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9.

2 O artigo 225 da CF

9.2.1 Introdução:

O núcleo normativo do Direito Ambiental na Constituição Federal de 1988 está


situado no artigo 225, ocupando sozinho todo o Capítulo VI da Ordem Social.
José Afonso da Silva1 descreve a estrutura do artigo 225 da Constituição Federal
de 1988, situando-a em três conjuntos de normas, iniciando pelo o caput do artigo,
atribuindo-lhe a denominação de “norma princípio”, que revela o direito de todos a um
meio ambiente equilibrado.
O segundo conjunto é composto dos incisos contidos no §1° do artigo 225 da
Constituição Federal de 1988, às quais reputa um valor integrador da “norma princípio”
do caput do artigo, uma vez que “outorgam direitos e impõem deveres relativamente ao
setor ou ao recurso ambiental que lhes é objeto”2, salientando que o destinatário da
norma é o Poder Público.
Por fim, o terceiro conjunto são os parágrafos seguintes (§2° a §6°) do artigo
225 da Constituição Federal de 1988, que trazem determinações específicas a objetos e
setores governamentais, notadamente o §4° que se refere à proteção dos ecossistemas
especialmente vulneráveis, ao qual o constituinte entendeu outorgar imediata proteção
de nível constitucional.
Os vinte e seis princípios da Declaração de Estocolmo de 1972 estão contidos,
na sua totalidade, no artigo 225 da Constituição Federal de 1988.
Os incisos e parágrafos do artigo em comento além de exaustivos são
impositivos no sentido de prescrever ao legislador infraconstitucional a estruturação de
um sistema legal que proteja o ecossistema e o meio ambiente nacional, em total
sintonia com o desenvolvimento sustentável.

1
SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 7ª ed. São Paulo: Malheiros. 2009, p. 52.
2
SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 7ª ed. São Paulo: Malheiros. 2009, p. 52.
9.2.2 Caput do artigo 225 da CF de 1988

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente


equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações.

a) O destinatário da norma “Todos”:

- Antonio Herman Benjamin3 sustenta que a leitura do caput do artigo 225 da


Constituição Federal de 1988 traduz em seu texto aspectos não só antropocêntricos
(expressão “presentes e futuras gerações”), mas também biocêntricos (noção de
“preservação”). Acrescenta que além dos padrões antropocêntricos e biocêntricos já
assinalados, a Constituição Federal de 1988 apresenta ainda o aspecto ecocêntrico em
razão de se inserir em uma época em que o mundo busca superar paradigmas,
prevalecendo nos diplomas estrangeiros contemporâneos os conteúdos da eqüidade e
solidariedade intergeracional.
Afirma ainda que o antropocentrismo do artigo 225 da Constituição Federal de
1988 foi intencionalmente alargado em favor da necessidade do ser humano integrar-se
à natureza “não se restringindo o ambiente a mera concepção econômica ou de
subalternidade direta a interesses humanos” 4.

a) Direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado:

- Equilíbrio ecológico “é o estado de equilíbrio entre os diversos fatores que formam


um ecossistema ou habitat, suas cadeias tróficas, vegetação, clima, microrganismos,
solo, ar, água, que pode ser desestabilizado pela ação humana, seja por poluição
ambiental, por eliminação ou introdução de espécies animais e vegetais” 5

3
BENJAMIN, Antonio Herman. Direito constitucional ambiental brasileiro. In: CANOTILHO, José
Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (org.). Direito constitucional ambiental brasileiro. 2. ed.
São Paulo: Saraiva, 2008, p. 110-111.
4
BENJAMIN, Antonio Herman. Direito constitucional ambiental brasileiro. In: CANOTILHO, José
Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (org.). Direito constitucional Ambiental brasileiro. 2. ed.
São Paulo: Saraiva, 2008, p. 141.
5
GIOVANETTI, Gilberto; LACERDA, Madalena, apud MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito
ambiental brasileiro. 17. ed. São Paulo: Malheiros. 2009, p. 130.
- O equilíbrio ecológico não significa uma permanente inalterabilidade das condições
naturais. Contudo, a harmonia ou a proporção e a sanidade entre os vários elementos
que compõem a ecologia – populações, comunidades, ecossistemas e a biosfera – hão de
ser buscadas intensamente pelo Poder Público, pela coletividade e por todas as pessoas.6

- O poder público e a coletividade deverão defender e preservar o meio ambiente


desejado pela Constituição, e não qualquer meio ambiente. O meio ambiente a ser
defendido e preservado é aquele ecologicamente equilibrado. Portanto, descumprem
a Constituição tanto o poder público como a coletividade quando permitem ou
possibilitam o desequilíbrio do meio ambiente.7

- CONCLUSÃO: O homem não deve ser privado do direito de exploração dos recursos
naturais, pois esta atividade também contribui para a melhoria da qualidade de vida
humana. Entretanto, nesta atividade não poderá desqualificar o meio ambiente de seus
elementos essenciais, uma vez que estaria contribuindo para seu desequilíbrio e
esgotamento. O que a Constituição Federal de 1988 pretende é combater um meio
ambiente que, embora equilibrado, não tenha qualificação ecológica.8

b) Direito ao meio ambiente como bem de uso comum do povo:

- A CF em seu artigo 225 deu nova dimensão ao conceito de meio ambiente como bem
de uso comum do povo (vide conceituação do bem ambiental). Não elimina o conceito
antigo, mas o amplia. Insere a função social e a função ambiental da propriedade
(artigos 5°, XXIII e 170, III e VI), como bases da gestão do meio ambiente,
ultrapassando o conceito de propriedade privada e pública.

- O poder público passa a figurar não como proprietário de bens ambientais (das águas e
da fauna, conforme Leis 9433/1997, art° 1°, I e 5197/1967, art° 1°), mas como um
gestor ou gerente, que administra bens que não são dele e, por isso, deve explicar
convincentemente sua gestão. O Estado deverá prestar contas sobre a utilização dos

6
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 17. ed. São Paulo: Malheiros. 2009, p.
130.
7
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 17. ed. São Paulo: Malheiros. 2009, p.
134.
8
SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 7ª ed. São Paulo: Malheiros. 2009, p. 88.
bens ambientais de uso comum do povo, concretizando um “Estado Democrático e
Ecológico de Direito” (artigos 1°, 170 e 225 da CF).9

c) Direito ao meio ambiente como bem essencial à sadia qualidade de vida:

- Além de ter afirmado o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a CF faz


um vínculo desse direito com a qualidade de vida. Os constituintes poderiam ter criado
um direito ao meio ambiente sadio, mas foram além. Associaram-no ao valor da
dignidade humana (art° 1°, III da CF).10

- “A qualidade de vida é um elemento finalista do Poder Público, onde se unem a


felicidade do indivíduo e o bem comum, com o fim de superar a estreita visão
quantitativa, antes expressa no conceito de nível de vida.”11

- Lilian Mendes Haber defende a existência no Direito Ambiental de um sobreprincípio


(princípio estruturante) da soberana qualidade de vida, tão expressivo quanto o princípio
da supremacia do interesse público. Explica que o sobreprincípio tem natureza jurídica
de fundamento, “porque se direciona finalisticamente de forma imediata para os
princípios e de forma mediata para os demais componentes de um determinado ramo do
saber”12

d) Responsabilidade coletiva pela preservação do meio ambiente (“... impondo-se


ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo...”):

- A Constituição foi bem formulada ao colocar conjuntamente o poder público e a


coletividade como agentes fundamentais na ação defensora e preservadora do meio
ambiente. Não é papel isolado do Estado em cuidar sozinho do meio ambiente, pois essa
tarefa não pode ser eficientemente executada sem a cooperação da sociedade. 13
9
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 17. ed. São Paulo: Malheiros. 2009, p.
131.
10
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 17. ed. São Paulo: Malheiros. 2009, p.
132.
11
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 17. ed. São Paulo: Malheiros. 2009, p.
132.
12
HABER, Lilian Mendes. O sobreprincípio da soberana qualidade de vida. Revista de Direito Ambiental,
São Paulo, n. 55, p. 100, jul.- set 2009.
13
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 17. ed. São Paulo: Malheiros. 2009, p.
134.
- Poder Público inclui os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, que são os
Poderes da União (art° 2° da CF).

- Coletividade compreende a sociedade civil (art° 58, II), as ONGs, associações,


fundações e as organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIP, Lei n°
9790/1999). A presença e a atuação da sociedade civil na defesa do meio ambiente
revela-se como uma das marcas inconfundíveis do novo Direito Ambiental.

e) Responsabilidade entre gerações (“... preservá-lo para as presentes e futuras


gerações...”):

- A CF estabelece as presentes a as futuras gerações como destinatárias da defesa e da


preservação do meio ambiente. O art. 225 consagra a ética da solidariedade entre as
gerações, pois as gerações presentes não podem usar o meio ambiente fabricando a
escassez e a debilidade para as gerações futuras.14

- Responsabilidade ambiental entre gerações se refere a um conceito econômico que


obriga a conservar o recurso sem esgotá-lo. Assim, o lançamento de resíduos no meio
ambiente não deve superar capacidade de absorção da natureza, o consumo dos recursos
não renováveis deve se limitar a níveis mínimos e os grandes riscos ambientais devem
ser dimensionados e assegurados.15

- O conceito de sustentabilidade requer a satisfação das necessidades das comunidades,


preservando as condições para que as gerações futuras possam dispor do mesmo
patrimônio social, econômico e ambiental que se encontra disponível para a geração
atual.

- Cristiane Derani16 denomina o conceito de “redistribuição entre gerações”,


acrescentando seu ineditismo até a Constituição de 1988 e o fato de ter sido a primeira
vez que se prescreve um direito para quem ainda não existe. Assegura que as gerações
14
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 17. ed. São Paulo: Malheiros. 2009, p.
134.
15
ANGELI, Franco, 2000, p. 78-79, apud MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito ambiental
brasileiro. 17.ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 135.
16
DERANI, Cristiane. Direito Ambiental econômico. 3ª ed. São Paulo: Saraiva. 2008, p. 257-259.
futuras também estão ligadas às garantias fundamentais, pois têm interesses relevantes
que devem ser considerados no presente.

9.2.3 Parágrafo primeiro:

Art. 225. [...]

§1° Para assegurar a efetividade desse direito incumbe ao


poder público:
I- preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e
promover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II- preservar a diversidade e a integridade do patrimônio
genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e
manipulação de material genético.
III- definir, em todas as Unidades da Federação, espaços
territoriais e seus componentes a serem especialmente
protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente
através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a
integridade dos atributos que justifiquem sua proteção.
[...]
VII- proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as
práticas que coloquem em risco sua função ecológica,
provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à
crueldade.
§2° [...]

a) Incisos I, II, III e VII

No artigo 225 da Constituição Federal de 1988 é visível o compromisso social


para com os processos ecológicos essenciais. 17
José Afonso da Silva, comentado a significação geral dos enunciados do artigo
225 da Constituição Federal de 1988, particularmente conteúdo do inciso I e II do §1°,
ensina:
17
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2000, p. 23.
Processos ecológicos essenciais são aqueles que asseguram as
condições necessárias para uma adequada interação biológica. Prover
o manejo ecológico das espécies significa lidar com as espécies de
modo a conservá-las, recuperá-las, quando for o caso. E prover o
manejo dos ecossistemas quer dizer cuidar do equilíbrio das relações
entre a comunidade biótica e o seu habitat (mar, floresta, rio, pântanos
etc.); [...] preservar a diversidade e a integridade do patrimônio
genético vale dizer preservar todas as espécies, através do fator
caracterizante e diferenciador da imensa quantidade de espécies vivas
do país, incluindo aí todos os reinos biológicos; 18

Preservar e restaurar são ações que implicam na manutenção e na continuidade


dos processos ecológicos. Frise-se que não se trata de promover uma situação estática,
mas garantir a utilização perene dos recursos naturais pela manutenção dos processos
ecológicos e dos sistemas vitais essenciais, permitindo o aproveitamento das espécies e
dos ecossistemas.19
Importante desde já salientar a importância da Lei n° 9.985/2000, regulamentada
pelo Decreto n° 4.340/2002, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de
Conservação da Natureza – SNUC, regulamentando os incisos I, II, III e VII do artigo
225 da Constituição Federal.
O inciso I estabelece os fundamentos para que o poder público possa intervir
para “preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e promover o manejo
ecológico das espécies e ecossistemas”.20
Heline Sivini Ferreira21 explica que as expressões “processos ecológicos
essenciais” e “manejo ecológico” não têm seu significado expresso na doutrina jurídica,
que busca seu sentido nos conceitos estabelecidos pelas ciências naturais. Compreende
que o constituinte, quando se referiu a “processos ecológicos essenciais”, buscou
garantir a proteção dos processos vitais que tornaram possível as inter-relações entre os
seres vivos e o meio ambiente. Por sua vez, visualiza no sentido de “manejo ecológico
das espécies e ecossistemas” a intenção de outorgar ao Poder Público a gestão planejada
da biodiversidade, que engloba três planos distintos e complementares: o das espécies, o
dos genes e o dos ecossistemas, ainda que o constituinte tenha preferido dar tratamento

18
SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 7ª ed. São Paulo: Malheiros. 2009, p. 53.
19
SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 7ª ed. São Paulo: Malheiros. 2009, p. 89.
20
BRASIL. Constituição (1988). Lex: Vade mecum de legislação. 7.ed., São Paulo: Ridell, 2008, p. 86.
21
FERREIRA, Heline Sivini. Política ambiental constitucional. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes;
LEITE, José Rubens Morato (org.). Direito constitucional Ambiental brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Saraiva,
2008, p. 234-235.
especial à diversidade genética (inciso II do §1° do artigo 225 da Constituição Federal
de 1988).
Portanto, a primeira parte do inciso I determina ao Poder Público a ação de
“preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais”, o que significa regenerar e
proteger os solos, o ar atmosférico, as águas, as florestas, dentro dos limites adequados
22
ao processo vital dos animais e vegetais. Estas ações constituem ações conjugadas e
não excludentes, que deverão concretizar-se onde e quando for necessário, promovendo
o tratamento do meio ambiente de forma preventiva ou corretiva. 23
Para Luís Paulo Sirvinskas24, “preservar” é manter intacta a característica do
meio ambiente natural e “restaurar” consiste na recomposição criteriosa dos recursos
naturais degradados. Ensina que ambas as ações devem considerar a dinâmica de
relacionamento existente entre o conjunto de elementos bióticos (recursos naturais) e
abióticos (seres vivos), exemplificando que a ação que visa proteger um manancial deve
também buscar a proteção do solo, do ar atmosférico, da flora, da fauna e todos os
demais recursos existentes na bacia hidrográfica onde o mesmo estiver inserido.
Comentando a segunda parte do inciso I, José Afonso da Silva25 afirma que na
expressão “manejo ecológico das espécies e ecossistemas” constata-se o
reconhecimento da estreita relação existente entre os seres vivos e o local onde vivem,
posto que não há espécies vegetais ou animais fora dos ecossistemas. Assim, o sentido
de manejo das espécies coincide com a gestão de elementos do ecossistema que venha a
favorecer a biodiversidade, conceito totalmente diferente da utilização sustentada dos
recursos de um ecossistema, esse contemplado no §4º do artigo 225 da Constituição
Federal (vide abaixo).
Como mencionado, o inciso II preconiza especificamente que cabe ao poder
público “preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e
fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético” 26.
A diversidade biológica está ligada à sustentabilidade de todos os seres vivos
encontrados no meio ambiente. A totalidade das espécies vegetais ou animais ainda não
é conhecida e aquelas que se encontram catalogadas não ultrapassam dez por cento do
universo existente, sendo encontradas em sua maior parte na Floresta Amazônica e na
Mata Atlântica. O que se procura proteger é a diversidade biológica e o patrimônio
22
SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 7ª ed. São Paulo: Malheiros. 2009, p. 91.
23
MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 6. ed., São Paulo:RT, 2009, p. 158.
24
SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de direito ambiental. 7.ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 77.
25
SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 7ª ed. São Paulo: Malheiros. 2009, p. 93.
26
BRASIL. Constituição (1988). Lex: Vade mecum de legislação. 7.ed., São Paulo: Ridell, 2008, p. 86.
genético existente em determinados espaços, utilizando-se também para este fim o
disposto na Lei que instituiu o Sistema Nacional das Unidades de Conservação (Lei n°
9.985/2000). A Lei n° 11.105/2005 (Lei de Biossegurança) estabeleceu normas de
segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos
geneticamente modificados, dispondo sobre a Política Nacional de Biossegurança. 27
Este dispositivo vem sendo considerado como o mais avançado de todo o
capítulo do meio ambiente, pois a produção futura de novos alimentos e de novos
farmacológicos depende da preservação da diversidade e da integridade do patrimônio
genético.28
Vale novamente destacar como Édis Milaré sintetiza a importância da
conservação do patrimônio genético:

