Você está na página 1de 13

Microbiota Normal 6

Microbiota normal é o termo utilizado para descrever as eliminado por nossas defesas. Além disso, o indivíduo co-
várias bactérias e fungos que são residentes permanentes lonizado por um novo organismo pode transmitir aquele
de determinados sítios corporais, especialmente a pele, a organismo a outros, isto é, atuar como um reservatório de
orofaringe, o cólon e a vagina (Tabelas 6-1 e 6-2). Os vírus infecção para terceiros.
e parasitas, que correspondem aos dois outros importantes Os membros da microbiota normal desempenham pa-
grupos de micro-organismos, geralmente não são conside- pel na manutenção da saúde, bem como na promoção de
rados membros da microbiota normal, embora possam es- doenças, de três maneiras significativas:
tar presentes em indivíduos assintomáticos. Os membros
(1) Podem causar doenças, especialmente em indivíduos
da microbiota normal variam de um sítio a outro quanto
imunocomprometidos ou debilitados. Embora esses orga-
ao número e ao tipo. Embora a microbiota normal seja en-
nismos não sejam patogênicos em sua localização anatômica
contrada povoando intensamente várias regiões do corpo, os
usual, podem ser patogênicos em outras regiões do corpo.
órgãos internos habitualmente são estéreis. Regiões como o
(2) Constituem um mecanismo de defesa protetor. As
sistema nervoso central, o sangue, os brônquios inferiores e
bactérias residentes não patogênicas ocupam sítios de adesão
alvéolos, o fígado, o baço, os rins e a bexiga são desprovidas
na pele e mucosa, podendo interferir na colonização por bac-
de organismos, exceto por aqueles organismos transientes.
térias patogênicas. A capacidade dos membros da microbiota
Existe também uma distinção entre a presença desses or-
normal limitarem o crescimento de patógenos é denomina-
ganismos e o estado de portador. Sob determinados aspec-
da resistência à colonização. Quando a microbiota normal
tos, somos todos portadores de micro-organismos, porém
é suprimida, os patógenos podem crescer e causar doenças.
este não corresponde ao uso habitual do termo no contexto
Por exemplo, os antibióticos podem reduzir a microbiota
médico. O termo “portador” implica o fato de um indiví-
normal do cólon, permitindo que Clostridium difficile, orga-
duo albergar um patógeno em potencial e, portanto, poder
nismo resistente a antibióticos, cresça em abundância, cau-
representar uma fonte de infecção de terceiros. Esse termo é
sando uma colite pseudomembranosa.
mais frequentemente utilizado em referência a uma pessoa
(3) Podem desempenhar uma função nutricional. As
que apresenta infecção assintomática ou a um indivíduo que
bactérias intestinais produzem grande quantidade de vita-
se recuperou de uma doença, mas ainda carreia o organismo,
mina B e vitamina K. Indivíduos malnutridos, quando sub-
podendo albergá-lo por um longo período.
metidos ao tratamento com antibióticos orais, podem apre-
Deve-se também realizar uma distinção entre os mem-
sentar deficiências vitamínicas como resultado da redução da
bros da microbiota normal, que são residentes permanentes,
microbiota normal. Todavia, uma vez que animais livres de
e a colonização do indivíduo por um novo organismo. Em
germes exibem bom estado nutricional, a microbiota normal
um contexto, somos todos colonizados pelos organismos
não é essencial à nutrição adequada.
da microbiota normal; entretanto, o termo “colonização”
refere-se tipicamente à aquisição de um novo organismo.
MICROBIOTA NORMAL DA PELE
Após a colonização por um novo organismo (isto é, adesão
e crescimento, geralmente em uma membrana mucosa), esse O organismo predominante é o Staphylococcus epidermidis,
organismo pode causar uma doença infecciosa ou pode ser que não é patogênico quando situado na pele, porém pode
38 Warren Levinson

Tabela 6-1 Resumo dos membros da microbiota normal e suas localizações anatômicas
Membros da microbiota normal Localização anatômica
Espécies de Bacteroides Cólon, garganta, vagina
Candida albicans Boca, cólon, vagina
Espécies de Clostridium Cólon
Espécies de Corynebacterium (difteroides) Nasofaringe, pele, vagina
Enterococcus faecalis Cólon
Escherichia coli e outros coliformes Cólon, vagina, uretra distal
Gardnerella vaginalis Vagina
Espécies de Haemophilus Nasofaringe, conjuntiva
Espécies de Lactobacillus Boca, cólon, vagina
Espécies de Neisseria Boca, nasofaringe
Propionibacterium acnes Pele
Pseudomonas aeruginosa Cólon, pele
Staphylococcus aureus Nariz, pele
Staphylococcus epidermidis Pele, nariz, boca, vagina, uretra
Estreptococos do grupo viridans Boca, nasofaringe

causar doenças quando atinge determinados sítios, como associados a profissionais de saúde portadores do organismo
válvulas cardíacas artificiais ou articulações prostéticas. É no nariz, na pele ou na região perianal.
encontrado na pele com frequência muito superior que o A garganta contém uma variedade de estreptococos do
organismo patogênico relacionado, Staphylococcus aureus grupo viridans, espécies de Neisseria e S. epidermidis (Tabela
(Tabela 6-2). Há cerca de 103-104 organismos/cm2 de pele. 6-2). Esses organismos não patogênicos ocupam os sítios de
A maioria localiza-se superficialmente no estrato córneo, adesão da mucosa da faringe, impedindo o crescimento dos
porém alguns encontram-se nos folículos pilosos e atuam patógenos Streptococcus pyogenes, Neisseria meningitidis e S.
como reservatório para substituir a microbiota superficial aureus, respectivamente.
após a lavagem das mãos. Organismos anaeróbios, como Os estreptococos do grupo viridans correspondem a
Propionibacterium e Peptococcus, estão situados em folícu- cerca de metade das bactérias encontradas na cavidade oral.
los mais profundos da derme, onde a tensão de oxigênio é Streptococcus mutans, um membro do grupo viridans, tem
baixa. Propionibacterium acnes é um organismo anaeróbio interesse especial por estar presente em grande número
10
comum da pele, implicado na patogênese da acne. (10 /g) na placa dental, a precursora da cárie. A placa pre-
A levedura Candida albicans é também um membro da sente na superfície do esmalte é composta por glicanos ge-
microbiota normal da pele. Pode atingir a corrente sanguí- latinosos de alta massa molecular secretados pelas bactérias.
nea de um indivíduo quando a pele é perfurada por agulhas As bactérias aprisionadas produzem grande quantidade de
(por exemplo, em pacientes em uso de cateteres intraveno- ácido, o qual promove a desmineralização do esmalte, ini-
sos, ou indivíduos que fazem uso de fármacos intraveno- ciando a formação da cárie. Os estreptococos viridantes são
sos). Ela é uma importante causa de infecções sistêmicas também a principal causa da endocardite bacteriana (infec-
em pacientes que apresentam baixa imunidade mediada ciosa) subaguda. Esses organismos podem atingir a corrente
por células. sanguínea durante cirurgias odontológicas, aderindo-se a
válvulas cardíacas danificadas.
MICROBIOTA NORMAL DO TRATO Eikenella corrodens, também componente da microbiota
RESPIRATÓRIO oral normal, causa infecções de pele e de tecidos moles associa-
Um amplo espectro de organismos coloniza o nariz, a gar- das às mordeduras humanas e lesões por “socos”, ou seja, lesões
ganta e a boca, porém os brônquios inferiores e alvéolos ti- que ocorrem nas mãos durante lutas com as mãos em punho.
picamente contêm poucos organismos, ou nenhum. O nariz Bactérias anaeróbias, como espécies de Bacteroides, Pre-
é colonizado por uma variedade de espécies estreptocóccicas votella, Fusobacterium, Clostridium e Peptostreptococcus, são
e estafilocóccicas, das quais a mais importante corresponde encontradas nos sulcos gengivais, onde a concentração de
ao patógeno S. aureus. Surtos ocasionais de doença devido oxigênio é muito baixa. Quando aspirados, esses organismos
a esse organismo, particularmente em berçários, podem ser podem causar abscessos pulmonares, especialmente em pa-
Microbiologia Médica e Imunologia 39

