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400 Tortora, Funke & Case

Patologia, infecção e doença Microbiota normal


OBJETIVO DO APRENDIZADO OBJETIVOS DO APRENDIZADO
14-1 Identificar as contribuições de Paul Ehrlich e Alexander Fleming à 14-2 Definir microbiota normal e transiente.
quimioterapia. 14-3 Comparar comensalismo, mutualismo e parasitismo e dar
Patologia é o estudo científico das doenças (do grego pathos = so- exemplos de cada relação.
frimento; logos = ciência). O primeiro objeto de estudo da patologia 14-4 Contrastar as microbiotas normal e transiente com os
é a causa, ou etiologia, de uma doença. Em segundo lugar, ela lida micro-organismos oportunistas.
com a patogênese, que é a maneira como uma doença se desenvol- Os animais, incluindo os seres humanos, geralmente são livres de
ve. Por fim, a patologia analisa as mudanças estruturais e funcionais micro-organismos quando no útero materno. Ao nascimento, no
decorrentes da doença e seus efeitos finais no organismo. entanto, populações microbianas normais e características come-
Embora os termos doença e infecção sejam eventualmente usa- çam a se estabelecer. Imediatamente antes de a mulher dar a luz,
dos como sinônimos, eles apresentam diferenças em seus signifi- lactobacilos em sua vagina se multiplicam rapidamente. O primei-
cados. Infecção é a invasão ou colonização do corpo por micro- ro contato entre o recém-nascido e os micro-organismos em geral
-organismos patogênicos; a doença ocorre quando uma infecção ocorre com esses lactobacilos, que se tornam os micro-organismos
resulta em qualquer mudança no estado de saúde do hospedeiro. predominantes no intestino do bebê. Com a respiração e o início da
A doença é um estado anormal no qual parte ou todo o organismo alimentação, mais micro-organismos são introduzidos no corpo do
não se apresenta propriamente ajustado ou é incapaz de desenvol- recém-nascido a partir do meio ambiente. Após o nascimento, E.
ver suas funções normais. Uma infecção pode existir na ausência coli e outras bactérias provenientes de alimentos começam a habitar
de doença detectável. Por exemplo, o organismo pode ser infec- o intestino. Esses micro-organismos permanecerão nesse sítio para
tado pelo vírus que causa a Aids, porém sem que haja qualquer o resto da vida do indivíduo e, em resposta a condições ambientais
sintoma de doença. anormais, podem aumentar ou diminuir seu número e contribuir
A presença de um tipo particular de micro-organismo em uma para o surgimento de doenças.
parte do corpo onde ele normalmente não é encontrado também é Muitos outros micro-organismos normalmente inócuos tam-
chamada de infecção, podendo acarretar no surgimento de doença. bém se estabelecem em outras partes do corpo saudável de um
Por exemplo, embora enormes quantidades de E. coli normalmente indivíduo adulto e em sua superfície. O corpo humano possui,
estejam presentes no intestino saudável, sua infecção no trato uri- tipicamente, 1 × 1013 células próprias. No entanto, contém um nú-
nário em geral leva à doença. mero estimado de 1 × 1014 células bacterianas (ou 10 vezes mais
Poucos micro-organismos são patogênicos. De fato, a presença células bacterianas do que células humanas). Isso nos dá uma
de alguns micro-organismos é até mesmo benéfica para o hospe- ideia da abundância de micro-organismos que normalmente re-
deiro. Portanto, antes de discutirmos o papel dos micróbios no de- sidem no corpo humano. Os micro-organismos que estabelecem
senvolvimento de doenças, examinemos as relações entre os micro- uma residência mais ou menos permanente (colonizam), mas não
-organismos e o organismo humano saudável. geram doença em condições normais, são membros da micro-
TESTE SEU CONHECIMENTO biota normal, ou flora normal, do corpo (Figura 14.1). Outros,
denominados microbiota transiente, podem estar presentes por
3 Quais são os objetivos da patologia? 14-1 vários dias, semanas ou mesmo meses, e depois desaparecem. Os
micro-organismos não são encontrados em todo o corpo huma-

(a) Bactérias (esferas MEV (b) Bactérias na superfície MEV (c) Bactérias no intestino grosso MEV
alaranjadas) na superfície 2 µm do estômago 2 µm 2 µm
do epitélio nasal

Figura 14.1 Representantes da microbiota normal em diferentes regiões do corpo.