Os setores de ponta do capitalismo avançado estão convencidos de


que, após a revolução da informação, aproxima-se a grande onda da
inovação tecnológica, que trará proximamente a revolução biológica e
a revolução dos novos materiais. Percebeu-se, realmente, com o
desenvolvimento da biotecnologia, em particular da Engenharia
Genética, a possibilidade de exploração em escala industrial mundial
de infinitas variedades de microorganismos, plantas e animais,
acarretando um fluxo de milhões e milhões de dólares para a
agricultura, indústria e medicina.29

Percebe-se que a conservação do patrimônio genético tem um forte componente


intergeracional, uma vez que se volta para a preservação de um recurso extremamente
importante para a sobrevivência das futuras gerações. Por esta razão foi firmado em
1992 a Convenção sobre a Biodiversidade, por ocasião da Conferência das Nações
Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO 92).
O inciso III estabelece a necessidade de “definir em todas as Unidades da
Federação, os espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos,
sendo e a alteração ou supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer
utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção”. 30
Este dispositivo constitucional possibilita a criação de qualquer espaço territorial
por lei, decreto, portaria ou resolução. A tutela constitucional não está limitada a nomes
ou regimes jurídicos de cada espaço territorial, bastando que se reconheça que o mesmo
deva ser protegido. O inciso também é auto-aplicável, não demandando legislação
27
SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de direito ambiental. 7.ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 79-80.
28
MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 6. ed., São Paulo:RT, 2009, p. 158.
29
MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 6. ed., São Paulo:RT, 2009, p. 162.
30
SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de direito ambiental. 7.ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 82.
complementar para ser implementado, visto que não foi inserida a expressão “na forma
da lei”.31
Os espaços territoriais especialmente protegidos são áreas distribuídas por todo
território nacional possuidoras de atributos ambientais que justificam a imposição de
restrições totais ou parciais de fruição, com o intuito de preservar sua biodiversidade.
Tais áreas podem conservar o regime de propriedade privado ou serem incorporadas ao
patrimônio público. A caracterização de tais áreas e o seu regime de apropriação
também é estabelecido pela Lei n° 9.985/2000 que instituiu o Sistema Nacional de
Unidades de Conservação da Natureza – SNUC.
As áreas especificadas pela Lei n° 9.985/2000 são denominadas espaços
territoriais especialmente protegidos strictu sensu. No entanto, vale assinalar a
existência dos espaços territoriais especialmente protegidos lato sensu, representadas
pelas Áreas de Preservação Permanente (APP) e de Reserva Legal Florestal, conforme
estabelecidas pelo Código Florestal (Lei n° 4.771/65), bem como das áreas de proteção
especial previstas na lei de parcelamento do solo urbano (Lei n° 6.766/1979). Essas
áreas de preservação têm fundamentos e finalidades distintas daqueles estabelecidos
para as unidades de conservação strictu sensu. 32
A Lei n° 9.985/2000 em seu artigo 41 também instituiu as Reservas da Biosfera,
criadas pela Organização das Nações Unidas para a Educação Ciência e a Cultura
(UNESCO) em 1972. Através da Lei n° 7.804/89, que alterou a Lei de Política Nacional
do Meio Ambiente (Lei n° 6.938/81), a criação de espaços especialmente protegidos
passou a constar também dentre os instrumentos da Política Nacional do Meio
Ambiente. A Lei n° 11.284/2006 instituiu a possibilidade de gestão de florestas
públicas, seja de forma direta ou indireta, mediante procedimento licitatório e contrato
administrativo. O Decreto Presidencial n° 5.758/2006 criou o Plano Estratégico
Nacional de Áreas Protegidas (PNAP), em cumprimento aos compromissos assumidos
pelo Brasil como membro da Convenção sobre Diversidade Ecológica (Decreto
Legislativo n° 2/1994; Decreto n° 2.519/1998). Por fim, a Lei n° 11.516/2007 criou o
Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade, vinculado ao Ministério do
Meio Ambiente, responsável pela gestão das Unidades de Conservação. 33

31
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 17.ed., São Paulo: Malheiros, 2009,
p.147.
32
MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 6. ed., São Paulo:RT, 2009, p. 166.
33
FERREIRA, Heline Sivini. Política ambiental constitucional. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes;
LEITE, José Rubens Morato (org.). Direito constitucional Ambiental brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Saraiva,
2008, p. 244-247.
Finalmente, encerrando o rol de incisos destacados do §1° do artigo 225 da
Constituição Federal, apresenta-se o inciso VII, determinando ao Estado “proteger a
fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que provoquem a extinção de
espécies ou submetam os animais à crueldade.” 34
Luís Paulo Sirvinskas35 preceitua que a proteção legal da fauna é ampla,
estendendo-se às espécies da fauna silvestre ou aquática, domésticas ou domesticadas,
nativas ou exóticas, como também àquelas espécies em rota migratória no território
nacional. No entanto, a proteção legal não é absoluta, pois a lei permite a caça ou a
pesca de determinadas espécies mediante autorização da autoridade competente.
Explica que a flora, por sua vez, é entendida como o conjunto de plantas de
determinada região geográfica ou política, mas não vive isoladamente, dependendo da
interação constante entre outros seres vivos. Este estado de equilíbrio entre flora e fauna
se denomina ecossistema sustentado. Portanto, flora e fauna são indissociáveis e de seu
intercâmbio depende a biodiversidade, bem como a manutenção de um sistema
ecologicamente equilibrado.
Assim, ao aludir expressamente à função ecológica da fauna e da flora, a
Constituição Federal admitiu o relevante papel que os animais e as plantas
desempenham na manutenção dos ecossistemas, bem como que qualquer interferência
desautorizada pode ocasionar um transtorno irreversível no meio ambiente
ecologicamente equilibrado.
Neste sentido, legislou-se tanto em prol da proteção da fauna quanto da flora. No
primeiro caso temos como exemplos a proteção dispensada aos animais silvestres pela
Lei n° 5.197/67, recepcionada pela Constituição Federal de 1988; a proteção penal dos
crimes contra a fauna (Lei n° 9.605/98, Seção I, Capítulo V) e a lei que disciplina os
procedimentos para o uso científico dos animais (Lei n° 11.794/2008).
No caso da proteção da flora, podem ser citadas a já comentada Lei n°
9.985/2000 que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza –
SNUC, as áreas especificadas como Áreas de Preservação Permanente (APP) e de
Reserva Legal Florestal, conforme discriminadas no Código Florestal (Lei n° 4.771/65)
e, finalmente, os ecossistemas especialmente protegidos, conforme elencados no §4° do
artigo 225 da Constituição Federal e 1988.

34
BRASIL. Constituição (1988). Lex: Vade mecum de legislação. 7.ed., São Paulo: Ridell, 2008, p. 87.
35
SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de direito ambiental. 7.ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 87-90.
No que toca à proteção da extinção da fauna e da flora este comando deve ser
lido em conjunto com os demais incisos do parágrafo ao qual pertence, principalmente
quanto se considera as proibições da introdução de animais alienígenas no país ou,
ainda, de organismos geneticamente modificados sem o necessário estudo de impacto
ambiental em ambos os casos.
O legislador constitucional também achou por bem coibir as práticas que
submetam os animais à crueldade. O exemplo mais flagrante são as brigas de galo,
muito populares em diversos Estados da Federação, como também a “farra do boi” no
Estado de Santa Catarina, ambos já proibidos pelo poder judiciário por submeter os
animais a um mal totalmente desnecessário.36
Paulo Affonso Leme Machado37 aponta que a Corte Constitucional Brasileira
contemplou a auto-aplicabilidade da norma constitucional e deferiu a proteção aos
animais vítimas de maus tratos, mesmo frente a expressão “na forma da lei” existente no
texto do inciso em comento. Acrescenta ainda que a expressão “crueldade” traduz
perversidade, representada pelo prazer em derramar sangue ou de causar dor, práticas
que muitas vezes se tornam hábitos aos quais se atribui a denominação errônea de
manifestação cultural.
Heline Sivini Ferreira38 pondera que o termo crueldade deve ser
interpretado com cautela, uma vez que a proibição de atos cruéis contra os exemplares
da fauna excetua aquelas condutas que se façam imprescindíveis à obtenção e à
manutenção dos direitos fundamentais da pessoa humana. Justifica este posicionamento
na visão do antropocentrismo alargado, prevalente na Constituição Federal e que centra
a preservação do bem ambiental na garantia da dignidade do ser humano.

a.1) Lei n° 9.985/2000 (Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza –


SNUC).

Os espaços territoriais especialmente protegidos (inciso III o §1º da CF 1988)


são áreas distribuídas por todo território nacional possuidoras de atributos ambientais
que justificam a imposição de restrições totais ou parciais de fruição, com o intuito de

36
MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 6. ed., São Paulo:RT, 2009, p. 177.
37
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 17.ed., São Paulo: Malheiros, 2009,
p.143.
38
FERREIRA, Heline Sivini. Política ambiental constitucional. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes;
LEITE, José Rubens Morato (org.). Direito constitucional Ambiental brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Saraiva,
2008, p. 263.
preservar sua biodiversidade. Tais áreas podem conservar o regime da propriedade
privada ou serem incorporadas ao patrimônio público. A caracterização de tais áreas e o
seu regime de apropriação foi estabelecido pela Lei n° 9.985/2000 que instituiu o
Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC.
Quando o poder público cria uma unidade de conservação de proteção integral,
estabelece uma área de preservação permanente strictu sensu. Esta denominação
decorre diretamente do artigo 7°, I e §1° e do artigo 8° da Lei n° 9.985/2000, que
instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC, bem
como regulamentou os incisos I, II, III e VII do artigo 225 da Constituição Federal de
1988.
Na hipótese da criação das unidades de conservação integral, a propriedade
particular é transferida ao patrimônio do Estado pelo ato declaratório que cria a referida
unidade ambiental. Ato contínuo, o Estado assume a posse da área pelo ato de criação
das unidades de conservação integral e deverá providenciar sua desapropriação nos
termos do Decreto Lei n° 3.365/41, conforme expressa disposição legal inserida no §1°
do art° 11 da Lei n° 9.985/2000.
Cumpre esclarecer que o artigo 7° da Lei n° 9.985/2000 tipifica duas espécies de
unidade de conservação: as unidades de conservação integral e as unidades de
conservação de uso sustentável. A diferença básica entre ambas está na supressão ou
não da propriedade privada, que ocorre na primeira modalidade, mas não na segunda.
Assim, na criação das unidades de conservação de uso sustentável não há que se
falar em indenização, pois inexiste a supressão da propriedade privada, mas tão somente
uma limitação de seu exercício pelo particular, que poderá ainda utilizar parcialmente os
recursos naturais ali existentes (inciso II e §2° do artigo 7° da Lei n° 9.985/2000).
Ao revés, nos termos do art° 7°, §1° da Lei n° 9.985/2000, as unidades de
conservação de proteção integral, têm por objetivo primacial preservar a natureza, sendo
terminantemente vedados o aproveitamento e a exploração direta dos recursos naturais
ali inseridos.
Destarte, quando da criação das unidades de conservação integral, fica vedada a
extração de madeira, a utilização das pastagens naturais existentes ou qualquer outra
atividade econômica em seu perímetro, já que tais atividades não estão previstas na Lei
do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza - SNUC (Lei n°
9.985/2000).
Portanto, a criação de uma unidade de conservação de proteção integral implica
na perda da potencialidade e no total esvaziamento do conteúdo econômico do direito
de propriedade. Saliente-se que é em razão deste fato é que decorre o direito de ser
indenizado pela implantação da unidade de conservação, pois o Estado suprime em
definitivo a propriedade privada ao estabelecer o total impedimento de sua exploração.
A característica marcante que diferencia os institutos da unidade de conservação
e de reserva legal florestal (Lei n° 4.771/1965) está no fato de que nas primeiras há uma
delimitação geográfica específica, com objetivos igualmente específicos, voltadas à
proteção e perpetuação dos recursos ambientais ali existentes sob administração,
geralmente, do poder público. A reserva legal, ainda que também tenha objetivos de
conservação, tem caráter difuso, ou seja, está dispersa geograficamente nas
propriedades particulares, têm o seu uso permitido por meio de manejo sustentado e, por
fim, são administradas pelo seu proprietário, que deverá promover sua
sustentabilidade.39

As áreas de interesse ecológico passíveis de ser constituídas em terras privadas


se encontram especificadas nos incisos IV e V do artigo 8° e nos incisos I, II e VII do
artigo 14, ambos da Lei n° 9.985/2000, denominada lei do Sistema Nacional de
Unidades de Conservação:

Art. 8º O grupo das Unidades de Proteção Integral é composto pelas


seguintes categorias de unidade de conservação:
[...]
IV- Monumento Natural;
V- Refúgio da Vida Silvestre.

Art. 14. Constituem o Grupo das Unidades de Uso Sustentável as


seguintes categorias de unidades de conservação:
I- Área de Proteção Ambiental;
II- Área de Relevante Interesse Ecológico;
[...]
VII- Reserva Particular do Patrimônio Natural.40

A proteção ao Monumento Natural é de competência comum aos entes federados


(artigo 23, III da Constituição Federal de 1988). Está definido no artigo 12 da Lei n°
9.985/2000 como sítios raros, singulares ou de grande beleza cênica e a proteção tem
39
VULCANIS, Andréa. Doação de áreas em unidade de conservação e compensação temporária da
reserva legal. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 41, p. 34, jan.-mar.
2006.
40
BRASIL. Lei n. 9.985 de 18 de julho de 2000. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 09
mar. 2010.
como objetivo básico sua preservação sob o regime especial das unidades de
conservação.
Tais sítios geológicos exigem uma proteção especial, mas não justificam a
criação de outra espécie de unidade de conservação, seja em razão da limitação de sua
área ou da restrita diversidade de seu ecossistema. Por tal razão pode o Monumento
Natural ser constituído nas propriedades privadas, desde que não venha a prejudicar a
atividade econômica do particular, como também haja aquiescência do proprietário às
condições propostas pelo órgão responsável pela administração dessa unidade de
conservação. Se inexistentes essas duas condições a propriedade deverá ser
desapropriada pelo poder público.41
O Refúgio da Vida Silvestre foi introduzido pelo artigo 13 da Lei n° 9.985/2000
e tem como objetivo a proteção de ambientes naturais onde seja necessário assegurar as
condições para a existência ou reprodução de espécies ou comunidades da flora local, da
fauna residente ou migratória. Sua criação obedece aos mesmos critérios do Monumento
Natural, podendo coexistir com o regime da propriedade privada, desde que não impeça
o livre exercício desse direito.
A Área de Proteção Ambiental (APA) é uma área que poderá ser constituída por
terras públicas ou privadas, desde que respeitados os limites constitucionais, e é assim
definida pela Lei n° 9.985/2000:

Art. 15. A Área de Proteção Ambiental é uma área em geral extensa,


com um certo grau de ocupação humana, dotada de atributos
abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes
para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas, e tem
como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o
processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos
recursos naturais.42

As Áreas de Proteção Ambiental (APA) têm regime jurídico semelhante ao do


zoneamento, pois interferem com o exercício do direito de propriedade. Sua disciplina
jurídica consta da Lei n° 6.902/81, estatuindo que o poder público estabeleça no ato de
sua criação as normas que limitem ou proíbam determinadas atividades econômicas
potencialmente poluidoras ou que prejudiquem o ecossistema, respeitando o direito de
propriedade.43
41
SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 242-
243.
42
BRASIL. Lei n. 9.985 de 18 de julho de 2000. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 09
mar. 2010.
43
SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 245.
Assim, embora protegidas, as Áreas de Proteção Ambiental não são áreas
intocáveis e, se bem concebidas, é possível que a sua criação possibilite um estímulo ao
desenvolvimento de atividades econômicas sustentáveis. A única exigência é o estudo
prévio de impacto ambiental e que as atividades a serem ali desenvolvidas observem o
plano de manejo da área. A indenização pela criação de uma Área de Proteção
Ambiental somente será devida se vier a obstar o exercício de determinada atividade
econômica.44
As Áreas de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) são áreas normalmente de
pequena extensão, com pouca ou nenhuma ocupação humana, que possuam
características extraordinárias ou abriguem exemplares raros da biota regional. O
objetivo de sua criação é manter os ecossistemas naturais regionais, compatibilizando-
os com os objetivos de conservação da natureza. Podem ser constituídas por terras
públicas ou privadas. Neste último caso, as normas e restrições de uso também deverão
respeitar os limites constitucionais do direito de propriedade.
Finalmente, as Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN) são
unidades de conservação instituídas em área privada, gravadas com perpetuidade, com o
objetivo de conservar a diversidade biológica (artigo 21 da Lei n° 9.985/2000).
A Reserva Particular do Patrimônio Natural surgiu da idéia de engajar o cidadão
no processo de proteção dos ecossistemas, dando-se incentivo à sua criação mediante a
isenção de impostos. O objetivo básico é compatibilizar a conservação da natureza com
o uso sustentável de parcela de seus recursos naturais (artigo 7°, §2° da Lei n°
9.985/2000), atividades que estão restritas à pesquisa científica e à visitação pública
com objetivos turísticos, recreativos e educacionais.45
O artigo 44-B da Lei n° 4.771/65 (Código Florestal) prevê a criação de Cotas de
Reserva Florestal (CRF) lastreados na existência física de áreas de Reserva Particular do
Patrimônio Natural ou em regime de servidão florestal, títulos que poderão ser
utilizados para compensar a reserva legal dos imóveis rurais que não a possuam (artigo
44, §5° da Lei n° 4.771/65). Este instrumento de preservação ambiental, diretamente
relacionado aos benefícios extrafiscais do “ICMS ecológico”, representa um importante
estímulo econômico para a constituição dessa espécie de unidade conservação de uso
sustentável.