Tabela 6-2 Membros da microbiota normal de importância médica


Localização Organismos importantes1 Organismos de menor importância2
Pele Staphylococcus epidermidis Staphylococcus aureus, Corynebacterium (difteroides), vários estreptococos,
Pseudomonas aeruginosa, anaeróbios (p. ex., Propionibacterium), levedu-
ras (p. ex., Candida albicans)
3
Nariz Staphylococcus aureus S. epidermidis, Corynebacterium (difteroides), vários estreptococos
Boca Estreptococos do grupo viridans Vários estreptococos, Eikenella corrodens
Placa dental Streptococcus mutans Prevotella intermedia, Porphyromonas gingivalis
Sulcos gengivais Vários anaeróbios, p. ex., Bacteroides, Fuso-
bacterium, estreptococos, Actinomyces
Garganta Estreptococos do grupo viridans Vários estreptococos (incluindo Streptococcus pyogenes e Streptococcus
pneumoniae), espécies de Neisseria, Haemophilus influenzae, S. epidermidis
Cólon Bacteroides fragilis, Escherichia coli Bifidobacterium, Eubacterium, Fusobacterium, Lactobacillus, vários bacilos
aeróbios gram-negativos, Enterococcus faecalis e outros estreptococos,
Clostridium
3
Vagina Lactobacillus, E. coli , estreptococos do Vários estreptococos, vários bacilos gram-negativos, B. fragilis, Corynebacte-
grupo B3 rium (difteroides), C. albicans
Uretra S. epidermidis, Corynebacterium (difteroides), vários estreptococos, vários
3
bacilos gram-negativos, p. ex., E. coli
1
Organismos de importância médica ou presentes em grandes números.
2
Organismos de menor importância médica ou presentes em números menores.
3
Estes organismos não pertencem à microbiota normal desta localização, porém correspondem a importantes colonizadores.

cientes debilitados e com má higiene dental. Além disso, os tindo, assim, que um organismo raro, como Clostridium
sulcos gengivais correspondem ao hábitat natural de Acti- difficile produtor de toxina, cresça em abundância e cause
nomyces israelii, um actinomiceto anaeróbio, que pode cau- colite severa. A administração oral de certos antibióticos,
sar abscessos na mandíbula, nos pulmões ou no abdômen. como a neomicina, previamente à cirurgia gastrintestinal
para “esterilizar” o intestino, leva uma redução significativa
MICROBIOTA NORMAL DO TRATO INTESTINAL da microbiota normal por vários dias, seguida de um retorno
Em indivíduos com dieta normal, o estômago contém pou- gradativo aos níveis normais.
cos organismos devido a seu baixo pH e suas enzimas. O
intestino delgado habitualmente contém pequeno número MICROBIOTA NORMAL DO TRATO
de estreptococos, lactobacilos e leveduras, particularmente GENITOURINÁRIO
C. albicans. Grandes números destes organismos são encon- A microbiota vaginal de mulheres adultas contém principal-
trados na porção terminal do íleo. mente espécies de Lactobacillus (Tabela 6-2). Os lactobacilos
O cólon corresponde à principal localização das bacté- são responsáveis pela produção do ácido que mantém baixo
rias no corpo. Cerca de 20% das fezes consistem em bac-
térias, aproximadamente 1011 organismos/g. As principais
bactérias encontradas no cólon estão listadas na Tabela 6-3. Tabela 6-3 Principais bactérias encontradas no cólon
A microbiota normal do trato intestinal desempenha Número/g Patógeno
importante papel nas doenças extraintestinais. Por exemplo, Bactéria1 de fezes importante
Escherichia coli corresponde à principal causa de infecções
Bacteroides, especialmente B. fragilis 1010-1011 Sim
do trato urinário, enquanto Bacteroides fragilis é uma impor- 10
Bifidobacterium 10 Não
tante causa de peritonite associada à perfuração da parede
10
intestinal por trauma, apendicite ou diverticulite. Outros Eubacterium 10 Não
7 8
organismos incluem Enterococcus faecalis, responsável por Coliformes 10 -10 Sim
7 8
infecções do trato urinário e endocardite, e Pseudomonas ae- Enterococcus, especialmente E. faecalis 10 -10 Sim
ruginosa, que pode causar diversas infecções, particularmen- Lactobacillus 10
7
Não
te em pacientes hospitalizados e com as defesas comprome- Clostridium, especialmente C. perfrin- 10
6
Sim
tidas. P. aeruginosa encontra-se presente em 10% das fezes gens
normais, bem como no solo e água. 1
Bacteroides, Bifidobacterium e Eubacterium (que correspondem a mais de 90%
A terapia antibiótica com clindamicina, por exemplo, da microbiota das fezes) são anaeróbios. Os coliformes (Escherichia coli, espé-
cies de Enterobacter, e outros organismos gram-negativos) são os anaeróbios
pode suprimir a microbiota normal predominante, permi- facultativos predominantes.
40 Warren Levinson

o pH da vagina da mulher adulta. Antes da puberdade e após sendo adquirido durante a passagem pelo canal de parto. Em
a menopausa, quando os níveis de estrógeno são baixos, os aproximadamente 5% das mulheres, a vagina é colonizada
lactobacilos são raros e o pH vaginal é alto. Aparentemente, por S. aureus, implicando em uma predisposição à síndrome
os lactobacilos impedem o crescimento de potenciais pató- do choque tóxico.
genos, uma vez que sua supressão por meio de antibióticos Em indivíduos sadios, a urina, quando na bexiga, é es-
pode levar ao crescimento abundante de C. albicans. O cres- téril. Contudo, durante a passagem pelas porções mais dis-
cimento excessivo dessa levedura pode resultar em vaginite tais da uretra, a urina sofre contaminação por S. epidermidis,
por Candida. coliformes, difteroides e estreptococos não hemolíticos. A
A vagina situa-se próximo ao ânus, podendo ser colo- região ao redor da uretra feminina e de homens não circun-
nizada por membros da microbiota fecal. Por exemplo, mu- cisados contêm secreções que apresentam Mycobacterium
lheres propensas a infecções recorrentes do trato urinário smegmatis, um organismo acidorresistente. A pele que reves-
albergam organismos como E. coli e Enterobacter no introito. te o trato genitourinário corresponde ao sítio de Staphylococ-
Cerca de 15-20% das mulheres em idade fértil apresentam cus saprophyticus, uma causa de infecções do trato urinário
estreptococos do grupo B na vagina. Esse organismo é uma em mulheres.
importante causa de sépsis e meningite em recém-nascidos,

