em sua epopeia - Grande Sertão:
ção prevista na norma constitucional achar-se vinculada à Veredas-,- viver é muito perigoso-), mas a CLT somente
responsabilidade civil do empregador. Isso nem tanto pela admite o adicional de periculosidade para as atividades de
evidência de ela reportar-se, na realidade, ao art. 7º, inciso risco acentuado, ínsito ao manuseio de explosivos, infla-
XXVIII, da Constituição, mas sobretudo pela constatação máveis (art. 193) e energia elétrica (Lei n. 7.369/85, art.
de a pretensão indenizatória provir não da culpa aquiliana, 1º), o que descartaria, em tese, a invocação da responsabi-
mas da culpa contratual do empregador, extraída da não lidade objetiva por risco em relação ao setor de laminação
observãncia dos deveres contidos no art. 157 da CLT. III de. madeira, que é a hipótese dos autos. 4. Assim, não há
- Sendo assim, havendo previsão na Constituição da Re- como se atribuir responsabilidade à Empregadora pelos da-
pública sobre o direito à indenização por danos material e nos morais decorrentes de acidente de trabalho que rtsultou
moral, provenientes de infortúnios do trabalho, na qual se na amputação parcial do 2º quirodáctilo da mão direita do
adotou a teoria da responsabilidade subjetiva do emprega- Reclamante apenas considerando a teoria da responsabili-
dor, não cabe trazer à colação a responsabilidade objetiva dade objetiva. Recurso de revista provido. (Processo: RR -
de que trata o § único do art. 927 do Código Civil de 2002. 995/2007-120-08-40.7 Data de julgamento: 27.5.2009, Re-
IV- Isso em razão da supremacia da norma constitucional, lator Ministro: Ives Gandra Martins Filho, 7ª Turma, Data
ainda que oriunda do Poder Constituinte Derivado, sobre a de Divulgação: DEJT 29.5.2009).
norma infraconstitucional, segundo se constata do art. 59 Agravo de instrumento. Ante a provável ofensa ao art. 7º, inc.
da Constituição, pelo que não se pode absolutamente cogi- XXVIII, da Constituição da República, dá-se provimento ao
tar da revogação do art. 7º, inciso XXVIII, da Constituição, Agravo de Instrumento para determinar o processamento
a partir da superveniência da norma do parágrafo único do do Recurso de Revista. Recurso de revista indenização por
art. 927 do Código Civil de 2002, não se aplicando, eviden- dano moral. Acidente de trabalho. Responsabilidade do empre-
º
temente, a regra de Direito lntertemporal do § 1 do art. 22 gador. A Constituição da República incluiu entre os direi-
da LICC. Recurso conhecido e desprovido. (Processo: RR tos do empregado o seguro contra acidentes de trabalho,
-183212006-026-12-00.4 Data de julgamento: 15.10.2008, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que
Relator Ministro: Antônio José de Barros Levenhagen, 4ª este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa (art.
Turma, Data de Divulgação: DEJT 24.10.2008). 7º, inc. XXVIII). Assim, constata-se que a Constituição da
I) Agravo de instrumento- Divergência jurisprudencial - Ca- República, quanto à indenização por danos material e mo-
racterização. Demonstrado no agravo de instrumento que a ral, provenientes de infortúnios do trabalho, adotou a teoria
revista oferecia divergência jurisprudencial válida e especí- da responsabilidade subjetiva do empregador. Na hipótese
fica em relação à não aplicação da responsabilidade objetiva dos autos, a responsabilidade objetiva da reclamada pela in-
para a condenação à indenização por danos morais decor- denização por danos decorrentes do acidente de trabalho
rente de acidente de trabalho, o apelo merece ser provido. foi declarada pelo Tribunal Regional, ao atestar que- nossa
Agravo de instrumento provido. II) Recurso de revista- In- linha de reflexão segue a doutrina mais autorizada da obje-
denização por danos morais - Inexistência de culpa ou dolo tivação da culpa, em tais hipóteses- (fls. 102). Dessa forma,
da reclamada - Responsabilidade objetiva - Impossibilidade. consoante o quadro expresso pelo Tribunal Regional, não
L Para a existência do dever de reparar o dano causado, tendo sido demonstrada a ocorrência de culpa da reclamada
alguns pressupostos devem estar presentes, sem os quais o para o surgimento do dever de indenizar, deve ser afastada
próprio instituto da responsabilidade se toma inaplicável à a condenação ao pagamento de indenização por danos mo-
hipótese, quais sejam, o dano experimentado pelo ofendido, rais. Recurso de Revista de que se conhece e a que se dá pro-
a ação ou a omissão do causador, o nexo de causalidade e a vimento. (Processo: RR- 1376/2005-002-19-40.8 Data de
culpa ou o dolo do agente. Trata-se do estabelecimento do Julgamento: 24.9.2008, Relator Ministro: João Batista Brito
nexo causal entre lesão e conduta omissiva ou comissiva do Pereira, 5• Turma, Data de Divulgação: DEJT 10.10.2008).