P Qual o número de células da microbiota normal?


Microbiologia 401

no, mas estão localizados em certas regiões, como mostrado na Relações entre a microbiota normal
Tabela 14.1, página 402.
e o hospedeiro
Muitos fatores determinam a distribuição e a composição da
microbiota normal. Entre eles estão nutrientes, fatores físicos e Uma vez estabelecida, a microbiota normal pode beneficiar o hos-
químicos, defesas do organismo hospedeiro e fatores mecânicos. pedeiro ao impedir o crescimento de micro-organismos potencial-
Os micróbios variam de acordo com os tipos de nutrientes que eles mente perigosos. Esse fenômeno é conhecido como antagonismo
podem utilizar como fonte de energia. Consequentemente, esses microbiano, ou exclusão competitiva. O antagonismo micro-
micróbios colonizam apenas os sítios do corpo que podem supri- biano envolve a competição entre micróbios. Uma consequência
-los com os nutrientes apropriados. Esses nutrientes podem ser dessa competição é o fato de que a microbiota normal protege o
derivados de produtos celulares secretados ou excretados, subs- hospedeiro contra a colonização por micróbios potencialmente
tâncias em fluidos corpóreos, células mortas e alimentos no trato patogênicos ao competir com eles por nutrientes, produzir subs-
gastrintestinal. tâncias prejudiciais aos micróbios invasores e afetar condições
Vários fatores físicos e químicos influenciam o crescimento dos como o pH e a disponibilidade de oxigênio. Quando o equilíbrio
micro-organismos e, assim, a composição e o crescimento da flora entre a microbiota normal e os micróbios patogênicos é alterado,
normal. Entre esses fatores estão o pH, a presença de oxigênio e o resultado pode ser o surgimento de doenças. Por exemplo, a mi-
dióxido de carbono, a salinidade e a luz solar. crobiota bacteriana normal da vagina de uma mulher adulta man-
Será visto nos Capítulos 16 e 17 que o corpo humano possui cer- tém o pH local em torno de 4. A presença da microbiota normal
tas defesas contra os micróbios. Essas defesas incluem uma varieda- inibe o crescimento excessivo da levedura Candida albicans, que
de de moléculas e células ativadas que matam micróbios, inibem seu pode crescer quando o balanço entre a flora normal e os patógenos
crescimento, impedem sua adesão às superfícies das células do hos- é alterado e o pH modificado. Se a população bacteriana é elimi-
pedeiro e neutralizam toxinas produzidas pelos micróbios. Embora nada por antibióticos, pelo uso excessivo de ducha higiênica ou
essas defesas sejam extremante importantes contra os patógenos, seu desodorantes, o pH da vagina é revertido até a neutralidade, con-
papel na determinação e na regulação da microbiota normal ainda dição em que a C. albicans floresce e se torna o micro-organismo
não está claro. predominante nesse local. Essa condição pode levar a uma forma
Certas regiões do corpo estão sujeitas a forças mecânicas que de vaginite (infecção vaginal).
podem afetar a colonização pela microbiota normal. Por exemplo, a Outro exemplo de antagonismo microbiano ocorre no intesti-
ação de mastigação dos dentes e a movimentação da língua podem no grosso. Células de E. coli produzem bacteriocinas, proteínas que
desalojar micro-organismos adsorvidos aos dentes e às superfícies inibem o crescimento de outras bactérias da mesma espécie ou pro-
mucosas. No trato gastrintestinal, o fluxo de saliva e secreções diges- ximamente relacionadas, como as bactérias patogênicas Salmonella