CONCEITOS-CHAVE
• A microbiota normal consiste naqueles micro-organismos resi- próteses articulares. A levedura Candida albicans, também en-
dentes permanentes do corpo, presentes em todos os indivíduos. contrada na pele, pode alcançar a corrente sanguínea e provocar
Alguns indivíduos são colonizados, temporariamente ou por infecções disseminadas, como endocardite, em usuários de fárma-
longos períodos por determinados organismos. Todavia, esses or- cos intravenosos. S. aureus também está presente na pele, embora
ganismos não são considerados membros da microbiota normal. seu principal sítio seja o nariz. Esse organismo causa abscessos na
Os portadores (também denominados portadores crônicos) são pele e em vários outros órgãos.
aqueles indivíduos nos quais organismos patogênicos encontram- • Orofaringe. Os principais membros da microbiota normal da boca
-se presentes em números significativos e, portanto, correspondem e garganta são os estreptococos do grupo viridans, como S.
a uma fonte de infecção de terceiros. sanguis e S. mutans. Os estreptococos viridantes são a causa mais
• Os organismos da microbiota normal são bactérias ou leveduras. comum de endocardite subaguda.
Vírus, protozoários e helmintos não são considerados membros da • Trato gastrintestinal. O estômago contém pouquíssimos orga-
microbiota normal (entretanto, os humanos podem ser portadores nismos devido ao baixo pH. O cólon contém a microbiota normal
de alguns desses organismos). mais numerosa, bem como a maior diversidade de espécies,
• Os organismos da microbiota normal habitam as superfícies cor- incluindo bactérias anaeróbias e facultativas. Existem bacilos e
porais expostas ao meio ambiente, como a pele, a orofaringe, o cocos gram-positivos, e também bacilos e cocos gram-negativos. Os
trato intestinal e a vagina. Os membros da microbiota normal membros da microbiota normal do cólon são uma importante cau-
diferem em número e tipo nos vários sítios anatômicos. sa de doenças que ocorrem externamente ao cólon. Os dois mem-
• Os membros da microbiota normal são organismos de baixa viru- bros mais importantes da microbiota do cólon que causam doença
lência. Em seu sítio anatômico usual, não são patogênicos. Con- são os organismos Bacteroides fragilis anaeróbios e Escherichia
tudo, quando deixam seu sítio anatômico usual, especialmente no coli facultativas. Enterococcus faecalis, um facultativo, também
caso de um indivíduo imunocomprometido, podem causar doenças. corresponde a um importante patógeno.
• A resistência à colonização ocorre quando os membros da micro- • Vagina. Os lactobacilos são os organismos predominantes da
biota normal ocupam sítios receptores da pele e superfícies muco- microbiota normal da vagina. Mantêm o pH vaginal baixo, inibindo
sas, impedindo, assim, a adesão de patógenos a esses receptores. o crescimento de organismos como C. albicans, uma importante
causa de vaginite.
Membros importantes da microbiota normal • Uretra. O terço distal da uretra contém uma variedade de bactérias,
• Pele. O membro predominante da microbiota normal da pele cor- principalmente S. epidermidis. A uretra feminina pode ser coloni-
responde a Staphylococcus epidermidis. Esse organismo é uma zada por membros da microbiota fecal, como E. coli, predispondo a
importante causa de infecções em válvulas cardíacas artificiais e infecções do trato urinário.

QUESTÕES PARA ESTUDO


As questões sobre tópicos discutidos neste capítulo podem
ser encontradas nos itens Questões para estudo (Bacteriolo-
gia clínica) e Teste seu conhecimento.
Patogênese 7

Um micro-organismo é considerado um patógeno quando é parasitas. Alguns patógenos bacterianos são parasitas intra-
capaz de causar doença; entretanto, alguns organismos são al- celulares obrigatórios, por exemplo, Chlamydia e Rickettsia,
tamente patogênicos, isto é, frequentemente causam doença, uma vez que são capazes de crescer somente no interior das
enquanto outros raramente o fazem. Patógenos oportunis- células hospedeiras. Diversas bactérias são parasitas faculta-
tas são aqueles que raramente, ou nunca, causam doença em tivos, pois são capazes de crescer intra ou extracelularmente,
indivíduos imunocompetentes, mas são capazes de causar ou em meios bacteriológicos. O outro emprego do termo
infecções graves em pacientes imunocomprometidos. Esses “parasita” refere-se aos protozoários e helmintos, discutidos
oportunistas são membros frequentes da microbiota normal na Parte VI deste livro.
do corpo. A origem do termo “oportunista” refere-se à ca-
pacidade de o organismo aproveitar-se das defesas reduzidas POR QUE OS INDIVÍDUOS SÃO ACOMETIDOS
para causar a doença. POR DOENÇAS INFECCIOSAS?
A virulência é uma medida quantitativa da patogeni- Os indivíduos são acometidos por doenças infecciosas
cidade, sendo determinada pelo número de organismos re- quando os micro-organismos sobrepujam as defesas do hos-
queridos para causar a doença. A dose letal de 50% (DL50) pedeiro, isto é, quando o equilíbrio entre o organismo e o
representa o número de organismos necessários para matar hospedeiro altera-se em favor do organismo. O organismo
metade dos hospedeiros, e a dose infectante de 50% (DI50) ou seus produtos encontram-se, então, presentes em quanti-
corresponde ao número necessário para causar infecção em dade suficiente para induzir sintomas variados, como febre e
metade dos hospedeiros. A dose infectante de um organis- inflamação, os quais interpretamos como sintomas de uma
mo necessária para causar doença varia significativamente doença infecciosa.
entre as bactérias patogênicas. Por exemplo, Shigella e Salmo- Na perspectiva do organismo, os dois determinantes
nella causam diarreia ao infectarem o trato intestinal; contu- cruciais para sobrepujar o hospedeiro são o número de or-
do, a dose infectante de Shigella é inferior a 100 organismos, ganismos aos quais o hospedeiro ou indivíduo está exposto e
enquanto a dose infectante para Salmonella é da ordem de a virulência desses organismos. Obviamente, quanto maior
100.000 organismos. A dose infectante das bactérias depen- o número de organismos, maior a probabilidade de infecção.
de principalmente de seus fatores de virulência, como, por Todavia, é importante entender que um pequeno número
exemplo, se os pili permitem sua adesão adequada à mem- de organismos altamente virulentos pode causar doença, da
brana mucosa, se produzem exotoxinas ou endotoxinas, se mesma forma que pode fazer um grande número de orga-
apresentam uma cápsula para proteção contra a fagocitose e nismos menos virulentos. A virulência de um organismo é
se são capazes de sobreviver às diferentes defesas inespecíficas determinada por sua capacidade de produzir diferentes fa-
do hospedeiro, como o ácido estomacal. tores de virulência, muitos dos quais foram descritos ante-
Há dois usos para o termo parasita. No contexto des- riormente.
te capítulo, o termo refere-se à relação parasitária entre as A produção de fatores de virulência específicos também
bactérias e as células hospedeiras; isto é, a presença da bac- determina qual a doença causada pelas bactérias. Por exem-
téria é prejudicial às células hospedeiras. Dessa maneira, as plo, uma linhagem de Escherichia coli que produz um tipo
bactérias patogênicas para humanos podem ser consideradas de exotoxina causa diarreia aquosa (não sanguinolenta), en-
42 Warren Levinson