44
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 4.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p. 287-288.
45
MILARÉ, Édis. Direito do meio ambiente. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 717.
O Imposto sobre a Circulação de Mercadorias (artigo 155, II da Constituição
Federal de 1988) é um exemplo de tributo que tem sido usado de forma eficiente para a
preservação do meio ambiente. Embora seja um imposto de competência dos Estados
federados e do Distrito Federal, 25% do produto de sua receita cabe aos municípios
localizados em seus territórios (artigo 158, IV da Constituição Federal de 1988), que
poderão dar a destinação que entenderem à quarta parte desse valor (6,25%), mediante
lei estadual (artigo 158, parágrafo único, II da Constituição Federal de 1988).
De acordo com tal direcionamento constitucional, vários Estados (Paraná –
1991; Mato Grosso e Mato Grosso do Sul – 1991; São Paulo – 1993; Minas Gerais –
1995; Rondônia – 1996; Amapá – 1996; Rio Grande do Sul – 1997; Pernambuco –
2001; Tocantins – 2002; Rio de Janeiro – 2007) instauraram um critério ambiental de
redistribuição da referida parcela do imposto, criando o “ICMS ecológico” e gerando
uma elevada conscientização municipal pela necessidade de uma conservação
ambiental. Evoluindo de uma condição inicial de compensação pelos recursos
despendidos na conservação dos mananciais e das unidades de conservação, as
legislações estaduais atualmente repassam aos municípios um benefício fiscal vinculado
direta e indiretamente à preservação das áreas verdes situadas nos limites geográficos da
municipalidade, bem como no gerenciamento dos recursos hídricos e no tratamento do
lixo, dentre outros critérios.46
A constituição de uma Reserva Particular do Patrimônio Natural é precedida de
solicitação do proprietário para que o órgão ambiental reconheça formalmente a
importância da área para a proteção da biodiversidade, dos valores da paisagem e de
outras características ambientais que demandem a proteção ou a restauração de
ecossistemas frágeis ou, ainda, estejam ameaçados. Este reconhecimento resultará em
termo de compromisso que deverá ser averbado à margem da matrícula do imóvel no
competente Cartório do Registro Imobiliário (artigo 2° do Decreto Federal n° 1.922/96 e
artigo 21, §1° da Lei n° 9.985/2000).47
Desta situação legal resulta a mesma proteção dispensada às florestas de
preservação permanente e às áreas cuja conservação seja de interesse público, sem
prejuízo do direito de propriedade, que deverá ser exercido pelo seu titular em defesa da
reserva, sob orientação e com o apoio do órgão ambiental. Ao proprietário caberá

46
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco; FERREIRA, Renata Marques. Direito tributário ambiental. 2.ed.
São Paulo: Saraiva, 2009, p. 116-120.
47
SILVA, Américo Luís Martins da. Direito do meio ambiente e dos recursos naturais. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2005, v.2, p. 250-251.
divulgar regionalmente a condição de Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN)
do seu imóvel.48
Por sua vez, as áreas de interesse ecológico passíveis de ser constituídas somente
em terras públicas se encontram especificadas nos incisos I a III do artigo 8° e nos
incisos III a VI do artigo 14, ambos da Lei n° 9.985/2000:

Art. 8º O grupo das Unidades de Proteção Integral é composto pelas


seguintes categorias de unidade de conservação:
I- Estação Ecológica;
II- Reserva Biológica;
III- Parque Nacional;
[...]

Art. 14. Constituem o Grupo das Unidades de Uso Sustentável as


seguintes categorias de unidades de conservação:
[...]
III- Floresta Nacional;
IV- Reserva Extrativista;
V- Reserva de Fauna;
VI- Reserva de Desenvolvimento Sustentável; e
[...]49

Estação Ecológica tem por finalidade a preservação da natureza e a realização de


pesquisas científicas (artigo 9° da Lei n° 9985/2000), cabendo desapropriação das terras
particulares incluídas nos seus limites. A presença humana é restringida ao máximo,
normalmente proibindo-se a visitação pública salvo se houver previsão no plano de
manejo da unidade de conservação. Até mesmo a pesquisa científica depende de
autorização prévia. A intervenção neste espaço é muito restrita e só é possível para
restaurar os ecossistemas modificados, manejo de espécies para preservar a diversidade
ecológica ou para coleta de componentes dos ecossistemas com finalidades científicas.
Reservas Biológicas têm regime jurídico muito semelhante ao da estação
ecológica, uma vez que sua posse e domínio pertencem ao poder público. A visita é
proibida exceto para fins educacionais.
O objetivo básico na criação de um Parque Nacional é diferente das Estações
Ecológicas e das Reservas Biológicas. Consiste esta espécie de unidade de conservação
na preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica,
possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades

48
SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 7. ed. São Paulo: Malheiros , p. 245.
49
BRASIL. Lei n. 9.985 de 18 de julho de 2000. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 09
mar. 2010.
de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de
turismo ecológico. Portanto, a visitação pública não é proibida, mas sujeitas as normas e
restrições estabelecidas no plano de manejo, no regulamento do parque e pelo órgão
responsável por sua administração (ICMBio – Instituto Chico Mendes).
A Floresta Nacional é uma área assim delimitada pelo Governo Federal,
submetidas à condição de inalienabilidade e indisponibilidade, em parte ou no todo,
constituído-se bem da União, administradas pelo IBAMA (hoje ICMBio). A exemplo de
todas as demais unidades de conservação proteção integral, sua posse e domínio
pertencem ao poder público. É permitida a permanência das populações tradicionais que
as habitarem quando de sua criação, bem como a visitação e as atividades de pesquisa,
condicionada às normas estabelecidas para o seu manejo.
A Reserva Extrativista deve ser criada em áreas consideradas de interesse
ecológico e social, ou seja, que possuam características naturais ou exemplares da biota
que possibilitem a exploração autossustentável desses recursos, sem prejuízo da
conservação ambiental, por populações extrativistas tradicionais. As atividades dessas
populações serão o extrativismo, a agricultura de subsistência e criação de animais de
pequeno porte. Permite-se a visitação pública e a pesquisa científica.
A Reserva de Fauna é uma área natural com populações animais de espécies
nativas, terrestres ou aquáticas, residentes ou migratórias, adequadas para estudos
técnico-científicos sobre o manejo econômico sustentável de recursos da fauna. A lei
proíbe a caça em seu interior. È possível a visitação pública e a pesquisa.
Por fim, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável tem como objetivo
preservar a natureza e, ao mesmo tempo, assegurar as condições e os meios necessários
para a reprodução e a melhoria dos modos e da qualidade de vida e exploração dos
recursos naturais pelas populações tradicionais. É muito semelhante às Reservas
Extrativistas.
Para a completa especificação das Unidades de Conservação submetidas ao
domínio público vide material de leitura indicado (GRANZIERA, Maria Luiza
Machado. Direito ambiental. São Paulo: Atlas. 2008, p. 398 a 410).

a.2) Lei n° 4771/1965 (Código Florestal)


As áreas de preservação permanente estabelecidas pelo Código Florestal (artigo
2° da Lei n° 4.771/65) não são indenizáveis, porquanto constituírem simples limitações
administrativas ao direito de propriedade. 50
O mesmo pode ser afirmado em relação à reserva legal ambiental do imóvel
rural conforme estabelecida pelo Código Florestal, ainda mais quando se considera a
possibilidade de sua exploração econômica pelo proprietário em regime de manejo
florestal sustentável (artigo 16, §2° da Lei n° 4.771/65).
É necessário considerar qual a influência do princípio da função social da
propriedade sobre o direito de propriedade, quando confrontado com a obrigatoriedade
do Estado de promover a conservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Para melhor assinalar a diferença dos conceitos e o que entende por função
social da propriedade, Édis Milaré lembra a possibilidade do poder público impor ao
proprietário rural o dever de recompor a vegetação em áreas de preservação permanente
e reserva legal, ainda que não tenha sido responsável pelo seu desmatamento 51. Este
posicionamento já foi pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. RESERVA LEGAL. NOVO


PROPRIETÁRIO. LEGITIMIDADE PASSIVA.
1. Em se tratando de Reserva Legal, com limitação de propriedade
imposta por lei (Código Florestal), o novo adquirente assume o ônus
de manter a cobertura vegetal, tornando-se responsável pela sua
recomposição, mesmo que não tenha contribuído para devastá-la, pois
se trata de obrigação propter rem.
2. É pacífico o entendimento do STJ quanto à legitimidade passiva do
novo proprietário para responder à Ação Civil Pública que visa a
cobrar o reflorestamento de Reserva Legal.
3. Recurso Especial Conhecido e provido.52

Patryck de Araujo Ayala53 entende que em um modelo de economia de mercado


o direito à propriedade privada é apenas uma das duas formas possíveis de exercício da
capacidade de apropriação sobre os bens. O direito à apropriação não implica

50
MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 17.ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p.
755.
51
MILARÉ, Édis. 2001, p. 121 apud FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Op. cit., p. 102.
52
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n° 453875/PR. Recorrente: Ministério Público
do Paraná. Recorrido: Paulo Montanher. Interessado: Associação de Defesa e Educação Ambiental de
Maringá - ADEAM. Relator Ministro Herman Benjamin. Segunda Turma. Data do julgamento
18.10.2004. DJe 11.11.2009. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 22 jun. 2010.
53
AYALA, Patryck de Araújo. Deveres ecológicos e regulamentação da atividade econômica na
Constituição brasileira. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (org.).
Direito constitucional Ambiental brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Saraiva. 2008. p. 274-276.
necessariamente a propriedade do bem, compreendendo outras formas de uso e acesso
aos recursos naturais e aos espaços onde se localizam.
Torna claro que a propriedade privada gera direitos, mas de acordo com a ordem
constitucional brasileira, uma relação de apropriação “deve permitir o cumprimento de
duas funções distintas: uma individual (dimensão econômica da propriedade) e uma
coletiva (dimensão sócio-ambiental da propriedade).”54
Dessa forma, conclui que o princípio da função social da propriedade superpõe-
se à autonomia privada que norteia as relações econômicas, protegendo os interesses da
coletividade em torno de um direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
No entanto, no Recurso Extraordinário nº 134297-8/SP o Supremo Tribunal
Federal afastou a possibilidade de se estabelecer uma relação de identidade entre a
função social da propriedade e a imposição de ônus ambientais arbitrários ao
proprietário cujo bem se situe em ecossistemas protegidos expressamente pela
Constituição. O julgado também entendeu não ser possível atribuir unicamente ao
proprietário rural a responsabilidade pela conservação e proteção do meio ambiente
inserto em seu imóvel, pois a o dever de proteção do meio ambiente também é da
coletividade.55
O atual Código Florestal (Lei n° 4.771/65) substituiu o antigo Código Florestal
(Decreto Federal n° 23.793/34) e foi recepcionado pela Constituição de 1988. Tal
diploma, objeto de substanciais alterações em 1989 e 2001, estabelece os critérios
básicos de identificação das áreas de preservação permanentes urbanas e rurais, como
também contempla as diversas regras que possibilitam ao proprietário rural cumprir a
obrigação legal de constituição das áreas de reserva legal florestal.
A área de reserva legal, exclusiva dos imóveis rurais, caracteriza-se como uma
área da propriedade necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e
reabilitação dos processos ecológicos e à conservação da biodiversidade (artigo 1°, §2°,
III Lei n° 4.771/65), devendo observar os percentuais de cobertura florestal
especificados no artigo 16, I a IV da Lei n° 4.771/65, que variam conforme a região
geográfica onde esteja situado o imóvel rural.
54
AYALA, Patryck de Araújo. Deveres ecológicos e regulamentação da atividade econômica na
Constituição brasileira. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (org.).
Direito constitucional Ambiental brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Saraiva. 2008. p. 275.
55
BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 134297-8/SP. Estado de São Paulo
versus Paulo Ferreira Ramos e cônjuge. Relator: Ministro Celso de Mello. Acórdão publicado no Diário
de Justiça da União em 22 set. 1995, apud AYALA, Patryck de Araújo. O novo paradigma constitucional
e a jurisprudência ambiental do Brasil. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens
Morato (org.). Direito constitucional Ambiental brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Saraiva. 2008. p. 383.
A reserva legal constitui uma limitação administrativa ao direito de propriedade
dos detentores do domínio ou da posse de imóveis rurais, consistente na obrigação de
não destruir a vegetação nativa ali existente e está baseada no princípio da função social
da propriedade (artigo 170, III da Constituição Federal de 1988). A finalidade histórica
do instituto foi a preservação da vegetação, tendo em vista o processo de desmatamento
gerado pelo avanço das fronteiras agrícolas do país nos diferentes momentos de sua
história.56
As áreas de preservação permanente constituem um instrumento de conservação,
enquanto que a reserva legal possui um caráter preservacionista. A distinção é relevante
para entender porque as áreas protegidas pelo regime de preservação permanente só
podem sofrer intervenção em hipóteses especiais, enquanto que as áreas sob o regime da
conservação (reserva legal) pressupõem uma utilização econômica racional, ou seja,
manejo florestal sustentável dos recursos florestais (artigo 16, §2° da Lei n° 4.771/65),
vedado o corte raso das espécies vegetais, que poderão ser exploradas mediante prévia
licença.57
Regra geral, a área de preservação permanente será excluída do cômputo da área
de reserva legal do imóvel. No entanto, conforme indica o § 6° do artigo 16 da Lei n°
4.771/65, será possível o computo das áreas de vegetação nativa situadas no interior das
áreas de preservação permanente para compor a reserva florestal, quando aquelas
ultrapassarem 80% da área do imóvel situado na Amazônia Legal ou, nas demais
regiões do país, representem 50% da área total da propriedade rural. No caso da
pequena propriedade o percentual exigido será de apenas 25%.
Na hipótese descrita no parágrafo anterior (artigo 16, §6° da Lei n° 4.771/65)
não será permitido o manejo sustentado da reserva legal constituída no interior da área
de preservação permanente, tampouco será autorizada a conversão de novas áreas do
imóvel para uso alternativo do solo.
Além da possibilidade do proprietário constituir a reserva legal de seu imóvel
averbando uma área de matas com tal destinação, poderá também cumprir a obrigação
legal a partir do reflorestamento de uma área ou, ainda, promover a regeneração natural
de uma determinada vegetação e destiná-la para este fim (artigo 44, I e II da Lei n°
4.771/65).