tivas e os vários movimentos musculares da garganta, do esôfago, do e Shigella. Uma bactéria que produz uma determinada bacteriocina
estômago e dos intestinos podem remover micróbios desalojados. A não é afetada por ela, mas pode ser eliminada por outras. As bacte-
ação de descarga da urina também pode remover micróbios soltos riocinas são usadas na microbiologia médica para auxiliar na iden-
no trato urinário. No sistema respiratório, o muco prende micróbios, tificação de diferentes cepas de bactérias. Essa identificação ajuda a
que são então propelidos em direção à garganta pelo movimento ci- determinar se um surto severo de doença infecciosa é causado por
liar das células desse sítio para posterior eliminação. uma ou mais cepas de bactérias.
As condições existentes em um determinado sítio do corpo Um exemplo final envolve a bactéria Clostridium difficile, tam-
humano variam de pessoa para pessoa. Entre os fatores que tam- bém presente no intestino grosso. A microbiota normal do intestino
bém afetam a microbiota normal estão idade, estado nutricional, grosso inibe de maneira eficiente o crescimento de C. difficile, possi-
dieta, estado de saúde, existência de deficiências, hospitalização, velmente tornando os receptores do hospedeiro indisponíveis para a
estado emocional, estresse, clima, localização geográfica, condi- bactéria, competindo por nutrientes, ou produzindo bacteriocinas.
ções de higiene pessoal, condições socioeconômicas, ocupação e Entretanto, se a microbiota normal é eliminada (pelo uso de antibió-
estilo de vida. ticos, p. ex.), C. difficile pode se tornar um problema. Esse micróbio
A microbiota normal principal em diferentes regiões do corpo é responsável por quase todas as infecções gastrintestinais que se
e algumas das características distintivas de cada região estão lista- seguem à antibioticoterapia, gerando desde diarreias leves até colites
das na Tabela 14.1. A microbiota normal também é discutida mais (inflamação do colo) severas ou mesmo fatais.
especificamente na Parte Quatro deste livro. A relação entre a microbiota normal e o hospedeiro é chama-
Animais sem microbiota podem ser obtidos e mantidos em con- da de simbiose, uma relação entre dois organismos na qual pelo
dições laboratoriais. A maioria dos mamíferos livres de germes usados menos um é dependente do outro (Figura 14.2). Na relação simbi-
em pesquisa é obtida por sua criação em ambientes estéreis. Por um ótica denominada comensalismo, um dos organismos se beneficia
lado, pesquisas com animais livres de germes mostram que a presença enquanto o outro não é afetado de forma alguma. Muitos micro-
de micróbios não é absolutamente necessária à vida animal. Por ou- -organismos que fazem parte de nossa microbiota normal são co-
tro lado, as mesmas pesquisas mostram que animais livres de germes mensais, incluindo as corinebactérias, que habitam a superfície dos
apresentam sistema imune subdesenvolvido e são extremamente sus- olhos, e certas micobactérias saprofíticas, que habitam os ouvidos
cetíveis a infecções e doenças severas. Animais livres de germes tam- e a genitália externa. Essas bactérias vivem em secreções e células
bém requerem mais calorias e vitaminas em sua alimentação do que descamadas e não trazem nenhum benefício ou prejuízo aparente
animais normais. para o hospedeiro.
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Tabela 14.1 Representantes da microbiota normal por região do corpo