quanto uma linhagem diferente de E. coli que produz outro Muitas infecções, mas não todas, são transmissíveis,
tipo de exotoxina causa diarreia sanguinolenta. Este capítulo isto é, são disseminadas de um hospedeiro a outro. Por exem-
descreve vários exemplos importantes de doenças específicas plo, a tuberculose é transmissível, ou seja, é disseminada de
relacionadas à produção de diferentes fatores de virulência. um indivíduo a outro por meio de gotículas produzidas pela
Na perspectiva do hospedeiro, os dois principais aspec- tosse e transmitidas pelo ar. Entretanto, o botulismo não é
tos de nossas defesas são a imunidade inata e a imunidade transmissível, uma vez que a exotoxina produzida pelo or-
adquirida, esta última incluindo a imunidade mediada por ganismo, presente no alimento contaminado, afeta apenas
anticorpos e por células. Uma redução na atividade de qual- os indivíduos que ingerem aquele alimento. Quando uma
quer componente de nossas defesas altera o equilíbrio em doença é altamente transmissível, utiliza-se o termo “con-
favor do organismo, aumentando a possibilidade de uma tagiosa”.
doença infecciosa ocorrer. Algumas causas importantes de Uma infecção é epidêmica quando ocorre em frequên-
uma diminuição de nossas defesas incluem imunodeficiên- cia maior que a habitual; é pandêmica quando exibe dis-
cias genéticas, como agamaglobulinemia; imunodeficiências tribuição mundial. Uma infecção endêmica encontra-se
adquiridas, como AIDS; diabetes; e imunossupressão indu- constantemente presente em nível baixo em uma população
zida por fármacos em pacientes submetidos a transplante de específica. Além de infecções que resultam em sintomas evi-
órgãos, portadores de doenças autoimunes, e pacientes de dentes, várias são inaparentes ou subclínicas e apenas po-
câncer submetidos à quimioterapia. Uma visão geral sobre dem ser detectadas comprovando-se um aumento no título
nossas defesas é apresentada nos Capítulos 8 e 57. de anticorpos, ou pelo isolamento do organismo. Algumas
Em várias ocasiões um indivíduo pode adquirir um infecções resultam em um estado latente, após o qual pode
organismo mas não ocorrer qualquer doença infecciosa, ocorrer a reativação do crescimento do organismo e a recor-
devido ao sucesso das defesas. Tais infecções assintomá- rência dos sintomas. Outras infecções levam a um estado de
ticas são muito comuns, sendo tipicamente reconhecidas portador crônico, em que o organismo mantém seu cresci-
pela detecção de anticorpos contra o organismo no soro do mento, com ou sem a produção de sintomas no hospedeiro.
paciente. Portadores crônicos, por exemplo, Maria Tifoide, são uma
importante fonte de infecção de terceiros e, portanto, repre-
TIPOS DE INFECÇÕES BACTERIANAS sentam uma ameaça à saúde pública.
O termo infecção tem mais de um significado. Em uma A determinação se um organismo recuperado a partir
acepção, significa que o organismo infectou o indivíduo, isto de um paciente corresponde à real causa da doença envolve
é, penetrou o corpo daquele indivíduo. Por exemplo, uma atenção em relação a dois fenômenos: microbiota normal e
pessoa pode ser infectada por um organismo de baixa pa- colonização. Os membros da microbiota normal são resi-
togenicidade e não desenvolver sintomas da doença. Outro dentes permanente do corpo e variam quanto ao tipo, de
significado da termo infecção consiste na descrição de uma acordo com o sítio anatômico (ver Capítulo 6). Quando um
doença infecciosa, como quando a pessoa fala “estou com organismo é obtido a partir de um espécime do paciente,
uma infecção”. Nessa situação, os termos infecção e doença determinar se este é membro da microbiota normal é impor-
estão sendo empregados de forma permutável, mas é impor- tante para a interpretação do achado. A colonização refere-
tante perceber que, de acordo com a primeira definição, o -se à presença de um novo organismo, o qual não é membro
termo infecção não é equivalente a doença. Habitualmente, da microbiota normal, nem a causa dos sintomas. A distin-
o significado será evidente a partir do contexto. ção entre um patógeno e um colonizador pode constituir-se
As bactérias causam doenças por dois mecanismos prin- em um difícil dilema clínico, especialmente no caso de espé-
cipais: (1) produção de toxinas e (2) invasão e inflama- cimes obtidos a partir do trato respiratório, como culturas de
ção. As toxinas são classificadas em duas categorias gerais; garganta ou culturas de escarro.
exotoxinas e endotoxinas. As exotoxinas são polipeptídeos
liberados pela célula, enquanto as endotoxinas correspon- ESTÁGIOS DA PATOGÊNESE BACTERIANA
dem a lipopolissacarídeos (LPS) que são parte integral da A maioria das infecções bacterianas é adquirida a partir de
parede celular. As endotoxinas são observadas apenas em ba- uma fonte externa, e os estágios da infecção nesses casos são
cilos e cocos gram-negativos, não são liberadas ativamente descritos a seguir. Algumas infecções bacterianas são causa-
pela célula, e causam febre, choque e outros sintomas gene- das por membros da microbiota normal e, como tal, não
ralizados. Tanto as exotoxinas como as endotoxinas podem são transmitidas diretamente antes do estabelecimento da
causar sintomas por si, não sendo necessária a presença das infecção.
bactérias no hospedeiro. Bactérias invasivas, ao contrário, Uma sequência geral dos estágios da infecção ocorre das
crescem localmente em grande número e induzem uma res- seguintes maneiras:
posta inflamatória que consiste em eritema, edema, calor e
(1) Transmissão a partir de uma fonte externa até a por-
dor. A invasão e inflamação são discutidas abaixo, na seção
ta de entrada;
intitulada Determinantes da Patogênese Bacteriana.
Microbiologia Médica e Imunologia 43