56
NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. Compensação de reserva legal. Revista de Direito Ambiental. São
Paulo: Revista dos Tribunais, n. 48, p. 31, 33 e 41, out.- dez 2007.
57
COSTA NETO, Nicolao Dino de Castro e. Proteção jurídica do meio ambiente. Belo Horizonte: Del
Rey, 2003, p. 202-203.
Também é possível compensar a obrigação adquirindo outra área para,
individualmente ou em regime de condomínio, constituir a reserva legal do imóvel rural.
A exigência é que tal área esteja situada no mesmo ecossistema e na mesma microbacia
hidrográfica (artigo 44, III e §4° da Lei n° 4.771/65). A servidão florestal, a aquisição
de Cota de Reserva Florestal (CRF) e a doação de áreas situadas em unidades de
conservação (Lei n° 9.985/2000) também constituem alternativas de compensação de
reserva legal (artigo 44, III, §5°, 44-A e 44-B da Lei n° 4.771/65).
As áreas de reserva legal, após serem devidamente aprovadas pelo órgão
ambiental estadual por meio de vistoria e formalização de termo de compromisso,
deverão ser averbadas junto à matrícula do imóvel no Cartório de Registro de Imóveis
competente, a fim de que seja individualizada, dada publicidade e perenidade à sua
existência, bem como para impedir que lhe seja dada qualquer outra destinação.
Édis Milaré58 ensina que as áreas de preservação permanente e de reserva legal
constituem unidades de conservação atípicas, classificando-as como espaços territoriais
especialmente protegidos em sentido amplo ou latu sensu. As Unidades de Conservação
propriamente ditas (strictu sensu) seriam aquelas arroladas nos artigos 8° e 14 da lei do
Sistema Nacional das Unidades de Conservação (Lei n° 9.985/2000). Pondera, no
entanto, que em razão da relevância para a preservação do meio ambiente e, em especial
dos recursos hídricos, parte da doutrina considera que as áreas de preservação
permanente também se inserem na previsão constitucional do inciso III do § 1° do
artigo 225 da Constituição Federal de 1988.
Ao comentar o Código Florestal de 1934 Osny Duarte Pereira 59 já observava que
as áreas de preservação permanente têm função natural e constituem uma interdição
natural do solo, ressaltando a impossibilidade de indenização do proprietário, pois o
imóvel sempre existiu e foi adquirido com aquelas restrições. Reitera o entendimento de
que exigir a reparação civil pela restrição legal de uso de tais espaços seria o mesmo que
pedir ao poder público uma recompensa pelas áreas agrícolas perdidas com montes
inaproveitáveis, lagoas e banhados, areais, pedreiras, etc.
Este mesmo autor assinala que o artigo 22, incisos “b” e “h” do Código Florestal
de 1934 reforçava a imposição legal de conservação das “florestas protetoras” – antiga
definição legal das áreas de preservação permanente –, uma vez que as mesmas já

58
MILARÉ, Édis. Direito do meio ambiente. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 738-739.
59
PEREIRA, Osny Duarte. 1950, p. 212 apud SILVA, José Afonso. Direito ambiental constitucional. 7.
ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 174-175.
haviam sido especialmente nomeadas e caracterizadas no artigo 4°, incisos “a” a “g” do
código antigo:

Independentemente, porém, de ato governamental, são desde logo


matas protetoras insuscetíveis de destruição, em virtude de sua função
hidrogeológica, as matas existentes às margens dos cursos d’água,
lagos e estradas de qualquer natureza entregues à serventia pública,
nas encostas dos morros, etc.60

Atualmente as áreas de preservação permanente estão caracterizadas no inciso II


do artigo 1° do Código Florestal de 1965, compreendendo aquelas áreas “cobertas ou
não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar recursos hídricos, a
paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora,
proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.”61
Por sua vez, o artigo 2° do Código Florestal de 1965 delimita legalmente as
áreas de preservação permanente, dividindo-se em normas de proteção das águas
(alíneas “a” a “c”) e de proteção do solo (alíneas “d” a “h”). As primeiras visam a
proteção das matas ciliares situadas ao longo das nascentes, olhos d’água, córregos, rios,
reservatórios naturais ou artificiais, definidas em função da largura do manancial.
Assim, quanto mais largo o curso d’água, mais larga será a faixa marginal legal que
deverá protegê-lo, variando de trinta a quinhentos metros de largura. As Resoluções do
Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) n° 303/2002 e n° 302/2002
complementam a caracterização das áreas de preservação permanente.
As normas de proteção do solo objetivam impedir a erosão em terrenos cuja
declividade ou altitude tornam potencialmente nocivo o exercício da atividade agrícola,
bem como proteger ecossistemas, tais como as restingas fixadoras de dunas e
manguezais. As normas definidoras das áreas de preservação permanente deverão
também ser rigorosamente observadas pelos planos diretores e leis de uso do solo
municipais (artigo 2°, § único da Lei n° 4.771/65).
O artigo 3° da Lei n° 4.771/65 prevê ainda a hipótese do poder público federal,
estadual ou municipal vir a declarar discricionariamente outras áreas de especial
interesse como de preservação permanente, seja por questões técnicas (evitar erosão ou
fixar dunas), de segurança (fixar faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias ou

60
PEREIRA, Osny Duarte. Direito florestal brasileiro. Rio de Janeiro: Borsoi, 1950, p. 190.
61
BRASIL, Lei n. 4.771 de 15 de setembro de 1965. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em:
09 mar. 2010.
para auxiliar a defesa do território nacional), ambientais (promover o bem estar público,
proteger a fauna e a flora e os sítios de excepcional valor) e, finalmente, manter o
ambiente necessário à vida das populações silvícolas. Vale dizer ainda que as florestas
que integram o patrimônio indígena estão declaradas como de preservação permanente,
por força do § 2° deste mesmo artigo da Lei n° 4.771/65.
Na redação original do Código Florestal, as áreas de preservação descritas no
artigo 2° e no §2° do artigo 3° da Lei n° 4.771/65 dispensavam a edição de qualquer ato
administrativo regulamentador, representando, à semelhança do já destacado artigo 22,
incisos “b” e “h” do antigo Código Florestal 1934, uma lei que conferia proteção
incondicional (ex vi legis) e concreta às áreas de preservação permanente. As demais
áreas de preservação permanente (artigo 3° da Lei n° 4.771/65) continuam a depender
necessariamente da prévia declaração do poder público neste sentido.62
A competência legislativa concorrente em matéria de meio ambiente está
prevista no artigo 24 da Constituição Federal de 1988, permitindo à União, aos Estados
e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre as matérias ligadas diretamente ao
meio ambiente natural, florestas, caça, pesca, fauna, poluição, patrimônio paisagístico,
dano ao meio ambiente, conforme relacionadas nos incisos VI, VII e VIII do referido
artigo.
Paulo Affonso Leme Machado63 adverte que a ação de adicionar, completar e
aprimorar a norma geral Federal faz parte de um federalismo participativo e
cooperativo. Advogar em contrário é praticar um federalismo consentido, em que as
autonomias estaduais não são desejadas, mas tão somente toleradas, acrescentando que
a diversidade é inerente ao federalismo e que admitir o contrário é retroceder ao regime
unitário imperial.
O Código Florestal (Lei n° 4.771/65) é exemplo de norma geral ambiental
federal obrigatória, mas que não exclui a competência dos Estados e o Distrito Federal
legislarem sobre as mesmas matérias desde que não contrariem ou reduzam o nível de
proteção das regras genéricas ali consignadas.
No entanto, a proteção legal do meio ambiente legislada pelos Estados deve
observar o princípio da proibição do retrocesso ecológico, cujo significado prático é a

62
COSTA NETO, Nicolao Dino de Castro e. Proteção jurídica do meio ambiente. Belo Horizonte: Del
Rey, 2003, p. 205-205.
63
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Federalismo, amianto e meio ambiente: julgado sobre competência.
In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (org.). Direito constitucional
ambiental brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 231.
impossibilidade da legislação editada pelos entes federativos venha a dispensar níveis
de proteção inferiores aos anteriormente consagrados pela legislação federal.64
Foi o que observou, por exemplo, o Estado de Minas Gerais em relação ao
aumento da faixa de proteção da área de preservação permanente do ecossistema
denominado “vereda” (Resolução CONAMA n° 303/2002, artigo 2°, III), uma
ocorrência hidrogeológica característica da geomorfologia do cerrado e de outros
ecossistemas vizinhos. As Leis Estaduais mineiras n° 9.375/1986, 9.682/1988 65,
estabeleceram restrições de forma complementar ao Código Florestal (artigo 2° da Lei
n° 4.771/65), que não só ampliaram como melhor caracterizam morfologicamente os
limites da faixa de mata ciliar a ser preservada ao redor dessa típica área de preservação
permanente.
Por outro lado, as mudanças introduzidas pelo Código Florestal do Estado de
Santa Catarina (Lei Estadual n° 14.675/200966) são flagrantemente inconstitucionais em
relação ao estabelecido na Lei Federal n° 4.771/65 (Código Florestal).
Dentre as inconstitucionalidades do código florestal catarinense observa-se a
redução pela lei estadual da extensão das áreas de preservação permanente existentes
nas propriedades rurais do referido Estado, estabelecidas em trinta metros pelo artigo 2°
da Lei Federal n° 4.771/65, diminuindo-as para cinco metros (artigos 114 a 119 da Lei
Estadual n° 14.675/2009).
Outra irregularidade sancionada pelo código em comento é o critério
incondicional de aproveitamento de 60% das áreas de preservação permanente do
imóvel rural no computo da Reserva Legal florestal das propriedades com área superior
a cinqüenta hectares (artigos 120 a 130 da Lei Estadual n° 14.675/2009). Não bastasse,
a previsão das hipóteses de intervenção nas áreas de preservação permanente é ampliada
para além do disposto na Lei Federal n° 4.771/65, regulamentadas na resolução n°
369/2006 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA).
O regime de servidão florestal ou ambiental é instituto que também é
regulamentado pelo Código Florestal brasileiro (artigo 44-A da Lei n° 4.771/65) e pela
Lei n° 6.938/81 (artigo 9°, XIII e 9-A).

64
ARAGÃO, Alexandra. Direito constitucional do ambiente da união européia. In: CANOTILHO, José
Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (org.). Direito constitucional ambiental brasileiro. 2. ed.
São Paulo: Saraiva, 2008. Pág. 37.
65
MINAS GERAIS (Estado). Lei n° 9.375/1986 e Lei n° 9.682/1988. Disponível em:
<www.almg.gov.br>. Acesso em: 26 jan. 2010.
66
SANTA CATARINA (Estado). Lei n. 14.675, de abril de 2009. Disponível em:
<www.sc.gov.br/downloads/Lei_14675.pdf>. Acesso em: 26 jan. 2010.
A servidão florestal permite que o proprietário de um imóvel que não atenda às
exigências de reserva legal possa adquirir área excedente de outro imóvel que passará a
cumprir o papel de imóvel serviente em favor daquele que será o imóvel dominante. O
instituto é uma oportunidade econômica concedida ao proprietário que preservou área
excedente de vegetação além de sua reserva legal, atendendo a exigência de outro
imóvel. O que justifica tal dispositivo é o fato de que se deve buscar um balanço
florestal mais amplo, no âmbito da bacia hidrográfica de situação da propriedade rural
(artigo 44, III da Lei n° 4.771/65), e não especificamente em cada imóvel.67
José Afonso da Silva68 esclarece que o instituto da servidão ambiental não é uma
servidão típica do direito civil, porque não há uma relação de prédio serviente e prédio
dominante, nem mesmo um vínculo entre uma coisa serviente (o imóvel particular) e
um bem de domínio público (servidão pública). O que se verifica é uma aparência de
servidão, representada entre o bem serviente (a floresta) e o interesse ambiental, que
também ocorre no caso da reserva legal. No entanto, o que se denomina servidão
ambiental é na realidade uma servidão voluntária de floresta, que depende da anuência
do órgão ambiental estadual para concretizar-se.
O mais importante questionamento relacionado à servidão ambiental do Código
Florestal tem a ver com a contradição existente entre a característica perenidade dos
institutos da servidão e da reserva legal quando confrontada com a flexibilidade típica
dos regimes contratuais. Em outras palavras, a questão é a existência de um prazo para a
compensação. Ainda que a servidão florestal seja instituída em caráter permanente, a
relação contratual de arrendamento entre o proprietário da área sob regime de servidão e
o proprietário que dela usufrui não o é, pois a relação contratual será por prazo
determinado ou, se indeterminado, poderá ser denunciado a qualquer tempo pelas partes
contratantes.69
Paulo Roberto Pereira de Souza70 pondera que embora a servidão ambiental
tenha sido usada mais freqüentemente para compensação de reserva legal florestal, pode

67
SOUZA, Paulo Roberto Pereira de. Servidão ambiental. Revista jurídica Cesumar. Maringá: Cesumar.
Ano I, n° 1, p. 139, 2001. Disponível em: <www.cesumar.br>. Acesso em: 24 abr. 2010.
68
SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 190.
69
NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. Compensação de reserva legal. Revista de Direito Ambiental. São
Paulo: Revista dos Tribunais, n. 48, p. 38, out.- dez 2007.
70
SOUZA, Paulo Roberto Pereira de. A regularidade ambiental do imóvel rural. In: BRAGA FILHO,
Edson de Oliveira; AHMED, Flávio; ACETI JR., Luiz Carlos; MURAD, Samir Jorge; GRAU NETO,
Werner (Coord.). Advocacia ambiental: segurança jurídica para empreender. Rio de Janeiro: Lúmen Júris,
2009, p. 138-139.
ser instituída por qualquer proprietário e também pode ter por objeto qualquer iniciativa
de proteção da natureza.

a.2.1) Licenças para intervenções de baixo impacto em áreas de preservação


permanente

Lei n° 4771/65, Código Florestal:

Art. 4°. A supressão de vegetação em área de preservação


permanente somente poderá ser autorizada em caso de utilidade
pública ou de interesse social, devidamente caracterizados e
motivados em procedimento administrativo próprio, quando
inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento
proposto.
[...]

O Código Florestal (artigo 1º, §2º, inc. IV e inciso V) define as obras e


atividades conceitualmente classificadas como de utilidade pública e interesse social, no
que são complementadas em detalhes pelas resoluções n° 369 e 425 do CONAMA.
A competência do CONAMA decorre diretamente do artigo 8º da Lei n°
6.938/81 (regulamentada pelo Decreto federal n° 99.274/90):

Art. 8. [...]
I - estabelecer mediante proposta do IBAMA, normas e critérios para
o licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras, a
ser concedido pelos Estados e supervisionado pelo IBAMA.
II - determinar, quando julgar necessário, a realização de estudos das
alternativas e das possíveis conseqüências ambientais de projetos
públicos ou privados, requisitando aos órgãos federais, estaduais e
municipais, bem assim a entidades privadas, as informações
indispensáveis para apreciação dos estudos de impacto ambiental, e
respectivos relatórios, no caso de obras ou atividades de significativa
degradação ambiental, especialmente nas áreas consideradas
patrimônio nacional.
[...]
VII - estabelecer, privativamente, normas critérios e padrões relativos
ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente com vistas
ao uso racional dos recursos ambientais, principalmente os hídricos.