Região Principais componentes Comentários

Pele Propionibacterium, Staphylococcus, Corynebacterium, Micrococcus, ■ A maioria dos micróbios em contato direto com a pele não se
Acinetobacter, Brevibacterium, Pityrosporum (fungo), Candida (fun- torna residente devido a secreções de glândulas de óleos e
go), Malassezia (fungo) suor, que possuem propriedades antimicrobianas.
■ A queratina é uma barreira resistente, e o baixo pH da pele
inibe muitos micróbios.
■ A pele também apresenta um conteúdo relativamente baixo
de umidade.

Olhos (conjuntiva) Staphylococcus epidermidis, S. aureus, difteroides, Propionibacterium, ■ A conjuntiva, uma continuação da pele ou membrana muco-
Corynebacterium, estreptococos, Micrococcus sa, contém basicamente a mesma microbiota encontrada na
pele.
■ As lágrimas e o ato de piscar também eliminam alguns mi-
cróbios ou impedem que outros colonizem.
Nariz e garganta
(sistema
respiratório Olhos (conjuntiva)
superior)
Boca

Pele

Intestino grosso

Sistemas reprodutivo
e urinário (uretra
inferior em ambos os
sexos e vagina nas
mulheres)

Mutualismo é um tipo de simbiose que beneficia ambos os orga-


nismos. Por exemplo, o intestino grosso contém bactérias, como a E.
coli, que sintetizam vitamina K e algumas vitaminas do complexo B.
Essas vitaminas são absorvidas pelos vasos sanguíneos e distribuídas
para serem usadas pelas células do corpo. Em troca, o intestino grosso
SIMBIOSE provê nutrientes usados pelas bactérias, garantindo sua sobrevivência.
O recente interesse na importância das bactérias para a saúde
Mutualismo Parasi humana levou ao estudo dos probióticos. Probióticos (pro = para,
lismo Ambos os
tis
Um org mo
o m ensa mo an bios = vida) são culturas de micróbios vivos que devem ser aplicadas
C
orga
nis
o
organismos se ben ismo ou ingeridas para que exerçam um efeito benéfico. Os probióticos
Um neficia e eficia
tado se beneficiam prejuíz c
e
se b não é afe o ao om podem ser administrados juntamente com prebióticos, substâncias
o outro
outr químicas capazes de promover seletivamente o crescimento de bac-
térias benéficas. Diversos estudos têm mostrado que a ingestão de
bactérias do ácido lático (BALs) pode aliviar a diarreia e prevenir a
colonização por Salmonella enterica durante a antibioticoterapia. Se
Figura 14.2 Simbiose.
essas BALs colonizam o intestino grosso, o ácido lático e as bacterio-
P Que tipo de simbiose é melhor representada pela relação entre humanos cinas produzidas por elas podem inibir o crescimento de certos pa-
e E. coli? tógenos. Pesquisadores estão testando também o uso de BALs para
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Tabela 14.1 Representantes da microbiota normal por região do corpo

Região Principais componentes Comentários

Nariz e garganta Staphylococcus aureus, S. epidermidis e difteroides aeróbicos no ■ Embora alguns membros da microbiota normal sejam poten-
(sistema nariz; S. epidermidis, S. aureus, difteroides, Streptococcus peneumo- ciais patógenos, sua habilidade em causar doença é reduzida
respiratório niae, Haemophilus e Neisseria na garganta. pelo antagonismo microbiano.
superior) ■ Secreções nasais matam ou inibem muitos micro-organis-
mos, enquanto o muco e os movimentos ciliares removem
muitos micróbios.

Boca Streptococcus, Lactobacillus, Actinomyces, Bacteroides, Veillonella, ■ Umidade abundante, calor e a presença constante de alimen-
Neisseria, Haemophilus, Fusobacterium, Treponema, Staphylococcus, tos fazem da boca um ambiente ideal que suporta uma vasta
Corynebacterium e Candida (fungo). e diversa população microbiana na língua, nas bochechas,
nos dentes e nas gengivas.
■ Entretanto, as mordidas, a mastigação, os movimentos da lín-
gua e o fluxo de saliva desalojam diversos micróbios. A saliva
contém várias substâncias antimicrobianas.

Intestino grosso Escherichia coli, Bacteroides, Fusobacterium, Lactobacillus, ■ O intestino grosso contém os maiores números de micro-or-
Enterococcus, Bifidobacterium, Enterobacter, Citrobacter, Proteus, ganismos da microbiota residente no corpo, principalmente
Klebsiella, Candida (fungo) em razão da disponibilidade de umidade e nutrientes.
■ O muco e a descamação periódica previnem que muitos
micro-organismos colonizem o revestimento do trato gastrin-
testinal. Além disso, a mucosa produz uma série de substân-
cias antimicrobianas.
■ A diarreia também acaba por eliminar parte da microbiota
normal.

Sistemas Staphylococcus, Micrococcus, Enterococcus, Lactobacillus, Bacteroides, ■ A parte proximal da uretra em ambos os sexos contém uma
reprodutivo e difteroides aeróbicos, Pseudomonas, Klebsiella e Proteus na uretra; microbiota residente; a vagina possui uma população de micró-
urinário Lactobacilli, Streptococcus, Clostridium, Candida albicans (fungo) e bios ácido-tolerantes em virtude da natureza de suas secreções.
Trichomonas vaginalis (protozoário) na vagina. ■ O muco e a descamação periódica previnem que muitos
micro-organismos colonizem o revestimento do trato genitu-
rinário; o fluxo de urina remove micróbios mecanicamente.
Além disso, o pH da urina e a ureias são antimicrobianos.
■ Cílios e muco expelem micróbios da cervice uterina para a
vagina, e a acidez da vagina inibe ou mata muitos micróbios.