(2) Evasão das defesas primárias, como a pele ou o ácido a partir de fontes externas. Os patógenos são eliminados de
estomacal; um paciente infectado mais frequentemente a partir dos tra-
(3) Adesão às membranas mucosas, geralmente por bac- tos respiratório e gastrintestinal; portanto, a transmissão para
térias que apresentam pili; um novo hospedeiro geralmente ocorre por meio de gotículas
(4) Colonização decorrente do crescimento das bacté- respiratórias transmitidas pelo ar, ou por contaminação fecal
rias no sítio de adesão; dos alimentos e da água. Os organismos podem também ser
(5) Sintomas da doença causados pela produção de toxi- transmitidos por contato sexual, pela urina, pelo contato com
na, ou invasão acompanhada de inflamação; a pele, por transfusões de sangue, por agulhas contaminadas,
(6) Respostas do hospedeiro, tanto inespecíficas como ou por picadas de insetos. A transferência de sangue, quer por
específicas (imunidade), durante os estágios 3, 4 e 5; transfusão ou por compartilhamento de agulhas durante o
(7) Progressão ou resolução da doença. uso de fármacos intravenosas, pode transmitir diversos pató-
genos bacterianos e virais. A análise do sangue doado quanto
DETERMINANTES DA PATOGÊNESE à presença de Treponema pallidum, HIV, vírus linfotrópico de
BACTERIANA células T humanas, vírus da hepatite B, vírus da hepatite C,
e vírus da febre do oeste do Nilo reduziu dramaticamente o
1. Transmissão risco de infecções por estes organismos.
Um entendimento sobre o mecanismo de transmissão de Nos Estados Unidos, as principais doenças bacterianas
bactérias e outros agentes infecciosos é extremamente im- transmitidas por carrapatos são a doença de Lyme, febre
portante do ponto de vista de saúde pública, pois a interrup- maculosa das Montanhas Rochosas, ehrlichiose, febre recor-
ção da cadeia de transmissão consiste em uma ótima forma rente e tularemia. Os carrapatos do gênero Ixodes transmi-
de prevenção de doenças infecciosas. O mecanismo de trans- tem três doenças infecciosas: doença de Lyme; ehrlichiose; e
missão de várias doenças infecciosas ocorre de “humano para babesiose, uma doença causada por protozoário.
humano”, porém as infecções são também transmitidas por Bactérias, vírus e outros micróbios podem também ser
fontes não humanas, como solo, água e animais. Os fômi- transmitidos da mãe para o recém-nascido, processo deno-
tes são objetos inanimados, como toalhas, que atuam como minado transmissão vertical. Os três mecanismos pelos
uma fonte de micro-organismos capazes de causar doenças quais os organismos são transmitidos verticalmente são
infecciosas. A Tabela 7-1 descreve alguns importantes exem- através da placenta, no interior do canal de parto durante
plos desses mecanismos de transmissão. o nascimento e aleitamento materno. A Tabela 7-2 descre-
Embora algumas infecções sejam causadas por membros ve alguns organismos de importância médica transmitidos
da microbiota normal, a maioria é adquirida pela transmissão verticalmente. (Contrariamente, a transmissão horizontal

Tabela 7-1 Importantes mecanismos de transmissão


Mecanismo de transmissão Exemplo clínico Comentário
I. De humano a humano
A. Contato direto Gonorreia Contato íntimo: p. ex., sexual, ou passagem através do canal de parto
B. Sem contato direto Disenteria Fecal-oral: p. ex., excretado nas fezes humanas e, em seguida, ingerido
no alimento ou água
C. Transplacentário Sífilis congênita As bactérias atravessam a placenta e infectam o feto
D. Pelo sangue Sífilis Sangue transfundido ou o uso de fármacos intravenosos podem trans-
mitir bactérias e vírus. O enxame do sangue destinado a transfusões
reduziu significativamente este risco.
II. De não humano a humano
A. Fonte do solo Tétano Os esporos presentes no solo penetram em ferimentos na pele
B. Fonte da água Doença dos legionários As bactérias presentes em aerossóis aquosos são inalados até os pul-
mões
C. Fonte animal
1. Diretamente Febre da arranhadura do gato As bactérias penetram na arranhadura provocada pelo gato
2. Via inseto vetor Doença de Lyme As bactérias penetram através da picada de carrapatos
3. Via excremento animal Síndrome urêmica-hemolítica As bactérias presentes nas fezes do gado são ingeridas em hambúr-
por E. coli gueres malcozidos
D. Fômite Infecção estafilocóccica da pele As bactérias presentes em um objeto, p. ex., uma toalha, são transferi-
das à pele
44 Warren Levinson

Tabela 7-2 Transmissão vertical de alguns patógenos importantes


Tipo de
Modo de transmissão Patógeno organismo1 Doenças no feto ou neonato
Transplacentária Treponema pallidum B Sífilis congênita
2
Listeria monocytogenes B Sépsis e meningite neonatais
Citomegalovírus V Anomalias congênitas
Parvovírus B19 V Hidropsia fetal
Toxoplasma gondii P Toxoplasmose
No interior do canal de parto/ Streptococcus agalactiae (estreptococo B Sépsis e meningite neonatais
durante o nascimento do grupo B)
Escherichia coli B Sépsis e meningite neonatais
Chlamydia trachomatis B Conjuntivite ou pneumonia
Neisseria gonorrhoeae B Conjuntivite
Herpes simples do tipo-2 V Infecção de pele, SNC, ou disseminada (sépsis)
Vírus da hepatite B V Hepatite B
3
Vírus da imunodeficiência humana V Infecção assintomática
Candida albicans F Monilíase
Leite materno Staphylococcus aureus B Infecções orais ou de pele
Citomegalovírus V Infecção assintomática
Vírus da leucemia de células T humano V Infecção assintomática
SNC = sistema nervoso central.
1
B, bactéria; V, vírus; F, fungo; P, protozoário.
2
Listeria monocytogenes também pode ser transmitida no momento do nascimento.
3
O HIV é transmitido principalmente no momento do nascimento, mas também é transmitido através da placenta e pelo leite materno.