O Código Florestal (artigo 1º, §2º, inc. IV, alínea “c” e inciso V, alínea “c”)
também atribuiu ao CONAMA ampla liberdade e competência exclusiva para atribuir às
“demais obras, planos, atividades ou projetos”, a classificação de interesse social e
utilidade pública, desde que previstos em resolução.
No entanto, por ocasião da edição da Resolução 369/2006 do CONAMA, que
regulamentou o Código Florestal no tocante aos casos excepcionais de utilidade pública,
interesse social ou baixo impacto ambiental que possibilitam a intervenção ou supressão
de vegetação em APP, diversos Estados federados entenderam que sua competência
concorrente para legislar sobre matéria ambiental teria sido ilegalmente usurpada.
Ainda, segundo tal entendimento71, o dispositivo hábil para regulamentar uma lei
é um decreto regulamentar e não uma resolução do CONAMA, pois o CONAMA teria
apenas uma competência deliberativa, limitada a complementar técnica e
procedimentalmente a lei ou decreto, mas nunca para inovar criando norma mais rígida
ou sanção.
De fato, somente a lei, em sentido formal e também material, pode prever
infrações e estabelecer as correspondentes sanções.
Porém, o que estava por trás de tais interesses, principalmente no Estado de São
Paulo, era a obrigatoriedade de prévia averbação de reserva legal para a concessão da
licença de intervenção de baixo impacto nas APP’s (Resolução 369/2006 do CONAMA
– art° 3° III). O problema das reservas legais no referido Estado permanece insolúvel até
hoje, onde 200 mil das 230 mil propriedades do Estado ou não possuem ou têm reserva
legal abaixo do mínimo legal72.
Também é óbvio que os Estados não estavam dispostos a observar a legislação
ambiental federal para promover o novo mercado das lucrativas intervenções nas APP’s,
razão pela qual o entendimento disseminou-se por todo o país.
Dessa forma, vários Estados preferiram regulamentar a matéria editando leis
estaduais cujo texto seguia rigorosamente a estrutura legal do Código Florestal e da
própria da resolução CONAMA n° 369/2006, adaptando-os aos seus interesses sem,
contudo, caracterizarem-se como mais benéficas. Com a edição da legislação estadual
também se objetivou assegurar aos órgãos ambientais estaduais as prerrogativas da
fiscalização e do licenciamento ambiental de tais áreas de proteção.
No caso de São Paulo, a regulamentação do artigo 4º, § 3° do Código se deu
através do Decreto estadual n° 49.566/2005, legislando sobre o que é considerado como
atividade de baixo impacto ambiental em seu território, além de esclarecer sobre o
procedimento administrativo para intervenção nas APP’s. Como mencionado, a

71
SILVESTRE, Mariel. Intervenções em área de preservação. http://www.celuloseonline.com.br.
Disponível na internet. Acesso 24.03.2009.
72
Informação disponível no site oficial do Governo do Estado de São Paulo:
http://www.saopaulo.sp.gov.br. Acesso em 24.03.2008.
característica mais marcante do Decreto estadual é supressão da exigência de prévia
averbação de reserva legal no imóvel para a concessão da licença de intervenção.
Seguiram a mesma orientação o Estado de Minas Gerais (Lei estadual n°
14.309/2002, Decreto n° 43.710/2004, portaria n° 01/2001 do IEF/MG), o Estado do
Rio Grande do Sul (alteração na Lei estadual n° 9.519/92 – Código Florestal do Estado),
o Estado de Sergipe (Lei estadual n° 4.749/2003, Decreto 13.462/2005) e o Estado de
Tocantins (Lei estadual n° 1.939/2008), dentre vários outros.
O caso do Estado de Tocantins também é emblemático, pois no artigo 3°, inciso
III, “l” da Lei estadual n° 1.939/2008, o legislador protege e estimula a instalação de
ranchos pesqueiros no Estado, autorizando a supressão ou intervenção de baixo impacto
ambiental em APP’s, com o intuito de erguer “pequenas construções, com área máxima
de 190 metros quadrados, utilizadas exclusivamente para lazer e que não contenham
fossas sépticas ou outras fontes poluidoras.”
O município de Belo Horizonte também seguiu o mesmo entendimento ao
legislar por meio do Conselho Municipal do Meio Ambiente – COMAM, com base no
art° 225 da CF e nas competências que lhe conferiram a Lei municipal n° 4.253/85,
editando a Deliberação Normativa n° 57/2007 que “dispõe sobre caso excepcional de
baixo impacto ambiental que autoriza a intervenção ou supressão de vegetação em
APP’s urbanas.”
É inegável que esta iniciativa dos Estados e Municípios busca apenas manter a
exclusividade na autorização das licenças de intervenção nas áreas de preservação
permanente, sem a observância de uma maior consciência ambiental. Teria sido melhor
o legislador não ter liberado a intervenção.

a.2.2) Áreas de preservação permanente urbanas

O Código Florestal prevê sua aplicação também às AAP’s inseridas na zona


urbana das cidades. É o que dispõe expressamente o § único do artigo 2° da Lei n°
4.771/65.
Este é o posicionamento de José Afonso da Silva 73 e de Paulo de Bessa
Antunes74, assinalando este último que o Código Florestal foi excepcionado pela

73
SILVA, José Afonso da Silva. Op. cit., pág. 193.
74
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. Rio de Janeiro: Lumen juris. 4º ed. 2000, pág. 272.
Constituição de 1988, entendimento que também é esposado por Nicolao Dino de
Castro Costa Neto75.
No entanto, há quem entenda que a Constituição Federal não prevê a aplicação
do Código Florestal nas zonas urbanas, pois, consoante o artigo 182 da CF, a tutela do
meio ambiente urbano seria de competência do município. Assim, de acordo com a
norma constitucional, o instrumento legal existente para promover a tutela das APP’s na
zona urbana seria o plano diretor, concebido para organizar o desenvolvimento das
cidades e o bem-estar das populações urbanas76.
Tal entendimento esta embasado nos artigos 1° (§ único) e 2° (inc. XII) do
Estatuto da Cidade (Lei n° 10.257/2001), que estabelecem que o plano diretor
promoverá o equilíbrio ambiental e se encarregará da proteção, recuperação e promoção
do meio ambiente nas zonas urbanas. Dessa forma, a aplicação do Código Florestal em
tais espaços seria subsidiária e estaria restrita àquilo em que houvesse compatibilidade
com o Estatuto.
Não parece ser este o melhor entendimento, pois se o legislador constituinte
desejasse outorgar ao município qualquer competência concorrente para legislar em
matéria ambiental teria consignado expressamente no artigo 24 da CF.
No entanto, reitere-se que frente à existência de um conflito entre normas
regulamentadoras federais, estaduais ou municipais, aplicar-se-á o princípio da
predominância do interesse (veja o item 9.3.5 infra), ressaltando-se novamente que a
legislação ambiental editada pelo município não poderá ser menos restritiva ou menos
protetora em relação às normas estaduais e federais.
A melhor conclusão é que a política ambiental da cidade deve conceber o
elemento ambiental urbanístico como uma necessidade higiênica, de recreação, de
defesa e recuperação do meio ambiente em face da degradação de agentes poluidores,
buscando o bem estar de seus habitantes. A proteção ambiental a que se refere o
Estatuto das Cidades teria como objetivo ordenar a coroa florestal em torno das
aglomerações urbanas, manter os espaços verdes existentes, preservar as áreas verdes
inseridas em meio às habitações, enfim, contribuir para a manutenção de um meio
ambiente saudável onde mais vive e trabalha intensamente o homem77.

75
COSTA NETO, Nicolao Dino de Castro. Op. cit., pág., 201-202.
76
MORAES, Hélio Mattos de. As áreas de preservação permanente nas zonas urbanas.
http://www.jurisway.org.br. Disponível na internet. Acesso 22.03.2009.
77
SILVA, José Afonso da Silva. Op. cit., pág. 193.
a.2.3) Áreas de preservação permanente litorâneas

O Decreto federal 5.300/2004 regulamenta a Lei n° 7.661/88, que instituiu o


plano nacional de gerenciamento costeiro – PNGC, dispondo sobre as regras de uso e
ocupação da zona costeira e estabelece critérios de gestão da orla marítima. Este é o
instrumento legal de proteção contra a ocupação desordenada da orla marítima
brasileira, considerada patrimônio nacional pela CF 1988 (§4°, artigo 225).
Segundo a definição legal, orla marítima é a faixa contida na zona costeira, de
largura variável, compreendendo uma porção marítima e outra terrestre, caracterizada
pela interface entre a terra e o mar (artigo 22, Decreto federal 5.300/2004).
São considerados municípios costeiros aqueles que sofrem influência direta dos
fenômenos ocorrentes na zona costeira, devidamente relacionados na relação dos
municípios abrangidos pela faixa terrestre da zona costeira mantida pelo Ministério do
Meio Ambiente (artigo 3°, II e artigo 4°,§ 3°).
A competência para executar, em âmbito federal, o controle e a manutenção da
qualidade do ambiente costeiro é do IBAMA, em estrita consonância com as normas
estabelecidas pelo CONAMA. Ao poder público estadual, na esfera de suas
competências e nas áreas de sua jurisdição, caberá o planejamento e a execução das
atividades de gestão, em articulação com os Municípios e com a sociedade (artigo 12, I
e artigo 13, caput).
Finalmente, aos Municípios caberá o planejamento e a execução de suas
atividades de gestão da zona costeira em articulação com os órgãos estaduais, federais e
com a sociedade, observando as normas e padrões federais e estaduais (artigo 14).
Qualquer empreendimento na zona costeira deverá ser compatível com a infra-
estrutura de saneamento e como o sistema viário existentes, devendo a solução técnica
dotada preservar as características ambientais e paisagísticas (artigo 16), sendo possível
a intervenção e supressão de vegetação nativa, quando permitido em lei (artigo 17).
O Decreto federal 5.300/2004 estabelece um limite de 50 metros em áreas
urbanizadas ou 200 metros em áreas não urbanizadas, contados em direção do
continente, a partir do limite de contato entre a terra e o mar em qualquer de suas
feições: costão, praia, restinga, duna, manguezal, lagunas, canais ou braços de mar, etc.
(artigo 23), que poderão ser alterados discricionariamente pelo poder público,
observados as situações especificadas em um dos 4 incisos do §2° do artigo 23 do
mencionado Decreto.
A França, Noruega, Suécia e Turquia prevêem o limite de 100 metros, enquanto
que na Espanha essa faixa pode variar de 100 a 200 metros. Na Colômbia, Venezuela e
Costa Rica, país modelo de gestão ambiental, prevalece o limite de 50 a 200 metros. No
Chile e do Uruguai, tais limites são respectivamente 80 e 250 metros78.
Antes da edição do decreto as ocupações desordenadas das áreas de preservação
permanente costeiras eram implementadas e permitidas com base no Plano Diretor
Municipal.

b) Inciso IV

O inciso IV estabelece a necessidade de realização de Estudo Prévio de Impacto


Ambiental (EPIA) para a instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de
degradação do meio ambiente, ao qual se dará publicidade.
A legislação ambiental brasileira prevê, para todas as atividades que de alguma
forma causem impactos efetivos ou potenciais ao meio ambiente, a submissão a
processos administrativos específicos, como o licenciamento ambiental (Lei nº 6938/81,
artigo 10) e de estudos ambientais, como o Estudo Prévio de Impacto Ambiental - EPIA
(CF, art. 225, §1°, IV).79

Por meio de tais instrumentos, o empreendedor fica obrigado a


executar ações compensatórias e mitigadoras dos impactos, que
possam garantir a implantação do empreendimento, com os benefícios
econômicos a ele inerentes, mantendo-se, porém estável o equilíbrio
do meio ambiente, através do cumprimento das condicionantes
impostas, cujo objetivo é o atendimento ao princípio do
desenvolvimento sustentável.80

Nitidamente inspirado no princípio da prevenção, o Estudo Prévio de Impacto


Ambiental (EIA) foi incorporado à legislação brasileira no ano de 1981, na qualidade de
instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n° 6.938/81) e está também
presente em quase todas as constituições dos Estados Federados. Os procedimentos para
elaboração do Estudo de Impacto Ambiental, além de legais e compulsórios, são

78
MOREIRA, Walmor Alves. Decreto federal coloca limites à privatização das praias.
http://www.conjur.com.br. Disponível na internet. Acesso 25.03.2009.
79
GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito ambiental. São Paulo: Atlas. 2008, p. 327.
80
GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Op. cit., p. 327.
também pedagógicos e encerram um caráter social, posto que exigem a participação da
comunidade para sua aprovação.81
O outro princípio que também está presente neste inciso é o princípio da
integração, pois promove a integração do meio ambiente e as estratégias de ação dos
poderes públicos e da iniciativa privada. 82
A imposição de dar publicidade ao Estudo Prévio de Impacto Ambiental
representa mais do que simplesmente possibilitar a leitura do Estudo ao público, pois
passa o dever do Poder Público de levar o teor de qualquer Estudo ao público.83
O Decreto n° 99.274/90 manteve a competência delegada pelo Decreto n°
88.351/83 ao Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) para definir o
conceito legal de atividade potencialmente poluidora e para fixar os critérios básicos e
estabelecer as situações em que serão exigidos os estudos de impacto ambiental para
fins de licenciamento de atividades, o que foi disciplinado pela resolução CONAMA n°
001 de 23.01.1986, com as alterações introduzidas pelas resoluções CONAMA n° 011
de 1986 e n° 005 de 1987. 84
O Ministro Supremo Tribunal Federal Sepúlveda Pertence, em exame de
dispositivo da Constituição do Estado de Santa Catarina, que previa a dispensa do
Estudo Prévio de Impacto Ambiental na hipótese implantação de áreas de florestamento
e reflorestamento de áreas empresariais assim se pronunciou:

A constituição Federal, no art. 225, §1°, IV, ‘exigiu’ o Estudo Prévio


de Impacto Ambiental, chamado RIMA, como norma absoluta. Não
pode a Constituição Estadual, por conseguinte, excetuar ou dispensar
essa regra, ainda que, dentro de sua competência supletiva, pudesse
criar formas rígidas de controle. Não formas mais flexíveis ou
permissivas.85

c) Inciso V

81
MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 6. ed., São Paulo:RT, 2009, p. 167-168.
82
PRIEUR, Michel. 2005, p. 206, apud SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de direito ambiental. 7.ed.,
São Paulo: Saraiva, 2009, p. 84.
83
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 17.ed., São Paulo: Malheiros, 2009,
p.146.
84
SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 7ª ed. São Paulo: Malheiros. 2009, p. 289-
292.
85
BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Ação Declaratória de Inconstitucionalidade n. 1.086-7/SC. Rel.
Min. Ilmar Galvão, j. 7.6.2001, v.u. DJU 10.8.2001, apud MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito
ambiental brasileiro. 17.ed., São Paulo: Malheiros, 2009, p.145.
O inciso V também atribui ao Poder Público o “dever de controlar a produção, a
comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que possam representar
risco à vida, à qualidade de vida e ao meio ambiente”. 86 Este inciso tem estreita relação
com o anterior, na medida em que é necessária a avaliação dos impactos das tecnologias
sobre o meio ambiente.
O dispositivo permite a intervenção do Poder Público nas atividades econômicas
quando estiverem causando degradação do meio ambiente ou importando em risco para
a saúde humana, controlando e incentivando a implantação de novas tecnologias para
reduzir a poluição lançada no meio ambiente. É também a base legal para o
monitoramento, inspeção e auditorias dos métodos e técnicas empregados nos processos
produtivos, como também na comercialização dos produtos. Incluem-se no âmbito da
fiscalização as indústrias de matérias primas até o consumo final, os produtos perigosos
manipulados e os rejeitos sólidos e líquidos dispensados no meio ambiente incluindo,
portanto, quaisquer outros fatores de risco para a saúde humana. 87
A respeito do risco que representam as atividades econômicas, Heline Sivini
Ferreira assinala a novidade do conceito e que a necessidade de seu controle pelo Estado
coincide com a modernidade e com o nascimento da sociedade industrial. Ao priorizar o
desenvolvimento e o crescimento econômico, consolidou-se o surgimento da sociedade
de risco, conceituada como “um espaço no qual se relacionam, de forma instável e
perigosa, os grandes sistemas tecnológicos, a universalização da tecnologia e a
88
globalização da economia e da cultura.”
Portanto, na medida em que a origem do risco decorre diretamente da atividade
humana, justifica-se a escolha de uma alternativa dentre várias possíveis, associando a
gestão dos riscos necessariamente à avaliação das atividades potencialmente causadoras
de degradação ambiental.89
Celso Antonio Pacheco Fiorillo90 entende que este inciso do texto constitucional
se refere notadamente aos agrotóxicos, em face de sua utilização para a manutenção de
padrões de produtividade na agricultura, apesar de comprometerem a saúde humana de
86
BRASIL. Constituição (1988). Lex: Vade mecum de legislação. 7.ed., São Paulo: Ridell, 2008, p. 87.
87
SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de direito ambiental. 7.ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 85-86.
88
FERREIRA, Heline Sivini. Política ambiental constitucional. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes;
LEITE, José Rubens Morato (org.). Direito constitucional Ambiental brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Saraiva,
2008, p. 253.
89
FERREIRA, Heline Sivini. Política ambiental constitucional. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes;
LEITE, José Rubens Morato (org.). Direito constitucional Ambiental brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Saraiva,
2008, p. 253-254.
90
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 10. ed., São Paulo: Saraiva,
2009, p. 278.
forma direta. Acrescenta ainda que os pesticidas alteram de forma indireta a
biodiversidade do solo e das águas.
Em que pese ser a Lei de Agrotóxicos (Lei n° 7.802/89, regulamentada pelo
Decreto n° 4.074/2002), juntamente com a Lei de Biosegurança (Lei n° 11.105/2005),
representarem um avanço no sentido da regulamentação da norma constitucional em
comento, essa deve ser entendida de forma mais ampla, incluindo toda e qualquer
atividade potencialmente comprometedora da integridade do meio ambiente
ecologicamente equilibrado. As atividades de risco devem ser devidamente avaliadas
pelo Poder Público para que possam ser minorados ou afastados os riscos que possam
vir a ter. Como a Constituição não especificou qual a modalidade de riscos que deveria
ser controlada, cabe afirmar que este controle poderá se dar de todas as formas,
inclusive mediante a avaliação prévia das atividades potencialmente poluidoras. 91
Édis Milaré92 confirma o entendimento de que não só as substâncias nocivas
foram proscritas pela norma, mas também todas as técnicas e métodos que provoquem
danos à qualidade de vida e ao meio ambiente, indicando que tecnologias e processos
produtivos obsoletos, inadequados ou impróprios à saúde humana e do meio ambiente
não devem ser produzidos, comercializados ou utilizados.