prevenir infecções de feridas cirúrgicas causadas por Staphylococcus seu habitat normal em uma pessoa saudável. Entretanto, podem gerar
aureus e infecções vaginais causadas por E. coli. Em um estudo da doença quando em diferentes ambientes. Por exemplo, micróbios que
Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, a infecção por HIV penetram o corpo através da quebra da barreira da pele ou das mem-
foi reduzida em mulheres tratadas com uma cepa geneticamente branas mucosas podem causar infecções oportunísticas. Alternativa-
modificada de BAL que produz a proteína CD4, a qual se liga ao HIV. mente, se o hospedeiro se encontra enfraquecido ou comprometido
Em uma outra forma de simbiose, um organismo se beneficia da por uma infecção, micróbios que normalmente são inofensivos po-
extração de nutrientes, com prejuízo ao outro organismo; esta relação dem causar doença. A Aids com frequência é acompanhada por uma
é chamada de parasitismo. Muitas bactérias causadoras de doenças infecção oportunística comum, a pneumonia causada pelo organismo
são parasitas. oportunista Pneumocystis jirovecii (veja a Figura 24.20, página 698).
Essa infecção secundária pode se desenvolver em pacientes com Aids,
Micro-organismos oportunistas uma vez que seu sistema imune está suprimido. Antes da epidemia de
Embora a categorização das relações simbióticas por tipo seja con- Aids, esse tipo de pneumonia era raro. Patógenos oportunistas pos-
veniente, lembre-se de que, sob certas condições, as relações podem suem outras características que contribuem para sua habilidade em
mudar. Por exemplo, em circunstâncias apropriadas, um organismo causar doença. Por exemplo, eles estão presentes dentro ou fora do
mutualístico como a E. coli pode se tornar prejudicial. A E. coli geral- organismo, ou no meio ambiente, em números relativamente altos.
mente é inofensiva enquanto permanece no intestino delgado de seu Alguns patógenos oportunistas podem ser encontrados em locais do
hospedeiro; mas, ao acessar outras regiões do corpo, como o trato uri- corpo, interna ou externamente, que são relativamente protegidos das
nário, pulmões, medula espinal ou feridas, ela pode causar infecções defesas do organismo, e algumas dessas regiões também não podem
urinárias, infecções pulmonares, meningites ou abscessos, respectiva- ser alcançadas por antibióticos.
mente. Micróbios como a E. coli são chamados de patógenos oportu- Além dos simbiontes habituais, muitas pessoas transportam
nistas. Eles normalmente não causam doença quando presentes em outros micro-organismos que geralmente são considerados como
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patogênicos, mas que não causam doença nessas pessoas. Entre os presença das bactérias não provava que elas haviam causado a
patógenos frequentemente carreados por pessoas saudáveis estão os doença; as bactérias poderiam estar como resultado da doença. As-
ecovírus (ou Echovirus, sendo echo de enteric citopathogenic human sim, ali continuou suas experiências.
orphan), que podem causar doenças intestinais, e os Adenovirus, Ele obteve uma amostra de sangue de um animal doente e inje-
que podem causar doenças respiratórias. A Neisseria meningitidis, tou em um animal saudável. O segundo animal desenvolveu a mes-
que frequentemente reside de forma benigna no trato respiratório, ma doença e morreu. Ele repetiu esse procedimento várias vezes,
pode causar meningite, uma doença que leva à inflamação dos te- sempre obtendo os mesmos resultados. (Um critério-chave para a
cidos que recobrem a medula espinal e o cérebro. O Streptococcus validação de qualquer prova científica se baseia no fato de que os
pneumoniae, um residente normal do nariz e da garganta, pode resultados experimentais possam ser repetidos.) Koch também cul-
causar um certo tipo de pneumonia. tivou o micro-organismo em fluidos fora do corpo do animal, de-
monstrando que a bactéria causaria a infecção mesmo após muitas
Cooperação entre micro-organismos transferências de cultura.
Não é apenas a competição entre micróbios que pode causar Koch demonstrou que uma doença infecciosa específica (an-
doença; a cooperação entre micróbios também pode ser um fator traz) é causada por um micro-organismo (B. anthracis) que pode