consiste na transmissão interpessoal, excetuando-se a trans- mucosas; mutantes desprovidos desses mecanismos fre-
missão da mãe para o recém-nascido.) quentemente não são patogênicos. Por exemplo, os pili de
Existem quatro importantes portas de entrada: trato res- Neisseria gonorrhoeae e E. coli medeiam a ligação dos orga-
piratório, trato intestinal, trato genital, e pele (Tabela 7.3). nismos ao epitélio do trato urinário, enquanto o glicocálix
Micro-organismos importantes e doenças transmitidas pela de Staphylococcus epidermidis e determinados estreptococos
água são descritos na Tabela 7-4. do grupo viridans permite a adesão mais intensa dos or-
As importantes doenças bacterianas transmitidas por ganismos ao endotélio das válvulas cardíacas. As diversas
alimentos são listadas na Tabela 7-5, enquanto aquelas moléculas que medeiam a adesão às superfícies celulares são
transmitidas por insetos estão relacionadas na Tabela 7-6. O denominadas adesinas.
modo específico de transmissão de cada organismo é descri- A matriz formada por essas adesinas origina um revesti-
to na seção subsequente dedicada àquele organismo. mento denominado biofilme. Os biofilmes têm importância
Os animais são também uma importante fonte de or- na patogênese, uma vez que protegem as bactérias contra an-
ganismos que infectam os humanos. Podem corresponder à ticorpos e antibióticos.
fonte (reservatório) ou ao modo de transmissão (vetor) de Corpos estranhos, como válvulas cardíacas artificiais e
certos organismos. Doenças em que os animais atuam como articulações artificiais, predispõem às infecções. As bacté-
reservatórios são denominadas zoonoses. As doenças zoo- rias podem aderir-se a essas superfícies, porém os fagócitos
nóticas importantes causadas por bactérias estão listadas na aderem-se de forma mais fraca devido à ausência de selecti-
Tabela 7-7. nas e outras proteínas de ligação na superfície artificial (ver
Capítulo 8).
2. Adesão às superfícies celulares Algumas linhagens de E. coli e Salmonella apresentam
Determinadas bactérias possuem estruturas especializadas, proteínas de superfície denominadas curli, que medeiam a
por exemplo, pili, ou produzem substâncias, por exemplo, ligação das bactérias ao endotélio e a proteínas extracelulares
cápsulas ou glicocálices, que permitem sua adesão à su- como a fibronectina. As curli também interagem com pro-
perfície das células humanas, aumentando assim sua capa- teínas do soro, como o fator XII, um componente da cascata
cidade de causar doenças. Esses mecanismos de adesão são de coagulação. Desse modo, acredita-se que as curli desem-
essenciais para os organismos que se ligam às membranas penhem um papel na produção dos trombos observados na
Microbiologia Médica e Imunologia 45

Tabela 7-3 Portas de entrada para alguns patógenos comuns


Tipo de
Porta de entrada Patógeno organismo1 Doença
Trato respiratório Streptococcus pneumoniae B Pneumonia
Neisseria meningitidis B Meningite
Haemophilus influenzae B Meningite
Mycobacterium tuberculosis B Tuberculose
Influenzavírus V Gripe
Rhinovírus V Resfriado comum
Vírus Epstein-Barr V Mononucleose
Coccidioides immitis F Coccidioidomicose
Histoplasma capsulatum F Histoplasmose
Trato gastrintestinal Shigella dysenteriae B Disenteria
Salmonella typhi B Febre tifoide
Vibrio cholerae B Cólera
Vírus da hepatite A V Hepatite infecciosa
Poliovírus V Poliomielite
Trichinella spiralis H Triquinose
Pele Clostridium tetani B Tétano
Rickettsia rickettsii B Febre maculosa das Montanhas Rochosas
Vírus da raiva V Raiva
Trichophyton rubrum F Tinha do pé (pé de atleta)
Plasmodium vivax H Malária
Trato genital Neisseria gonorrhoeae B Gonorreia
Treponema pallidum B Sífilis
Chlamydia trachomatis B Uretrite
Vírus do papiloma humano V Verrugas genitais
Candida albicans F Vaginite
1
B, bactéria; V, vírus; F, fungo; P, protozoário; H, helminto.

coagulação intravascular disseminada (CID) associada à sép- (2) a coagulase, produzida por Staphylococcus aureus,
sis causada por essas bactérias. (Ver a discussão sobre endo- acelera a formação de um coágulo de fibrina a partir de seu
toxinas na página 55.) precursor, o fibrinogênio (esse coágulo pode proteger as bac-
térias contra a fagocitose por isolar a área infectada e revestir
3. Invasão, inflamação e sobrevivência intracelular os organismos com uma camada de fibrina).
Um dos dois principais mecanismos pelos quais as bacté- (3) a imunoglobulina A (IgA) protease, que degrada
rias causam doença consiste na invasão do tecido, seguida IgA, permitindo a adesão do organismo às membranas mu-
pela inflamação. (A resposta inflamatória é descrita no cosas, sendo produzida principalmente por N. gonorrhoeae,
Capítulo 8.) O outro mecanismo principal, a produção Haemophilus influenzae e Streptococcus pneumoniae.
de toxina, é descrito na Seção 4 deste capítulo. Um tercei- (4) leucocidinas, que são capazes de destruir leucócitos
ro mecanismo, a imunopatogênese, é descrito na Seção 5 neutrófilos e macrófagos.
deste capítulo.
Várias enzimas secretadas por bactérias invasivas desem- Além dessas enzimas, vários fatores de virulência con-
penham papel na patogênese. Dentre as mais proeminentes tribuem para a invasividade por limitarem a ação efetiva dos
estão mecanismos de defesa, especialmente a fagocitose.

(1) a colagenase e hialuronidase, que degradam o co- (1) O mais importante desses fatores antifagocitários
lágeno e o ácido hialurônico, respectivamente, permitindo, corresponde à cápsula externa à parede celular de vários
assim, a disseminação das bactérias através do tecido subcu- patógenos importantes, tais como S. pneumoniae e Neisseria
tâneo; são especialmente importantes na celulite causada por meningitidis. A cápsula polissacarídica impede a adesão do
Streptococcus pyogenes. fagócito às bactérias; anticorpos anticapsulares permitem
46 Warren Levinson

Tabela 7-4 Transmissão de importantes doenças veiculadas pela água


Porta de entrada Patógeno Tipo de organismo1 Doença
Trato gastrintestinal
1. Ingestão de água potável Espécies de Salmonella B Diarreia
Espécies de Shigella B Diarreia
Campylobacter jejuni B Diarreia
Norovírus2 V Diarreia
Giardia lamblia P Diarreia
Cryptosporidium parvum P Diarreia
3
2. Ingestão de água durante a natação Leptospira interrogans B Leptospirose
Trato respiratório
Inalação de aerossol aquoso Legionella pneumophila B Pneumonia (doença dos legionários)
Pele
Penetração através da pele Pseudomonas aeruginosa B Foliculite associada a banheiras de
Schistosoma mansoni H hidromassagem
Esquistossomose
Nariz
Penetração através da placa cribriforme Naegleria fowleri P Meningoencefalite
até as meninges e o cérebro
1
B, bactéria; V, vírus; P, protozoário; H, helminto.
2
Anteriormente denominados vírus tipo Norwalk.
3
Todos os organismos que causam diarreia pela ingestão de água potável também causam diarreia pela ingestão de água durante a natação.