d) Inciso VI

O inciso VI preceitua que é dever do Estado “promover a educação ambiental


em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio
ambiente.”93
Portanto, dois são os deveres do Estado: a promoção da educação e da
conscientização pública no sentido de preservar o meio ambiente.
A educação ambiental decorre do princípio da participação na tutela do meio
ambiente e também é objeto de legislação infraconstitucional, conforme se observa na
Lei da Política Nacional de Educação Ambiental (Lei n° 9.765/99). A educação
ambiental esta definida no artigo 1° do referido diploma como “os processos pelos quais
o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades,

91
FERREIRA, Heline Sivini. Política ambiental constitucional. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes;
LEITE, José Rubens Morato (org.). Direito constitucional Ambiental brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Saraiva,
2008, p. 252-254.
92
MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 6. ed., São Paulo:RT, 2009, p. 169.
93
BRASIL. Constituição (1988). Lex: Vade mecum de legislação. 7.ed., São Paulo: Ridell, 2008, p. 87.
atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso
comum do povo, essencial à qualidade de vida e sua sustentabilidade.” 94
Celso Antonio Pacheco Fiorillo atribui à tarefa de educar ambientalmente cinco
significados primordiais, entre outros:

a) reduzir os custos ambientais, à medida que a população atuará


como guardiã do meio ambiente; b) efetivar o princípio da prevenção;
c) fixar a idéia de consciência ecológica, que buscará sempre a
utilização de tecnologias limpas; d) incentivar a realização do
princípio da solidariedade, no exato sentido que perceberá que o meio
ambiente é único, indivisível e de titulares indetermináveis, devendo
ser justa e distributivamente acessível a todos; e) efetivar o princípio
da participação.95

Os valores da cidadania, da autodeterminação dos povos e da solidariedade


foram mencionados expressamente como objetivos da educação ambiental e como
96
fundamentos para o futuro da humanidade (Lei n° 9.795/99, artigo 5°, incisos VII).
Assim, a partir da tutela constitucional, a educação do meio ambiente adquire uma
dimensão maior, associada às finalidades do Estado brasileiro, enquanto representação
da própria sociedade e como decorrência de um pacto social. 97
Édis Milaré98 compreende que após sua constitucionalização o direito à educação
ambiental passa a constituir um direito do cidadão, assemelhado aos direitos
fundamentais, uma vez que está ligado aos direitos e deveres constitucionais de
cidadania. Neste contexto, compreende que a legislação relativa à educação ambiental
comporta exame sob os aspectos educacional, formal e não-formal.
O primeiro aspecto está relacionado diretamente aos conceitos e valores
objetivamente fixados pela Lei da Política Nacional de Educação Ambiental (Lei n°
9.765/99) e pelo Decreto n° 4.281/2002 que a regulamentou, destacando-se dentre
outros aspectos o apoio governamental, a participação e a iniciativa de todos os agentes
ambientais públicos, privados e das organizações não-governamentais na promoção da
educação ambiental.

94
BRASIL. Lei n. 9.795, de 27 de abril de 1999, apud FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de
direito ambiental brasileiro. 10. ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 59.
95
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 10. ed., São Paulo: Saraiva,
2009, p. 58.
96
FERREIRA, Heline Sivini. Política ambiental constitucional. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes;
LEITE, José Rubens Morato (org.). Direito constitucional Ambiental brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Saraiva,
2008, p. 260.
97
MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 6. ed., São Paulo:RT, 2009, p. 173.
98
MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 6. ed., São Paulo:RT, 2009, p. 522-526.
O aspecto formal da educação ambiental se refere à programação do ensino nas
escolas, em todos os graus, seja no ensino privado como no oficial, de forma
interdisciplinar. Mesmo que cada estabelecimento tenha liberdade para propor e aplicar
seu currículo consoante sua realidade específica (Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional – Lei n° 9.394/96), os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) apresentam
o meio ambiente como um tema que deve permear o conteúdo de todas as disciplinas.
Em seu aspecto não-formal, a educação ambiental se volta para os processos e as
ações de educação fora do ambiente escolar, denominada de “educação permanente”.
Neste contexto, a educação ambiental adquire importância para aperfeiçoar o debate da
população em torno da problemática ambiental, como também para a busca de soluções
práticas para os problemas ambientais de cada comunidade.

9.2.4 Parágrafo segundo:

Art. 225. [...]


§2° Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a
recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução
técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.

O aspecto mais importante deste parágrafo é a consagração da responsabilidade


civil objetiva, uma vez que ao empreendedor é imposto o dever de recuperar o meio
ambiente degradado pela atividade de mineração.
Os objetivos de curto prazo envolvem a recomposição topográfica do terreno, o
controle da erosão, a revegetação do solo, o controle dos depósitos estéreis e rejeitos. A
médio prazo busca-se a reestruturação das propriedades físicas e químicas do solo, a
reciclagem dos nutrientes e o reaparecimento da fauna. A longo prazo busca-se a auto-
sustentação do processo de recuperação, o inter-relacionamento entre o solo, a palnta e
o animal, bem como a utilização futura da área.99

9.2.5 Parágrafo terceiro:

Art. 225. [...]

99
MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 6. ed., São Paulo:RT, 2009, p. 181.
§3° As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio
ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a
sanções penais e administrativas, independentemente da
obrigação de reparar os danos causados.

O §3° do artigo 225 da Constituição Federal de 1988 fundamenta a tríplice


responsabilização dos infratores pelas condutas lesivas ao meio ambiente, que se dá
cumulativamente na esfera administrativa, penal e civil, essa última independentemente
da discussão de culpa (responsabilidade objetiva) ou de suas excludentes (força maior,
caso fortuito, fato de terceiro).
A responsabilidade penal ambiental é de natureza subjetiva, uma vez que a culpa
e o dolo constituem os elementos subjetivos do tipo (artigo 18 do CP).
Na esfera administrativa, embora a responsabilidade permaneça subjetiva, é
possível a ocorrência de excludentes como a força maior, o caso fortuito e o fato de
terceiro.
Assim, por exemplo, a intervenção não autorizada (Resolução CONAMA n°
369/2006) em Área de Preservação Permanente (artigos 2° e 3° da Lei n° 4.771/65) por
um agricultor no preparo de sua lavoura, ensejará multa administrativa no valor de
R$5.000,00 a R$ 50.000,00 por hectare destruído (artigo 43 do Decreto n° 6.514/2008);
procedimento penal punível com pena de detenção de um a três anos (artigos, 2°, 3° e
38 da lei nº 9.605/98), sem prejuízo da recuperação da vegetação destruída pela
intervenção ilegal, assumindo o responsável a obrigação de fazer, normalmente objeto
de transação penal para a extinção do processo penal, nos termos da Lei n° 9.099/95
(artigo 14, §1° da Lei n° 6.938/81).
A estrutura do microsistema ambiental e os instrumentos processuais para a
proteção do meio ambiente e do bem ambiental já foram abordados, ao qual nos
remetemos neste momento.

9.2.6 Parágrafo quarto:

Por sua vez, o conteúdo do §4° do artigo 225 da Constituição Federal estabelece
que:

Art. 225. [...]


§4° A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra
do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são
patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei,
dentro de condições que assegurem a preservação do meio
ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.100

A proteção de tais espaços esta fundamentada em sua fragilidade e reconhecida


diversidade biológica, sendo lamentável que também não tenham sido incluídos no
âmbito da proteção outros importantes ecossistemas brasileiros, como a caatinga
nordestina e o cerrado.101
José Afonso da Silva102 alerta que a os espaços territoriais que reclamam
proteção especial não se encaixam na definição das Unidades de Conservação. Assim,
os espaços caracterizados no §4° do artigo 225 da Constituição Federal, por já gozarem
de proteção específica não podem ser transformados em Unidades de Conservação.
A distinção está na proteção específica dispensada às Unidades de Conservação
através da regulamentação do inciso III do §1° da Constituição Federal pela Lei n°
9.985/2000. No caso dos biomas de interesse nacional, enumerados diretamente no §4°
do artigo 225 da Constituição Federal, o legislador constituinte optou por classificá-los
como macroecosistemas pertencentes ao patrimônio da nação brasileira.103
Os proprietários das áreas mencionadas no §4° do artigo 225 da Constituição
Federal não fazem jus à indenização pelas restrições de uso impostas pela Constituição
de 1988, pois consoante o entendimento do Supremo Tribunal Federal não foram
transformados em bens da união, mas em patrimônio da nação, o que não impede sua
utilização racional:

O preceito consubstanciado no art. 225, §4°, da Carta da República,


além de não haver convertido em bens públicos os imóveis
particulares abrangidos pelas florestas e pelas matas nele referidas
(Mata Atlântica, Serra do Mar, Floresta Amazônica brasileira),
também não impede a utilização, pelos próprios particulares, dos
recursos naturais existentes naquelas áreas que estejam sujeitas ao
domínio privado, desde que observadas as prescrições legais e
respeitadas as condições necessárias à preservação ambiental. 104

100
BRASIL. Constituição (1988). Lex: Vade mecum de legislação. 7.ed., São Paulo: Ridell, 2008, p. 87.
101
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 17.ed., São Paulo: Malheiros, 2009,
p.150.
102
SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 7ª ed. São Paulo: Malheiros. 2009, p. 234.
103
SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de direito ambiental. 7.ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 94.
Assim, o sentido que se vislumbra na expressão patrimônio nacional conforme
grafada no parágrafo em destaque não é o de propriedade federal sobre tais bens, mas de
riqueza nacional que deve ser conservada pelas presentes gerações em favor das futuras,
sem que tal estipulação represente um óbice a sua utilização econômica.105

9.2.7 Parágrafo quinto:

Art. 225. [...]


§5° São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos
Estados por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos
ecossistemas naturais.

Terras devolutas são aquelas que não estão destinadas a qualquer uso público
nem está legitimamente integrada ao patrimônio particular. No atual quadro
constitucional as terras devolutas foram mantidas como bens públicos da União (artigo
20, II da CF) e dos Estados (artigo 26, IV da CF) , em razão da origem de seu domínio,
qual seja, sucessivamente a coroa portuguesa, o Império e a República brasileiras.
As terras devolutas, ainda não arrecadadas pela União ou pelos Estados, são
indisponíveis. A indisponibilidade não pressupõe a arrecadação, com julgamento final
da ação de discriminação. Assim as terras devolutas que concorrem para a proteção de
determinado ecossistema serão sempre indisponíveis, por força do mandamento
constitucional, mesmo que ainda não incorporadas ao patrimônio da União em virtude
de ação discriminatória.106

9.2.8 Parágrafo sexto:

Art. 225. [...]

104
BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 677.647-2 –
Amapá. Relator Ministro Eros Grau. Agravante: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis – IBAMA. Agravada: Jarí Celulose S/A. j. 20.05.2008. DJE 06.06.2008. Lex:
Jurisprudência geral civil – STF. Revista dos tribunais. São Paulo: RT, v. 875, p. 94, set. 2008.
105
MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 6. ed., São Paulo:RT, 2009, p. 183.
106
MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 6. ed., São Paulo:RT, 2009, p. 185-186.
§6° As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua
localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser
instaladas.

Somente após a edição de norma que regulamente a localização de usina nuclear


é que o empreendimento, observado o prévio licenciamento ambiental e outras
exigências da legislação, poderá ser instalado.

9.3 Competência ambiental constitucional

A atual distribuição de competências constitucionais do Estado brasileiro reflete


o modelo de organização política escolhida para a República desde sua proclamação,
bem como a dependência dos Estados em relação a um governo central historicamente
forte no Brasil, que sempre desequilibrou a composição de forças ideais que devem
existir na composição de um Estado federado.
Vladimir Passos de Freitas107 explica que o Estado federal brasileiro tem origem
no Estado unitário do Império (1822-1889), que era subdividido em províncias sem
qualquer autonomia política. A primeira Constituição da República (1891) tornou o
Estado brasileiro um Estado federativo, nos moldes dos Estados Unidos da América,
onde as antigas províncias passaram a serem denominadas de Estados, sem que tal
mudança resultasse em uma verdadeira autonomia, que permaneceu tímida e
incompleta. A federação é a forma mais comum de organização de um Estado soberano,
a exemplo de quase toda a Europa central e a América Latina, onde o Chile é uma
exceção, constituindo um Estado unitário dividido em regiões.
A formação dos Estados Unidos da América, modelo que inspirou a primeira
Constituição brasileira, se deu pela união das treze colônias americanas, todas soberanas
e independentes entre si, que optaram por abrir mão da sua soberania em favor de um só
Estado, mais forte e poderoso.
O autor em destaque assinala que no Brasil a repartição de competências entre a
União e os Estados não se transformou muito no decorrer do tempo. Com a
promulgação da nova ordem jurídica de 1988 tentou-se uma maior descentralização das
decisões, fortalecendo os Estados e os Municípios, atribuindo-se à União a elaboração

107
FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituição Federal e a efetividade das normas ambientais. 3.ed.,
São Paulo: RT, 2005, p. 52-55.
de normas gerais e às demais personalidades jurídicas a especificação de condutas
relacionadas com a realidade local.
José Afonso da Silva108 ensina que a repartição de competências entre as
entidades da Federação brasileira é bastante complexa e que a Constituição de 1988
busca realizar o equilíbrio federativo por meio de uma repartição de competências que
primeiro enumera os poderes da União (artigos 21 e 22 da Constituição Federal), depois
os poderes remanescentes aos Estados (artigo 25, §1° da Constituição Federal) e, por
fim, os poderes indicativos aos municípios (artigos 29 e 30 da Constituição Federal).
No entanto, acrescenta que o sistema constitucional combina a reserva de
campos específicos com áreas comuns de competência, em que se prevêem atuações
paralelas de todos os entes da Federação (artigo 23 da Constituição Federal). Há
também as competências concorrentes entre a União e os Estados, em que a
competência para estabelecer as políticas, diretrizes e normas gerais é da União,
deferindo as Estados e aos Municípios a competência suplementar (artigos 24 e 30 da
Constituição Federal).
A repartição de competências legislativas da Constituição Federal de 1988 teve o
claro intuito de descentralizar a proteção ambiental, implicando em um sistema
legislativo complexo, que nem sempre funciona de modo integrado. Eventuais
superposições legislativas fazem com que se fixem padrões ambientais divergentes,
como também que se adotem procedimentos administrativos não uniformes no âmbito
dos órgãos ambientais estaduais.109
Tais dificuldades, à semelhança do caso brasileiro, também são observadas no
modelo norte-americano e têm origem na constatação que os problemas ambientais não
se detêm nas linhas geográficas que separam os Estados da Federação, atravessando
suas fronteiras e causando prejuízos nos Estados vizinhos. Ademais, alguns Estados
federados são nitidamente mais eficientes que outros na proteção do meio ambiente ao
impor maiores restrições que seus congêneres e, dessa forma, favorecem
negligentemente a migração da atividade poluente.110
Cristiane Derani111 aponta que a diversidade do aparelhamento legislativo reflete
não só atividade de política ambiental, mas também o seu conceitual desamparo.