importante na geração das doenças. Por exemplo, patógenos que ser isolado e cultivado em meios artificiais. Depois ele utilizou o
causam a doença periodontal e a gengivite possuem receptores que mesmo método para demonstrar que a bactéria Mycobacterium tu-
não reconhecem os dentes em si, mas reconhecem os estreptococos berculosis é o agente causador da tuberculose.
que colonizam os dentes. A pesquisa de Koch fornece um modelo básico de estudo da
etiologia de qualquer doença infecciosa. Hoje, nos referimos aos
TESTE SEU CONHECIMENTO requerimentos experimentais de Koch como postulados de Koch
(Figura 14.3). Eles podem ser resumidos da seguinte forma:
3 Como a microbiota normal difere da microbiota residente? 14-2
3 Dê vários exemplos de antagonismo microbiano. 14-3 1. O mesmo patógeno deve estar presente em todos os casos da
doença.
3 Como os patógenos oportunistas causam infecções? 14-4 2. O patógeno deve ser isolado do hospedeiro doente e cultivado
em cultura pura.
Etiologia das doenças infecciosas 3. O patógeno obtido da cultura pura deve causar a doença quan-
do inoculado em um animal de laboratório suscetível e saudá-
OBJETIVO DO APRENDIZADO vel.
14-5 Listar os postulados de Koch. 4. O patógeno deve ser isolado do animal inoculado e deve ser,
Algumas doenças, como a pólio, a doença de Lyme e a tubercu- necessariamente, o organismo original.
lose, possuem etiologia claramente definida. Outras doenças, no
entanto, possuem uma etiologia que ainda não é totalmente com- Exceções aos postulados de Koch
preendida; por exemplo, a relação entre certos vírus e câncer. Para Embora os postulados de Koch sejam úteis para se determinar o
algumas outras doenças, como a doença de Alzheimer, a etiolo- agente causador da maioria das doenças bacterianas, existem algu-
gia é totalmente desconhecida. É claro, nem todas as doenças são mas exceções para sua aplicação. Alguns micróbios, por exemplo,
causadas por micro-organismos. A hemofilia, por exemplo, é uma apresentam requerimentos nutricionais únicos para seu cultivo. A
doença hereditária (genética); as osteoartrites e a cirrose são doenças bactéria Treponema pallidum é conhecida por causar a sífilis, mas ce-
degenerativas. Existem ainda várias outras categorias de doenças, pas virulentas nunca foram cultivadas em meios artificiais. O agente
mas discutiremos apenas as doenças infecciosas, ou seja, aquelas causador da lepra, o Mycobacterium leprae, também nunca foi cul-
causadas por micro-organismos. Para perceber como os microbio- tivado em meio artificial. Além disso, patógenos virais e riquétsias
logistas determinam a etiologia de uma doença, discutiremos em não podem ser cultivados em meios artificiais, pois se multiplicam
mais detalhe o trabalho de Robert Koch, introduzido no Capítulo apenas dentro de células.
1 (páginas 9 a 11). A descoberta de micro-organismos que não podem ser cultiva-
dos em meios artificiais exigiu algumas modificações nos postula-
Postulados de Koch dos de Koch e o uso de métodos alternativos de cultivo e detecção
Na revisão histórica da Microbiologia, apresentada no Capítulo 1, de certos micróbios. Por exemplo, quando pesquisadores procura-
discutimos brevemente os famosos postulados de Koch. Lembre-se vam pela causa microbiana da legionelose (doença do Legionário),
de que Koch foi um médico alemão que teve um papel importante foram incapazes de isolar o micróbio diretamente de uma vítima
no estabelecimento da ideia de que os micro-organismos podem da doença. Em vez disso, usaram a estratégia alternativa de ino-
causar doenças específicas. Em 1877, ele publicou alguns dos pri- cular uma amostra de tecido pulmonar de uma vítima em cobaias
meiros artigos sobre antraz, ou carbúnculo, uma doença do gado (porquinhos-da-índia). Essas cobaias desenvolverams sintomas se-
que também pode afetar os seres humanos. Koch demonstrou que melhantes à pneumonia, típicos da doença, ao passo que cobaias
certas bactérias, hoje conhecidas como Bacillus anthracis, sempre inoculadas com amostras de pessoas saudáveis não apresentaram
estiveram presentes no sangue de animais que tinham a doença e sintomas. Em seguida, amostras de tecido das cobaias doentes fo-
não estavam presentes em animais saudáveis. Ele sabia que a mera ram cultivadas em gemas de ovos embrionados de galinha, um mé-

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