a ocorrência de fagocitose mais eficaz (processo denomi- nulomatosas. As mais conhecidas dessas bactérias pertencem
nado opsonização) (ver página 65). As vacinas contra S. aos gêneros Mycobacterium, Legionella, Brucella e Listeria. O
pneumoniae, H. influenzae e N. meningitidis contêm polis- fungo mais bem conhecido corresponde a Histoplasma. Esses
sacarídeos capsulares que induzem anticorpos protetores organismos não são parasitas intracelulares obrigatórios, o
anticapsulares. que os diferencia de Chlamydia e Rickettsia. Eles podem ser
(2) Um segundo grupo de fatores antifagocitários con- cultivados em meios microbiológicos no laboratório e, por-
siste em proteínas da parede celular de cocos gram-positivos, tanto, não são parasitas intracelulares obrigatórios. Ao invés
como a proteína M de estreptococos do grupo A (S. pyogenes) disso, preferem uma localização intracelular, provavelmen-
e a proteína A de S. aureus. A proteína M é antifagocitária, te por ficarem protegidos dos anticorpos e neutrófilos que
enquanto a proteína A liga-se à IgG, impedindo a ativação atuam extracelularmente.
do complemento. Esses fatores de virulência estão resumidos Essas bactérias utilizam diferentes mecanismos para per-
na Tabela 7-8. mitir sua sobrevivência e seu crescimento intracelular. Esses
incluem (1) inibição da fusão do fagossomo ao lisossomo,
As bactérias podem causar dois tipos de inflamação:
permitindo que os organismos evitem as enzimas degradati-
piogênica e granulomatosa. Na inflamação piogênica (com
vas do lisossomo; (2) inibição da acidificação do fagossomo,
produção de pus), os neutrófilos são as células predominan-
que reduz a atividade das enzimas degradativas do lisossomo;
tes. Algumas das bactérias piogênicas mais importantes são
e (3) escape a partir do fagossomo para o interior do cito-
os cocos gram-positivos e gram-negativos listados na Tabe-
plasma, onde não há enzimas degradativas. Sabe-se que os
la 7-8. Na inflamação granulomatosa, há o predomínio de
membros dos gêneros Mycobacterium e Legionella utilizam
macrófagos e células T. O organismo mais importante dessa
o primeiro e o segundo mecanismos, enquanto espécies de
categoria é Mycobacterium tuberculosis. Não foram identifica-
Listeria utilizam o terceiro.
das enzimas ou toxinas bacterianas que induzem os granulo-
A invasão das células pelas bactérias depende da intera-
mas. Ao invés disso, os antígenos bacterianos aparentemente
ção de proteínas específicas da superfície bacteriana, deno-
estimulam o sistema imune mediado por células, resultando
minadas invasinas, e de receptores celulares específicos, per-
na atividade de linfócitos T e macrófagos sensibilizados. A
tencentes à família integrina de proteínas transmembrânicas
fagocitose promovida por macrófagos mata a maioria das
de adesão. O deslocamento das bactérias para o interior da
bactérias, porém algumas sobrevivem e crescem no interior
célula é uma função dos microfilamentos de actina. Uma vez
dos macrófagos, no granuloma.
no interior da célula, estas bactérias tipicamente situam-se
A sobrevivência intracelular é um importante atribu-
no interior de vacúolos celulares, como os fagossomos. Al-
to de determinadas bactérias, que aumenta sua capacidade
gumas permanecem neste local, outras migram para o cito-
de promover a doença. Essas bactérias são denominadas
plasma, enquanto algumas movem-se do citoplasma para as
patógenos “intracelulares” e geralmente causam lesões gra-
Microbiologia Médica e Imunologia 47

Tabela 7-5 Doenças bacterianas transmitidas por alimentos


Bactéria Alimento típico Principal reservatório Doença
I. Doença diarreicas
Cocos gram-positivos Massa recheadas com creme à base de Humanos Intoxicação alimentar, espe-
Staphylococcus aureus ovos; salada de batata, ovo ou atum cialmente vômitos
Bacilos gram-positivos
Bacillus cereus Arroz reaquecido Solo Diarreia
Clostridium perfringens Carne cozida, ensopado e molho de Solo, animais ou humanos Diarreia
carne
Listeria monocytogenes Produtos lácteos não pasteurizados Solo, animais ou plantas Diarreia
Bacilos gram-negativos
Escherichia coli Diversos alimentos e água Humanos Diarreia
E. coli linhagem O157:H7 Carne malcozida Gado bovino Colite hemorrágica
Salmonella enteritidis Aves, carnes, e ovos Animais domésticos, Diarreia
especialmente aves
Salmonella typhi Vários alimentos Humanos Febre tifoide
Espécies de Shigella Vários alimentos e água Humanos Diarreia (disenteria)
Vibrio cholerae Vários alimentos, p. ex., alimentos Humanos Diarreia
marinhos e água
Vibrio parahaemolyticus Alimentos marinhos Água salgada quente Diarreia
Campylobacter jejuni Vários alimentos Animais domésticos Diarreia
Yersinia enterocolitica Vários alimentos Animais domésticos Diarreia
II. Doenças não diarreicas
Bacilos gram-positivos
Clostridium botulinum Legumes e peixe defumado envasados Solo Botulismo
inadequadamente
Listeria monocytogenes Produtos lácteos não pasteurizados Vacas Sépsis no neonato ou mãe
Bacilos gram-negativos
Vibrio vulnificus Frutos do mar Água salgada quente Sépsis
Espécies de Brucella Carne e leite Animais domésticos Brucelose
Francisella tularensis Carne Coelhos Tularemia
Micobactérias
Mycobacterium bovis Leite Vacas Tuberculose intestinal

células adjacentes através de túneis formados pela actina. A que cliva as proteínas de transdução de sinal necessárias à
infecção das células adjacentes dessa maneira permite que as indução da síntese de TNF. Isso inibe a ativação de nossas
bactérias escapem das defesas do hospedeiro. Por exemplo, defesas e contribui para a capacidade do organismo causar a
Listeria monocytogenes agrega filamentos de actina em sua su- peste bubônica.
perfície, sendo propelida de uma célula hospedeira a outra Em 1999, uma proteína denominada DNA adenina
por um mecanismo similar a uma “atiradeira”, denominado metilase (Dam) foi identificada como um “controlador prin-
foguetes de actina. cipal” de diversos fatores de virulência em várias espécies de
As “Yops” (do inglês, Yersinia outer-membrane proteins patógenos humanos. Por exemplo, em E. coli, essa proteína
– proteínas da membrana externa de Yersinia), produzidas controla a síntese dos pili responsáveis pela adesão do or-
por várias espécies de Yersinia correspondem a importantes ganismo ao epitélio da bexiga. Foi demonstrado que linha-
exemplos de fatores de virulência bacterianos que atuam gens mutantes de Salmonella, incapazes de produzir Dam,
principalmente após a invasão das células humanas pelo tornam-se não patogênicas. Isso sugere que esses mutantes
organismo. Os efeitos mais importantes das proteínas Yops podem ser úteis como imunógenos em vacinas vivas contra
são a inibição da fagocitose pelos neutrófilos e macrófagos, várias doenças bacterianas.
assim como a inibição da produção de citocina, por exem- O genes que codificam vários fatores de virulência de
plo, produção do fator de necrose tumoral (TNF; do inglês, bactérias são agrupados em ilhas de patogenicidade no
tumor necrosis factor) pelos macrófagos. Por exemplo, uma cromossomo bacteriano. Por exemplo, em muitas bactérias,
das proteínas Yops de Yersinia pestis (Yop J) é uma protease os genes codificadores de adesinas, invasinas e exotoxinas
48 Warren Levinson