108
SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 7ª ed. São Paulo: Malheiros. 2009, p. 72.
109
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 4.ed., Rio de Janeiro: Lúmen Juris. 2000, p. 60.
110
FINDLEY, Roger W.; FARBER, Daniel A. 1988, p. 199, apud SILVA, José Afonso da. Direito
ambiental constitucional. 7ª ed. São Paulo: Malheiros. 2009, p. 72-73.
111
MICHELSEN, Jörg, 1992, p. 26, apud DERANI, Cristiane, Direito Ambiental econômico. 3ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2008, p. 69.
Segundo a autora, protegem-se os bens ambientais evidentemente ameaçados – ar, água,
paisagem – por meio de leis especiais, sem que a legislação considere a relação entre
tais bens e os valores ecológicos e econômicos envolvidos.
Cita o exemplo dos danos que as inúmeras autorizações isoladas de liberação de
dejetos na atmosfera causam às florestas, pois ao fixar os padrões gerais de emissão o
poder público não leva em conta o fator sinergético de todas as autorizações individuais
sobre o meio ambiente, quando consideradas em seu conjunto.
Da mesma forma, esta autora entende que as permissões para o uso de
pesticidas e adubos químicos acabam por patrocinar a ruína das terras cultiváveis e a
contaminação do lençol freático. Explica que as prescrições legais recaem apenas sobre
a composição dos agrotóxicos, sem interferir na possibilidade de seu uso ilimitado,
favorecendo assim o seu acúmulo no meio ambiente. Portanto, demonstra que as normas
ambientais são inócuas quando não procuram uma coordenação para atingir a finalidade
a que se destinam.

9.3.1 Classificação das competências ambientais

Helini Sivini Ferreira112 classifica as competências ambientais estabelecidas pela


Constituição Federal de 1988 a partir de duas referências distintas, ou seja, natureza e
extensão. Esta diferenciação não é excludente, mas complementar.
Quanto a sua natureza, as competências ambientais podem ser classificadas em
executivas, administrativas e legislativas. A competência executiva reserva a
determinada esfera do poder o direito de estabelecer e executar diretrizes, estratégias e
políticas ligadas ao meio ambiente; a competência administrativa tem o sentido de
implementação e fiscalização, remetendo ao exercício do poder de polícia pelas
entidades federativas com o objetivo de proteger e preservar o meio ambiente; a
competência legislativa refere-se à capacidade outorgada ao ente federativo para legislar
sobre questões referentes à temática ambiental.
Quanto à extensão, as competências ambientais podem ser classificadas como
exclusivas, privativas, comuns, concorrentes e suplementares.
A competência exclusiva exclui os demais entes federativos de seu exercício; a
competência privativa, embora também seja específica de determinado nível de
112
FERREIRA, Heline Sivini. Competências ambientais. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes;
LEITE, José Rubens Morato (org.). Direito constitucional Ambiental brasileiro. 2ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2008, p. 206-209.
governo, admite delegação ou ser suplementada; a competência comum, também
denominada cumulativa ou paralela, é exercida de forma igualitária por todos os entes
da federação; a concorrente prevê a possibilidade de disposição sobre determinada
matéria por mais de um ente federativo, reservando-se a primazia à União quanto à
fixação de normas gerais; competência suplementar torna possível a edição de normas
que especifiquem normas gerais existentes ou supram sua ausência ou omissão.
Deve ser frisado que o critério para diferenciar a competência exclusiva da
privativa se fundamenta no parágrafo único do artigo 22 da Constituição Federal de
1988, ou seja, enquanto as competências privativas podem ser delegadas, competências
exclusivas só podem ser exercidas por um ente específico da federação. Os Estados e os
Municípios, ao contrário da União, têm apenas competências exclusivas, sejam elas de
natureza executiva ou legislativa.
Além de tais classificações, temos as competências chamadas de enumeradas,
que são aquelas expressamente definidas na Constituição Federal de 1988 para
determinado ente federativo, e a competência residual, que é aquela que não é atribuída
a nenhum ente da federação especificamente.
José Afonso da Silva113 classifica a repartição de competências da Constituição
Federal de 1988 em competência material e a competência legislativa (formal).
Subdivide a competência material em dois grupos: exclusiva (artigo 21 da
Constituição Federal) e, conforme o artigo 23 da Constituição Federal de 1988, em
comum, cumulativa ou paralela.
Por sua vez, a competência legislativa (formal) se subdivide em exclusiva (artigo
25,§1° e §2° da Constituição Federal de 1988), privativa (artigo 22 da Constituição
Federal de 1988), concorrente (artigo 24 da Constituição Federal de 1988) e
suplementar (artigo 24, §2° e artigo 30, II da Constituição Federal de 1988).

9.3.2 Competência exclusiva e privativa da União

A competência executiva exclusiva em matéria ambiental da União está


discriminada ao longo do artigo 21 da Constituição Federal de 1988. Diretamente
relacionado ao meio ambiente está o inciso IX, que estabelece caber à União a
elaboração e execução de políticas relacionadas a planos nacionais e regionais de
ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social, justificando a Política
113
SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 7ª ed. São Paulo: Malheiros. 2009, p. 72.
Nacional do Meio Ambiente (Lei n° 6.938/81) e o Sistema Nacional do Meio Ambiente
(SISNAMA).
O inciso XIX também atribui à União a exclusividade de instituir o Sistema
Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e de definição dos critérios de
outorga de direitos de seu uso, que possibilitou a regulamentação da Política Nacional
de Recursos Hídricos (Lei n° 9.433/97) e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento
de Recursos Hídricos.
No mesmo sentido a Lei n° 7.661/88, que instituiu o Plano Nacional de
Gerenciamento Costeiro.
A competência legislativa privativa da União está toda relacionada no artigo 22
da Constituição Federal de 1988. Esta exclusividade legislativa se estende em matéria
atinente a águas e energia (inciso IV).
Assim, muito embora as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes
e em depósito constituam bens estaduais (artigo 26, I da Constituição Federal de 1988),
deverão observar a legislação federal para sua exploração. 114 O parágrafo único do
artigo 21 da Constituição Federal de 1988 prevê a possibilidade de delegação das
competências privativas da União aos Estados, mediante Lei Complementar.
Da forma como está estabelecido pela Constituição Federal de 1988, os Estados,
o Distrito Federal e os Municípios não podem suplementar ou adaptar às suas
peculiaridades regionais as deficiências das normas federais quando a competência
legislativa da União for exclusiva.115

9.3.3 Competência comum dos entes federativos

As competências administrativas discriminadas nos artigo 23 da Constituição


Federal de 1988 são classificadas como comuns a todos os entes federativos.
José Afonso da Silva116 ensina que nessa espécie de competência o que é
outorgado em comum aos entes federados é a competência para empreender ações
materiais em favor da proteção do meio ambiente. Assim, a competência fica no âmbito
da execução de leis protetivas e não para legislar sobre a matéria, objeto de enumeração
específica do artigo 24 da Constituição Federal de 1988.

114
SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 7ª ed. São Paulo: Malheiros. 2009, p. 76.
115
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 17.ed., São Paulo: Malheiros. 2009,
p. 387.
116
SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 7ª ed. São Paulo: Malheiros. 2009, p. 79.
Assim, o Município não pode legislar sobre água, mas deve aplicar a legislação
federal de águas no ordenamento do território municipal.117
No tocante ao meio ambiente natural, encontramos a competência comum de
todos os entes federados para sua proteção e para o combate à poluição em qualquer de
suas formas (inciso VI), como também para preservar as florestas, fauna e a flora (inciso
VII). Essa competência está voltada para a execução das diretrizes, políticas e preceitos
relativos à proteção ambiental, conforme delineadas na lei da Política Nacional do Meio
Ambiente (Lei n° 6.938/81).
A competência administrativa de natureza comum é uma imposição
constitucional para que os diversos integrantes da Federação atuem em cooperação
administrativa recíproca, visando a proteção do bem ambiental. 118 Esta cooperação
administrativa tem em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar, em âmbito
nacional, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.119
A edição de normas materiais de cooperação por meio de lei complementar foi
expressamente prevista no parágrafo único do artigo 23 da Constituição Federal de
1988, mas nunca foi concretizada. Em face da inexistência de lei complementar, a
doutrina considera que o artigo em comento tem eficácia plena e que a atuação conjunta
dos entes federativos é possível em qualquer hipótese, desde que respeitados seus
limites territoriais. A norma regulamentadora viria somente para indicar a maneira pela
qual se daria a cooperação entre os entes da federação.120
Na ausência de tais normas, eventual conflito na atuação administrativa dos
Municípios, do Distrito Federal, dos Estados ou da União tem sido resolvido pela
aplicação do artigo 76 na Lei n° 9.605/98, que trata das sanções penais e administrativas
consideradas lesivas ao meio ambiente. Conforme se depreende da leitura do citado
artigo, o pagamento de multa imposta pelos demais entes federativos substitui a multa
federal na mesma hipótese de incidência.121
Na interpretação do artigo 23 da Constituição Federal de 1988 prevaleceu
durante certo tempo o entendimento de que cada ente federativo só teria legitimidade

117
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 17.ed., São Paulo: Malheiros. 2009,
p. 392.
118
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 4.ed., Rio de Janeiro: Lúmen Juris. 2000, p. 62.
119
CRETELLA Jr., José. 1991, p. 1740-1741, apud ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 4.ed.,
Rio de Janeiro: Lúmen Juris. 2000, p. 62.
120
VITTA, Heraldo Garcia. 1998, p. 93-101, apud FERREIRA, Heline Sivini. Competências ambientais.
In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (org.). Direito constitucional
Ambiental brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 217.
121
SIRVINSKAS, Luis Paulo. Manual de direito ambiental. 7.ed., São Paulo: Saraiva. 2009, p. 125.
para aplicar as normas ambientais por ele editadas, não podendo aplicar normas de
outros entes federativos.122
Contudo, há casos específicos em que a competência administrativa comum dá
ensejo a aplicação de legislação por uma pessoa política distinta daquela que editou a
norma, conforme se destaca nos exemplos abaixo:

Digamos que haja danos ecológicos num bem pertencente ao


município; por razões diversas, contudo, as autoridades municipais
ficam silentes; não penalizam os infratores nem mesmo restauram a
lesão ambiental. Nesse exemplo, parece-nos coerente o ponto de vista
segundo o qual o Estado e até mesmo a União atuem, na defesa do
meio ambiente lesado. Tanto o servidor estadual como o federal
poderiam aplicar as sanções cabíveis, inclusive multa aos infratores,
desde que devidamente plasmadas em lei. E vamos um pouco adiante.
Pouco importaria ser esta lei municipal, estadual ou federal, na medida
em que a competência para aplicá-la seria de todas as entidades
políticas. Então, podemos argumentar ser coerente outro caso: O
Município atuar em prol do meio ambiente, num bem pertencente à
União ou Estado, diante da omissão destes últimos. Agiria na
competência administrativa fixada no art. 23 da CF/88. Poderia atuar
com base em lei federal, estadual ou municipal. Pouco importa. 123

Há ainda a possibilidade de cumprir os deveres comuns estabelecidos no artigo


23 da Constituição Federal de 1988 pela celebração de convênios e consórcios entre
órgãos ambientais federais, estaduais e municipais com o fim precípuo de conservação
do meio ambiente, conforme autorizado pelo artigo 241 da Constituição Federal de
1988.
Vladimir Passos de Freitas124 observa que por meio de convênio o órgão
ambiental federal passa suas atribuições a um órgão estadual ou municipal, e que essa
modalidade de cooperação, embora prevista na Constituição anterior (artigo 13, §3°),
não foi contemplada inicialmente na Constituição Federal de 1988. No entanto, a
Emenda Constitucional n° 9 de 04.06.1998 reparou a omissão, dando nova redação ao
artigo 241 da Constituição Federal de 1988, permitindo explicitamente que as pessoas
políticas disciplinem através de lei os consórcios e convênios de cooperação.
Acrescenta o autor que os consórcios surgiram de forma espontânea, a partir da
constatação que determinados municípios não conseguiriam solucionar sozinhos os
122
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 4.ed., Rio de Janeiro: Lúmen Juris. 2000, p. 62.
123
VITTA, Heraldo Garcia. 1998, p. 93-101, apud FERREIRA, Heline Sivini. Competências ambientais.
In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (org.). Direito constitucional
Ambiental brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 218-219.
124
FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituição Federal e a efetividade das normas ambientais. 3.ed.,
São Paulo: RT, 2005, p. 80-83.
problemas ambientais. Cita como exemplo o Consórcio das Bacias Hidrográficas dos
Rios Piracicaba e Capivari, no Estado de São Paulo, celebrado antes da mencionada
Emenda Constitucional n° 9 (1991), destinado a promover a recuperação da vegetação
ciliar de mananciais de abastecimento público. A iniciativa contou com a união de 55
municípios, do Departamento Nacional de Proteção dos Recursos Naturais, da Polícia
Florestal e de Mananciais, da Companhia Energética de São Paulo, de proprietários
rurais e do Ministério Público.
Deve ainda ser considerado que a cooperação entre os entes federativos pode ser
justificada no artigo 225 da Constituição Federal de 1988, que impõe ao Poder Público e
à coletividade o dever de defender o meio ambiente ecologicamente equilibrado,
essencial á qualidade de vida, preservando-o para as presentes e futuras gerações.