empregador, sabendo-se que o direito trabalhista brasileiro
alberga tão-somente a teoria da responsabilidade subjetiva, Apesar da controvérsia na jurisprudência sobre o
derivada de culpa ou dolo do agente da lesão em matéria tra- tema, tendo em vista a incidência do princípio da norma
172 Responsabilidade Civil no Direito do Trabalho- Reflexões Atuais
Gustavo Filipe Barbma Garcia

mais benéfica, decorrente do princípio protetor, inerente tes do trabalho se consubstanciem, na realidade, em lesões
ao Direito do Trabalho e de hierarquia constitucional('", ao chamado meio ambiente do trabalho, o qual faz parte do
o mais coerente é concluir que a aplicação da regra do meio ambiente como um todo (art. 200, inciso VIII, da
art. 927, parágrafo único, do Código Civil de 2002, toma CRFB/1988).
possível assegurar aos empregados a incidência de direi- Nessa situação especial, as referidas doenças e infortú-
tos trabalhistas superiores ao patamar legislativo mínimo, nios "decorrem, na verdade, dos danos maiores ao meio am-
com vistas à melhoria de sua condição social (art. 7°, ca- biente do trabalho". Por isso, assim ocorrendo, defende-se
put, da CRFB/1988). que a responsabilidade civil, nesses casos, também é de na-
Nesse sentido, a regra geral da exigência de culpa para tureza objetiva, com fundamento no art. 225, § 3º, da Cons-
a responsabilização do empregador por danos decorrentes tituição Federal de 1988 e an. 14, § 1°, da Lei n. 6.938/1981
de acidente do trabalho seria apenas um patamar mínimo (Lei de Política Nacional do Meio Ambiente)('".
(art. 7°, inciso XXVIII, parte final da CRFB/1988), o qual Em conformidade com o Enunciado n. 38, também
pode (e deve) ser ampliado f apeifeiçoado em benefício dos aprovado na "1ª Jornada de Direito Material e Processual
trabalhadores e da melhoria de sua condição social (art. 7°, na Justiça do Trabalho":
caput, da CRFB/1988), por meio de outras disposições,
ainda que infraconstitucionais, estabelecendo a incidência Responsabilidade civil. Doenças ocupacionais decorrentes dos
da responsabilidade objetiva0 6J. danos ao meio ambiente do trabalho. Nas doenças ocupacio-
Em razão da interpretação sistemática (do ordena- nais decorrentes dos danos ao meio ambiente do trabalho,
a responsabilidade do empregador é objetiva. Interpretação
mento jurídico como um todo) e teleológica dos princí-
sistemática dos artigos 7°, XXVIII, 200, VIII, 225, § 3°, da
pios da proteção e da aplicação da norma mais favorável
Constituição Federal e do art. 14, § 1°, da Lei n. 6.938/1981.
no âmbito trabalhista, evoluiu-se, aqui, para o entendi-
mento de que a incidência da responsabilidade objetiva Vejamos, ainda, a hipótese em que servidor público,
também é uma forma legítima e válida de melhoria da con- de pessoa jurídica de direito público ou de direito privado
dição social do trabalhador. Torna-se viável, desse modo, prestadora de serviços públicos, regido pela legislação tra-
o efetivo recebimento da devida indenização por danos balhista (empregado público), sofre acidente do trabalho
morais e materiais, mesmo quando decorrente de acidente ou doença profissional.
do trabalho, em plena e total conformidade com o caput
O art. 3 7, § 6°, da Constituição da República estabele-
do art. 7° da Constituição Federal de 1988.
ce a responsabilidade dos referidos entes públicos "pelos
Nesse sentido, de acordo com o Enunciado n. 3 7, danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a ter-
aprovado na "1ª Jornada de Direito Material e Proces- ceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsá-
sual na Justiça do Trabalho", ocorrida no TST (Brasília, vel nos casos de dolo ou culpa".