Tabela 7-6 Doenças bacterianas transmitidas por insetos


Bactéria Inseto Reservatório Doença
Bacilos gram-negativos
Yersinia pestis Pulgas de rato Roedores, p. ex., ratos e cães selvagens Peste
Francisella tularensis Carrapatos (Dermacentor) Diversos animais, p. ex., coelhos Tularemia
Espiroquetas
Borrelia burgdorferi Carrapatos (Ixodes) Camundongos Doença de Lyme
Borrelia recurrentis Piolhos Humanos Febre recorrente
Riquétsias
Rickettsia rickettsii Carrapatos (Dermacentor) Cães, roedores e carrapatos (Dermacentor) Febre maculosa das Montanhas
Rochosas
Rickettsia prowazekii Piolhos Humanos Tifo epidêmico
Ehrlichia chafeensis Carrapatos (Dermacentor) Cães Ehrlichiose

Tabela 7-7 Doenças zoonóticas causadas por bactérias


Bactéria Principal reservatório Mecanismo de transmissão Doença
Bacilos gram-positivos
Bacillus antracis Animais domésticos Contato direto Antraz
Listeria monocytogenes Animais domésticos Ingestão de produtos lácteos não pasteu- Sépsis no neonato ou mãe
rizados
Erysipelothrix rhusiopathiae Peixe Contato direto Erisipeloide
Bacilos gram-negativos
Bartonella henselae Gatos Arranhadura na pele Doença da arranhadura do gato
Espécies de Brucella Animais domésticos Ingestão de produtos lácteos não pasteu- Brucelose
rizados; contato com tecidos animais
Campylobacter jejuni Animais domésticos Ingestão de carne contaminada Diarreia
Escherichia coli O157:H7 Gado bovino Fecal-oral Colite hemorrágica
Francisella tularensis Vários animais, especialmente Picada de carrapato e contato direto Tularemia
coelhos
Pasteurella multocida Gatos Mordedura por gato Celulite
Salmonella enteritidis Aves domésticas, ovos e gado Fecal-oral Diarreia
bovino
Yersinia enterocolitica Animais domésticos Fecal-oral Diarreia
Yersinia pestis Roedores, especialmente ratos Picada por pulga de rato Sépsis
e cães selvagens
Micobactérias
Mycobacterium bovis Vacas Ingestão de produtos lácteos não pasteu- Tuberculose intestinal
rizados
Espiroquetas
Borrelia burgdorferi Camundongos Picada de carrapato (Ixodes) Doença de Lyme
Leptospira interrogans Ratos e cães Urina Leptospirose
Clamídias
Chlamydia psittaci Aves psitacídeas Inalação de aerossóis Psitacose
Riquétsias
Rickettsia rickettsii Ratos e cães Picada de carrapato (Dermacentor) Febre maculosa das Montanhas
Rochosas
Coxiella brunetii Ovelhas Inalação de aerossóis de líquido amniótico Febre Q
Ehrlichia chafeensis Cães Picada de carrapato (Dermacentor) Ehrlichiose
50 Warren Levinson

Tabela 7-9 Principais características de exotoxinas e endotoxinas


Comparação de propriedades
Propriedade Exotoxina Endotoxina
Fonte Determinadas espécies de bactérias gram-positivas e Parede celular de bactérias gram-negativas
gram-negativas
Secreção pela célula Sim Não
Química Polipeptídeo Lipopolissacarídeo
Localização dos genes Plasmídeo ou bacteriófago Cromossomo bacteriano
Toxicidade Elevada (dose fatal na ordem de 1 μg) Baixa (dose fatal na ordem de centenas de microgramas)
Efeitos clínicos Vários efeitos (ver texto) Febre, choque
Mecanismo de ação Vários mecanismos (ver texto) Inclui TNF e interleucina-1
Antigenicidade Induz altos títulos de anticorpos, denominados antitoxinas Fracamente antigênica
Vacinas Toxoides utilizados como vacinas Sem formação de toxoides e não há vacina disponível
o
Termoestabilidade Destruída rapidamente a 60 C (exceto a enterotoxina esta- Estável a 100o C por 1 hora
filocóccica)
Doenças típicas Tétano, botulismo, difteria Meningococcemia, sépsis por bacilos gram-negativos
TNF = fator de necrose tumoral; do inglês, tumor necrosis factor.

e tétano. Quando tratados com formaldeído (ou por ácido, e a exotoxina A de Pseudomonas realizam a ADP-ribosilação
ou por calor), os polipeptídeos das endotoxinas são conver- do fator de elongação 2 (EF-2; do inglês, elongation factor),
tidos em toxoides, que são utilizados em vacinas protetoras, promovendo, assim, sua inativação e consequente inibição
uma vez que retêm sua antigenicidade, porém perdendo sua da síntese proteica. Por outro lado, a toxina colérica e a to-
toxicidade. xina de E. coli realizam a ADP-ribosilação da proteína Gs,
Muitas exotoxinas possuem uma estrutura em subu- promovendo, assim, sua ativação. Isso acarreta um aumento
nidades A-B; a subunidade A (ou ativa) possui a atividade na atividade da adenilato ciclase, um consequente aumento
tóxica, enquanto a subunidade B (ou de ligação; do inglês, na quantidade de adenosina monofosfato cíclico (AMP) e
binding) é responsável pela ligação da exotoxina a recepto- produção de diarreia aquosa. A toxina pertussis corresponde
res específicos na membrana da célula humana. Importantes a uma interessante variação nesse tema. Ela ADP-ribosila a
exotoxinas que possuem a estrutura em subunidades A-B in- proteína Gi, inativando-a. A inativação de proteínas G ini-
cluem a toxina diftérica, toxina tetânica, toxina botulínica, bitórias ativa a adenilato ciclase, causando um aumento na
toxina colérica e a enterotoxina de E. coli (Figura 7-1). quantidade de AMP cíclico, que desempenha papel no de-
A subunidade A de diversas exotoxinas importantes sencadeamento dos sintomas da coqueluche.
atua por meio da ADP-ribosilação; isto é, a subunidade A As exoenzimas são liberadas pelas bactérias a partir es-
é uma enzima que catalisa a adição de adenosina difosfato truturas especializadas denominadas “sistemas de secre-
ribose (ADP-ribose) à proteína-alvo da célula humana. A ção”. Alguns sistemas de secreção transportam as exotoxinas
adição de ADP-ribose à proteína-alvo frequentemente pro- ao espaço extracelular, enquanto outros transportam as exo-
voca a inativação desta, porém pode também promover sua toxinas diretamente para o interior da célula de mamíferos.
hiperativação, sendo qualquer dos processos capaz de cau- Aqueles que transportam as exotoxinas diretamente ao inte-
sar os sintomas da doença. Por exemplo, a toxina diftérica rior da célula de mamíferos são especialmente efetivos, uma

CÉLULA HUMANA
ADP-R
Inibição da
Subunidade ativa síntese proteica
Toxina
diftérica
Subunidade de ligação Fator de
elongação 2

Figura 7-1 Mecanismo de ação da toxina diftérica. A toxina liga-se à superfície celular por meio de sua subunidade de ligação, en-
quanto a subunidade ativa penetra na célula. A subunidade ativa é uma enzima que catalisa a adição de ADP-ribose (ADP-R) ao fator de
elongação 2 (EF-2). Este processo inativa EF-2, inibindo a síntese proteica.

Você também pode gostar