9.3.4 Competência legislativa concorrente entre os entes federativos

A competência legislativa concorrente está prevista no artigo 24 da Constituição


Federal de 1988, permitindo à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar
concorrentemente sobre as matérias ligadas diretamente ao meio ambiente natural,
florestas, caça, pesca, fauna, poluição, patrimônio paisagístico, dano ao meio ambiente,
conforme relacionadas nos incisos VI, VII e VIII do referido artigo.
Paulo Affonso Leme Machado125 entende que a norma federal de caráter geral
prevista no §1° do artigo 24 da Constituição Federal de 1988 não pode esgotar a matéria
tratada e deve deixar espaço para que os Estados e Municípios exerçam sua
competência suplementar. A norma geral federal não deve ser completa, caso contrário
converte-se em norma exclusiva ou privativa, cuja permissão constitucional só abrange
as matérias indicadas no artigo 22 da Constituição Federal de 1988.
Luís Paulo Sirvinskas126 ensina que a competência legislativa concorrente pode
ser cumulativa e não-cumulativa. A primeira permite à União, aos Estados e ao Distrito
Federal legislar sobre as matérias a eles atribuídas, sem limites prévios. A não-
cumulativa, adotada pela Constituição Federal de 1988, impõe a observância da
competência vertical dos entes de hierarquia superior. Assim, a União deverá legislar

125
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Federalismo, amianto e meio ambiente: julgado sobre
competência. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (org.). Direito
constitucional Ambiental brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 227.
126
SIRVINSKAS, Luis Paulo. Manual de direito ambiental. 7.ed., São Paulo: Saraiva. 2009, p. 120-122.
sobre normas gerais (artigo 24, §1°) e os Estados e o Distrito Federal sobre normas
específicas, de forma suplementar (artigo 24, §2°).
No entanto, também observa o autor que o excessivo detalhamento das normas
federais deixa pouco ou nenhum espaço para que os demais entes autorizados possam
legislar. Acrescenta que somente no caso de ausência de norma federal poderão os
Estados e o Distrito Federal legislar plenamente, até que a União venha a fazê-lo (artigo
24, §3° e §4°).
No caso do §4° do artigo 24 da Constituição Federal de 1988, a lei federal
superveniente não revoga nem derroga a lei estadual, que fica com sua eficácia suspensa
até que a lei federal venha a ser revogada.127
Um eventual conflito de normas será resolvido pelo critério de maior hierarquia
do órgão legislador. A invasão de competências da União pelos Estados ou pelo Distrito
Federal, ou vice-versa, enseja o controle de constitucionalidade difuso ou concentrado.
Caso seja identificado um conflito entre legislações federais e estaduais, mesmo
observando seus respectivos campos de atuação, deverá predominar aquela norma mais
restritiva (in dúbio pro natura), uma vez que se busca a satisfação da proteção de um
interesse público, ou seja, o direito fundamental ao meio ambiente sadio e
equilibrado.128
Vale a pena ilustrar a interpretação desse artigo pela análise do caso concreto
envolvendo a legislação do amianto no Brasil.
O amianto é o nome comercial de um silicato natural, que devido conter
propriedades comprovadamente cancerígenas teve sua substituição recomendada pela
Convenção n° 162 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 04.06.1986,
devidamente ratificada pelo Brasil (Decreto n° 126/1991). Posteriormente, a Lei Federal
n° 9.055/95 proibiu totalmente alguns tipos de amianto no território nacional e tratou
dos diversos aspectos relacionados ao amianto do tipo crisotila, única espécie
encontrada no Brasil. Esta lei federal disciplinou a lavra do amianto crisotila desde sua
extração até sua industrialização, mas não eliminou completamente sua utilização e
comercialização no Brasil. Alguns anos mais tarde o Estado do Mato Grosso do Sul
editou a Lei Estadual n° 2.210/2001, que vedou a utilização e estabeleceu a proibição de

127
SILVA, José Afonso. 1995, p. 477, apud GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito ambiental. São
Paulo: Atlas. 2008, p. 83.
128
FERREIRA, Heline Sivini. Competências ambientais. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes;
LEITE, José Rubens Morato (org.). Direito constitucional Ambiental brasileiro. 2ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2008, p. 216.
qualquer atividade relacionada ao amianto – inclusive do tipo crisotila – em seu
território. 129
O Governo do Estado de Goiás, onde se encontra instalada uma grande indústria
mineradora do silicato (Minuaçu/GO), propôs Ação Direta de Insconstitucionalidade da
lei mato-grossense, resultando no seguinte entendimento geral do Supremo Tribunal
Federal, cuja ementa é abaixo transcrita:

EMENTA: 1. ADIN. Legitimidade ativa do Governador de Estado e


pertinência temática. Presente a necessidade de defesa de interesse do
Estado, ante a perspectiva de que a lei impugnada venha a importar
em fechamento de um mercado consumidor de produtos fabricados
em seu território, com prejuízo à geração de empregos, ao
desenvolvimento da economia local e à arrecadação tributária
estadual, reconhece-se a legitimidade ativa do Governador do Estado
para propositura de ADIn. Posição mais abrangente manifestada pelo
Min. Sepúlveda Pertence. 2. Caráter interventivo da ação não
reconhecido. 3. Justificação de urgência na consideração de prejuízo
iminente à atividade produtiva que ocupa todo um município goiano e
representa ponderável fonte de arrecadação tributária estadual. 4.
ADIN. Cognição aberta. O Tribunal não está adstrito aos fundamentos
invocados pelo autor, podendo declarar inconstitucionalidade por
fundamentos diversos dos expendidos na inicial. 5. Repartição das
competências legislativas. CF arts. 22 e 24. Competência concorrente
dos Estados-membros. Produção e consumo (CF, art. 24, V); proteção
do meio ambiente (CF, art. 24, VI); e proteção e defesa da saúde (CF,
art. 24, XII). No sistema da CF/88, como no das anteriores, a
competência legislativa geral pertence à União Federal. A residual ou
implícita cabe aos Estados que ‘podem legislar sobre as matérias que
não estão reservadas à União e que não digam respeito à
administração própria dos Municípios, no que concerne ao seu
peculiar interesse’ (Representação n° 1.153-4/RS, voto do Min.
Moreira Alves). O espaço de possibilidade de regramento pela
legislação estadual, em casos de competência concorrente abre-se: (1)
toda vez que não haja legislação federal, quando então, mesmo sobre
princípios gerais, poderá a legislação estadual dispor; e (2) quando,
existente legislação federal que fixe princípios gerais, caiba
complementação ou suplementação para o preenchimento de lacunas,
para aquilo que não corresponda à generalidade; ou, ainda, para
definição de peculiaridades regionais. Precedentes. 6. De legislação
estadual, por seu caráter suplementar, se espera que preencha vazios
ou lacunas deixadas pela legislação federal, não que venha dispor em
diametral objeção a esta. Norma estadual que proíbe a fabricação,
ingresso, comercialização e estocagem de amianto ou produtos à base
de amianto está em flagrante contraste com as disposições da lei
federal n° 9.055/95 que expressamente autoriza, nos seus termos, a
extração, industrialização, utilização e comercialização da crisotila. 7.
Inconstitucionalidade aparente que autoriza o deferimento da medida

129
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Federalismo, amianto e meio ambiente: julgado sobre
competência. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (org.). Direito
constitucional Ambiental brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 220-222.
cautelar. 8. Medida liminar parcialmente deferida para suspender a
eficácia do artigo 1°, §§ 1°, 2° e 3°, do art.° 2°, do art.° 3°, §§1º e 2° e
do parágrafo único do art. 5°, todos da Lei n° 2.210/01, do estado do
Mato Grosso do Sul, até o julgamento final da presente ação
declaratória de inconstitucionalidade.130

Paulo Affonso Leme Machado131, discordando respeitosamente da decisão do


Supremo Tribunal Federal na questão do amianto, sustenta que a Lei Federal n°
9.055/95 deixou o devido espaço para que os Estados pudessem completá-la ou
aprimorá-la. Explica que a Lei Estadual n° 2.210/2001, ao buscar a maior proteção à
saúde dos cidadãos e do meio ambiente, aperfeiçoou e completou a norma federal,
aprofundando ainda mais a linha original da norma geral.
Portanto, na opinião do autor em destaque, o Estado do Mato Grosso do Sul teria
agido no peno exercício de sua competência suplementar ao aumentar a proteção dos
direitos fundamentais de seus cidadãos.
Adverte ainda que a ação de adicionar, completar e aprimorar a norma geral
federal faz parte de um federalismo participativo e cooperativo. Advogar em contrário é
praticar um federalismo consentido, em que as autonomias estaduais não são desejadas,
mas tão somente toleradas, acrescentando que a diversidade é inerente ao federalismo e
que admitir o contrário é retroceder ao regime unitário imperial.
O Governo do Estado de Goiás também argüiu a inconstitucionalidade de
idêntica lei paulista, resultando igualmente na declaração de sua inconstitucionalidade
pelo Supremo Tribunal Federal.132
O Código Florestal (Lei n° 4.771/65), o Código de Pesca (Decreto-lei n° 221/67)
e o Código de Caça (Lei n° 5.197/67) são também exemplos de normas gerais
ambientais federais obrigatórias, que não excluem a competência dos Estados e o
Distrito Federal legislarem sobre as mesmas matérias desde que não contrariem ou
aumentem o nível de proteção das regras genéricas ali consignadas.

130
BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar na Ação Declaratória de Inconstitucionalidade
n. 2396 MC/MS, Tribunal Pleno, julgamento 26.09.2001, rel. Min. Ellen Gracie, DJ 14.12.2001.
Requerente: Governador do Estado de Goiás; Requerido: Governador do Estado do Mato Grosso do Sul.
Disponível em http://www.stf.jus.br. Acesso em 26 jan. 2010.
131
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Federalismo, amianto e meio ambiente: julgado sobre
competência. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (org.). Direito
constitucional Ambiental brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 228-231.
132
BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2656/SP, Tribunal Pleno,
julgamento 08.05.2003, rel. Min. Maurício Corrêa. DJ 01.08.2003. Requerente: Governador do Estado de
Goiás; Requerido: Governador do Estado de São Paulo. Disponível em http://www.stf.jus.br. Acesso em
26 jan. 2010.
É importante lembrar que a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n°
6.938/81) pressupõe o exercício da competência ambiental dos Estados ao mencioná-la
expressamente no §1° do artigo 6°. Este dispositivo estatui que os Estados, no âmbito de
sua jurisdição, elaborarão normas na esfera de suas competências supletivas e
complementares e dos padrões relacionados com o meio ambiente, observados aqueles
que forem estabelecidos pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente. A Lei n° 6.902/81
(Estações ecológicas e Áreas de Proteção Ambiental) e a Lei n° 7.661/88 (Plano
Nacional de Gerenciamento Costeiro) também não excluem a competência estadual na
matéria.133
As agências ambientais estaduais e municipais foram constituídas, bem como
regulamentam sua atuação com base no artigo 6° da Lei n° 6.938/81 (Lei da Política
Nacional do Meio Ambiente).
Contudo, a proteção legal do meio ambiente legislada pelos Estados deve
observar o princípio da proibição do retrocesso ecológico, cujo significado prático é a
impossibilidade da legislação editada pelos entes federativos venha a dispensar níveis
de proteção inferiores aos anteriormente consagrados pela legislação federal. 134
Foi o que observou, por exemplo, o Estado de Minas Gerais em relação ao
aumento da faixa de proteção da área de preservação permanente do ecossistema
denominado “vereda”, ocorrência hidrogeológica característica da geomorfologia do
cerrado e de outros ecossistemas vizinhos. As Leis Estaduais mineiras n° 9.375/1986,
9.682/1988135, estabeleceram restrições de forma complementar ao Código Florestal
(artigo 2° da Lei n° 4.771/65), que não só ampliaram como melhor caracterizam
morfologicamente os limites da faixa de mata ciliar a ser preservada ao redor dessa
típica área de preservação permanente.
No entanto, as mudanças introduzidas pelo Código Florestal Estado de Santa
Catarina (Lei Estadual n° 14.675/2009136) são flagrantemente inconstitucionais em
relação ao estabelecido na Lei Federal n° 4.771/65 (Código Florestal).
Dentre as inconstitucionalidades do código florestal catarinense observa-se a
redução pela lei estadual da extensão das áreas de preservação permanente existentes
133
SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 7ª ed. São Paulo: Malheiros. 2009, p. 78-79.
134
ARAGÃO, Alexandra. Direito constitucional do ambiente da União Européia. In: CANOTILHO, José
Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (org.). Direito constitucional Ambiental brasileiro. 2ª ed.
São Paulo: Saraiva. 2008. Pág. 37.
135
MINAS GERAIS (Estado). Lei n° 9.375/1986 e Lei n° 9.682/1988. Disponíveis em www.almg.gov.br.
Acesso em 26 jan. 2010.
136
SANTA CATARINA (Estado). Lei n. 14.675, de abril de 2009. Disponível em
www.sc.gov.br/downloads/Lei_14675.pdf. Acesso em 26 jan. 2010.
nas propriedades rurais do referido Estado, estabelecidas em trinta metros pelo artigo 2°
da Lei Federal n° 4.771/65, diminuindo-as para cinco metros (artigos 114 a 119 da Lei
Estadual n° 14.675/2009).
Outra irregularidade é o critério geral de aproveitamento de 60% das áreas de
preservação permanente no computo da Reserva Legal florestal das propriedades com
área superior a cinqüenta hectares (artigos 120 a 130 da Lei Estadual n° 14.675/2009).
Não bastasse, a previsão das hipóteses de intervenção nas áreas de preservação
permanente é ampliada para além do disposto na Lei Federal n° 4.771/65,
regulamentadas na resolução n° 369/2006 do Conselho Nacional do Meio Ambiente
(CONAMA).
Portanto, os Estados e o Distrito Federal possuem apenas a competência
comum e a competência concorrente, estabelecidas respectivamente nos artigos 23 e 24
da Constituição Federal de 1988.

9.3.5 Competência dos Municípios

A competência executiva exclusiva dos municípios se resume na promoção do


ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da
ocupação do solo urbano (artigo 30, VIII da Constituição Federal de 1988), como
também promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, com observância da
legislação estadual e federal (artigo 30, IX da Constituição Federal de 1988).
Quanto à competência legislativa exclusiva, cabe ao município legislar sobre
assuntos de “interesse local” (artigo 30, I da Constituição Federal de 1988), expressão
de conteúdo indeterminado cuja compreensão é bastante subjetiva.137
Paulo Affonso Leme Machado138 considera que o legislador constitucional foi
feliz ao utilizar a expressão “interesse local” e que pode ser objeto de legislação
municipal tudo aquilo que seja da conveniência de um quarteirão, de um bairro, de um
sub-distrito ou de um distrito.
Contudo, pondera que a noção de interesse local não é unívoca e que a doutrina
manifesta-se no sentido de que a noção de interesse local não se caracteriza pela
exclusividade do interesse, mas pela sua predominância.
137
FERREIRA, Heline Sivini. Competências ambientais. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes;
LEITE, José Rubens Morato (org.). Direito constitucional Ambiental brasileiro. 2ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2008, p. 212.
138
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 17.ed., São Paulo: Malheiros. 2009,
p. 389.
A questão do interesse local pode ser colocada nos seguintes termos:

Interesse local não se confunde com interesse privativo. O interesse do


Município que a Constituição protege é o peculiar, isto é, o próprio, o
especial, o particular; não o exclusivo, que, em rigor, inexiste, já que,
afinal de contas, tudo o que aproveita ao município também serve, de
modo mais ou menos próximo, a todo país.139

Portanto, frente à norma regulamentadora federal ou estadual, aplicar-se-á o


princípio da predominância do interesse, segundo o qual caberá aos Municípios legislar
especificamente sobre todas aquelas matérias em que seu interesse particular prevalecer
sobre os interesses da União e dos Estados. 140
Assim, por exemplo, o Município pode suplementar mais restritivamente as
normas federais e estaduais de emissão de efluentes urbanos ou industriais, como
também poderá promulgar norma autônoma, desde que comprove o interesse local e
ausência de normas ambientais federais e estaduais aplicáveis ao caso concreto. Da
mesma forma, o Município poderá promover o zoneamento dos depósitos urbanos de
substâncias perigosas, estabelecendo, por exemplo, uma distância segura dos
mananciais de água, praças e hospitais, bem como disciplinar a aplicação de agrotóxicos
nas vias, logradouros públicos e nos prédios afetados ao domínio público municipal. 141
Observe-se que embora tenham sido excluídos do exercício da competência
legislativa concorrente declinada no artigo 24 da Constituição Federal de 1988, a
Constituição Federal de 1988 prevê a competência do Município para suplementar as
normas federais e estaduais no que couber (artigo 30, II da Constituição Federal de
1988), ou seja, para preencher lacunas e adaptar normas editadas pela União ou pelos
Estados à realidade municipal. Ressalte-se que a legislação ambiental editada nessas
circunstâncias não poderá ser menos restritiva e menos protetora em relação às normas
estaduais e federais.
Tércio Sampaio Ferraz Junior142 ensina que a competência legislativa outorgada
aos Municípios pelo inciso II do artigo 30 da Constituição Federal de 1988 é decorrente
139
CARRAZA, Roque Antonio. 1995, p. 113, apud SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de direito
ambiental. 7.ed., São Paulo: Saraiva. 2009, p. 122-123.
140
FERREIRA, Heline Sivini. Competências ambientais. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes;
LEITE, José Rubens Morato (org.). Direito constitucional Ambiental brasileiro. 2ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2008, p. 213.
141
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 17.ed., São Paulo: Malheiros. 2009,
p. 404-405.
142
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. 1994, p. 16-20, apud FERREIRA, Heline Sivini. Competências
ambientais. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (org.). Direito
constitucional Ambiental brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 212.
e não concorrente, pois a norma federal ou estadual deve preexistir à norma municipal
elaborada supletiva ou complementarmente à mesma. Contudo, frente à inexistência de
tais normas gerais estaduais ou federais, afirma que os Municípios não poderão exercer
a competência concorrente plena e editá-las, já que não possuem a autorização
constitucional para tanto (artigo 24 da Constituição Federal de 1988). Nessa
circunstância, o Município terá que recorrer à analogia, aos costumes e princípios gerais
de direito.
A corroborar tal entendimento temos o §1° e §2° do artigo 6° da Lei n° 6.938/81
que autoriza os Municípios a editar normas supletivas e complementares, como também
padrões relacionados ao meio ambiente, desde que observem as normas e padrões
federais e estaduais fixadas pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA).

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