23.11.2007):
Como se nota, trata-se de responsabilidade objetiva
Responsabilidade civil objetiva no acidente de trabalho. Ativi- da Administração Pública (tendo adotado a teoria do ris-
dade de risco. Aplica-se o art. 927, parágrafo único, do Có- co administrativo Y"', que se dirige às reparações civis de
digo Civil nos acidentes do trabalho. O art. 7º, XXVIII, da danos causados pelos agentes públicos a terceiros. Mesmo
Constituição da República, não constitui óbice à aplicação assim, de acordo com o Enunciado n. 40, também apro-
desse dispositivo legal, visto que seu caput garante a inclu- vado na "1ª Jornada de Direito Material e Processual na
são de outros direitos que visem à melhoria da condição Justiça do Trabalho":
social dos trabalhadores.
Responsabilidade civil. Acidente do trabalho. Empregada pú-
Além disso, cabe registrar a hipótese em que as doen- blico. A responsabilidade civil nos acidentes do trabalho
ças ocupacionais (profissionais e do trabalho) e os aciden- envolvendo empregados de pessoas jurídicas de Direito

(35) Cf. DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Inovações na legislação trabalhista. São Paulo: LTr, 2000. p. 55: "Não é ocioso lembrar
que o princípio da norma mais benéfica está estampado no caput do art. 7º da Constituição Federal".
11
(36) No caso, por exemplo, o art. 927, parágrafo único, do CC-2002: Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de
culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natu-
reza, risco para os direitos de outrem". Cf. ainda o art. 225, § 3°, da CRFB/1988 e art. 14, § 1°, da Lei n. 6.938/1981 (Lei de Política
Nacional do Meio Ambiente), que preveem a responsabilidade civil objetiva nas lesões ao meio ambiente, o qual inclui o meio am-
biente de trabalho (art. 200, inciso VIII, da CRFB/1988).
(37) Cf. MELO, Raimundo Simão de. Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador, cit., p. 278-282.
(38) MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 26. ed. atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero
Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 614.
Responsabilidade Civil no Direito do Trabalho- Reflexões Atuais
Responsabilidade Civil do Emprf:."gador e Tutela do Meio Ambiente de Trabalho
173
Público interno é objetiva. Inteligência do artigo 3 7, § 6º da Da mesma forma, em se tratando de acidente do traba-
Constituição Federal e do artigo 43 do Código Civil. lho ou principalmente de doença ocupacional decorrente
de lesão ao meio ambiente do trabalho (art. 200, inciso VIII,
Se o empregador exerce atividade nuclear, ainda que da CRFB/1988), incidem as regras que impõem a responsa-
sob o regime de concessão ou permissão (art. 21, inciso bilidade objetiva, conforme art. 225, § 3º, da Constituição
XXIII, da CRFB/1988), e ocorre acidente do trabalho, de da República e art. 14, § 1º,da Lei n. 6.938/1981 (Lei de
acordo com o art. 21, inciso XXIII, d, da Constituição da Política Nacional do Meio Ambiente).
República (com redação determinada pela Emenda Cons-
titucional n. 49/2006), a responsabilidade civil por danos
nucleares independe da existência de culpa, tratando-se 6. BIBliOGRAFIA
de caso específico de responsabilidade objetiva, mais es"
ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vida! Serrano.
pecificamente de "responsabilidade civil por risco exacer-
bado"<39). Curso de direito constitucíonal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
BITTAR, Carlos Alberto. Curso de direito civil. Rio de janeiro:
Desse modo, a reparação civil decorrente de dano nu-
Forense Universitária, 1994. v. 1.
clear não exige a culpa. No entanto, registre"se que se o
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Cou~
acidente do trabalho ou a doença profissional não decor-
tinho. Rio de janeiro: Campus, 1992.
rerem do fato em questão (dano nuclear), não há como in-
cidir esta disposição constitucional para a reparação civil BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 7. ed. São
em favor do empregado. Ainda assim, podem ser aplicadas Paulo:.Malheiros, 1997.
as previsões do art. 927, parágrafo único, do Código Ci- COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos
vil de 2002, c/c art. 7º, caput, da Constituição Federal de humanos. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. •
1988 (por se tratar de atividade de risco), ou mesmo do DALLEGRAVE NETO,josé Affonso. Inovações na legislação tra-
art. 225, § 3º, da Constituição da República e do art. 14, balhista. São Paulo: LTr, 2000.
§ 1º,da Lei n. 6.938/1981 (Lei de Política Nacional do Meio ___ . Responsabilidade civil no direito do trabalho. 4. ed. São
Ambiente), que preveem a responsabilidade civil objetiva Paulo: LTr, 2010.
nas lesões ao meio ambiente, o qual inclui o meio ambien-
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsa-
te de trabalho (art. 200, inciso VIII, da CRFB/1988). bilidade civil. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. v. 7.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitu-
5. CONClUSÃO cional. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 1995.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos funda-
O fundamento e a evolução dos direitos humanos fun-
mentais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
damentais revelam que os direitos sociais e trabalhistas
também estão neles inseridos(40'. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Acidentes do trabalho, doen-
ças ocupacionais e nexo técnico epidemiológico. 4. ed. São Paulo:
Da mesma forma, o meio ambiente do trabalho, inse- Método, 2011.
rido no meio ambiente como um todo, também apresenta
___. Curso de direito do trabalho. 8. ed. Rio de janeiro: Fo-
natureza de direito humano fundamental, tendo como es"
rense, 2014.
sência a garantia da dignidade da pessoa humana.
___. Direitos fundamentais e relação de emprego: trabalho,
Tratando-se de responsabilidade civil decorrente de
Constituição e processo. São Paulo: Método, 2008.
acidente do trabalho, a Constituição Federal de 1988, à
primeira vista, pode parecer que se exige a culpa (lato sen- ___. Meio ambiente do trabalho: direito, segurança e medicina
su) para a responsabilização do empregador (art. 7º, inciso do trabalho. 4. ed. São Paulo: Método, 2014.
XXVlll, parte final). LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: obrigações e res-
No entanto, após exame mais aprofundado e siste- ponsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: RT, 2004. v. 2.
mático da matéria, evoluiu-se no sentido da aplicação MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difUsos em juizo:
da responsabilidade objetiva, prevista no Código Civil de meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio pú-
2002, na hipótese de atividade normalmente desenvolvi- blico e outros interesses. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1006.
da pelo autor do dano que implique, por sua natureza, MELO, Raimundo Simão de. Direito ambiental do trabalho e saú-
risco para os direitos de outrem (art. 927, parágrafo úni- de do trabalhador: responsabilidades legais, dano material, dano
co, parte final). moral, dano estético. São Paulo: LTr, 2004.

(39) LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: obrigações e responsabilidade civil, cit., p. 643.
(40) Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Direitos fundamentais e relação de emprego: trabalho, Constituição e processo. São Paulo:
Método, 2008. p. 18-44.
174 Responsabilidade Civil no Direito do Trabalho- Reflexões Atuais
Gustavo Filipe Barbosa Garcia

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 26. RAMOS, André de Carvalho. Teoria geral dos direitos humanos na
ed. atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Baleste- ordem internacional. Rio de janeiro: Renovar, 2005.
ro Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros,
REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso ele-
2001.
mentar. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1995.
OLIVEIRA, Paulo Eduardo Vieira de. O dano pessoal no direito do
ROMITA, Arion Sayão. Direitos fundamentais nas relações de tra-
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balho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2007.
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do
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de trabalho e o novo Código Civil brasileiro. Revista de Direito da SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 2. ed. São
Trabalho, São Paulo, RT, ano 29, n. Ill, p. 173,jul.-set. 2003. Paulo: Malheiros, 1995.

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